sexta-feira, 23 de junho de 2023

o grande enigma ~


Solidariedade comunhão universal 
(III)

Nas Almas evolvidas, o sentimento da solidariedade torna-se bastante intenso para se transformar em comunhão perpétua com todos os seres e com Deus. 

A Alma pura comunga com a Natureza inteira; inebria-se nos esplendores da Criação infinita. Tudo – os astros do céu, as flores do prado, a canção do regato, a variedade das paisagens terrestres, os horizontes fugitivos do mar, a serenidade dos espaços – tudo lhe fala uma linguagem harmoniosa. Em todas essas coisas visíveis, a Alma atenta descobre a manifestação do pensamento invisível que cobre o Cosmos. Este reveste para ela um aspecto encantador. Torna-se o teatro da vida e da comunhão universais, comunhão dos seres uns com os outros e de todos os seres com Deus, seu pai. 

Não há distância entre as Almas que se amam, porque se comunicam através da extensão. 

O Universo é animado de vida potente: vibra qual uma harpa sob a acção divina. As irradiações do pensamento o percorrem em todos os sentidos e transmitem mensagens de Espírito a Espírito, através do Espaço. Esse Universo que Deus povoou de Inteligências, a fim de que o conheçam e o amem e cumpram a sua Lei, Ele o enche de sua presença, ilumina-o com a sua luz, aquece-o com o seu amor. 

A prece é a expressão mais alta dessa comunhão das Almas. Considerada sob este aspecto, ela perde toda a analogia com as fórmulas banais, os recitativos monótonos em uso, para se tornar um transporte do coração, um acto da vontade, pelo qual o Espírito se desliga das servidões da Matéria, das vulgaridades terrestres, para perscrutar as leis, os mistérios do poder infinito e a ele submeter-se em todas as coisas: “Pedi e recebereis!” Tomada neste sentido, a prece é o acto mais importante da vida; é a aspiração ardente do ser humano que sente a sua pequenez e a sua miséria e procura, pelo menos por um instante, pôr as vibrações do seu pensamento em harmonia com a sinfonia eterna. É a obra da meditação que, no recolhimento e no silêncio, eleva a Alma até essas alturas celestes, onde aumenta as suas forças, onde a impregna das irradiações da luz e do amor divinos. Mas quão poucos sabem orar! As religiões nos fizeram desaprender a prece, transformando-a em exercício ocioso, às vezes ridículo. 

Sob a influência do Novo Espiritualismo, a prece tornar-se-á mais nobre e mais digna; será feita com mais respeito ao Poder Supremo, com maior fé, confiança e sinceridade, em completo destaque das coisas materiais. Todas as nossas ansiedades e incertezas cessarão quando tivermos compreendido que a vida é a comunhão universal e que Deus e todos os seus filhos vivem, em conjunto, essa vida. 

Então, a prece tornar-se-á a linguagem de todos, a irradiação da Alma que, nos seus transportes, agita o dinamismo espiritual e divino. Os seus benefícios se estenderão por todos os seres e particularmente por aqueles que sofrem, pelos ignorados da Terra e do Espaço. 

Ela chegará àqueles em quem ninguém pensa, que jazem na sombra, na tristeza e no esquecimento, diante de um passado acusador. Ela originará neles inspirações novas, fortificar-lhes-á o coração e o pensamento – porque não tem limites a acção da prece, assim como as forças e os poderes que ela pode pôr em elaboração para o bem dos outros. 

A prece, em verdade, nada pode mudar às leis imutáveis; ela não poderia, de maneira alguma, mudar os nossos destinos; o seu papel é proporcionar-nos socorros e luzes que nos tornem mais fácil o cumprimento da nossa tarefa terrestre. A prece fervente abre, de par em par, as portas da Alma e, por essas aberturas, os raios de força, as irradiações do foco eterno nos penetram e nos vivificam. 

Trabalhar com sentimento elevado, visando a um fim útil e generoso é, ainda, orar. O trabalho é a prece activa desses milhões de homens que lutam e penam na Terra, em benefício da Humanidade. 

