quinta-feira, 26 de junho de 2014

Deus na Natureza ~

Introdução (IV)

As verdades significativas da Astronomia, da Física e da Química, como da Fisiologia, são, em si mesmas, as defensoras intrépidas da realidade essencial do mundo.

Por mais difícil que à primeira vista pareça a refutação científica do Materialismo contemporâneo, a nossa posição é belíssima, desde que nos coloquemos no mesmo plano dos nossos adversários.

E nesta guerra eminentemente pacífica, estamos, de antemão, seguros da vitória.

Basta-nos, com efeito, de vez que o inimigo está em posição falsa, descobrir a fraqueza dessa posição e desequilibrá-lo.

O método é simples e infalível, tão seguro que não o escondemos: deslocado o centro de gravidade, sabe qualquer mecânico que o indivíduo colhido de surpresa cai, imediatamente, a procurá-lo no solo. Eis o quadro que se nos vai deparar. Críticos houve que pretenderam ver no nosso método laivos de sorriso e um tanto de ironia.

Não podemos ser juiz em causa própria, mas, ainda que a acusação tivesse fundamento, não nos caberia culpa alguma e sim, e só, aos acontecimentos, nos quais o grotesco teria momentaneamente empanado o sério, graças aos adversários tantas vezes arrastados às consequências mais curiosas.

Referindo-nos à forma, devemos pedir ao leitor acredite, que, se por acaso tratarmos mais asperamente um que o outro adversário, não é a nós que a falta deve ser imputada, visto não utilizarmos esses recursos extremos senão nos casos (muito frequentes talvez para eles) em que os adversários se obstinam em não se deixarem vencer. Somos, então, bem a nosso pesar, levados a feri-los com uma táctica mais rude, forçando-os a convir, pelos argumentos irresistíveis do mais forte, que são eles de facto os mais fracos nesta guerra de princípios.

De resto, não há necessidade de acrescentar que são sempre esses princípios que atacamos, e nunca a personalidade dos que os advogam. Assim, considerando-se a índole mesma da questão, excluídas ficam as pessoas do campo de batalha.

Além disso, em consciência, não acreditamos pratiquem os adversários o materialismo absoluto – o dos seus interesses e das paixões egoístas e, portanto, não temos outra intenção que discutir as suas teorias.

Dividiremos a nossa argumentação geral em cinco partes, no intuito de demonstrar em cada uma a proposição diametralmente contrária à sustentada pelos eminentes advogados do ateísmo.

Assim, na primeira, lidaremos por estabelecer, preliminarmente, pelo movimento dos astros e depois pela observação do mundo inorgânico terrestre, que a Força não é atributo da Matéria, mas, ao contrário, a sua soberana, a sua causa directora.

Na segunda parte verificaremos, pelo estudo fisiológico dos seres, que a vida não é propriedade fortuita das moléculas que a compõem e sim uma força especial a governar átomos, conforme o tipo das espécies. O estudo da origem e progressão das espécies também aproveitará à nossa doutrina.

Na terceira parte observaremos, examinando as relações do pensamento com o cérebro, que há no homem algo mais que a matéria e que as faculdades intelectuais se distinguem das afinidades químicas. A personalidade da alma afirmará o seu carácter e a sua independência.

A quarta evidenciará na Natureza um plano, uma destinação geral e particular, um sistema de combinações inteligentes, no seio das quais o olhar desprevenido não pode deixar de admirar, mediante sadia concepção das causas finais, o poder, a sabedoria e a previdência que coordenam o Universo.

A quinta parte, enfim, como centro de convergência das vias precedentes, nos colocará na posição científica mais favorável para julgar simultaneamente a misteriosa grandeza do Ente Supremo e a cegueira incontestado dos que fecham os olhos para se convencerem de que Ele não existe.

O verdadeiro título desta obra deveria ser: – “A contemplação de Deus através da Natureza”.

Há alguns anos que se anuncia, como estando no prelo, este trabalho e nós lhe temos modificado várias vezes o título, que, de início era puramente científico. (Da Força, no Universo.)

