segunda-feira, 14 de maio de 2018

o grande enigma ~


unidade substancial | do universo

O Universo é uno, posto que triplo na aparência. Espírito, Força e Matéria não parecem ser mais que os modos, os três estados de uma substância imutável no seu princípio, variável ao infinito e nas suas manifestações.

O Universo vive e respira, animado por duas correntes poderosas: a absorção e a difusão.

Por essa expansão, por esse sopro imenso, Deus, o Ser dos seres, a Alma do Universo, cria. Pelo seu amor, atrai a si. As vibrações do seu pensamento e da sua vontade, fontes primeiras de todas as forças cósmicas, que movem o Universo e geram a Vida.

A Matéria, dissemos, é um modo, uma forma transitória da substância universal. Ela escapa à análise e desaparece sob a objectiva dos microscópios, para se transmudar em radiações subtis. Não tem existência própria; as filosofias que a tomam por base repousam sobre uma aparência, uma espécie de ilusão. (i)

A unidade do Universo, por muito tempo negada ou incompreendida, começa a ser entrevista pela Ciência. Há duas décadas, W. Crookes, no curso de estudos sobre a materialização dos Espíritos, descobria o quarto estado da Matéria, o estado radiante e, essa descoberta, pelas suas consequências, ia destruir todas as velhas teorias clássicas sobre o assunto.

Estas estabeleciam distinção entre a Matéria e a Força. Sabemos agora que ambas se confundem. Sob a acção do calor, a matéria mais grosseira se transforma em fluidos; os fluidos, por sua vez, se reduzem a um elemento mais subtil, que escapa aos nossos sentidos. Toda a matéria pode ser transformada em força e toda força se condensa em matéria, percorrendo assim um círculo incessante. (ii)

As experiências de Crookes prosseguiram e foram confirmadas por uma legião de investigadores. O mais célebre, Roentgen, denominou raios X às irradiações emanadas das ampolas de vidro; têm eles a propriedade de atravessar a maior parte dos corpos opacos e permitem perceber e fotografar o invisível aos nossos olhos.

Pouco depois, o Sr. Becquerel demonstrava as propriedades que têm certos metais de emitir irradiações obscuras, que penetram a matéria mais densa, quais os raios Roentgen e, impressionam as placas fotográficas através das lâminas metálicas.

O rádium, descoberto pelo Sr. Curie, produz calor e luz, de maneira contínua, sem se esgotar de modo sensível. Os corpos submetidos à sua acção se tornam por sua vez irradiantes. Posto que a quantidade de energia irradiada por esse metal seja considerável, a perda de substância material que lhe corresponde é quase nula. W. Crookes calculou que um século seria necessário para a dissociação de um grama de rádium. (iii) Mais ainda: as engenhosas descobertas de G. Le Bom (iv) provaram que as irradiações são uma propriedade geral de todos os corpos. A matéria pode dissociar-se indefinidamente; ela é energia concretizada. Assim, a teoria do átomo indivisível, que há dois milénios servia de base à Física e à Química, desmorona-se e, com ela, as distinções clássicas entre o ponderável e o imponderável. (v) A soberania da Matéria, que se dizia absoluta, eterna, teve fim.

É preciso, pois, reconhecer que o Universo não é tal como parecia aos nossos fracos sentidos. O mundo físico constitui ínfima parte dele. Fora do círculo de nossas percepções existe uma infinidade de forças e de formas subtis que a Ciência ignorou até hoje. O domínio do invisível é muito mais vasto e mais rico que o do mundo visível. Na sua análise dos elementos que constituem o Universo, a Ciência tem errado durante séculos e, agora lhe é necessário destruir o que tão penosamente edificou. O dogma científico da unidade irredutível do átomo, desmoronando-se, arrasta todas as teorias materialistas. A existência dos fluidos, afirmada pelos Espíritos há meio século – o que lhes valeu tantos sarcasmos da parte dos sábios oficiais –, está estabelecida, doravante, pela experimentação, de maneira rigorosa.