A vida do homem de bem é uma prece contínua, uma comunhão perpétua com os seus semelhantes e com Deus. Ele já não tem necessidade de palavras, nem de formas exteriores para exprimir a sua fé: ela se exprime por todos os seus actos e por todos os seus pensamentos. Ele respira e se agita sem esforço numa atmosfera fluídica cheia de ternura pelos desgraçados, cheia de boa-vontade por toda a Humanidade. Essa comunhão constante se torna uma necessidade, uma segunda natureza. É graças a ela que todos os Espíritos de eleição se mantêm nas alturas sublimes da inspiração e do génio. 

Os que vivem no organismo e na materialidade e, cuja compreensão não está aberta às influências do Alto, esses não podem saber que impressões inefáveis faculta essa comunhão da Alma com o Espírito Divino. 

Todos aqueles que, vendo a espécie humana deslizar sobre os declives da decadência moral, procuram os meios de sustar a sua queda, devem esforçar-se por tornar uma realidade essa união estreita de nossas vontades com a vontade suprema! Não há ascensão possível, encaminhamento para o Bem, se, de tempos a tempos, o homem não se volta para o seu Criador e Pai, a fim de lhe expor as suas fraquezas, as suas incertezas, as suas misérias, para lhe pedir os socorros espirituais indispensáveis à sua elevação. E quanto mais essa confissão, essa comunhão íntima com Deus for frequente, sincera, profunda, mais a Alma se purifica e emenda. Sob o olhar de Deus, ela examina, expande as suas intenções, os seus sentimentos, os seus desejos; passa em revista todos os seus actos e, com essa intuição, que lhe vem do Alto, julga o que é bom ou mau, o que deve destruir ou cultivar. Ela compreende, então, que tudo quanto há de mal vem do eu e deve ser abatido para dar lugar à abnegação, ao altruísmo; que, no sacrifício de si mesmo, o ser encontra o mais poderoso meio de elevação, porque, quanto mais ele se dá, mais se engrandece. Deste sacrifício faz a lei de sua vida, lei que imprime no mais profundo do seu ser, em traços de luz, a fim de que todas as acções sejam marcadas com o seu cunho. 

De pé sobre a Terra, meu sustentáculo, minha nutriz e minha mãe, elevo os meus olhares para o Infinito, sinto-me envolvido na imensa comunhão da vida; os eflúvios da Alma universal me penetram e fazem vibrar o meu pensamento e o meu coração; forças poderosas me sustentam, aviventam em mim a existência. Por toda a parte onde a minha vista se estende, por toda a parte a que a minha inteligência se transporta, vejo, discirno, contemplo a grande harmonia que rege os seres e, por vias diversas, os faz rumar para um fim único e sublime. Por toda a parte vejo irradiar a Bondade, o Amor, a Justiça! 

Ó meu Deus! Ó meu Pai! Fonte de toda a sabedoria, de todo o amor, Espírito Supremo cujo nome é Luz, eu te ofereço os meus louvores e as minhas aspirações! Que elas subam a ti, qual um perfume de flores, qual sobem para o céu os odores inebriantes dos bosques. Ajuda-me a avançar na senda sagrada do conhecimento, para uma compreensão mais alta das tuas leis, a fim de que se desenvolva em mim mais simpatia, mais amor pela grande família humana; pois sei que, pelo meu aperfeiçoamento moral, pela realização, pela aplicação activa em torno de mim e em proveito de todos, da caridade e da bondade, aproximar-me-ei de ti e, merecerei conhecer-te melhor, comungar mais intimamente contigo na grande harmonia dos seres e das coisas. Ajuda-me a desprender-me da vida material, a compreender, a sentir o que é a vida superior, a vida infinita. Dissipa a obscuridade que me envolve; depõe na minha alma uma centelha desse fogo divino que aquece e abrasa os Espíritos das esferas celestes. Que a tua doce luz e, com ela, os sentimentos de concórdia e de paz se derramem sobre todos os seres! 