Acabamos, finalmente, por nos fixarmos neste. Sem dúvida, um título não tem essencial importância para que o autor se explique tão formalmente a respeito. Mas, no caso vertente, julgamos útil declarar desde logo que todos quantos vissem nas quatro palavras da capa a expressão de uma doutrina, errariam completamente. Aqui não há panteísmo, nem dogma. O nosso objectivo é expor uma filosofia positiva das ciências, que, em si mesma comporta uma refutação não teológica do materialismo contemporâneo. É, talvez, imprudentíssima ousadia o tentar assim uma senda isolada, entre os dois extremos, que sempre aliciaram poderosos sufrágios; mas, de vez que nos sentimos impelidos e sustentados por uma convicção particular, tanto quanto por ardente amor a um novo aspecto da verdade, podemos, porventura, resistir ao impulso interior que nos inspira?

Ao leitor compete examinar a obra e decidir se alguma ilusão nos seduz e se nos oculta, sob o prestígio da verdade.

Não podemos, todavia, eximir-nos de confessar que, desde que lemos em Augusto Comte que a Ciência aposentara o Pai da Natureza e acabava de “reconduzir Deus às suas fronteiras, agradecendo os seus serviços provisórios” – sentimo-nos algo ofendidos com a vaidade do deus-Comte e nos deixamos empolgar pelo prazer de discutir o fundo científico de semelhante pretensão.

Verificamos, então, que o ateísmo científico é um erro e que a ilusão religiosa é outro erro. (De passagem digamos, o Cristianismo nos parece ainda esotérico.) Os nossos actuais conhecimentos da Natureza e da vida nos representaram a ideia de Deus sob um prisma cujo valor a teodiceia, como o ateísmo, não podem menosprezar.

Aos nossos olhos, o homem que nega simplesmente a existência de Deus e o que definiu esse Desconhecido e lhe debita em conta a explicação embaraçante, são ambos criaturas ingénuas, equivalentes na errónea.

Mas também não nos compete engajar aqui assim no método antinómico e, sobretudo, não queremos revestir-nos de aparências misteriosas.

Entremos, portanto, sem mais detença no âmago do assunto, declarando que nos esforçamos por explanar com a mais sincera independência o que acreditamos ser a verdade.

Possam estes estudos ajudar a escalada na trilha do conhecimento, a quantos tomam a sério a sua passagem pela Terra e o progresso da Humanidade.

/…



Camille Flammarion, Deus na Natureza – Introdução 4 de 4, 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Diálogos de Kardec ~

A Tiara Espiritual

(Em casa da Sra. de Cardone, 6 de maio de 1857)

Eu tivera ocasião de conhecer a Sra. de Cardone nas sessões do Sr. Roustan. Alguém me disse, creio que foi o Sr. Carlotti, que ela possuía notável talento para ler nas mãos. Nunca acreditei que as linhas da mão tivessem uma significação qualquer, mas sempre acreditei que, para certas pessoas dotadas de uma espécie de segunda vista, podia isso constituir o meio de estabelecerem uma relação que lhes permitisse, como aos sonâmbulos, dizer algumas vezes coisas verdadeiras. Os sinais da mão nada mais são, nesse caso, do que um pretexto, um meio de fixar a atenção, de desenvolver a lucidez, como o são as cartas, as borras de café, os espelhos ditos mágicos, para os indivíduos que dispõem dessa faculdade. A experiência me confirmou de novo a justeza dessa opinião. Seja como for, aquela senhora, tendo-me convidado a ir visitá-la, acedi ao seu convite e eis aqui um resumo do que ela me disse:

“Nascestes com grande abundância de recursos e de meios intelectuais... extraordinária força de raciocínio... Formou-se o vosso gosto; governado pela cabeça, moderais a inspiração pelo raciocínio; subordinais o instinto, a paixão, a intuição ao método, à teoria. Tivestes sempre pendor para as ciências morais... Amor da verdade absoluta... Amor da Arte definida.

“Tem número, medida e cadência o vosso estilo; mas, por vezes, trocaríeis um pouco de sua precisão por uma certa poesia.

“Como filósofo idealista, estivestes sujeito à opinião de outrem; como filósofo crente, experimentais agora a necessidade de formar seita.

“Benevolência judiciosa; necessidade imperiosa de aliviar, de socorrer, de consolar; necessidade de independência.

“Muito demoradamente vos corrigis da súbita impulsão do vosso humor.

“Éreis singularmente apto para a missão que vos está confiada, porquanto o vosso feitio é mais para vos tornardes o centro de imensos desenvolvimentos, do que capaz de trabalhos insulados... Vossos olhos têm o olhar do pensamento.

