sexta-feira, 20 de março de 2015

O Mundo Invisível e a Guerra ~

II – Cenas do Espaço. Visões Reais da Guerra e da Epopeia (III)

|Janeiro de 1915|

Breve soará, qual jubilosa marcha militar, a hora da vitória. Toda a França está de pé: a do presente e a do passado, a dos vivos e a dos mortos!

As forças invisíveis e divinas estão em acção porque a luta que se trava é grande e sacrossanta. É a luta da liberdade, do direito e da justiça contra a brutalidade armada e o despotismo cínico e grosseiro. Por isso a França não pode ser derrotada, pois a causa que defende é a da humanidade. A vitória da Alemanha seria o retrocesso da consciência, a apoteose de todos os crimes. Deus não o permitirá!

Por muitas vezes, no decorrer dos séculos, a França foi campeã das ideias humanitárias, oferecendo o seu ouro e o seu sangue na defesa dos fracos e a libertação dos oprimidos. Eis por que as suas mais estrondosas derrotas foram sempre seguidas de um rápido reerguer.

Não obstante os seus erros e as suas faltas, a França é necessária para a ordem do mundo.

Mais do que qualquer outro país, em todas as esferas, sempre serviu ao ideal, chegando inclusive ao sacrifício, porque o seu papel é humanitário.

Graças à clareza da sua língua e à lucidez do seu espírito, os princípios que defende penetram mais profundamente nas inteligências e nos corações, e todos os povos hauriram nela como numa inesgotável fonte.

No futuro, a sua influência ainda será maior, pois do seu seio surgirão missionários que irradiarão o Espiritismo sobre toda a Terra.

Poder-se-ia afirmar que a França é mulher, pois que sintetiza a beleza e a verdade, razão porque paira uma alma feminina acima dos seus espíritos protectores.

A ajuda de Joana d’Arc dará um verdadeiro rumo aos factos e restituirá à França a consciência do seu papel e do seu destino grandioso.

Com o aparecimento da Virgem Lorena, os espíritos que nos protegem sentiram aumentar a sua confiança, a sua certeza na vitória.

Inúmeros exércitos foram preparados e chegará o dia em que Joana estará à frente deles e, embora invisível, os nossos soldados experimentarão a sensação da sua presença e ela lhes transmitirá a coragem que a envolve.

Numa decisão viril, desafiando o fogo e a metralha, os soldados franceses marcharão, com conhecimento de causa, contra o inimigo. E o vento que sopra sobre as planícies da Flandres, na floresta dos Vosges, fará flutuar, novamente, as nossas bandeiras vitoriosas.

Os franceses escreverão, com o seu próprio sangue, as páginas mais gloriosas da nossa história.

/…



LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, II – Cenas do Espaço, Visões Reais da Guerra e da Epopeia (3 de 3), 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

quarta-feira, 11 de março de 2015

pensamento espírita argentino ~

CAPÍTULO I
Fundamentos científicos da concepção neo espírita da vida e da história |

Que somos? (IV)

Quando se trata de explicar a individualidade fisiológica, o positivista o faz considerando o homem como simples agregado celular, como um organismo social polizóico, análogo, segundo Dastre, a “uma cidade populosa” cujas corporações “executam tarefas diferentes e proporcionam produtos tanto mais variados quanto maior for o grau de adiantamento adquirido”. A entidade psíquica biocêntrica, a causa directriz centralizadora, não está contida na concepção empírica do eu físico.

Quando se trata de explicar a individualidade psicológica, afirma-se analogamente que esta carece de unidade substancial. Assim diz Ribot:

“A unidade não é a entidade una dos espiritualistas que se espalha em fenómenos múltiplos, mas a coordenação de certo número de estados de incessante renovação, tendo por único ponto de apoio o sentimento vago de nosso corpo. Esta unidade não vai de cima para baixo nem de baixo para cima; não é um ponto inicial, senão um ponto terminal.”

Isto equivale a dizer que o espírito não é um princípio essencial, produtor de fenómenos psíquicos, mas o resultado, o produto, destes fenómenos coordenados.

Segundo Félix Le Dantec, a individualidade transforma-se seguindo o processo lento e contínuo de seu organismo, que, como é sabido, muda incessantemente. Diz ele:

“Mas, em virtude da lei de assimilação funcional e da conexão particular das subsistências, haverá continuidade no tempo entre as diversas personalidades sucessivas e por isto o eu psicológico acompanha o indivíduo fisiológico desde o seu nascimento até à sua morte, por meio das suas modificações incessantes.”