/… 


Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte / Deus e o Universo, III Solidariedade | comunhão universal (3 de 3), 13º fragmento da obra. 
(imagem de contextualização: La Madonna de Port Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali

domingo, 18 de junho de 2023

Saberes e o tempo ~


Estudo sobre os fluidos ~~ 

É tão importante a demonstração da existência dos fluidos, para a compreensão dos fenómenos espirituais, que devemos examinar esse problema sob todos os seus aspectos. A experiência espírita há demonstrado que a alma se encontra revestida de um envoltório material, mas invisível e intangível no estado normal e, que se move num meio físico que carece de peso. Urge, pois, apresentemos todas as razões que tendem a provar o facto capital da existência de um mundo imponderável, porém tão real como o em que vivemos. 

Acreditava-se, outrora, que a luz, a electricidade, o calor, o magnetismo, etc., eram substâncias inteiramente distintas umas das outras, dotadas de natureza própria, especial, que as diferençavam completamente. As pesquisas contemporâneas demonstraram falsa tal concepção. 

Nas primeiras idades da ciência, não só parecia que as forças eram separadas, mas também que o número delas se multiplicava ao infinito. Considerava-se cada fenómeno como a manifestação de uma certa força. Entretanto, pouco a pouco se reconheceu que efeitos diferentes podem derivar de uma causa única. Desde então, diminuiu consideravelmente o número das forças, cuja existência se admitia. Newton identificou a gravidade e a atracção, reconhecendo na queda da maçã e na manutenção do astro em sua órbita, efeitos de uma mesma causa: a gravitação universal. Ampère demonstrou que o magnetismo é apenas uma forma da electricidade. A luz e o calor, desde longo tempo, são tidos como manifestações de uma mesma causa: um movimento vibratório extremamente rápido do éter. 

Nos dias actuais, uma grandiosa concepção veio mudar de novo a face à ciência: a de que todas as forças da Natureza se reduzem a uma só. A energia ou a força (são sinónimos os dois termos) pode assumir todas as aparências, sendo, alternativamente, calor, trabalho mecânico, electricidade, luz e dar origem às combinações e decomposições químicas. Às vezes, a força como que se encontra oculta ou destruída. Simples aparência. Pode-se sempre encontrá-la novamente e fazê-la passar de novo pelo ciclo de suas transformações. 

Inseparável da matéria, a força é indestrutível, fazendo-se mister que à energia se aplique este princípio: na Natureza, nada se perde, nem se cria. 

É tão verdade isto, que, quando um movimento sofre brusca interrupção, imediatamente uma coisa nova aparece: é o calor. Assim, um pedaço de chumbo, colocado na bigorna, se aquecerá violentamente sob os golpes do martelo do ferreiro; uma bala de artilharia, batendo num alvo de ferro, poderá chegar à temperatura do rubro; as rodas de um comboio em marcha despedem centelhas, quando se accionam subitamente os freios. Se o movimento da Terra em torno do Sol cessasse instantaneamente, diz Helmholtz que a quantidade de calor gerado por esse facto seria tal, que faria passar ao estado de vapor toda a massa terrestre. 

Temos, portanto, que calor e movimento são duas formas equivalentes da energia, formas que mutuamente se substituem, tornando-se visível uma, quando a outra desaparece. Determinou-se exactamente a que quantidade de calor corresponde uma certa quantidade de movimento, medida a que se dá o nome de equivalente mecânico do calor

Torna-se então fácil de compreender que aquecer um corpo é aumentar-lhe o movimento interno, isto é, o das suas moléculas. Sabemos que, desde o átomo invisível até o corpo celeste perdido no espaço, tudo se encontra sujeito ao movimento. Tudo gravita numa órbita imensa ou infinitamente pequena. Mantidas a uma distância definida umas das outras, em virtude do próprio movimento que as anima, as moléculas guardam entre si relações constantes, que só se alteram pela adição ou subtracção de certa quantidade de movimento. Em geral, a aceleração do movimento das moléculas aumenta-lhes as órbitas e afasta-as umas das outras, ou, por outras palavras, aumenta o volume dos corpos. É justamente por isso que o calor se apresenta como fonte de movimento

Sob sua influência, as moléculas, afastando-se cada vez mais, fazem que os corpos passem do estado sólido ao líquido, em seguida ao de gás. Os gases, a seu turno, se dilatam indefinidamente, pela adição de novas quantidades de calor, isto é – de movimento – e, se se criar embaraço a essa expansão, ele exercerá considerável pressão sobre as paredes do vaso que o contenha. É assim que as moléculas dos gases ou dos vapores, em cativeiro nos cilindros das locomotivas, transmitem ao êmbolo a força que se emprega para produzir a tracção dos comboios, isto é, trabalho mecânico

Quando, pois, os movimentos moleculares de um corpo se mostrem agrupados de maneira a apresentar, uns com relações aos outros, centros fixos de orientação, diremos que esse corpo é sólido; 

Quando os movimentos moleculares de um corpo estejam agrupados de maneira que os centros desses grupos sejam móveis, uns com relação aos outros, o corpo é líquido; 

Quando as moléculas de um corpo se movem em todos os sentidos e colidem umas com as outras milhões de vezes por segundo, o corpo é chamado gás. (i) 

Convém notar que, à proporção que a matéria passa do estado sólido ao estado líquido, o volume aumenta; depois, do estado líquido ao gasoso, a dilatação do mesmo peso de matéria se torna ainda maior, de sorte que a matéria se rarefaz, ao mesmo tempo em que o movimento molecular se pronuncia. Um litro d’água, por exemplo, dá 1.700 litros de vapor, isto é, ocupa um volume 1.700 vezes superior ao que tinha no estado líquido; nessas condições, as atracções mútuas entre as moléculas diminuem e o movimento oscilatório das mesmas moléculas se torna mais rápido. 

Com efeito, segundo cálculos de probabilidades, (ii) os sábios chegaram a admitir que se pode considerar constante a velocidade média das moléculas para um mesmo gás, qualquer que seja a direcção do caminho percorrido. O valor dessa velocidade média, por segundo, à temperatura do gelo em fusão, isto é, a 0º e, à pressão barométrica de 760 mm, é de: 

461      metros para as moléculas do oxigénio; 
485      para as do ar; 
492      para as do azoto;
1.848   para as do hidrogénio. 

Tais velocidades são comparáveis à de um projéctil à saída de uma arma de grande alcance. A velocidade das moléculas é tanto maior, quanto mais leve é o gás, isto é, quanto menos matéria contém na unidade de volume. Logo, se num tubo fechado se fizer o vácuo tão perfeito quanto possível e se obrigarem as moléculas restantes a mover-se em linha recta, por meio da electricidade, obter-se-á o estado radiante que Crookes descobriu. 

Como muito se fala desse estado especial, expliquemos claramente em que ele consiste. 

Sabemos que os gases se compõem de um número indefinido de particulazinhas em incessante movimento e animadas, conforme a sua natureza, de velocidades de todas as grandezas. 

 Sabemos igualmente que, em consequência do número imenso, essas partículas não podem mover-se em nenhuma direcção, sem se chocarem, quase imediatamente, com outras partículas. 

Que se dará se, de um vaso fechado, se retirar grande parte do gás ali encerrado? É claro que, quanto mais diminuir o número das moléculas do gás, tanto menos oportunidade terão as que restarem de chocar-se umas com as outras. Pode-se, pois, induzir que, num vaso fechado, onde se faça cada vez maior vazio, crescerá a distância que qualquer molécula poderá percorrer, sem se chocar com outras. Teoricamente, o comprimento do percurso livre, isto é, o comprimento da distância que uma molécula qualquer poderá percorrer, sem colidir com outra, estará na razão inversa das moléculas restantes, ou, o que vem a dar no mesmo, na razão directa do vácuo produzido. 

Como, no estado gasoso ordinário, as moléculas se encontram em colisão contínua umas com as outras; como essa colisão contínua é precisamente o que determina as propriedades físicas do gás, segue-se que, se as moléculas percorrem espaços maiores sem se chocarem, dessa diferença na maneira de se comportarem, hão de decorrer propriedades físicas diferentes e, por conseguinte, um estado novo para a matériaO quarto estado será tão distante do estado gasoso, quanto este o é do estado líquido. Foi o que Crookes experimentalmente demonstrou. 