“Vejo aqui o sinal da tiara espiritual... É bem pronunciado... Vede.” (Olhei e nada vi de particular.)

Que entendeis, perguntei-lhe, por tiara espiritual? Querereis dizer que serei papa? Se tal houvesse de acontecer, não seria decerto nesta existência.

Resposta — Deveis notar que eu disse tiara espiritual, o que significa: autoridade moral religiosa e não soberania efectiva.”

Reproduzi pura e simplesmente as palavras daquela senhora, por ela mesma transcritas. Não me compete julgar se são exactas sobre todos os pontos. Algumas reconheço-as verdadeiras, porque estão de acordo com o meu carácter e com as disposições do meu espírito.

Há, porém, uma passagem evidentemente errónea, a em que ela diz, a propósito do meu estilo, que eu às vezes trocaria algo da minha precisão por um pouco de poesia. Nenhum instinto poético existe em mim; o que procuro, acima de tudo, o que me agrada, o que aprecio nos outros é a clareza, a limpidez, a precisão e, longe de sacrificar esta à poesia, o que se me poderia censurar fora o sacrificar o sentimento poético à sequidão da forma positiva. Preferi sempre o que fala à inteligência ao que apenas fala à imaginação.

Quanto à tiara espiritual, O Livro dos Espírito acabava de aparecer; a Doutrina estava nos seus primórdios e não podia ainda prejulgar dos resultados que ulteriormente daria. Nenhuma importância, pois, liguei a essa revelação e me limitei a anotá-la a título informativo.

No ano seguinte a Sra. de Cardone deixou Paris e não tornei a vê-la, senão oito anos depois, em 1866, quando as coisas já tinham caminhado bastante. Disse-me ela: 

Lembra-se da minha predição acerca da tiara espiritual? Aí a tem realizada. — Como realizada? Que eu saiba, não me acho no trono de S. Pedro. — Não, decerto; mas, também, não foi isso o que lhe anunciei. O senhor não é, de facto, o chefe da Doutrina, reconhecido pelos espíritas do mundo inteiro? Não são os seus escritos que fazem lei? Não se contam por milhões os seus correligionários? Em matéria de Espiritismo, haverá alguém cujo nome tenha mais autoridade do que o seu? Os títulos de sumo-sacerdote, de pontífice, mesmo de papa, não lhe são dados espontaneamente?

São-no, sobretudo, pelos seus adversários e por ironia, bem o sei, mas nem por isso o facto deixa de indicar de que género é a influência que eles lhe reconhecem, porque pressentem qual o papel que lhe cabe. Assim, esses títulos lhe ficarão.

Em suma, o senhor conquistou, sem a buscar, uma posição moral que ninguém lhe pode tirar, dado que, sejam quais forem os trabalhos que se elaborem depois dos seus, ou concomitantemente com eles, o senhor será sempre o proclamado fundador da Doutrina. Logo, em realidade, está com a tiara espiritual, isto é, com a supremacia moral. Reconheça, portanto, que eu disse a verdade.

Acredita agora, mais um pouco, nos sinais das mãos?

— Menos que nunca e estou convencido de que, se a senhora viu alguma coisa, não foi na minha mão, mas no meu próprio espírito e vou prová-lo.

Admito que nas mãos, como nos pés, nos braços e nas outras partes do corpo, existem certos sinais fisiognomónicos; mas, cada órgão apresenta sinais particulares, conforme o uso a que é sujeito e conforme as suas relações com o pensamento. Os sinais das mãos não podem ser os mesmos que os dos pés, dos braços, da boca, dos olhos, etc.

Quanto ao pregueado da palma das mãos, a maior ou menor acentuação que apresentam resulta da natureza da pele e da maior ou menor quantidade de tecido celular. Como essas partes em nenhuma correlação fisiológica estão com os órgãos das faculdades intelectuais e morais, não podem ser a expressão dessas faculdades. Mesmo admitindo-se que haja essa correlação, elas poderiam fornecer indicações sobre o estado actual do indivíduo, mas não poderiam constituir sinais de presságios de coisas futuras, nem de acontecimentos passados e independentes da vontade do mesmo indivíduo. Na primeira hipótese, eu, a rigor, compreenderia que, com o auxílio de tais lineamentos, se pudesse dizer que uma pessoa possui esta ou aquela aptidão, este ou aquele pendor; o mais vulgar bom-senso, porém, repeliria a ideia de que se possa ver ali se ela foi casada ou não, quantas vezes e o número de filhos que teve, se é viúva ou não, e outras coisas semelhantes, como o pretende a maioria dos quiromantes.

