sábado, 22 de dezembro de 2018

O Espiritismo na Arte ~

Parte II

Quarta lição, de O Esteta

(Inspiração nos tempos modernos, Inspiração científica e inspiração idealista. Inspiração, forma que concretiza a arte)

|5 de Dezembro de 1921|

“Vamos falar da inspiração nos tempos modernos. Vós ides compreender que há três grandes etapas: iniciação, trabalho e progressão. O desabrochar, parcial sobre os mundos, é completo no espaço. Vimos os nossos artistas fazerem a sua iniciação na Antiguidade, seja na Grécia, no Egipto ou em Roma. De volta ao espaço, estes seres amadureceram e aproveitaram as qualidades adquiridas numa ambiência material; retornando à Terra, numa outra encarnação, eles trouxeram o seu ideal da época da Renascença; depois este ideal se expandiu, um século mais tarde, nas letras, nas artes e na arquitectura. Eu quero falar do século de Luís XIV. Tendo estes espíritos retornado ao espaço, durante um tempo bastante longo, a inspiração em geral foi apenas medíocre no século XVIII e latente no XIX.

Em que consiste a inspiração na nossa época?

Os Espíritos, imbuídos das belas obras rebuscadas sobre a Terra e no espaço, e que estão actualmente desencarnados, retornarão no momento em que a arte e o espírito, divinizados, deverão reflorir de uma forma mais intensa. Paralelamente, outros espíritos, que anteriormente trabalharam para a evolução material, se impregnaram de positivismo e, aqui na Terra, na hora presente, a sua inspiração, que está classificada como inspiração pessoal, encaminha-se para as coisas científicas. Mas o grupo de artistas idealistas que fica no espaço busca iluminar com uma luz divina estes seres que têm belas qualidades, sob o ponto de vista do trabalho, e que devem fazer surgir a centelha da ciência.

Eis por que, neste momento, observais uma luta entre a ciência pura e a procura dos destinos humanos, a sua formação e a do Cosmos.

Vós ireis perguntar-me: Como concebeis a arte no espaço? A arte brota da inspiração, assim sendo era necessário mostrar-vos como a arte se desenvolve e cresce numa evolução constante, para que pudésseis perceber a marcha ascendente da espiritualidade. Somente quando compreenderdes bem como a centelha artística, a centelha divina, se liberta do espírito é que podereis compreender e também idealizar os quadros que se passam no espaço, mais grandiosos e mais completos que aqueles que vedes sobre a Terra e que deles são apenas um pálido reflexo.

Os espíritos positivos terrestres, provindos de uma centelha criadora, procuraram, pela inspiração científica que lhes é própria e por aquela que recebem dos seres desencarnados, descobrir o mistério da vida e do Universo.

Todas as forças se entrecruzam, do mundo visível ao mundo invisível. Do alto, os espíritos idealistas buscam animar, com um ardor que os espiritualize, os seres que trabalharam em períodos diversos e que, desse facto, adquiriram uma inspiração pessoal, mas rígida e fria.

Os cientistas da vossa época não viveram no mesmo tempo que os idealistas que conceberam tão belas obras, e é por isso que, do espaço, estes idealistas procuram estimular os cientistas. A inspiração pessoal destes últimos se confinou a um domínio que diz respeito à matéria. A centelha criadora atinge apenas o cérebro e não a alma, portanto era necessário que grandes espíritos iniciadores viessem do espaço dar aos vossos contemporâneos a insuflação inspiradora que os conduza, muito suavemente, pelos exemplos materiais, à revelação de forças desconhecidas.

As ondas hertzianas são uma das formas concretas de correntes fluídicas, criadas por Deus e transmitidas pelos espíritos. O primeiro homem que, sob a forma de uma inspiração, lhes constatou a existência, foi conduzido a esse facto, pouco a pouco, pelos invisíveis que queriam revelar aos terrestres o poder das correntes que eles desconheciam. Porém, da inspiração científica à inspiração idealista há uma distância. As dificuldades existem em razão dos meios de acção, mas, nos séculos futuros, será preciso que todos os seres vibrem em uníssono e, no momento actual, o núcleo de pesquisadores científicos tem necessidade de sentir uma inspiração em que se misturem a ciência e a forma espiritualizada da obra divina em toda a sua grandeza e sua beleza. Já que as ondas de seres vivos que passam pela Terra não têm todas o mesmo grau de evolução, a inspiração que anima cada onda não pode ser da mesma natureza.

Para preparar o trabalho progressivo das gerações há, na inspiração científica, uma mistura de desconhecido, de surpresa que, algumas vezes, produz um cepticismo que não é durável.

Fatalmente, no ciclo que se prepara, os vossos sábios deverão aceitar e ensinar à humanidade as novas forças que brotam continuamente do espaço celeste. No dia em que os vossos cientistas descobrirem, pela intuição e pela inspiração, a fonte das correntes que animam o Universo, o ideal divino estará pronto para reflorir sobre a vossa Terra e nós poderemos afirmar, convosco, que a evolução terrestre terá dado um grande passo.

A evolução científica prossegue em todos os domínios, desde a preciosa descoberta material até à aplicação de princípios novos e positivos nas artes. Actualmente as vossas artes, salvo a literatura, procedem desse género um pouco impulsivo de impressão e de inspiração. Se, durante a Renascença, as composições pareciam por vezes um pouco ingénuas, nos vossos dias, a cor, a forma, o poder da inspiração não faltam, mas será preciso adquirir, nos séculos futuros, a noção de ideal que servirá de elo a todas as obras do pensamento. Deus vos dá, por aí, o sentido real e profundo da sua obra universal.

Neste estudo, vimos o cérebro do artista organizado em todos os domínios. A inspiração, quer venha da personalidade ou do ideal divino, é a forma que concretiza a arte. Os seres carnais a adquirem na Terra, o seu espírito a completa no espaço.

Mais tarde, passaremos em revista as belas concepções que podem brotar de uma alma ardente no trabalho e plena de admiração pelo Criador.”

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LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte II – Quarta lição (de O Esteta) Inspiração nos tempos modernos, Inspiração científica e inspiração idealista, Inspiração, forma que concretiza a arte. 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Virgem dos Rochedos Versão do Louvre (primeira versão) 1483–1486, detalhe (a mão da virgem, a mão do anjo Uriel, adornada por um véu solene e, por fim, Jesus), pintura de Leonardo da Vinci)

domingo, 2 de dezembro de 2018

literatura do além-túmulo ~


Capítulo II

Passo a analisar um segundo caso do mesmo género, o qual ocorreu em Itália, há vários anos. É um caso que não pode ser chamado de transição como o anterior, especialmente porque nele não se encontra a incerteza teórica proveniente do facto de não ter a personalidade comunicante se desvendado. Neste outro episódio, ao contrário, as personalidades mediúnicas declaram, explicitamente, quem são. Infelizmente, do ponto de vista demonstrativo, as modalidades nas quais se produzem aqui os ditados mediúnicos escasseiam em tal medida que este facto suscita perplexidades muito mais fortes que as do caso precedente. – O prof. Francesco Scaramuzza era director da Academia de Belas Artes de Parma, onde ensinava pintura, arte na qual atingira notável excelência.

Faltava-lhe, todavia, cultura literária, dado o facto de ter deixado de frequentar a escola desde a idade dos 14 anos a fim de garantir a sua subsistência. Durante a mocidade, ocupou-se, por muito tempo, de experiências de magnetismo animal, que praticara com sucesso. Tornou-se espírita quando já atingira uma idade bastante avançada e, aos 64 anos, as faculdades de médium escrevente nele se manifestaram, mas durante apenas 3 anos (1867-1869). Durante esse curto espaço de tempo, escreveu, com vertiginosa rapidez, enorme quantidade de obras poéticas de todas as espécies.

Entre elas, relevante se faz assinalar, um volumoso poema em oitavas (29 cantos, 3.000 oitavas) intitulado Poema Sacro, assim como duas comédias em verso, das quais o espírito de Carlo Goldoni seria o autor. Essas comédias são vivas, brilhantes, muito bem concebidas e finamente urdidas, com todo o sabor da arte goldoniana.

Outro tanto, porém, não se poderia dizer do Poema Sacroque foi ditado pelo espírito do grande poeta Ludovico Ariosto. Trata-se, nesse poema, de assuntos muito elevados, tais como a natureza de Deus, a génese do universo, a criação dos sóis e dos mundos, a origem da vida cósmica, os fins da vida, os destinos do espírito individualizado graças à passagem pela vida na carne. Encontram-se, aqui e acolá, imagens magníficas, compreensíveis, grandiosas, mas quase sempre expressas em linguagem pobre e em versos fracos e vulgares. Os conceitos cosmogónicos que aí se encontram parecem racionais e aceitáveis; eles se elevam, por vezes, a uma real altura filosófica, por exemplo, quando tratam da imanência de Deus no universo, revelando-se aos mortais sob a forma de movimento e quando se analisam o tempo e o espaço, “atributos de Deus”, pois que eles são infinitos como Deus o é, o que, passando de uma dedução à outra, leva a personalidade mediúnica comunicante a tender para uma concepção idêntica à hipótese do “Éter-Deus”. Experimenta-se quase um sentimento de tristeza, vendo-se que pensamentos filosoficamente sublimes são expressos em versos tão banais e sob uma forma tão vulgar. Entretanto os versos são justos e fáceis, as rimas quase sempre espontâneas, o que revela uma familiaridade indiscutível com a técnica do verso por parte da entidade que se comunicava. Esta se lastima, muitas vezes, de que o seu médium revista as ideias que lhe transmite sob uma forma poética descuidada, observando, porém, que não o pode impedir. É preciso reconhecer que existe um fundo de verdade nestas afirmativas da personalidade em questão, pois que elas concordam com os conhecimentos que se possuem, actualmente, sobre o assunto, graças a experiências de transmissão telepática do pensamento tendentes a demonstrar que o pensamento só pertence à mentalidade do agente, ao passo que a forma com a qual ele é revestido pertence à elaboração subconsciente do percipiente. É então necessário deduzir daí que, se, como acontece neste caso, o médium é um homem desprovido de cultura literária, ele só poderia expressar de forma empobrecida as ideias que lhe seriam transmitidas, telepaticamente, pela personalidade mediúnica de quem provém a comunicação.

É o que se pode invocar, em favor da origem estranha ao médium, desse Poema SacroSe ele nos surpreende, isto se deve à elevação filosófica de algumas de suas partes; porém, com relação à identificação pessoal do suposto espírito que se comunicava, é preciso reconhecer que aí nada se encontra que seja de molde a reforçar, directamente, a presunção de que possa, efectivamente, tratar-se de Ariosto, salvo a beleza de algumas imagens, ainda que estejam constantemente molestadas pela vulgaridade da forma. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer, não menos francamente, que, se se quer tudo atribuir às faculdades de elucubração artística inerentes à subconsciência do médium, fica o problema bastante obscuro e embaraçoso.

De facto, o médium não só não tinha cultura literária, como nada conhecia de ciência e filosofia. Donde brotaria, então, a inspiração grandiosa de certas partes de seu sistema cosmogónico? Forçoso se faz não esquecer o facto surpreendente de o médium ter, em três anos apenas, além do Poema Sacro, em 29 cantos e 3.000 oitavas – um volume de 915 páginas –, escrito duas comédias em verso atribuídas a Carlo Goldoni, treze longos contos, igualmente em versos, dois cantos em estâncias de três versos, um melodrama, uma tragédia, cinco poesias cómicas assinadas pelo seu falecido tio, que escrevera, efectivamente, versos dessa espécie durante a sua vida, e, enfim, um grosso volume de poesias líricas. Trata-se de uma produção literária colossal, sempre fraca do ponto de vista da forma, porém muitas vezes boa, algumas vezes mesmo excelente, do ponto de vista da substância, imagens e profundeza de pensamento filosófico.

De qualquer forma, concordo plenamente que não é de se parar, ulteriormente, na análise da produção mediúnica de Scaramuzza, embora não apresente dados suficientes para dela tirar deduções mais ou menos legítimas em favor de uma ou de outra das hipóteses explicativas antagónicas, que dividem o campo da metapsíquica.

Provavelmente, nem uma nem a outra das hipóteses em questão poderia bastar para explicar essa produção literária, se a considerarmos isoladamente. Seríamos, então, levados a concluir que, nesses casos, as interferências subconscientes poderiam alternar-se, de maneira inexplicável, como irrupções fugazes de inspiração supranormal, cuja natureza ainda não está definida.

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Ernesto Bozzano, Literatura do Além-túmulo  Capítulo II, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac | 1900, tempera no painel de Edgard Maxence)

sábado, 17 de novembro de 2018

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades

~~ Duas Sentenças que Resumem o Sentimento Filosófico do Poeta ~

Victor Hugo foi, não em vão, um grande propulsor do romantismo espiritualista da França. O seu génio poético só podia desenvolver-se e nutrir-se numa corrente literária transcendente e espiritual, já que através dela pôde penetrar nas chamadas ''reminiscências platónicas'' e nessas ''distâncias da alma'' em que só pode mesmo penetrar o poeta palinginésico.

O romantismo é como uma evasão do ser deste mundo objectivado. José Ferrater Mora, autor do Dicionário de Filosofia, ao referir-se ao romantismo disse: "Por isso, no movimento romântico existe, junto a uma decidida preocupação com o oculto e o ausente, uma ressurreição do religioso, uma concepção da história com o drama do homem e do seu destino e, em última instância, como uma revelação de Deus no ser finito do mundo''.

Victor Hugo, de facto, sentiu em toda a sua existência um como que chamamento profundo surgido do ausente, das distâncias históricas onde a alma deixou gravadas as suas pegadas. Compreende que tudo na criação fala e que o passado, o presente e o futuro se entrelaçam harmoniosamente e que em cada um dos períodos do devir do Ser a essência da alma reconstrói o passado para marcar o presente e projectar-se sobre o seu futuro existencial.

Em uma das suas sentenças mais profundas, como já vimos, deixou expresso com nitidez o seu sentimento palingenésico: "O berço tem um ontem e o túmulo tem um amanhã"; daí serem as bases do seu romantismo nitidamente palingenésicas. No chamado "romantismo de Jena", a poesia se manifestou como uma torneira aberta cujas águas provêm de torrentes espirituais relacionadas com a reencarnação das almas. Poetas como SchellingHõlderlinNovalisTieck e outros viveram possuídos pela ideia do ausente e distante, cuja raiz se funde nos abismos espirituais do Ser, ou seja, nas distantes vidas onde os seus espíritos cantaram e choraram sem serem jamais calados pela morte.

Victor Hugo viveu sentindo em si mesmo esse imperativo palingenésico, em que o génio poético do século passado percebeu uma nova revelação espiritual. A poesia foi, é e será sempre palingenésica; ela, ainda que a crítica se oponha a este conceito, será sempre uma chama de fogo a iluminar os longínquos dias das idades. Porque a poesia é um fluir do interno para o externo, quer dizer, dessa vida profunda e imortal que dá ser e personalidade a tudo o que existe.

O poeta de Os Miseráveisreferindo-se ao verdadeiro homem, dizia: ''O corpo bem poderia não ser mais que uma aparência. Ele cobre a nossa realidade; ele se interpõe entre a nossa luz e a nossa sombra: a realidade da alma. Claramente falando, a nossa cara é uma máscara. O verdadeiro homem é aquele que está por trás do homem. Se se olhasse bem esse homem oculto e guarnecido por trás dessa ilusão que se chama carne, ter-se-ia mais de uma surpresa".

O ser encarnado, melhor dizendo, reencarnado era para Hugo uma aparência existencial cuja realidade está na essência espiritual que determina os mais variados fenómenos da história. Considerava o processo visível uma trama que tem origem no invisível. A poesia de Victor Hugo foi como a entrada num novo mundo religioso onde os espíritos são as alavancas invisíveis de tudo o que se manifesta de forma visível.

A existência espiritual desencarnada que o poeta aceitava coincidia com a ideia da pessoa no Ser, ou seja, com esse homem de carne e osso imortal de Miguel de UnamunoO Espírito, na sua condição de desencarnado, não é uma abstracção indefinida, como ainda concebe o espiritualismo clássico. A vida do Ser no eterno possui para Hugo um perispírito objectivo, sendo portanto uma realidade vivente com um eu pessoal que actua no material a partir dos planos invisíveis.

É isso o que nos mostra na seguinte sentença: "A borboleta é o verme metamorfoseado, mas a metamorfose é tão perfeita que se acredita ver uma nova criatura. Do mesmo modo, na nossa existência do além-túmulo não seremos puros espíritos porque estas palavras são vazias de sentido, tanto para a razão como para a imaginação.

"O que é uma vida sem os órgãos da vida? O que a define e o que a fixa? Na verdade, nós teremos outro corpo semelhante, radiante, divino e, por assim dizer, espiritual, que será a transformação do nosso corpo terrestre''.

A realidade espiritual do homem era, para o poeta, objectivamente existencial e não uma abstracção, pois a vida do além-túmulo é para Hugo como um alto e imenso cume, onde o espírito se resume dialecticamente. Por isso, disse: "Todos os seres são, foram e serão".

Em outra passagem, dizia o poeta: "Os mortos são os invisíveis e não os ausentes''. Com este pensamento, ele uniu as vidas passadas das almas com a imortalidade de suas eternas naturezas. Sentiu, por isso, a presença do mundo invisível como uma realidade inteligente e comunicante. E este mundo invisível era para Victor Hugo o mundo dos espíritos tal como está desenhado na obra de Allan KardecA sua vida íntima nunca esteve rodeada de solidão e de vazio. A solidão em Hugo era como um médium que lhe permitia entrar em relação com os erradamente chamados mortos, pois, como grande romântico que era não cria no silêncio aterrador dos túmulos. Ele sabia, pelo fenómeno poético que diariamente experimentava, que é no invisível onde vivem os nossos seres queridos com os seus corpos espirituais, as suas paixões e os seus amores, esperando a oportunidade para nos revelarem as suas inegáveis identidades. Porque, se "os mortos são os invisíveis e não os ausentes", como dizia, a humanidade está entrelaçada com a vida dos mortos tal como demonstra agora a filosofia espírita.

Nos arquivos da Revue Spirite, de Paris, encontra-se um trabalho de Léon Denis em que ele se refere a Victor Hugo e à sua compreensão do mundo invisível, como se vê a seguir: "Louis Barthon, da Academia Francesa, depois de consultar os Apontamentos inéditos do poeta, escreveu na Revue de Deux Mondes (número 15, de Dezembro de 1918, páginas 751 a 757) o que vamos transcrever: ''Madame Émile de Girardin, tendo ido passar dez dias em Jersey, introduziu ali a prática das mesas girantes e falantes". Como se sabe, Victor Hugo foi o último a ceder perante este fenómeno mediúnico. Mas desde que elas (as mesas) o convenceram, as entidades comunicantes não o abandonaram jamais, exercendo sobre o seu pensamento influências espirituais revolucionárias.

"Continua dizendo Louis Barthon que na noite de 30 de Março de 1857 o poeta percebe a noção de uma nova concepção metafísica, a qual descreve com data de 24 de Outubro no seu caderno de apontamentos. Vejamos como capta a presença do invisível através da sua própria relação: 'Esta noite eu não dormia. Eram  cerca das três da madrugada. Um golpe seco, muito forte, se produziu aos pés da minha cama, contra a porta da minha habitação. Pensei na minha filha morta e disse para mim: És tu? Pois eu pensava no complô bonapartista, segundo se falava, em um novo dois de Dezembro possível e me perguntava: É uma advertência? E acrescentava mentalmente: Se és realmente tu que estás aí e se vens advertir-me na ocasião deste complô, dá dois golpes. E por cerca de meia hora escuto. A noite era profunda e tudo em casa silêncio. De repente se fazem ouvir dois golpes contra a porta. Desta vez eram surdos mas distintamente muito leves".

Louis Barthon prossegue no seu relato: "Em 21 de Novembro de 1874 Victor Hugo escrevia o seguinte: 'Esta noite despertei e percebi no ouvido, muito próximo de mim, na minha cabeceira, leves pancadas surdas. Eram lentas e regulares, durando um quarto de hora. Eu escutava e não cessavam. Por isso, orei; quando cessaram, disse: se és tu, minha filha, ou tu, meu filho, dá dois golpes. Ao fim de dez minutos, mais ou menos, dois golpes se deram, mas contra a parede perto da cama. Mentalmente disse: é um conselho o que tu trazes? Devo abandonar Paris? Devo permanecer? Se devo ficar, dá um golpe. Se devo partir, dá três golpes. Escuto! Nenhuma resposta ainda. Acabo dormindo. O fenómeno dura quase uma hora'.

"No caderno de apontamentos do poeta, com data de 22 de Novembro de 1874, lê-se o seguinte: 'Esta noite escutei três golpes. Será a resposta à pergunta de ontem? Seria pouco clara ao ser tão demorada'.

Léon Denis afirma que no mesmo caderno mencionam-se apontamentos nocturnos de carácter mediúnico obstinados, surdos e ainda metálicos e doces, tão comoventes que o poeta terminou por crer na possibilidade de um pronunciamento bonapartista do qual ele seria a primeira vítima (ver La Revue Spirite, de Março/Abril de 1952).

Diz ainda Denis que na página 157 do caderno se lê: "Esta noite, cerca das duas horas, senti golpes na minha porta, que estava aberta, sem que pessoa alguma houvesse ali de forma evidente. Credo in Deum eternum et in animan inmortalem".

Como se verá, os fenómenos mediúnicos experimentados por Victor Hugo não são vãos nem intranscendentes. Têm a virtude de haver elevado a alma do poeta até Deus e de fazê-lo crer no espírito imortal. Este mesmo facto se operou no ânimo do seu compatriota Gabriel Marcel, o distinto filósofo católico, a quem os fenómenos mediúnicos influenciaram notavelmente para a elaboração do seu pensamento filosófico. Victor Hugo, pois, não se equivocou quando disse:"Evitar o fenómeno espírita é fazer bancarrota com a verdade".