Que o indivíduo mude de personalidade, seguindo um processo análogo ao do seu organismo, é uma verdade incontestável, mas não o é menos que a individualidade, que não muda com a personalidade, nem que o processo de transformação entre esta e o organismo seja necessariamente correlato. Por meio de todas as mudanças, o homem se reconhece o mesmo indivíduo. E esta identidade psicológica do eu não se pode explicar pela assimilação funcional nem pela conexão particular das substâncias orgânicas e funcionamentos de um mesmo eu. O Voltaire, o Hugo ou Tolstói nos anos 80, apesar de terem sido crianças, jovens, homens maduros e respectivamente anciãos, de haverem mudado de físico, de ideias, de opiniões, de conduta e até de carácter, são os mesmos indivíduos, eles mesmos se reconhecem nas suas obras, através de todas estas mudanças de personalidade e apesar também de haverem mudado muitas vezes os átomos, moléculas e as células do seu organismo.

Muitos fisiólogos, entre eles Marinesco e o mesmo Le Dantec, para salvar a concepção positivo-materialista do fracasso, atribuem à célula cerebral uma duração indefinida e o último destes sábios chega até a sustentar que a matéria viva não se destrói, conceito que já havia sustentado Haeckel, no seu “Monismo”. Admitir semelhante hipótese seria concluir que há em nós uma matéria viva permanente e outra inerte que se renova sem cessar e que sofre o influxo vital daquela, ou teria de se admitir, com Marinesco, que a célula cerebral perdura por meio da incessante renovação da matéria do resto do organismo, hipótese atrevida e de nenhum modo demonstrada pela ciência experimental.

A célula viva não pode ter uma duração ilimitada num organismo que muda constantemente. Por sua parte, os psicofisiologistas, como Geley, lançam mão de verdadeiros entes psicometafísicos, como faz Wundt com a “percepção”, a que atribui o papel unitário para conciliar a multiplicidade dos fenómenos psíquicos com a noção, hoje experimentalmente provada, da unidade do eu. Mas, como diz Boutroux, “em qualquer ponto de vista que alguém se coloque, a multiplicidade não contém a razão da unidade”.

O ponto de apoio da psicologia positiva é a célula nervosa, a que se atribui a faculdade de sentir, de transmitir e assimilar as sensações e, por sequência, de produzir por si mesma e em relação com as demais, todos os fenómenos psicológicos. Para atribuir-lhe tal faculdade, o positivismo deve demonstrar antes, experimentalmente, que a célula nervosa está dotada de um psiquismo particular e é capaz de ter espontaneidade. Sabe-se que é irritável, mas nada tem demonstrado ainda que tenha sensibilidade, consciência e disposições próprias para exercer espontaneamente as suas funções e associar-se deliberadamente para realizar uma acção conjunta e menos ainda para transmitir por assimilação a ideia de individualidade, a consciência do eu único e indivisível. Afirma Claude Bernard:

“A matéria por si mesma é inerte e até mesmo a matéria viva, neste sentido, deve ser considerada como desprovida de personalidade.”

A célula não trabalha, pois, por si mesma; não tem participação voluntária nos fenómenos psíquicos; trabalha sob a impulsão de estímulos externos e internos; a alma é que tem a faculdade de sentir, de ter consciência das suas sensações e de dirigir, consciente ou inconscientemente, todos os fenómenos que se realizam nela. Quando, por exemplo, ferimos um dedo, não é o centro táctil, senão nós que sentimos a dor e temos consciência desta dor, ao mesmo tempo em que a parte em que se supõe localizada a sensação nada sabe. Quando as ondas luminosas chegam aos nossos olhos penetram pelas pupilas e formam sobre a retina a imagem de uma formosa paisagem que se encontra num quadro posto ante a nossa vista, e por um movimento do nervo óptico, a excitação que provoca transmite-se ao centro visual, dando-nos a imagem dessa paisagem, perguntamos: é um acaso o centro visual ou sensorial ou os centros de associação que vêm o quadro, os que têm consciência da beleza da paisagem, os que apreciam o seu valor estético, admiram os variados matizes do colorido, a perspectiva, os efeitos de luz, a regular proporção das suas partes, os que fazem, enfim, o seu juízo crítico? Ou somos nós, seres espirituais (ainda que unidos à matéria) dotados de sensibilidade artística, de sentimento estético, de faculdades de apreciação e discernimento? O que sabe o centro visual do sentimento e da beleza, o centro auditivo, da emoção que produz na minha alma um trecho de música selecta, o centro táctil, da sensação que produz a carícia de uma mãe, ou o centro da memória, do amor ou do ódio que desperta uma lembrança? Em virtude de que lei, de que princípio e obedecendo a que mandato, a que poder centralizador, as percepções e sensações se associam para dar unidade à consciência, formar pensamentos, coordenar ideias e juízos ou tomar determinações?

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Manuel S. PorteiroEspiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (IV), 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa)