Anúncio do Consolador
«Se me amais, observai os mandamentos – e rogarei a meu Pai, ele enviar-vos-á
um outro Consolador para que fique eternamente convosco: o Espírito
de Verdade que este mundo não pode receber porque o não vê;
mas quanto a vós, vós conhecê-lo-eis, porque ele habitará convosco e estará em
vós. Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu Pai enviará em meu
nome, ensinar-vos-á todas as coisas e fará com que vos recordeis de
tudo o que vos disse» («São João», Capítulo XIV, v. 15, 16, 17, 26. O
Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo VI).
«No entanto, digo-vos a verdade: é-vos útil que me vá embora,
porque se não for, o Consolador não virá até vós; mas eu vou-me embora e
enviá-lo-ei. E quando ele tiver vindo, convencerá o mundo no
que toca ao pecado, no que toca à justiça e no que
toca ao julgamento: no que toca ao pecado porque não acreditaram em
mim; no tocante à justiça, porque eu vou para o meu Pai e não me voltareis a
ver; no tocante ao julgamento, porque o príncipe deste mundo já foi julgado.
»Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas presentemente não as podeis
suportar.
»Quando este Espírito de Verdade vier, ele ensinar-vos-á toda a
verdade, pois não falará de si mesmo mas dirá tudo o que tiver ouvido e
anunciar-vos-á as coisas que hão-de vir.
»Glorificar-me-á porque receberá do que é meu e vo-lo
anunciará.» («São João», Capítulo XVI, v. de 7 a 14.)
Esta profecia é sem contestação uma das mais importantes do ponto de vista
religioso, pois refere da forma menos equívoca que Jesus não disse
tudo o que tinha para dizer, porque não teria sido
compreendido, nem mesmo pelos seus apóstolos, pois é a eles que se dirige. Se
lhes tivesse dado instruções secretas, tê-lo-iam mencionado no Evangelho. A
partir do momento em que não disse tudo aos seus apóstolos, os seus sucessores
não puderam saber mais do que eles; eles podem então ter-se enganado quanto
ao sentido das suas palavras, dar uma falsa interpretação aos seus pensamentos,
muitas vezes velados sob a forma de parábola. As religiões fundadas sobre o
Evangelho não podem portanto dizer que estão na posse de toda a
verdade, dado que ele se coibiu de completar posteriormente as suas
instruções. O seu princípio de imutabilidade é um desmentido feito às próprias
palavras de Jesus.
Anuncia com o nome de Consolador e de Espírito de
Verdade o que deve ensinar todas as coisas e
fazer recordar o que ele disse; portanto, os seus ensinamentos
não estavam completos; além disso, prevê que tenham esquecido o que ele dissera
e que o tenham deformado, dado que o Espírito de Verdade deve fazê-los recordar,
e de acordo com Elias restabelecer todas as coisas, isto é, segundo
o verdadeiro pensamento de Jesus.
Quando deve chegar este novo revelador? É bem evidente que se na época em
que Jesus falava, os homens não estavam em estado de
perceber as coisas que lhe faltava dizer, não era em poucos anos que poderiam
adquirir a perspicácia necessária. Para a compreensão de determinada parte do
Evangelho, com excepção dos preceitos de moral, eram necessários conhecimentos
que só o progresso das ciências podia dar e que deveriam ser
obra do tempo e de várias gerações. Se então o novo Messias
tivesse vindo pouco depois de Cristo, teria encontrado o terreno igualmente pouco
propício e não teria feito mais do que ele. Ora, desde Cristo até aos nossos
dias, não se deu nenhuma grande revelação que tenha completado
o Evangelho e que dele tenha esclarecido as partes obscuras, índice certo de
que o Enviado não tinha ainda aparecido.
Quem deve ser esse Enviado? Jesus ao dizer: «Rogarei ao meu Pai e ele
enviar-vos-á um outro Consolador», indica claramente que não se trata dele
mesmo, caso contrário teria dito: «Voltarei para completar o que vos
ensinei.» Depois acrescenta: Para que habite eternamente convosco
e ele estará em vós. Isto não se poderia entender de uma
individualidade encarnada, que não pode permanecer eternamente connosco e ainda
menos estar em nós, mas compreende-se muito bem de uma doutrina que,
com efeito, depois de a assimilarmos, pode estar eternamente em nós. O Consolador é,
portanto, no pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina
soberanamente consoladora, cujo inspirador deve ser o Espírito
de Verdade.
O Espiritismo preenche, conforme foi demonstrado
(Capítulo I, n.º 30), todas as condições do Consolador prometido
por Jesus. Não é de
maneira nenhuma uma doutrina individual, uma concepção humana;
ninguém se pode dizer seu criador. É o produto dos ensinamentos colectivos dos
Espíritos a que preside o Espírito de Verdade. Não suprime nada ao
Evangelho: completa-o e elucida-o; com a ajuda de novas leis
que revela, juntas às das ciências, faz compreender o que era ininteligível,
admitir a possibilidade daquilo que a incredulidade considerava inadmissível.
Teve os seus perseguidores e os seus profetas, que previram a sua chegada.
A doutrina de Moisés, incompleta, expandiu-se por toda a Terra
através do povo judeu; a de Jesus, mais completa, expandiu-se por
toda a Terra através do Cristianismo, mas não converteu toda a gente; o
Espiritismo, mais completo ainda, tendo raízes em todas as
convicções, converterá a humanidade. (*)
Jesus, ao dizer aos seus apóstolos: «Um outro virá mais tarde que vos
ensinará o que vos não posso dizer agora», proclamava por isto mesmo
a necessidade da reencarnação. Como é que aqueles homens
podiam tirar proveito do ensino mais completo que deveria ser dado
posteriormente; como estariam mais aptos a compreendê-lo se não devessem voltar
a viver? Jesus teria dito uma inconsequência se os homens futuros devessem,
segundo a doutrina vulgar, ser homens novos, almas saídas do nada à
nascença. Admiti, pelo contrário, que os apóstolos e os homens do seu tempo
voltaram a viver depois; se ainda hoje revivem, a promessa de Jesus
encontra-se justificada; a sua inteligência, que se deve ter
desenvolvido no contacto com a vida social, pode suportar agora o que não podia
suportar então. Sem a reencarnação, a promessa de Jesus teria sido ilusória.
Se disséssemos que esta promessa foi cumprida no dia de Pentecostes através da
descida do Espírito Santo, responderiam que o Espírito santo os tinha
inspirado, que conseguiu abrir-lhes a inteligência, desenvolver nelas as
aptidões mediúnicas que deveriam facilitar-lhes a missão, mas que nada lhes
ensinou a mais do que Jesus lhes
tinha ensinado, pois não encontramos qualquer vestígio de ensinamento especial.
O Espírito Santo não realizou portanto o que Jesus tinha anunciado sobre o
Consolador; caso contrário os apóstolos teriam esclarecido, ainda em vida, tudo
o que permaneceu obscuro no Evangelho até hoje e cuja interpretação
contraditória deu lugar às inúmeras seitas que dividiram o Cristianismo a
partir dos primeiros séculos.
/…
(*) Todas as doutrinas filosóficas e religiosas trazem o
nome da individualidade fundadora: diz-se o Moseísmo, o Cristianismo, o
Maometismo, o Budismo, Cartesianismo, o Fourierismo, o Simonismo, etc. A
palavra Espiritismo, pelo contrário, não lembra nenhuma personalidade; encerra
uma ideia geral que indica simultaneamente o carácter e a fonte múltipla
da doutrina. (N. do A.)
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo – Capítulo XVII, PROFECIAS DO EVANGELHO – Anúncio do
Consolador 35 a 42, tradução portuguesa de Maria Manuel
Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: A reinvenção do azul,
pintura em acrílico de Costa
Brites)
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