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Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, Duas Sentenças que Resumem o Sentimento Filosófico do Poeta, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

~ nas garras do pensamento crítico

Mais vale um pássaro na mão |

Essas fugas pela tangente representam o método mais frequente de combate ao Espiritismo, inclusive por parte dos materialistas dialécticos. Para os observadores serenos e sensatos, bastaria essa insistência na deturpação dos factos e na distorção do raciocínio, para comprovar a seriedade e a importância desses mesmos factos. Aliás, ainda com Engels, encontraremos o argumento mais apropriado: “A única questão consiste em saber se o pensamento está ou não certo, e o desprezo pela teoria é, evidentemente, a maneira mais segura de se pensar de maneira naturalista, e, consequentemente, de modo errado.”

Engels não ficaria mal nas fileiras espíritas. De facto, ele via bem estes problemas. O desprezo pela teoria espírita, única que pode explicar os fenómenos, tem levado esses homens a trair a dialéctica a todo momento, entrando a fundo e às cegas pela Sofistica. A punição da dialéctica, porém, não se faz tardar. Os que pensam de maneira naturalista, voltando as costas à teoria, terminam de encontro à parede, com a espada do ridículo no peito. Porque a “maneira naturalista de pensar”, a que Engels se refere, é a do pensamento a priori, instintivo, que não provém da razão orientada pelo processo da civilização, mas da herança comum e obscura do passado biológico da espécie. Age por meio de impulsos mecânicos, é um automatismo inconsciente. Dir-se-ia, diante das suas manifestações, que o homem tem a vocação da fuga. Como a lebre, colhida de surpresa à beira da estrada, precipita-se no mato, assim o homem, colhido na sua posição materialista pela surpresa dos factos supranormais, precipita-se no matagal das lembranças ancestrais. Improvisa teorias e fabrica rótulos com a desenvoltura inconsequente da avestruz ao enterrar a cabeça na areia. Comete, com uma confiança absurda na impunidade, o crime da desfiguração da verdade, ou passa apenas a negar, indiferente a todas as provas e argumentos, como a criança teimosa que não quer ver a loiça partida. É o outro lado da crendice, o reverso do fanatismo religioso.

Por isso, o médico Sérgio Valle nos lembra, no livro Silva Mello e os Seus Mistérios, recentemente publicado: “Enquanto não se realizar o fiat da ciência (que se mantém, teimosamente, orgulhosa e cega), para iluminar os factos que possuímos, não é justo que uma criatura sensata despreze o que se encontra detido, seguramente detido nas suas mãos, por mínimo que seja, pelo que voeja no espaço do fanatismo religioso ou do fanatismo científico”.

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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico, Mais vale um pássaro na mão, 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)