Aqui se acusa nitidamente a lei que assinalamos, segundo a qual quanto mais rarefeita é a matéria, tanto mais rápido é o movimento molecular. É tal a velocidade destas últimas partículas da matéria, que os metais mais refractários, submetidos ao bombardeamento das moléculas, não tardam a tornar-se rubros e mesmo a fundir-se, se a acção for suficientemente prolongada. Nesse estado, a matéria, se bem que excessivamente rara, ainda tem um peso apreciável, não por meio da balança, mas por meio do raciocínio. O vácuo produzido é tal, que, se supusermos a pressão barométrica ordinária, representada por uma coluna de mercúrio da altura de 4.800 metros, a pressão da matéria radiante não poderá equilibrar mais de um quarto de milímetro de mercúrio! Ela ainda tem peso, o que explica que conserva as suas propriedades químicas, porquanto não há dissociação. 

Mas, se acompanharmos a ciência nas suas induções, ser-nos-á possível conceber um estado em que a matéria se ache tão rarefeita que o seu movimento molecular a liberte da atracção terrestre. É o éter dos físicos que primeiro realiza essa concepção. Para serem compreensíveis os diversos aspectos da energia, imaginou-se o Universo cheio de uma substância imponderável, perfeitamente elástica, a qual, graças à sua subtileza, penetraria todos os corpos. Conforme vibre mais ou menos rapidamente, essa matéria dá lugar aos fenómenos que para nós se traduzem em sensações de calor, sendo as mais lentas as vibrações; de electricidade, se forem as mais rápidas; de raios obscuros, se for actividade química; finalmente, às vibrações excessivamente rápidas da luz visível e invisível. 

Será aí, porém, o limite extremo que não se possa ultrapassar nas pesquisas? Não, pois sabemos, pelas experiências espíritas, que os Espíritos possuem corpos fluídicos, que nenhuma das formas da energia pode influenciar. Nem os frios intensos dos espaços interplanetários, que chegam a 273 graus abaixo de zero, nem a temperatura de muitos milhares de graus dos sóis quaisquer influências exercem sobre a matéria perispirítica. É que esse invólucro da alma procede do fluido cósmico universal, isto é, da substância na sua forma primitiva. Nenhuma mudança poderá atingi-la; ela, na sua essência, é imutável. Não se encontra sujeita às decomposições, por não poder simplificar-se, uma vez que se encontra no estado inicial, último tempo a que hão de fatalmente ir ter todas as mutações. Mesclam mais ou menos o perispírito os fluidos do planeta a que o Espírito se encontra ligado. O trabalho da alma consiste justamente em desembaraçar o seu corpo fluídico de todas as escórias que se lhe agregaram, desde a origem da sua evolução. 

Entre esse estado perfeito – em que o mínimo de matéria é animado do máximo de força viva – e o estado sólido a 273° – em que o máximo de matéria contém o mínimo de movimentos vibratórios – há uma infinidade de graus que formam a escala de todas as modalidades possíveis da matéria. Estamos, pois, cientificamente autorizados a dizer que os fluidos não são simples criações da imaginação; que eles correspondem, no mundo físico, a realidades positivas, a estados ainda não descobertos, mas que a matéria radiante, os raios X, o fluido que impressiona as chapas fotográficas e o éter nos animam a conceber como existentes de facto. Não é de duvidar-se que pesquisas ulteriores farão se descubram mais tarde essas modificações tão variadas dos estados da substância primitiva, à medida que se aperfeiçoem os nossos meios de investigação e que a ciência voltar os seus olhos para o invisível e para o imaterial, em vez de se acantonar por sistema no domínio grosseiramente tangível e cujo território é tão limitado. 

Aliás, a força da evolução obriga fatalmente os retardatários a abrirem o intelecto às novas concepções. A fotografia do invisível, quer opere nas insondáveis profundezas da extensão, quer penetre no interior das substâncias opacas, patenteia ao espírito possibilidades que, há alguns anos apenas, seriam tachadas de utopias supersticiosas. Faz-se mister que a humanidade se liberte das enervantes afirmações dos materialistas. Soou a hora em que tem de cair o véu que tolhia a visão clara da Natureza. 