Os seres vivos, por sua parte, emitem irradiações de naturezas diferentes. Eflúvios humanos, variando de forma e de intensidade sob a acção da vontade, impregnam placas com misteriosa luz. Esses influxos, quer nervosos, quer psíquicos, conhecidos desde muito pelos magnetizadores e espíritas, mas negados pela Ciência, são autenticados hoje pelos fisiologistas, no grau de realidade irrecusável. Por esse caminho é encontrado o princípio da telepatia. As volições do pensamento, as projecções da vontade, transmitem-se através do Espaço, quais as vibrações do som e as ondulações da luz e, vão impressionar organismos em simpatia com o do emitente. As Almas em afinidade de pensamento e de sentimento podem trocar os seus eflúvios, a todas as distâncias, de igual maneira que os astros permutam, através dos abismos do Espaço, os seus raios trémulos. Descobrimos ainda aí o segredo das ardentes simpatias ou das invencíveis repulsões que certos homens sentem uns pelos outros, à primeira vista.

A maior parte dos problemas psicológicos – sugestão, comunicação à distância, acções e reacções ocultas, visão através de obstáculos – encontram aí a sua explicação. Estamos ainda na aurora do verdadeiro conhecimento, mas o campo das pesquisas se encontra largamente aberto e a Ciência vai marchar, de conquista em conquista, na senda rica de surpresas. O mundo invisível se revela a própria base do Universo, a fonte eterna das energias físicas e vitais que animam o Cosmos.

Rui assim o principal argumento daqueles que negam a possibilidade da existência dos Espíritos, dos que não podiam conceber a vida invisível, por falta de um substrato, de uma substância que escapa aos nossos sentidos. Ora, nós encontramos, conjuntamente, no mundo dos imponderáveis, os elementos constitutivos da vida desses seres e as forças que lhes são necessárias para manifestar a sua existência.

Os fenómenos espíritas, de toda a ordem, explicam-se pelo facto de que um dispêndio considerável de energia pode produzir-se sem dispêndio aparente de matéria. Os transportes, a desagregação e a reconstituição espontâneos de objectos, em câmaras fechadas; os casos de levitação; a passagem dos Espíritos através dos corpos sólidos; as aparições e as materializações, que provocaram tanta admiração e suscitaram tantos sarcasmos; tudo isso se torna fácil de compreender, desde que se conheça o jogo das forças e dos elementos em acção nesses fenómenos. De tal dissociação de matéria, de que fala G. Le Bon e que o homem é ainda impotente para produzir, os Espíritos possuem, de há muito, as regras e as leis. A aplicação dos raios X não explica também o fenómeno da dupla vista dos médiuns e o da fotografia espírita? Com efeito, se as placas podem ser influenciadas por certos raios obscuros, por diversas irradiações de matéria imponderável, que penetram os corpos opacos, maior e mais forte razão existe para que os fluidos quintessenciados do envoltório dos Espíritos possam, em determinadas condições, impressionar a retina dos videntes, aparelho mais delicado e mais complexo que a placa de vidro.

É assim que o Espiritismo se fortalece cada dia, pela aquisição de argumentos tirados das descobertas da Ciência, e que acabarão por abalar os mais endurecidos cépticos.

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(i) “A matéria, diz W. Crookes, é um modo do movimento.” (Proc. Roy. Soc., nº 205, pág. 472.).
(ii) “Toda matéria – diz Crookes – tornará a passar pelo estado etéreo de onde veio.” (Discurso no Congresso de Química, de Berlim, 1901).
(iii) Vide G. Le Bon, Revue Scientifique, 24 de Outubro de 1903, pág. 518.
(iv) Vide Revue Scientifique, 17, 24 e 31 de Outubro de 1903.
(v) Desde séculos, afirmava-se e defendia-se a teoria dos átomos, sem que a conhecessem perfeitamente. Berthelot a qualifica de “romance engenhoso e subtil”. (Berthelot – La Synthese Chimique, 1876, p. 164.) Por aí se vê – diz Le Bon – que certos dogmas científicos não têm mais consistência que as divindades dos antigos tempos.


Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, II Unidade substancial do Universo 1 de 2, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: La Madonna de Port Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali)