sábado, 23 de outubro de 2021

O Espiritismo na Arte ~


Parte III

~~ fusão do bem com o belo: o objectivo sublime da criação ~

(Março de 1922) 

Em resumo, na lei eterna do Universo, o objectivo sublime da criação, é a fusão do bem com o belo. Esses dois princípios são inseparáveis, eles inspiram toda a obra divina e constituem a base essencial das harmonias do Cosmos. 

O pensamento e a intenção divinos sendo o bem, a manifestação deles é o belo. Na sua ascensão, o ser deverá mais e mais compenetrar-se desse pensamento soberano, dessa vontade e, dedicar-se a realizá-los em si e à sua volta, sob formas sempre mais perfeitas. A sua felicidade consistirá em assimilar essa lei e em cumpri-la. As alegrias íntimas e profundas que resultarão disso são a demonstração evidente do objectivo do Universo, alegrias que toda a linguagem humana, dizem-nos os espíritos, é insuficiente para as definir. Essas leis, esse objectivo essencial, o Espiritismo não somente os ensina; ele ainda nos indica os meios de alcançá-los, de praticá-los. Sob esse ponto de vista, o seu papel é notável e a sua intervenção, no actual momento da história, é providencial. 

Há um século vimos assistindo ao colossal desenvolvimento da indústria e das suas invenções, à descoberta e à aplicação dos recursos físicos da Terra. Disso resultou, nas ideias, uma poderosa corrente materialista, que deu um novo impulso aos apetites, às necessidades imperiosas de bem-estar e de usufrutos. A necessidade de se opor uma contra-influência espiritualista a essa corrente cada vez mais se faz sentir. 

A evolução material necessita de uma evolução filosófica e religiosa paralela, sem o que as forças intelectuais se voltariam, cada vez mais, na direcção do mal e o mundo desabaria num grande cataclismo do qual a última guerra seria apenas o prelúdio e dele nos daria só uma ideia. 

Acima da vida presente, que é somente transitória, é preciso, entre outras coisas, fazer entrever a outra vida, que é o seu objectivo e a sua sanção. Unicamente pelo acordo final das ciências, das filosofias e das religiões mais evoluídas é que o pensamento atingirá os altos cumes e que a humanidade encontrará a confiança e a paz, com conhecimento das verdades essenciais, debaixo das suas diversas faces. 

/... 

Será que o reino do bem nunca terá lugar na Terra? 

«O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, predominarem os bons. Então, farão com que aí reinem o amor e a justiça, fontes do bem e da felicidade. É através do progresso moral e praticando as leis de Deus que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estiverem banidos o orgulho e o egoísmo. 

»A transformação da humanidade foi predita e avizinhais-vos do momento em que ela se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação verificar-se-á através da reencarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia-a-dia e, todos os que tentem deter a marcha das coisas, serão daí excluídos, porque estariam deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos e menos avançados, para desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio avanço, ao mesmo tempo que trabalharão pelo dos seus irmãos mais atrasados. Não vêem neste exílio da Terra, transformada a sublime alegoria do Paraíso perdido e, na vinda do homem para a Terra em semelhantes condições, trazendo em si o gérmen das suas paixões e os vestígios da sua inferioridade primitiva, a não menos sublime alegoria do pecado original? Considerado deste ponto de vista, o pecado original prende-se com a natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si próprio, pelos seus próprios erros e não pelos dos pais. 

»Todos vós, homens de fé e de boa-vontade, trabalhai, portanto, com ânimo e zelo na grande obra da regeneração, para colherdes pelo cêntuplo o grão que tiverdes semeado. Ai dos que fecharem os olhos à luz! Preparam para si próprios longos séculos de trevas e decepções. Ai dos que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não encontrarão quem os ajude a carregar o fardo das suas misérias.» 

Resposta proferida pelo Espírito S. Luís, in "O Livro dos Espíritos"Allan Kardec, à pergunta número 1019 – colocada acima – do Paraíso, Inferno e Purgatório. 

Luís IX de França (i)


("Allan Kardec, que eu gosto de chamar com toda a legitimidade, o nosso querido professor Hipólito Leão, foi a pessoa designada para coligir o ensino comunicado pelos espíritos nos milhares de comunicações racional e metodicamente organizadas. ALLAN KARDEC faz a diferença, distancia-se com nobreza de sentido crítico, liberto da paixão de se impor como entidade liderante e sacralizada. O nosso querido e estimado professor Hipólito Leão continua na sombra, com a elevação da modéstia e a coragem da inteligência, a dizer as palavras certas e, a aconselhar a atitude racional, a cultura do rigor e da lucidez. "espiritualismo racional, in comentários a este sítio, 22/09/2013) 


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte III – Fusão do bem com o belo: objectivo sublime da criação, 11/13º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: A educação de São Luís, in painéis "A Vida de São Luís",  Panteão, Paris, óleo sobre tela de Alexandre Cabanel)

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

literatura do além-túmulo ~


Capítulo V 

No caso de que me vou ocupar, pode assinalar-se o primeiro passo decisivo no domínio supranormal, ainda que se fique muito perplexo quando se quer definir a verdadeira natureza da manifestação supranormal ocorrente. 

Quero falar do caso muito conhecido: “William Sharp-Fiona Macleod”, no qual se vê aparecer a misteriosa união de dois escritores, de carácter muito diferente, numa só pessoa. 