Apesar das mais extravagantes teorias, forjadas para explicarem os fenómenos espíritas sem a intervenção dos Espíritos, a verdade se evidencia de maneira esplêndida. Sim, temos uma alma imortal. Sim, as vidas sucessivas na Terra e no espaço são simples trechos do interminável caminho do progresso e todos nos encontramos em marcha para altos destinos. O sentimento da imortalidade, que sempre se manifestou em todas as idades do género humano, que se atestou, de modo tangível, em todas as épocas, por manifestações semelhantes às que hoje observamos, está prestes, enfim, a receber a sua explicação científica. Esplenderá então a moral sublime da solidariedade, da fraternidade e do amor, forçosa consequência das vidas sucessivas e da identidade de origem e de destino. Por termos o sentimento vivo de que soou a hora em que a ciência há de unir-se à revelação, é que todos os esforços empregam por trazer a nossa pedra ao edifício. Para todos os espíritos independentes, que se não achem cegos por ideias preconcebidas, são fora de dúvida que as descobertas contemporâneas acarretam firmes apoios ao espiritualismo. 

As especulações precedentes sobre a matéria no estado sólido, líquido ou gasoso justificam-se plenamente, como é fácil ver-se. Dado que, verdadeiramente, os gases são formados de átomos a moverem-se em todos os sentidos com prodigiosa rapidez, é claro que, resfriando-se esses gases, isto é, reduzindo-se-lhes o movimento, as suas moléculas se aproximarão. Se, ao demais, ajudarmos essa concentração por meio de pressões enérgicas, o gás há de passar ao estado líquido e de, afinal, solidificar-se, quando as suas moléculas possam exercer as mútuas atracções. É precisamente o que se dá. 

Só ultimamente se chegou a comprovar esses resultados que a teoria fazia prever. Assim é que o Senhor Cailletet mostrou que o oxigénio se liquefaz a 29 graus abaixo de zero, sob uma pressão de 300 atmosferas, ou, então, conforme o Sr. Wroblewski o determinou, sob a pressão de uma atmosfera, mas fazendo-se descer a temperatura a 184 graus abaixo de zero. O ar que respiramos se torna líquido, quando a temperatura é de 192 graus abaixo de zero. A dois graus de menos, também o azoto se torna líquido. De sorte que, se o Sol se extinguisse, isto é, se deixasse de nos dar o calor que mantém todos os corpos terrestres no estado actual, a Terra seria inabitável, porquanto o ar provavelmente se solidificaria, bem como o hidrogénio e todos os gases; já não haveria atmosfera e um frio mortal substituiria a animação e a vida. 

Incontestavelmente, reina continuidade em todas as manifestações da matéria e da energia. Todos os estados, tão diversos, das substâncias se ligam entre si por estreitos laços; não há barreira intransponível a separar os gases impalpáveis das matérias mais duras ou mais refractárias. Na realidade, uma continuidade existe perfeita nos estados físicos, que podem passar de um ao outro por gradações tão suaves, que racionalmente podem ser considerados formas amplamente espaçadas de um mesmo estado material. Tanto mais exacto isto é, quanto nenhum estado material possui qualquer propriedade essencial de que os outros não partilhem. 

Os sólidos, sob fortes pressões, se escoam como os líquidos e, os gases podem comportar-se como corpos sólidos pouco compressíveis. O Sr. Tresca, submetendo o chumbo a uma pressão de 130 quilogramas por centímetro quadrado, fez correr dele um veio líquido, qual se estivesse fundido. O Sr. Daubrée (iii) produziu erosões e arrancamentos em blocos de aço, pela força de gases violentamente comprimidos. O efeito foi semelhante ao que teria produzido o choque de um buril de aço energicamente accionado. 

