quarta-feira, 23 de setembro de 2015

pensamento e vontade ~

Sugestão hipnótica e pós-hipnótica |

A imagem mental, sugerida ao paciente em estado de hipnose, reveste objectivação tão acentuada, que chega a eclipsar objectos reais, ou ainda a fixar-se com tal firmeza sobre uma folha de papel, que, cessada a sugestão, o paciente continuará percebendo-a.

Se introduzirmos essa folha de papel num pacote com outras folhas, absolutamente idênticas, convidando o paciente a indicá-la, ele o fará sem hesitação nem equívoco.

Binet propôs, para explicar esta última particularidade, a hipótese do “ponto de referência”.

Supõe ele que, na folha de papel em que se criou a imagem, se apresente alguma singularidade como, por exemplo, uma insignificante granulação, que sirva para reconhecê-la e sobre ela projectar a imagem alucinatória sugerida.

Até certo ponto, esta ideia parece plausível.

Embora muito deixando a desejar, ela constituía, por assim dizer, a única hipótese mediante a qual podiam os factos ser julgados, enquanto não possuíamos as recentes e importantes premissas derivadas das experiências metapsíquicas.

Acredito, contudo, deva ela ser quase por completo abandonada, para reconhecermos que as diferentes modalidades com que se apresentam as imagens alucinatórias, no curso das experiências hipnóticas, tendem a evidenciar a sua natureza objectiva.

Nesse sentido, vamos rapidamente recensear as modalidades mais significativas.

Quando, à revelia do paciente, viramos o papel em que ele percebe a imagem alucinatória, apresentando-lho invertido, o paciente também a vê do mesmo modo invertida, infalivelmente.

Se o convidamos a olhar através de um prisma, dupla lhe parecerá a imagem, tal como sucede com as imagens reais.

Eis o que diz Binet:

“Quando, durante o sono hipnótico, sugiro à paciente que sobre a mesa de cor escura, diante dela colocado, está um retrato de perfil, ela assim o vê quando desperta.

Depois, colocando-lhe, sem a prevenir, um prisma diante dos olhos, logo se mostra admirada em divisar dois perfis.

E a imagem fictícia se localiza, infalivelmente, de acordo com as leis físicas...

Assim, se a base do prisma estiver voltada para cima, as duas imagens se colocarão super-postas; se estiver de lado, a visão será lateral.

Utilizando um binóculo, a imagem alucinatória aproxima-se ou afasta-se, conforme se coloque diante dos olhos da paciente a ocular, ou a objectiva.

O mesmo ocorre se tivermos a precaução de dissimular a extremidade do binóculo, evitando que os objectivos reais incidam no campo visual.

Se lhe dermos um espelho, ela aí verá reflectida a imagem alucinatória.

Assim, por exemplo: sugiro a existência de um objecto qualquer no canto da mesa, coloco, depois, um espelho por trás do referido canto e a paciente aí percebe imediatamente dois objectos análogos, parecendo-lhe o objecto reflectido tão real quanto o alucinatório, de que é apenas um reflexo.”

Podemos acrescentar que o Dr. Perinaud, chefe da clínica oftalmológica das enfermidades nervosas, na Salpetrière, demonstrou que:

“A alucinação de uma cor pode desenvolver fenómenos de contraste cromático, de maneira idêntica e mesmo mais intensa do que os produzidos na percepção real da mesma cor.”

Resta-nos, finalmente, assinalar uma prova fisiológica a favor da substancialidade real das imagens alucinatórias: a concernente às modificações da pupila dos alucinados.

Nesse sentido, observa o Dr. Féré:

“Eis o que notamos em duas histéricas com as quais nos foi possível entrar em comunicação verbal, durante o estado cataléptico.

Quando lhes ordenamos acompanhassem o voo de um pássaro, que pousara em uma cúpula, ou ainda de um outro em pleno espaço, as pupilas se lhe dilataram até ao dobro do diâmetro normal.

Mas, à proporção que fazíamos baixar o pássaro, elas se contraíam gradualmente.

Essa experiência pode reproduzir-se à vontade e o fenómeno se renova infalivelmente, sempre que sugerido às pacientes um novo objecto.

Ora, essas modificações das pupilas, provocadas nos catalépticos, e que não deixam de apresentar todos os fenómenos característicos da catalepsia, demonstram que, na alucinação, o objecto imaginário é visto exactamente como se fosse real, a provocar, pelo movimento, esforços de acomodação da pupila, de acordo com as leis que regulam a visão de um objecto real.”

Essas diversas e complexas modalidades pelas quais se manifestam as alucinações, por sugestão hipnótica, escapam totalmente à órbita explicativa dos pontos de referência.