O crítico literário Sr. F. E. Leaning, que fez um estudo aprofundado do caso em questão, começa assim o seu artigo, aparecido no Light 1926, pág. 218: 

“Nos primeiros meses do ano de 1890, o mundo literário inglês foi agradavelmente surpreendido com a publicação de um romance e de uma colecção de versos que traziam o nome de Fiona Macleod. Embora esse nome fosse desconhecido de toda a gente, era evidente que se tratava de uma estrela de primeira grandeza que surgia no horizonte das letras. Foi o que, de facto, se deu e durante dez anos ela brilhou com um esplendor incomparável, fazendo as delícias dos amantes de uma literatura que se inspirava nas origens célticas. 

O sucesso incontestável dessa série de obras literárias, saturadas de estranho encanto, que prendia e entusiasmava os leitores, não devia surpreender, de tal modo estavam vivificadas por um “sal céltico”, espalhado às mãos cheias. A prosa continha mais poesia do que uma multidão de poetas poderia conceber. 

Foi assim que a obra de Fiona Macleod encantou os corações de uma geração inteira. O grande Meredith saudara a novel escritora como uma mulher de génio e, autores como Yeats e Russell acolheram-na como seu rival

Quando lhe pediram que lhes fornecesse algumas informações sobre a sua pessoa, disse ter nascido, há mil anos, de um pai chamado “Sonho” e, de uma mãe chamada “Romance”, numa residência situada lá onde o arco-íris conquista a sua forma

Naturalmente, o mistério de que se cercava a amável escritora fez com que diversas pessoas sonhassem com a fantasia e algumas mesmo chegaram até a adivinhar a verdade, mas estas foram logo neutralizadas pelo mais solene desmentido ou completamente reduzidas ao silêncio, desvendando-se-lhes o mistério, depois de se lhes ter feito jurar guardar segredo. Este foi, efectivamente, bem guardado até à morte do autor, que ocorreu em 1905. Foi então que o mundo literário ficou estupefacto e um zumbido de abelhas em enxames se formou em todas as revistas, quando se soube que a misteriosa mulher de letras, cheia de graça e de fantasia femininas, com a qual vários autores haviam cortejado de longe, era a mesma pessoa que o escritor e romancista William Sharp.” 

Tal é a descrição proveitosa na qual F. E. Leaning narra o sucesso literário triunfal da misteriosa Fiona Macleod, terminado com o desfecho que se acaba de ler. 

A viúva de William Sharp publicou um volume de memórias biográficas de seu marido, expondo os factos na sua crónica verdadeira e detalhada, com o fim de facilitar a tarefa dos psicólogos desejosos de analisar o caso. Soube-se, pelo volume em apreço, que ele percebia à sua volta companheiros de brincadeira invisíveis, via os “espíritos das árvores”, o “espírito da natureza” que lhe apareciam sob formas gigantescas ou anãs. 

Certo dia, teve a visão da “fada dos bosques”, sob o aspecto de uma mulher de grande beleza que ele chamou de “Olhos-de-estrela”. Tinha sete anos quando a viu pela primeira vez durante um dia quente de verão, erecta e esplêndida, no meio de flores campestres, de campânulas azuis. Tal encanto, tal amor, se desprendiam dos seus olhos que o menino se atirou nos braços dela. Encontraram-no, na relva, choroso e lamentoso, pedindo, apaixonadamente, para rever a bela dama de “cabelos-de-ouro-luminoso”. 

Disseram-lhe que ele tinha sido ofuscado pelo sol e que havia tido um belo sonho. Sharp acrescenta: “Não disse nada. Tranquilizei-me, mas não me esqueci da visão”. E quando o menino cresceu, quando se tornou escritor e romancista, “a fada dos bosques”, sob o nome de Fiona Macleod, interveio, ditando por “inspiração” romances e poemas saturados de graça feminina, de fantasias, de sonhos, de reminiscências célticas de há mil anos. Tal foi, pelo menos, a convicção profunda de William Sharp, que sofria, entretanto, momentos de incerteza, provenientes da circunstância de que era sujeito a emergências altamente sugestivas, de recordações pessoais de uma outra existência, vivida como mulher, o que o levava, por vezes, a identificar-se como Fiona Macleod

Na página 301 das Memórias em questão, a viúva fala, nos seguintes termos, das diferenças radicais existentes entre o modo de seu marido escrever quando personificava Fiona Macleod e o outro quando escrevia por sua própria conta: 

“Durante os anos em que Fiona Macleod desenvolveu, tão rapidamente, a sua própria personalidade, o seu colaborador experimentava a necessidade de sustentar, nos limites do possível, a reputação que havia adquirido na qualidade de William Sharp. Ele estava mesmo empenhado em não a perder, mas havia uma diferença radical entre as modalidades de produção dos dois géneros literários. Os escritos de Fiona Macleod eram a consequência de um impulso interior irresistível: ele escrevia porque era obrigado a exprimir o que lhe brotava do espírito, sem ser inquirido, pouco importando se isso lhe causava prazer ou tristeza. Quanto ao escritor William Sharp, ele produzia com modalidades diametralmente opostas às da sua personalidade gémea: escrevia porque havia decidido fazê-lo e polia cuidadosamente a forma do que escrevia. Finalmente, ele escrevia porque as necessidades da vida lhe impunham...” 

/... 


Ernesto Bozzano, Literatura do Além-túmulo  Capítulo V (1 de 2), 5º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac | 1900, tempera no painel de Edgard Maxence