sábado, 13 de outubro de 2018

William Crookes


~~~ Fenómenos Espíritas observados, por William Crookes
(in, Factos Espíritas)

Assim como um viajante que explora um país longínquo, cujas maravilhas não fossem até então conhecidas senão por notícias e contos de carácter vago e pouco exacto, assim, desde há quatro anos que procedo assiduamente a pesquisas, numa região das ciências naturais que oferece ao homem de ciência um terreno quase virgem.

Do mesmo modo que o viajante percebe nos fenómenos naturais de que pode ser testemunha, a acção das forças governadas por leis naturais, onde outros não vêem senão a intervenção caprichosa de deuses ofendidos, assim me esforçarei por esboçar a operação das leis e das forças da natureza, onde outros não têm visto mais que a acção de seres sobrenaturais, sem dependência de qualquer lei e sem obediência a qualquer força senão à de sua livre vontade.

O viajante, nas suas excursões longínquas, depende inteiramente da boa vontade e da protecção dos chefes e dos que exercem a medicina no meio das tribos entre as quais pára; igualmente, nas minhas pesquisas, não somente recebi em grau significativo a ajuda dos que possuíam os poderes especiais, que eu procurava examinar, mas ainda contraí sólidas e sérias amizades com muitos homens, reputados directores de opinião, e deles recebi a hospitalidade.

Como o viajante atento; eis a minha narração concisa dos seus progressos, narração que foi recebida muitas vezes com incredulidade ou zombaria, porque necessariamente esta narração não tem nenhuma ligação com tudo o que lhe pôde dar origem; também, em duas ocasiões, reuni e publiquei factos que me pareciam admiráveis e precisos, mas por ter deixado de descrever as suas fases preliminares – o que teria sido necessário para motivar o espírito público na apreciação do fenómeno e para mostrar que ele se ligava a outros factos observados –, esses factos também não somente encontraram a incredulidade, mas ainda deram origem a muitas apreciações malévolas.

E, assim, como o viajante que, tendo terminado as suas explorações, volta aos seus antigos colaboradores e reúne todas as suas notas, classifica-as e as ordena a fim de as dar ao público numa narração encadeada, assim, chegado ao termo dessa investigação, classifiquei e reuni todas as minhas observações espalhadas, para apresentá-las publicamente sob a forma de um livro.

Os diversos fenómenos que venho atestar são tão extraordinários e tão inteiramente opostos aos mais enraizados pontos de vista científicos – entre outros a universal e invariável acção da força de gravitação –, que mesmo agora, recordando-me dos detalhes de que fui testemunha, há antagonismo entre o meu espírito e a minha razão; que diz ser isso cientificamente impossível, e que, não obstante, foi testemunhado através dos meus sentidos da vista e do tacto, testemunho aliás corroborado pelos sentidos de todas as pessoas presentes – que me dizem não serem testemunhas mentirosas, visto que eles depõem contra as minhas ideias preconcebidas. (i)

(i) As considerações seguintes são de tal modo importantes que não posso abster-me de citá-las.

Encontram-se em carta particular de um velho amigo, a quem enviei uma exposição de alguns desses factos. A alta posição que ele ocupa no mundo sábio duplica o valor da opinião que exprime no tocante à tendência dos cientistas.

“Não posso – diz ele – encontrar resposta razoável para os factos que me expondes.

“E é coisa curiosa que mesmo eu, qualquer que seja a tendência e o desejo que tenha de crer no Espiritualismo, qualquer que seja o meu crédito no vosso poder de observação e na sua perfeita sinceridade, experimento como uma necessidade de ver por mim mesmo, e me é de todo penoso pensar que tenho necessidade de muitas provas.

“Digo penoso, porque vejo que não há razão que possa convencer um homem, a menos que o facto se repita tão frequentemente, que então a impressão pareça tornar-se um hábito de espírito, um velho conhecimento, uma coisa conhecida desde há tão longo tempo que já não há lugar para duvidar dela.

“É um dos lados curiosos do espírito humano, e os homens de ciência o possuem em alto grau – mais que os outros, creio eu.

“É por isso que não devemos dizer sempre que um homem é desleal só porque resiste por muito tempo à evidência.

“A velha muralha das crenças deve ser tomada à força de golpes.”

Supor que uma espécie de loucura ou de ilusão vem dominar subitamente um grupo de pessoas inteligentes e sensatas, que estão de acordo sobre as menores particularidades e detalhes dos factos de que são testemunha, parece-me mais incrível do que os próprios factos que eles atestam.

O assunto é muito mais difícil e mais vasto do que parece.

Há cerca de quatro anos tive a intenção de consagrar um ou dois meses somente ao trabalho de me certificar se certos factos maravilhosos, dos quais eu tinha ouvido falar, poderiam sustentar a prova de um exame rigoroso.

Mas tendo logo chegado à mesma conclusão, como todo o pesquisador imparcial, isto é, que “havia alguma coisa aí”, não podia mais, eu, estudante das leis da natureza, recusar-me a continuar nessas pesquisas, qualquer que fosse o ponto a que elas me pudessem conduzir.

Foi assim que alguns meses se transformaram em alguns anos e, se eu pudesse dispor de todo o meu tempo, é possível que as experiências ainda prosseguissem.

Mas outros assuntos de interesse científico e prático reclamam agora a minha atenção; e como não posso consagrar a tais pesquisas o tempo que seria preciso e que mereceriam; como tenho plena confiança que daqui a alguns anos os homens de ciência estudarão este assunto; como as ocasiões que possuo não são tão propícias quanto o eram há algum tempo, porque então o Sr. D. D. Home gozava de boa saúde, a Srta. Kate Fox (agora a Sra. Jencken ) não estava absorvida pelas suas ocupações domésticas e maternas; por todos esses motivos, vejo-me obrigado a suspender, neste momento, as minhas investigações.

Para obter franco acesso junto das pessoas plenamente dotadas da faculdade sobre as quais se baseiam as minhas experiências, era preciso um crédito maior do que aquele de que um investigador científico pode dispor.

Para os seus adeptos mais convencidos, o Espiritismo é uma religião. Os médiuns, em muitos casos, membros da família, são guardados com grande cuidado, o que só com dificuldade um estranho compreenderia. Crendo seriamente e conscienciosamente na verdade de certas doutrinas que repousam sobre o que se lhes afigura como manifestações miraculosas, esses adeptos parecem acreditar que a presença de um investigador científico é uma profanação do santuário. A título de favor pessoal, fui admitido mais de uma vez a assistir a reuniões que ofereciam antes o aspecto de uma cerimónia religiosa do que de uma sessão de Espiritismo.

Mas ser admitido, a favor, uma ou duas vezes, como um estranho teria sido autorizado assistir aos mistérios d'Elêusis, ou um pagão a contemplar o santo dos santos, não é o meio de confirmar os factos e descobrir-lhes as leis – satisfazer a curiosidade é bem diferente de proceder a uma busca sistemática. Quanto a mim, procuro sempre a verdade.

Em algumas ocasiões me permitiram, é certo, fazer verificações e impor condições; mas somente uma ou duas vezes me foi possível fazer sair a sacerdotisa do seu santuário e, em minha própria casa, rodeado de amigos, aproveitar a ocasião para pôr à prova os fenómenos dos quais fui testemunha noutros lugares, em condições menos concludentes. (ii)

(ii) Nesta memória não dou exemplos desses casos excepcionais e não tiro deles nenhuma conclusão. Sem esta explicação poder-se-ia crer que a maior parte dos factos que acumulei foram obtidos sobretudo nas poucas ocasiões das quais aqui trato e, naturalmente, se objectaria que há insuficiência de exame por falta de tempo.

As minhas observações a esse respeito aparecerão na obra que publicarei.

Seguindo o plano que adoptei noutras circunstâncias – plano que, embora contrariando muito as ideias preconcebidas de certos críticos, me pareciam, por boas razões, aceitáveis para os leitores do The Quarterly Journal of Science –, tinha eu a intenção de apresentar os resultados do meu trabalho sob a forma de um ou dois artigos para esse jornal. Mas, revendo as minhas notas, achei tal riqueza de factos, tal superabundância de provas, tão esmagadora massa de testemunhos, que, para as pôr todas em ordem, era preciso encher vários números do The Quarterly.

É mister, pois, que actualmente me limite a dar um esboço dos meus trabalhos, reservando para outra ocasião as provas e os detalhes mais amplos.

O meu fim principal será, pois, fazer conhecer a série de manifestações que se produziram em minha casa, na presença de testemunhas dignas de crédito e sob as condições dos mais severos exames que pude imaginar. Por outro lado, cada facto que observei é corroborado por pessoas independentes, que os observaram noutros tempos e noutros lugares.