Todavia, era inevitável e lógico que psicólogos e fisiologistas, despercebidos das hodiernas investigações metapsíquicas, considerassem os factos como de natureza puramente subjectiva, ainda que essa explicação fosse inconciliável com os mesmos factos.

Agora, é tempo de reconhecermos que, graças às modalidades características mediante as quais se operam as alucinações em apreço, devem elas ser consideradas em relação com as “formas do pensamento” entrevistas pelos sensitivoscom as gravadas em placas fotográficas ou, ainda, com as que se concretizam e materializam nas sessões mediúnicas.

Tudo contribui, assim, para demonstrar que as alucinações hipnóticas pertencem à classe das projecções objectivas pelo pensamento.

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Ernesto BozzanoPensamento e Vontade  Sugestão hipnótica e pós-hipnótica, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Female Saint_1941, pintura de Edgard Maxence)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Alfred Russel Wallace e o Sobrenatural ~

Milagres e a ciência moderna (II)

Para ilustrar o quão gradualmente o natural envolve o miraculoso e o quão facilmente as nossas crenças são determinadas por ideias preconcebidas, mais que por evidências, considerem-se alguns casos.

Há 40 anos apareceu no London Medical Times o relato de uma experiência sobre quatro russos que foram condenados à morte. Fizeram-nos dormir, sem que o soubessem, num leito onde pessoas morreram de cólera epidémica, mas nenhum deles ficou doente. Depois disso, foi-lhes dito que eles iam dormir em camas de pacientes de cólera, mas foram colocados em camas perfeitamente limpas e saudáveis. Então, três deles ficaram infectados com a doença na sua forma maligna e morreram num intervalo de quadro horas.

Cerca de 200 anos atrás, Valentine Greatrak curou pessoas de diversas doenças tocando-as com as suas mãos. O reverendo doutor R. Dean, num relato de suas observações pessoais, informa:

Estive três semanas junto com ele no meu Lord Conway (i) e o vi colocar as suas mãos sobre (estimo) mil pessoas: e realmente há algo nele mais que o comum, mas estou convencido de que não era miraculoso. Eu vi a surdez ser curada pelo seu toque, feridas dolorosas de muitos meses cicatrizarem-se em alguns dias, obstruções, e constipações serem removidas, e nódulos cancerosos no peito serem dissolvidos.

Esmagadoras são as evidências destas curas, detalhadas por testemunhas oculares de grande carácter e capacidade, mas não podem ser apresentadas aqui.

Destes dois casos, o primeiro será geralmente acreditado e o segundo, desacreditado. O primeiro é supostamente um efeito natural da "imaginação", o segundo é geralmente tomado como sendo de natureza milagrosa. Para se atribuir qualquer efeito físico atribuído à imaginação, basta apresentar os factos e ocultar a nossa completa ignorância das causas ou das leis que os governam. E, para sustentar que é possível não haver nenhum poder curativo no contacto repetido com um ser humano constituído de forma peculiar -, quando a analogia dos factos admitidos do mesmerismo prova quão poderosos e curiosos são os efeitos de um ser humano sobre o outro -, parece haver um grande grau de presunção na nossa actual e quase completa ignorância da relação da mente com o corpo.

Mas contrapomos que é apenas a classe menos importante dos milagres que pode ser possivelmente explicada desta maneira. Em muitos casos diz-se ter sido a matéria morta dotada com força e movimento, ou ter sido subitamente aumentada imensamente em peso e volume; diz-se que coisas não terrestres apareceram na terra e que o progresso ordenado dos grandes fenómenos da natureza foi subitamente interrompido. Uma característica da maioria dos milagres desta classe reputada é que eles pareceram implicar a acção de outro poder e inteligência que os dos indivíduos aos quais tal poder miraculoso é vulgarmente atribuído. Um dos mais comuns e bem atestados destes fenómenos é o movimento de vários corpos sólidos na presença de muitas testemunhas, sem qualquer causa descoberta. Ao lerem-se os relatos destas ocorrências por testemunhas oculares, um pequeno detalhe pontual frequentemente ocorre: um objecto parece ser atirado ou cair subitamente, ou ainda cai suavemente e sem barulho. Este ponto curioso é encontrado em antigos julgamentos de feitiçaria, assim como nos mais modernos fenómenos de casas assombradas ou do espiritualismo, e é notavelmente sugestivo que os objectos estão sendo carregados por um agente invisível. Para submeter tais coisas inteligíveis ou possíveis para o ponto de vista da ciência moderna, nós precisamos, contudo, poder valer-nos da suposição de que seres inteligentes possam existir, serem capazes de agir na matéria, embora eles mesmos sejam directamente incognoscíveis pelos nossos sentidos.

Que seres inteligentes possam existir à nossa volta, imperceptíveis, durante toda a nossa vida, e ainda serem capazes de fazer conhecida a sua presença actuando na matéria sob certas condições, será inconcebível para alguns e posto em dúvida por muitos mais. Mas nos aventuramos a dizer que nenhuma especulação da ciência moderna irá condenar a sua possibilidade. A dificuldade que esta concepção apresenta será de natureza completamente diversa daquela que ofusca a nossa crença na possibilidade dos milagres, quando definidos como uma contravenção daquelas grandes leis naturais que a moderna ciência tende a declarar imutáveis e absolutas. (ii) A existência de seres sencientes incognoscíveis pelos nossos sentidos não irá violar estas leis mais que a descoberta da natureza real dos Protozoa, aqueles organismos gelatinosos e sem estrutura que exibem muitos dos fenómenos superiores da vida animal sem qualquer diferenciação de partes ou especialização de órgãos que as funções necessárias a vida animal parecem requerer. A existência de tais intelectos que vão além do humano, se provada, iria apenas adicionar uma outra e mais notável ilustração de quão pequena é a porção do grande cosmos que os nossos sentidos nos permitem conhecer. Provavelmente, mesmo os cépticos sobre o assunto do sobrenatural, como Hume ou Strauss, não iriam condenar a concepção de tais inteligências ou a possibilidade abstracta de sua existência. Eles iriam talvez dizer: - Nós não temos suficientes provas do facto; a dificuldade de conceber o seu modo de existência é grande; o homem mais inteligente passa a sua vida inteira em total ignorância de qualquer dessas inteligências invisíveis: esta é a crença que prevalece entre os ignorantes e supersticiosos. Como filósofos, não podemos condenar a possibilidade do que se postula, mas precisamos ter a mais clara e satisfatória prova antes que possamos considerá-la como um facto.

Mas pode argumentar-se que, ainda que tais seres existam, eles podem ser constituídos apenas de formas mais difusas e subtis da matéria. Como, então, eles poderiam actuar sobre corpos ponderáveis, como produziriam efeitos em tudo comparáveis àqueles que constituem os milagres tão conhecidos? As pessoas que assim objectam devem ser lembradas de que todas as mais poderosas e universais forças da natureza são agora atribuídas a insignificantes vibrações de uma forma de matéria quase que infinitamente atenuada e que, por meio das maiores generalizações da ciência moderna, os mais variados fenómenos naturais foram trazidos para estas forças recônditas. Luz, calor, electricidade, magnetismo, e provavelmente vitalidade e gravitação, são considerados e são mais que "modos de movimento" de um espaço preenchido pelo éter; e não há uma simples manifestação de força ou desenvolvimento da beleza que não seja o derivado de um ou outro deles. Toda a superfície do globo foi modelada e remodelada, montanhas foram transformadas em planícies e planícies foram sulcadas e enrugadas em montanhas e vales, tudo isto por meio do poder das vibrações de calor etéreo colocadas em provimento pelo sol. Veios metálicos e cristais rutilantes incandesceram sob milhas de rocha e montanhas foram formadas por um conjunto distinto de forças desenvolvidas por vibrações do mesmo éter. Toda a erva e flor que resplandecem na superfície da terra devem o seu poder de crescimento e vida àquelas vibrações que chamamos de calor e luz, enquanto em animais e no homem os poderes daquele maravilhoso telégrafo, cuja bateria é o cérebro e cujos fios são os nervos, são provavelmente devidos à manifestação de um ainda totalmente distinto "modo de movimento" no mesmo éter difuso em todas as coisas. Em alguns casos podemos perceber os efeitos destas forças recônditas ainda mais directamente. Vemos um ímã, sem contacto ou impacto de qualquer matéria concebível pela nossa imaginação, como capaz de exercer força, superando a gravidade e a inércia, elevando e movendo corpos sólidos. Observamos a electricidade na forma de uma luz que passa pelas fendas do carvalho sólido, irradiando-se do alto de torres e campanários elevados ou destruindo homens e feras, algumas vezes sem um corte. E estas manifestações de força são produzidas por uma forma de matéria tão impalpável que apenas pelos seus efeitos ela nos é conhecida. Com tais fenómenos em todos os lugares à nossa volta, nós devemos admitir que, se inteligências feitas do que podemos denominar uma natureza etérea existem realmente, não temos razão para negar que elas utilizem essas forças etéreas que são a fonte inesgotável que origina toda a força, todo o movimento e toda a vida na Terra. Os nossos limitados sentidos e intelecto nos permitem receber impressões delas e traçar algumas das variadas manifestações do movimento etéreo sob fases tão distintas como a luz, o calor, a electricidade e a gravidade; mas nenhum pensador irá por um instante sequer, afirmar que não são factíveis outros possíveis modos de acção deste elemento primordial. Para uma raça de cegos, o quão completamente inconcebível seria a faculdade da visão, o quão absolutamente desconhecido é a existência da luz e a sua miríade de manifestações de forma, cor e beleza. Sem este único sentido, o nosso conhecimento da natureza e do universo não seria uma milésima parte do que é. Por sua ausência, o nosso intelecto se tornaria diminuto, nós não poderíamos dizer até onde se conhece; e nós deveríamos crer que a nossa natureza moral não poderia nunca ser amplamente desenvolvida sem ele e que dificilmente teríamos atingido a dignidade e a supremacia do ser humano. Ainda é possível, e talvez provável, que haja modos de sensação superiores aos nossos, como a visão o é ao toque e ao ouvido. No próximo capítulo, consideraremos o assunto das mais recentes descobertas do assim chamado sobrenaturalismo, baseados neste ponto de vista.