Urge se compreenda que a grandeza do efeito que um corpo produz está longe de corresponder ao peso desse corpo. Assim, uma quantidade extremamente fraca de gás, diz o Sr. Daubrée, falando da dinamite, produz efeitos verdadeiramente assombrosos. O peso de um quilograma e meio de gás, actuando sobre um prisma de aço de 134 centímetros quadrados (o que corresponde ao peso de 162 miligramas por milímetro quadrado), produz nele, a par de diferentes escavações na superfície, o seguinte: 

1º) Rupturas, que somente pressões de um milhão de quilogramas seriam capazes de produzir, isto é, a pressão de um peso 600 mil vezes maior do que o do gás causador de tais despedaçamentos;

2º) Esmagamentos, que não podem corresponder a menos de 300 atmosferas. 

Postas em confronto com efeitos mecânicos determinados pelo raio, mostram essas experiências que as mais altas formas da energia se encontram sempre ligadas à matéria cada vez mais rarefeita

É, pois, por indução absolutamente legítima que acreditamos na existência dos fluidos, isto é, de estados materiais em que a força viva das moléculas ou dos átomos aumenta sem cessar, até ao estado primitivo, que se caracterizará pelo máximo de força viva no mínimo de matéria. Entre a matéria sólida e o fluido universal, depara-se com uma imensa série graduada de transições insensíveis, em que o movimento molecular vai em constante crescendo. Pode resumir-se no quadro seguinte tudo o que acabamos de examinar:

Na unidade de volume máximo de matéria, ligada ao mínimo de força viva, limite absoluto: 273º abaixo de zero.

Matéria no estado sólido.

· Minerais, metais, sais, etc.

· Orientação fixa dos agrupamentos moleculares, uns com relação aos outros.

· Oscilações restritas e movimentos de vibração das moléculas.

Matéria no estado líquido.

· A água, o vinho, o álcool, etc.

· Orientação móvel dos agrupamentos moleculares uns com relação aos outros.

· Oscilações lentas, mas começo do movimento de rotação das moléculas sobre si mesmas.

Matéria no estado gasoso.

· O ar, o hidrogénio, o oxigénio, etc.

· Movimentos rápidos de translação das moléculas em todas as direcções, acompanhadas de uma rotação mais pronunciada, à medida que a matéria se rarefaz.

Matéria no estado etéreo imponderável.

· Manifestando-se pelos fenómenos caloríficos, luminosos, eléctricos. vitais, etc.

· Movimentos de translação, mais rápidos do que no estado precedente; movimento rotatório dos átomos, desenvolvendo uma força centrífuga, que contrabalança a acção da gravitação.

Matéria no estado fluídico.

· Todos os fluidos do mundo espiritual. Caracterizados por movimentos cada vez mais rápidos das moléculas e dos átomos. Sempre imponderáveis.

Na unidade do volume: máximo de força viva com o mínimo de matéria.

Matéria no estado cósmico ou primordial.

· Máximo de movimentos atómicos. A matéria está no seu ponto extremo de rarefacção. Acha-se no estado inicial e contém, em potência, todos os estados enumerados acima.

/... 

(i) Jouffret, na Introdução à teoria da Energia, à pág. 67, diz: 
Calculou-se que, a uma pressão barométrica de 760 milímetros, o número médio dos choques, entre as moléculas gasosas, seria: 
1º – Para o oxigénio, por segundo, 2.065 milhões.
2º – Para o ar, por segundo, 4.760 milhões.
3º – Para o azoto, por segundo, 4.760 milhões.
4º – Para o hidrogénio, por segundo, 9.480 milhões.
Se a pressão barométrica fosse cem vezes menor, isto é, igual a 0m,0076, vácuo que apenas as melhores máquinas pneumáticas produzem, a média de percurso livre se tornaria cem mil vezes maior, isto é, igual a cerca de um centímetro; o número dos choques não seria mais do que 4.700 por segundo.
(ii) Deleveau, A Matéria, pág. 77., Briot, Teoria mecânica do calor, pág. 143.(iii) Resenhas, 9 de junho de 1883.


Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira parte – O Espiritismo e a ciência; Capítulo III – Estudo sobre os fluidos, 12º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)