Ver-se-á que todos esses factos têm carácter surpreendente e que parecem inteiramente inconciliáveis com todas as teorias conhecidas da ciência moderna.

Tendo-me assegurado da sua realidade, seria uma covardia moral negar-lhes o meu testemunho, só porque as minhas publicações precedentes haviam sido ridicularizadas por críticos e outras pessoas, que nada, em absoluto, conheciam do assunto e que se supunham ter critério bastante para ver e julgar por si mesmas se esses fenómenos eram ou não verdadeiros.

Direi simplesmente tudo o que vi e, o que me foi provado por experiências repetidas e verificadas, e tendo ainda necessidade de que me demonstrem não ser razoável esforçar-se uma pessoa por descobrir as causas de fenómenos inexplicados.

Primeiro que tudo devo rectificar um ou dois erros que se encontram implantados profundamente no espírito público. Um, o de ser a escuridão essencial à produção dos fenómenos. Isso não é exacto. Excepto em alguns casos nos quais a escuridão tem sido uma condição indispensável, como, por exemplo, nos fenómenos de aparições luminosas e em alguns outros, tudo o que narro produziu-se em plena luz…

Nos poucos casos em que os fenómenos descritos foram produzidos na escuridão, tive muito cuidado em os mencionar; especialmente, quando alguma razão particular exigia a extinção da luz, os resultados que se manifestaram estiveram em condições de controlo tão perfeitos que a supressão de um dos nossos sentidos não podia enfraquecer, de facto, a prova fornecida.

Outro erro corrente consiste em crer-se que as manifestações só se podem produzir a certas horas e em certos lugares – em casa dos médiuns, ou a horas combinadas previamente – e, partindo desta suposição errónea têm-se estabelecido uma analogia entre os fenómenos chamados espíritas e os passes dos prestidigitadores e mágicos que operam nos teatros, os quais se cercam de tudo o que pertence à sua arte.

Para provar quanto tudo isto está longe de ser verdadeiro, devo dizer que, salvo raras excepções, as centenas de factos que me preparo para atestar, para serem imitados pelos meios físicos ou mecânicos conhecidos, desafiariam a habilidade de um Houdini, de um Bosco, de um Anderson, protegida por todos os recursos de máquinas engenhosas e da sua prática de longos anos. Essas centenas de factos produziram-se na minha própria casa, em períodos por mim designados e em circunstâncias que excluíam absolutamente o emprego e o auxílio do mais simples instrumento.

Um terceiro erro é este: que o médium escolhe a sua roda de amigos e companheiros que podem assistir à sessão; que esses amigos devem crer firmemente na verdade da doutrina, seja ela qual for, que o médium enunciar; para que se imponham às pessoas de espírito investigador condições tais que impeçam completamente toda a observação cuidadosa e facilitem a superstição e a fraude.

A isso posso responder afirmando que à excepção de alguns casos muito pouco numerosos de que se tratou em um parágrafo precedente (ver a nota nº 2), caso em que os motivos de exclusão, quaisquer que fossem, não serviam certamente de véu para o embuste, compus eu mesmo a minha roda de amigos, introduzi todos os incrédulos que me convieram, e geralmente impus condições escolhidas com cuidado por mim mesmo, para evitar toda a possibilidade de fraude.

Tendo-me assenhoreado pouco a pouco de algumas condições que facilitavam a produção dos fenómenos, as minhas pesquisas foram geralmente coroadas de igual êxito, e mesmo, em muitos casos, tive êxito superior ao que foi obtido em outras ocasiões onde, em virtude de falsas ideias sobre a importância de algumas práticas insignificantes, as condições impostas podiam tornar menos fácil a descoberta da fraude.

Eu disse que a escuridão não é essencial. Porem, é facto bem conhecido que, quando a força conseguida é fraca, a luz muito viva exerce uma acção que contraria alguns fenómenos.

A força do Sr. Home é bastante significativa para se sobrepor a essa influência contrária; assim, ele não admite escuridão nas suas sessões.

Afirmo que, excepto duas vezes em que, para algumas experiências, a luz foi suprimida, tudo que testemunhei foi produzido por ele em plena claridade.

Experimentei variadas fontes da luz provindas de diferentes fontes e de cores variadas: – a luz do Sol, luz difusa, luar, gás, lâmpada, vela, luz eléctrica, luz amarela, homogénea, etc.

Os raios que contrariam as manifestações parecem ser os da extremidade do espectro.

Vou, agora, proceder à classificação dos fenómenos que observei, indo dos mais simples aos mais complexos, e dando rapidamente, em cada capítulo, uma explicação sumária de alguns dos factos que vou expor.

Os meus leitores deverão lembrar-se bem que, à excepção dos casos especialmente designados, as manifestações se realizaram em minha casa, à luz, e somente na presença de amigos meus e do médium.

No volume que tenho em preparação proponho-me dar com minúcia todas as verificações que fiz, todas as precauções que tomei em cada caso e os nomes de todas as testemunhas. Nesta exposição tratarei delas superficialmente.

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(*) The Quarterly Journal of Science de Janeiro de 1874 (página 77) volume digitalizado, acessível.

William CrookesFactos Espíritas, Fenómenos espíritas observados por William Crookes durante os anos de 1870-73 e publicados pela primeira vez no The Quarterly Journal of Science, Janeiro de 1874 (*), fragmento da obra citada.
(imagem de contextualização: Sir William Crookes, foto de Ernest H. Mills, 1872)

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

teremos que modificar o nosso conceito da morte?

ALGUNS ASPECTOS BÁSICOS DE FÍSICA QUÂNTICA

Este não é o local nem a ocasião adequados para aprofundar questões de mecânica quântica, mas eu gostaria de discutir alguns aspectos básicos de física quântica, porque julgo necessário que se perceba o que entendo por “continuidade de consciência” (Van Lommel, 2004).

Acerca daquilo que expliquei até agora, julgo haver uma semelhança surpreendente entre o conteúdo de vários aspectos da nossa consciência durante a EQM e alguns conceitos provados de Mecânica Quântica, a qual transformou completamente a visão aparente e material do nosso mundo, o chamado “espaço real”.

Diz-nos que as partículas podem propagar-se ondulatoriamente e podem ser descritas em mecânica quântica como funções de onda.

Pode ser provado que a luz em algumas experiências se comporta como partículas (fotões) e que noutras experiências se comporta como ondas. Ambas as experiências estão certas, o que também significa que não há objectividade; é a consciência do observador e o seu desígnio da experiência que definem o resultado.

De acordo com Bohr ondas e partículas são aspectos complementares da luz (Bohr e Kalckar,1997). A experiência de Aspect e colegas (1982), baseada no teorema de Bell, estabeleceu a “não localidade” (non-locality) na mecânica quântica (interligação “não local”).

A “não localidade” sucede porque todos os acontecimentos estão relacionados e se influenciam mutuamente, o que implica que não haja causas localizadas para um acontecimento.

espaço fásico é um espaço invisível, “não local”, sobre-dimensional, consistindo em campos de onda de probabilidade, em que cada evento passado ou futuro está disponível enquanto possibilidade.

O físico quântico David Bohm designou esta dimensão como “ordem implicada” (ou “implícita”) de ser (Bohm, 1980), e Ervin Laszlo chamou estes campos informativos campos “ponto zero” ou vácuoquântico (Laszlo, 2003, 2004).

Dentro deste, assim chamado, espaço fásico nenhuma matéria está presente, tudo pertence à incerteza, e nem medidas nem observações de físicos são possíveis (Heisenberg, 1971).

O acto da observação muda instantaneamente a probabilidade numa realidade por meio do colapso da “função de onda”. Roger Penrose chama esta resolução de múltiplas possibilidades num só estado definitivo “redução objectiva”(Penrose, 1996). Deste modo nenhuma observação é possível sem mudança fundamental do sujeito observado; apenas resta a subjectividade.

A física quântica não pode explicar a essência da consciência nem o segredo da vida, mas na minha opinião ajuda a entender a transição entre campos da consciência no “espaço fásico” (a comparar com campos de probabilidade que conhecemos da mecânica quântica) e a consciência desperta associada ao 22 corpo no espaço real, porque esses são dois aspectos complementares da consciência (Walach and Hartmann, 2000).

A nossa consciência completa e indivisa com memórias expressivas encontra a sua origem e está arquivada no“espaço fásico” e o cérebro apenas serve como estação de trânsito para partes da nossa consciência e das nossas memórias a serem acolhidas na nossa “consciência desperta”.

Isto passa-se como na internet, que não tem a sua origem no próprio computador que não é mais do que seu receptor. Nesta base a ideia da consciência não está radicada no domínio mensurável da física, no nosso mundo “manifesto”.

O eterno “aspecto onda” da nossa consciência indestrutível em espaço fásico, com interligação “não-local” é inerentemente não mensurável por processos físicos. O “imensurável” nunca poderá ser medido. Tal situação pode ser comparada com a das forças gravitacionais, na qual apenas os efeitos físicos podem ser medidos, não sendo directamente demonstráveis as forças propriamente ditas.

A vida cria a transição do “espaço fásico” para o nosso manifesto “espaço real”; de acordo com as nossas hipóteses a vida cria, sob as condições normais diurnas em que estamos despertos, a possibilidade de receber apenas algumas partes destes campos de consciência (ondas) no domínio da nossa consciência desperta que pertence ao nosso corpo físico (partículas). Durante a vida, a nossa consciência tem o aspecto de “ondas” bem como o de “partículas”, e existe uma permanente interacção entre estes dois aspectos da consciência.

Quando morremos, a nossa consciência deixa de ter um aspecto de “partículas”, mas apenas um aspecto de “ondas”. O interface entre a nossa consciência e o nosso corpo é eliminado.

Este conceito (Van Lommel, 2004) é uma teoria complementar, tal como ambos os aspectos da luz (“onda” e “partícula”) e não uma teoria dualística.

A experiência subjectiva (consciente) e as correspondentes propriedade físicas objectivas são duas manifestações fundamentalmente diferentes da mesma realidade mais profundamente subjacente. Não podem ser reduzidas uma à outra. O aspecto “partícula”, o aspecto físico da consciência no mundo material, tem a sua origem no aspecto “onda” do “espaço fásico” pelo colapso da função “onda” em partículas (“reducção objectiva”), e estas podem ser medidas por EEG, MEG, RMFI, e PET Scannning.

Várias redes neurais funcionam como interfaces para diferentes aspectos da nossa consciência, conforme pode ser demonstrado pelas imagens cambiantes durante registos de RMFI ou PET scanning.

Deste modo as funções das redes neurais deviam ser encaradas como receptoras e transmissoras de consciência e de memória, e não como reserva das mesmas. Com este novo conceito de consciência e das relações mente-cérebro, todos os elementos das EQM durante a paragem cardíaca poderiam ser explicados. Essa ideia é compatível com a interligação “não-local” com campos da consciência ou outras pessoas em “espaço fásico”. Esta comunicação remota e “não-local” parece ter ficado demonstrada cientificamente colocando pares de sujeitos em duas câmaras de Faraday, o que exclui de modo concludente qualquer mecanismo de transferência electromagnética.

Um estímulo visual de padrão reversível é usado para provocar respostas visuais evocadas no registo de electro encefalograma de um sujeito estimulado. E tal é instantaneamente recebido pelo sujeito não estimulado, o que resulta num câmbio imediato de actividade no seu registo electroencefalográfico (Thaheld, 2003; Wackermann e outros, 2003).

Tentando entender a ideia da interacção mecânica quântica entre o “espaço fásico” invisível e o do nosso corpo físico visível, é adequado fazer-se uma comparação com os modernos sistemas de comunicações.

Há, mundialmente, uma troca contínua de informações objectivas por meio de campos electromagnéticos, via rádio, TV, telemóveis e computadores. Não temos uma ideia das enormes quantidades de campos magnéticos que, dia e noite, nos envolvem e atravessam neste preciso instante, bem como toda a qualidade de estruturas físicas – paredes e edifícios.

Só nos apercebemos desses campos electromagnéticos informativos quando usamos o telemóvel, ligamos o rádio ou a TV.

A informação recebida não está dentro desses equipamentos nem nos respectivos componentes. Apenas se torna perceptível mediante a capacidade de recepção dos aparelhos e a informação contida nos campos electromagnéticos torna-se observável mediante os nossos sentidos, sendo transmitida desse modo à nossa consciência. A voz que ouvimos ao telefone, contudo, não está “dentro” dele.

O concerto musical que ouvimos pelo rádio é por ele recebido de longe. As imagens e os sons que vimos e ouvimos nos televisores não é neles que têm a sua origem e a internet não está dentro do nosso computador. Recebemos essas emissões transmitidas à velocidade da luz de distâncias de centenas ou milhares de milhas.

Quando desligamos o televisor a recepção cessa, mas a transmissão continua a fazer-se. A informação transmitida continua presente nos respectivos campos electromagnéticos. A ligação foi interrompida, mas não desapareceu e ainda pode ser recebida noutros locais usando outro receptor (“não localidade”).

Na minha opinião, baseado em depoimentos relatados de modo universal de vivências ocorridas durante paragens cardíacas, podemos concluir que os campos informativos da nossa consciência, constituídos por ondas, têm as suas raízes no “espaço fásico”, numa dimensão invisível sem tempo ou espaço, e estão presentes à nossa volta e através de nós. Ficam ao alcance da nossa consciência desperta através do nosso cérebro em funcionamento, no formato de campos electromagnéticos mutáveis e oscilantes. Poderá o nosso cérebro ser comparável com o nosso aparelho de televisão, que recebe ondas electromagnéticas e as transforma em imagem e som? Poderia igualmente ser comparável com a câmara de vídeo que transforma imagens e sons em ondas electromagnéticas? Essas ondas conservam a essência de certa informação, mas apenas ficarão ao alcance dos nossos sentidos mediante aparelhos adequados, como o receptor de televisão ou leitor de vídeo.

Logo que as funções do cérebro se perderam, tal como por morte clínica durante a paragem cardíaca ou a morte cerebral, as memórias e a consciência ainda existem, mas a capacidade receptora perdeu-se e a ligação ou o interface interromperam-se.

A consciência pode ser experimentada durante esse período de não funcionamento cerebral, o que é designado como EQM.

Por isso, na minha opinião a consciência não está radicada no nosso corpo físico!


CONCLUSÃO

A inevitável conclusão de que a consciência pode ser experimentada independentemente da funcionalidade do cérebro, pode induzir vastas modificações no paradigma científico da medicina ocidental e poderia ter implicações em questões éticas e médicas tais como o tratamento de doentes em coma ou em estado terminal, a utilização para transplantes de órgãos em processo de morte com coração ainda activo e corpo quente mas com diagnóstico de morte cerebral.

Esse entendimento também afecta profundamente a nossa opinião a respeito da morte, perante a inevitável conclusão de que – acontecida a morte – a faculdade da consciência continua a estar disponível noutra dimensão, num mundo invisível e imaterial, o “espaço fásico”, dentro do qual estão inseridos todo o passado, o presente e o futuro.

“A MORTE É APENAS O FIM DO NOSSO ASPECTO FÍSICO”

A investigação dos EQM não pode dar-nos provas irrefutáveis desta conclusão, porque as pessoas que passaram por eles não morreram de facto definitivamente, mas todos estiveram muito perto disso, com o cérebro paralisado.

Foi contudo demonstrado que, durante a EQM a consciência esteve disponível independentemente do funcionamento do cérebro!

E isso também nos conduz a pensar que o mundo como o vemos à nossa volta, bem como durante tais EQM encontra a sua realidade subjectiva apenas a partir do nosso conhecimento consciente, a partir da nossa consciência.

Ainda ficam mais perguntas do que respostas, mas, baseados nos acima mencionados aspectos teóricos da continuidade obviamente vivenciada da nossa consciência, deveríamos concluir finalmente a possibilidade de que a morte, como o nascimento, não passará de uma simples passagem de um estado da consciência para outro.

Podemos também concluir que a nossa consciência desperta, aquela de que dispomos no nosso dia a dia, não é senão uma parcela de uma nossa consciência total e indivisa.

A interligação com esta consciência mais acentuada pode ser experimentada durante uma situação médica crítica (a EQM), que se passa em condições limite de morte aparentemente inevitável (morte iminente), um acidente rodoviário (experiência do “medo da morte”), durante meditação ou profundo relaxamento (experiência iluminada ou de unidade), durante os estados mutáveis da consciência em regressões, hipnose e isolamento, ou de ingestão de drogas como o LSD, ou nas fases terminais da vida (visões no leito de morte).

A interligação com estes campos informativos da consciência também explica:

– a intuição acentuada,

– as visões ou sonhos premonitórios,

– as aparições no momento da morte ou depois dela, tal como acontece quando se contacta com a consciência de pessoas em estado terminal à distância, ou parentes falecidos;

 as chamadas experiências peri e post-mortem ou comunicações após a morte.