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(i) Nota do tradutor: jardim irlandês de interesse histórico.
(ii) Nota do Tradutor: Esta opinião acerca da ciência comum no século XIX não é mais partilhada no nosso século em função das descobertas da microfísica, que mostra limites às leis de Newton. Mesmo os epistemológos que argumentam em defesa da unicidade da ciência aceitam o argumento de que o conhecimento científico é falível ante a mostra de evidências contrárias.



Alfred Russel WallaceO Aspecto Científico do Sobrenatural, II Milagres e a ciência moderna 2 de 2, 2º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt, detalhe | 1898, tempera e folha de ouro sobre painel, de Edgard Maxence)

terça-feira, 1 de setembro de 2015

a pedra e o joio ~

a questão | metodológica 

Expostos, nos cinco pontos anteriores, os motivos históricos, espirituais e escriturísticos que nos asseguram a legitimidade da obra de Kardec, demonstrada a sua integração na cultura contemporânea, a confirmação científica, filosófica e religiosa dos seus princípios fundamentais na actualidade e as perspectivas que abre para a renovação cultural, parece-nos inegável a importância fundamental do Espiritismo nos nossos dias. Bastaria isso para exigir de todos nós o maior respeito por essa obra ainda tão mal conhecida e mal estudada. Em consequência, tentativas de reformulá-la não encontram justificativa e as pretensões de a superar chegam às raias (nos dois extremos do processo lógico) da ignorância e da irresponsabilidade.

Mas para que isso fique mais claro é conveniente tratarmos do problema do método em Kardec. A chamada questão metodológica, de importância basilar em todos os campos do pensamento, passa completamente despercebida entre os opositores, os críticos e os pretensos reformadores da obra de Kardec. É isto o suficiente para mostrar a insuficiência, a incapacidade e o empirismo (no mau sentido do termo) de todos os que defendem teorias e obras reformistas no campo do Espiritismo ou pretendem que certos ramos das Ciências actuais tenham superado a posição espírita, ou, ainda, supõem que as suas experiências pessoais, no geral corriqueiras e sem obediência às exigências metodológicas, estão em condições de abrir novos caminhos à pesquisa espírita.

É simplesmente assombrosa a leviandade com que espíritas e não espíritas, entre gente do povo e homens de cultura, formulam críticas a Kardec sem o conhecerem, sem haverem realmente estudado a sua obra e meditado sobre ela. O próprio Kardec já notara, no seu tempo, a estranha leviandade de homens de ciência que se propunham a opinar sobre questões espíritas sem nada saberem do assunto. A situação continua a mesma nos nossos dias. E é evidente que essa continuidade não desmerece a doutrina, mas sim os que se mostram incapazes de compreendê-la.

Em face dessa situação somos obrigados a tratar do assunto de maneira que muitas vezes parecerá primária a pessoas afeitas a estudos superiores. Somos forçados a lembrar conceitos já considerados vulgares nos meios culturais, a aplicar esquemas analíticos rudimentares (como fizemos em O Verbo e a Carne, no exame do roustainguismo) e a descer a explicações banais de problemas que na verdade não podiam nem deviam existir, mormente no meio espírita. Este problema de método é um deles. Do ponto de vista cultural, é simplesmente vergonhoso que o tenhamos de recolocar constantemente ante os olhos de dirigentes de grupos, de centros e de instituições representativas do movimento doutrinário.

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José Herculano Pires – A Pedra e o Joio, Crítica à Teoria Corpuscular do Espírito. A questão metodológica, 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)