Entre as linhas das mãos, há uma que toda gente conhece e que representa bem um M. Se é bastante acentuada, pressagia, dizem, uma vida infeliz (malheureuse); porém, a palavra malheur (infelicidade) é francesa e ninguém se lembra de que, nas outras línguas, a palavra que a essa corresponde não começa pela mesma letra, donde se segue que a linha em questão deveria apresentar formas diferentes, de acordo com as línguas dos povos.

Quanto à tiara espiritualé, evidentemente, uma coisa especial, excepcional e, até certo ponto, individual e eu estou convencido de que a senhora não encontrou essa expressão no vocabulário de nenhum tratado de quiromancia. Como então lhe veio ela à mente? Pela intuição, pela inspiração, por essa espécie de presciência peculiar à dupla vista de que muitas pessoas são dotadas sem o suspeitarem. A sua atenção estava concentrada nos lineamentos da mão, a senhora fixou o pensamento num sinal em que outra pessoa teria visto coisa muito diversa, ou a que a senhora mesmo atribuiria significação diferente, se se tratasse de outro indivíduo.

/…



ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, A minha Primeira Iniciação no Espiritismo, A TIARA ESPIRITUAL, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

terça-feira, 10 de junho de 2014

O peregrino sobre o mar de névoa ~

Desenvolvimento da Ciência Espírita ~

É cada vez maior o número de pessoas que recorrem às instituições espíritas suplicando ajuda para si mesmas ou para parentes e amigos que se entregam a viciações e perversões de toda a espécie. Na sua humildade muitas vezes simplória, alimentada racionalmente pelos princípios doutrinários, os dirigentes de centros e grupos espíritas fazem o que podem, servindo-se dos recursos naturais da prece, do passe e das sessões mediúnicas. Dos resultados positivos obtidos no passado, não obstante as campanhas difamatórias, perseguições e processos criminais movidos contra os médiuns, nasceram os Hospitais Psiquiátricos Espíritas, hoje em grande número no nosso país e geralmente bem aparelhados e dotados de assistência médica especializada. Só no Estado de São Paulo funcionam actualmente mais de trinta hospitais espíritas reunidos numa Federação Hospitalar de que o Governo do Estado se serviu para aliviar o Juqueri, Hospital Franco da Rocha, numa das suas crises mais ameaçadoras. Os espíritas sentem-se na obrigação de atender a esses casos, sempre que possível, por considerarem que eles são mais espirituais do que materiais, de maneira que o tratamento médico é geralmente insuficiente para curá-los. Fiéis aos princípios de caridade e fraternidade da Doutrina, esforçam-se por dar a sua ajuda desinteressada em favor dos sofredores.

Essa intenção piedosa, humanitária, foi constantemente denegrida por médicos e clérigos desconhecedores do problema. A luta foi sempre árdua e até mesmo desesperadora para os espíritas, num país em que a maioria da população é pobre e desprovida de cultura, prevalecendo sempre as opiniões dos doutores e dos sacerdotes, os primeiros apoiados na sua formação científica e académica, e os segundos na sua falível cultura religiosa, mais de sacristia do que de seminário. Essas duas classes gozavam amplamente da autoridade de saberetas num meio social de analfabetos e bacharéis em direito. Os espíritas que mais se destacavam pelos seus conhecimentos doutrinários não haviam sequer compreendido os fundamentos científicos do Espiritismo e os encaravam misteriosa e até mesmo cabalisticamente. Os adversários não encontravam dificuldades para misturá-los, aos olhos do público, com possíveis remanescentes da Goécia ou magia-negra medieval. Padres, bacharéis e juristas pintaram o chamado demonismo-espírita à moda do tempo, com rabochifres e a foice e o martelo do ateísmo pendurados ao pescoço.

Quando os espíritas de Amparo resolveram fundar naquela cidade um Sanatório Espírita para doentes mentais, ilustre, um jovem e fogoso médico e intelectual paulista explicou pelos jornais da época, nos anos 40, que os espíritas fundavam esses hospitais por dor de consciência, pois fabricavam loucos e depois queriam reabilitá-los. Foi necessário que um jornalista espírita o revidasse, mostrando que o motivo não era esse, mas o facto evidente da falência da medicina que, no desconhecimento do problema, enchia diariamente os caldeirões do diabo no Juqueri com pobres criaturas desprotegidas da ciência e da religião. O mestre implume, não podendo voar mais alto, teve de calar o bico. Logo mais, o médium Arigó, que por sinal ainda era católico e fazia milagres ao invés de produzir fenómenos, foi atacado brutalmente por uma série de artigos publicados num jornal de grande circulação por um médico que não chegara a ver o médium e diagnosticava à distância a sua loucura, e por famoso professor universitário que o apoiava, alegando que Arigó operava sob a acção alucinatória do café, que bebia em excesso. Os cientistas norte-americanos salvaram o médium já então condenado à prisão, vindo a São Paulo e expondo, no auditório do Museu de Arte Moderna, perante convidados ilustres, os motivos científicos de seu interesse pelo médium. Apesar disso, Arigó acabou sendo preso e só foi libertado por uma decisão do Supremo Tribunal, ante o prestígio dos nomes dos cientistas, pertencentes a famosas Universidades dos Estados Unidos, cujos pareceres foram divulgados nos Diários Associados e em todo o Brasil. Mas isso não impediu que o Padre Quevedo prosseguisse com suas arruaças contra o médium e o Espiritismo, no bom estilo de toureiro que, de capa e espada, desafiava as aspas da verdade na imprensa e na televisão com rendosa propaganda gratuita dos seus cursos de pseudoparapsicologia made in Madri.

A moda pegou e o Brasil se encheu de pseudoparapsicólogos que brotavam do chão como as heresias no tempo de Tertuliano. Ainda hoje continua a floração desses cogumelos por todo o país. Cursos e escolas semeiam diplomas da Ciência de Rhine e McDougal à margem da lei e das áreas educacionais oficialmente autorizadas. Esse panorama surrealista é responsável pelo atraso em que nos defrontamos no campo dos estudos e das pesquisas dos fenómenos paranormais no Brasil. O Instituto Paulista de Parapsicologia, fundado por Cientistas, Médicos, Psicólogos, estudantes de Medicina (actualmente já médicos famosos) não vingou, ante a avalanche de aproveitadores que o invadiram, levando os seus directores a fechá-lo, por esse motivo e pelo total desinteresse das nossas Universidades, temerosas do pandemónio que se avolumava. Tivemos de voltar à estaca-zero. Ninguém, nem mesmo os governos, tiveram coragem de pôr a mão na cumbuca, proporcionando recursos ao Instituto para a montagem do seu laboratório. Nas vésperas da Era Cósmica, preferimos o gesto cómico, supinamente burlesco, de lavar as mãos na bacia de Pilatos e deixar o problema no campo da charlatanice.

/…



José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas – Desenvolvimento da Ciência Espírita, 1 de 2, 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

sábado, 7 de junho de 2014

pensamento e vontade ~

imagens consecutivas ~~

Quando frequentemente repetida, a sensação adquire vivacidade excepcional, de modo a persistir, por vezes longamente, depois de extinta a causa geradora.

Mais, ainda: essa sensação pode renascer com toda a vivacidade, de uma sensação propriamente dita.

Newton, por um esforço da vontade, conseguia reproduzir a imagem consecutiva do disco solar, depois de interromper de algumas semanas as suas observações astronómicas.

Binet cita o caso do professor Pouchet, microbiologista que, perlustrando as ruas de Paris, viu, de repente, surgir diante dele as imagens das suas culturas microscópicas, a se justaporem aos objectos exteriores. Essas visões lhe surgiram espontânea e independentemente de qualquer associação de ideias.

As alucinações dessa natureza apresentam nitidez característica e tal é a intensidade das imagens consecutivas, que poderiam ser projectadas sobre uma tela, ou sobre uma folha de papel, a fim de se lhes traçarem depois, a lápis, os contornos.

O Dr. Binet adverte que essa revivescência da imagem, muito tempo depois de extinta a sensação excitativa, exclui absolutamente a hipótese de ser a imagem consecutiva guardada na retina.

Se, pois, a conclusão é que ela se conserva no cérebro, o seu renascimento não implica, consequentemente, a actividade dos “pequenos cones” e “bastonetes” da retina.Tais são as modalidades pelas quais se efectuam as imagens consecutivas.

Repito que, se as quisermos encarar separadamente, elas não oferecem uma base indutiva, de molde a concluir pela existência, nelas, de algo objectivo.

Todavia, como as nossas pesquisas, das quais vou amplamente tratar, levam a admitir que as imagens, em geral, consistem em projecções exteriorizadas do pensamento, não há razão para deixar de concluir no mesmo sentido, com relação às imagens consecutivas.

O facto de ser intensa a sua vivacidade, a ponto de podermos fixá-las numa folha de papel e traçar-lhe a lápis os contornos, é de si mesmo bastante significativo, no sentido por mim apontado.

/…


Ernesto BozzanoPensamento e Vontade – Imagens consecutivas, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Female Saint_1941, pintura de Edgar Maxence)

domingo, 1 de junho de 2014

tocamos com os pés as profundezas sombrias do abismo e com a fronte as alturas fulgurantes do céu ~

Tal é o carácter complexo do ser humano – espírito, força e matéria, em que se resumem todos os elementos constitutivos, todas as potências do universo. Tudo o que está em nós está no universo e tudo o que está no universo encontra-se em nós. Pelo corpo fluídico e pelo corpo material o homem acha-se ligado à imensa teia da vida universal; pela alma, a todos os mundos invisíveis e divinos. Somos feitos de sombra e luz; somos a carne com todas as suas fraquezas e o espírito com as suas riquezas latentes, as suas esperanças radiosas, os seus surtos grandiosos, e o que está em nós em todos os seres se encontra. Cada alma humana é uma projecção do grande Foco Eterno e é isso o que consagra e assegura a fraternidade dos homens. Temos em nós os instintos animais, mais ou menos comprimidos pelo trabalho longo e pelas provas das existências passadas, e temos também a crisálida do anjo, do ser radioso e puro, que podemos vir a ser pela impulsão moral, pelas aspirações do coração e pelo sacrifício constante do “eu”. Tocamos com os pés as profundezas sombrias do abismo e com a fronte as alturas fulgurantes do céu, o império glorioso dos Espíritos.

Quando aplicamos o ouvido ao que se passa no fundo do nosso ser, ouvimos como o ruído de águas ocultas e tumultuosas, o fluxo e refluxo do mar agitado da personalidade que os vendavais da cólera, do egoísmo e do orgulho encapelam. São as vozes da matéria, os chamamentos das baixas regiões, que nos atraem e influenciam ainda as nossas acções; mas podemos dominar essas influências com a vontade, podemos impor silêncio a essas vozes. Quando em nós se faz a bonança, quando o murmúrio das paixões se aplaca, eleva-se então a voz potente do Espírito Infinito, o cântico da vida eterna, cuja harmonia enche a Imensidade. E quanto mais o Espírito se eleva, purifica e ilustra, tanto mais o seu organismo fluídico se torna acessível às vibrações, às vozes, ao influxo do Alto.

O Espírito Divino, que anima o universo, actua sobre todas as almas; busca penetrá-las, esclarecê-las, fecundá-las; mas a maior parte se deixa ficar na escuridão e no insulamento. Demasiado grosseiras ainda, não podem sentir-lhe a influência nem ouvir os seus chamados. Muitas vezes ele as cerca, as envolve, procura chegar às camadas profundas das suas consciências, acordá-las para a vida espiritual. Muitas resistem a essa acção, porque a alma é livre; outras somente a sentem nos momentos solenes da vida, nas grandes provas, nas horas desoladas em que experimentam a necessidade de um socorro do Alto e o pedem. Para viver da vida superior a que se adaptam essas influências, é necessário ter conhecido o sofrimento, praticado a abnegação, ter renunciado às alegrias materiais, acendido e alimentado em si a chama, a luz interior que se não apaga nunca e cujos reflexos iluminam, desde este mundo, as perspectivas do Além. Só múltiplas e penosas existências planetárias nos preparam para essa vida.

/...



LÉON DENIS, O Problema do Ser, do Destino e da Dor,  IX – Evolução e finalidade da alma, fragmento.
(imagem de contextualização: Biblis 1884, pintura de William-Adolphe Bouguereau)