Esta consciência acentuada e alargada baseia-se em campos indestrutíveis de informação e em permanente evolução, nos quais todo o conhecimento, sabedoria e Amor Incondicional estão presentes e disponíveis. Esses campos da consciência estão guardados numa dimensão que não está sujeita aos nossos conceitos de espaço e de tempo, com interligação “não-local” e universal.

Podia designar-se isto como a nossa consciência Superior, a consciência Divina ou consciência Cósmica.

Ervin Laszlo chamou estes campos informativos da consciência como campo do ponto zero ou campo Akasha do vácuo quântico, ou melhor ainda no “plenum cósmico”, com uma memória cósmica holográfica por padrões de interferência de campos escalares ondulatórios (Laszlo, 2004)

Isto possibilita recuperar informação a respeito do sujeito como um todo de qualquer sítio situado dentro do campo, dado que os padrões de influência que codificam a função onda expandem-se através das propagações do alcance da onda e resistem por tempo indefinido.

Porque toda a matéria, e também o nosso corpo material, é 99,99% vazio (“vacuum”), todas as células do nosso corpo (bem como o nosso ADN) são continuamente invadidos por esses campos informativos da consciência, com os quais se mantém em contacto.

Quando por fim, a seguir a um período de morte que pode durar entre horas e dias, o nosso corpo por fim faleceu, aquilo que resta dele é apenas matéria “morta”, e nós podemos apenas manter o contacto com esses eternos e indestrutíveis campos de consciência, ou tornámo-nos parte deles.

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Dr. Pim van LommelAs Experiências de Quase-Morte, A Consciência e o Cérebro – ALGUNS ASPECTOS BÁSICOS DE FÍSICA QUÂNTICA, CONCLUSÃO, “A MORTE É APENAS O FIM DO NOSSO ASPECTO FÍSICO” (6º fragmento e o último) tradução para a língua portuguesa de espiritismo cultura, depois de autorizada pelo autor.
(imagem de contextualização: O Dr. Pim van Lommel / 2014 / médico e pesquisador com investigações médicas realizadas, desde, há décadas, no Hospital Rijnstate, Arnhem / Holanda)

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

a pedra e o joio ~


~ o espírito como objecto ~

   Kardec transformou o espírito, entidade metafísica, em objecto específico de pesquisa científica. Nem mesmo a reacção kantiana, nos séculos XVIII e XIX, com a crítica da razão, estabelecendo os supostos limites do conhecimento em termos do Empirismo inglês, impediu essa transformação. Na própria Alemanha o professor Friedrich Zöllner, da Universidade de Leipzig, submeteu o espírito à investigação de Kardec e Schrenck Von Notzing, em Berlim, instalou o primeiro laboratório de pesquisa espírita do mundo. Hoje os cientistas soviéticos, na maior fortaleza ideológica do materialismo no mundo, provaram sem querer a existência do espírito e do seu corpo espiritual, a que passaram a chamar de corpo bioplasmático. As pesquisas realizadas com o fenómeno da morte mostrou-lhes que o corpo material é vitalizado por ele e por ele mantido em função. A última novidade da Biologia soviética é essa descoberta que atenta contra o materialismo de Estado.

O espírito convertido em objecto de investigação física e biológica é hoje a prova inegável da vitória de Kardec. Mas Kardec avançou além dessa posição actual. Ele não se limitou a pesquisar o espírito como objecto acessível à percepção sensorial. Da mesma maneira por que o pensamento, na Lógica, é um objecto não-físico – e hoje na Parapsicologia um objecto extrafísico –, Kardec submeteu o espírito a pesquisas psicológicas e provou a sua realidade energética, a sua natureza dupla, de energia espiritual pura manifestada no corpo espiritual, de natureza semimaterial. Os instrumentos de que se serviu para essa audaciosa pesquisa constituem hoje os campos de força da percepção extra-sensorial, cuja realidade palpável foi demonstrada pelas experiências de laboratório dos mais eminentes parapsicólogos. A aparelhagem mediúnica das pesquisas de Kardec, ridicularizadas pelos sabichões do tempo, como Richet os classificou, é hoje cientificamente reconhecida, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, na Alemanha quanto na URSS.

Kardec desenvolveu o seu método de pesquisa tendo por base o processo de comunicação. Hoje estamos na época da comunicação e essa palavra adquiriu um valor científico de importância básica. Mas a palavra comunicação já era, no tempo de Kardec, uma categoria da Filosofia Espírita e designava um elemento fundamental da pesquisa espírita. A comunicação mediúnica abriu para o homem uma nova dimensão na sua concepção do mundo e da vida. E Kardec dedicou-lhe todo um tratado, com O Livro dos Médiuns, estabelecendo as regras metodológicas da comunicação entre os vivos da Terra e os supostos mortos do Além. Nenhum tratado actual de Parapsicologia conseguiu superar o que Kardec descobriu e expôs nesse volume.

Com essa descoberta Kardec revolucionou o campo central das estruturas religiosas. O problema da Revelação, que representava uma fortaleza aparentemente inexpugnável da Religião, o seu mistério essencial e fundamental, foi cruamente esclarecido. E a posição metodológica de Kardec enriqueceu-se com a possibilidade de investigar as próprias bases da Religião. Mostrando que a fonte da Revelação é a comunicação mediúnica, Kardec pôde estabelecer a relação entre Ciência e Religião de maneira definitiva. Existe, explicou ele, a Revelação Espiritual, que consiste no ensino de leis do mundo espiritual através da comunicação mediúnica, e existe a Revelação Científica, que consiste na explicação de leis do mundo material através da comunicação científica, feita pelos pesquisadores. A Ciência Espírita utilizou-se dessas duas formas de revelação e estabeleceu a conjugação de ambas para o controlo do conhecimento da realidade, que é o objectivo directo da Ciência.

Foi assim que Kardec, adoptando uma orientação metodológica segura e nunca dela se afastando, conseguiu, finalmente, desdobrar a moderna concepção do mundo, revelando a face oculta da própria Terra em que vivemos e aniquilando o último reduto do maravilhoso ou sobrenatural. Graças a ele, ao seu trabalho gigantesco e ao sacrifício total de sua existência, os cientistas actuais poderão prosseguir no desenvolvimento das Ciências, sem tropeçar nas barreiras supersticiosas, mitológicas, mágicas e teológicas do passado. Kardec completou a Ciência com a sua contribuição espantosa. Fez, praticamente sozinho, no campo do espírito, e em apenas quinze anos de trabalho, o que milhares de equipas de cientistas, no campo da matéria, realizaram através de pelo menos três séculos.

E a precisão do seu método se confirma nas conclusões inabaladas e inabaláveis a que chegou sozinho, muitas vezes criticado pelos seus próprios companheiros, que o acusavam de personalismo centralizador. Faltava aos próprios companheiros o espírito científico que o sustentou na batalha sem tréguas. Os que hoje desejam confundir as coisas, ignorando o problema metodológico em Kardec, aceitando mistificações grosseiras de espíritos pseudo-sábios, servem apenas para provar, ainda nos nossos dias, como e quanto Kardec avançou no futuro, superando em muito o seu e o nosso tempo.

Só a ignorância orgulhosa ou a inteligência vaidosa e interesseira podem hoje querer superar Kardec, quando a própria Ciência e a própria Filosofia actuais estão ainda rastreando as conquistas de Kardec, nos rumos de futuras descobertas. O Espiritismo evolui, como tudo evolui no Universo. Esse é um axioma espírita. Mas a obra de superação de Kardec pertence às gerações do amanhã, pois a geração actual não revelou ainda condições sequer para compreender Kardec. Por outro lado, é bom lembrar que a superação de Kardec não será mais do que o prosseguimento do seu trabalho, o desdobramento da sua obra, na medida em que o homem se torne mais apto a compreender o que Kardec ensinou. O atraso actual do movimento espírita sugere-nos, mesmo, que talvez o próprio Kardec tenha de voltar à Terra, como os Espíritos lhe disseram na ocasião em que esteve entre nós, para completar a sua obra, que homem nenhum foi capaz até ao momento de ampliar em qualquer sentido.

Os leitores que desejarem verificar as comprovações parapsicológicas actuais das pesquisas de Kardec poderão fazê-lo em duas fontes: a nossa tradução anotada de O Livro dos Médiuns e o nosso livro Parapsicologia Hoje e Amanhã, na sua quarta edição. Neste último encontrar-se-á um capítulo especial sobre a descoberta do corpo bioplasmático pelos físicos e biólogos soviéticos.

Fotografias da aura das coisas e dos seres têm sido apresentadas como fotografias da alma e justamente rejeitadas pelas pessoas de bom senso. Essas fotos pertencem à fase da efluviografia nas experiências com as câmaras Kirlianas. As fotografias do corpo bioplasmático são as que realmente correspondem à alma.

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José Herculano Pires, A pedra e o joio, Crítica à teoria corpuscular do espírito, O espírito como objecto, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)