sábado, 13 de outubro de 2018

William Crookes


~~~ Fenómenos Espíritas observados, por William Crookes
(in, Factos Espíritas)

Assim como um viajante que explora um país longínquo, cujas maravilhas não fossem até então conhecidas senão por notícias e contos de carácter vago e pouco exacto, assim, desde há quatro anos que procedo assiduamente a pesquisas, numa região das ciências naturais que oferece ao homem de ciência um terreno quase virgem.

Do mesmo modo que o viajante percebe nos fenómenos naturais de que pode ser testemunha, a acção das forças governadas por leis naturais, onde outros não vêem senão a intervenção caprichosa de deuses ofendidos, assim me esforçarei por esboçar a operação das leis e das forças da natureza, onde outros não têm visto mais que a acção de seres sobrenaturais, sem dependência de qualquer lei e sem obediência a qualquer força senão à de sua livre vontade.

O viajante, nas suas excursões longínquas, depende inteiramente da boa vontade e da protecção dos chefes e dos que exercem a medicina no meio das tribos entre as quais pára; igualmente, nas minhas pesquisas, não somente recebi em grau significativo a ajuda dos que possuíam os poderes especiais, que eu procurava examinar, mas ainda contraí sólidas e sérias amizades com muitos homens, reputados directores de opinião, e deles recebi a hospitalidade.

Como o viajante atento; eis a minha narração concisa dos seus progressos, narração que foi recebida muitas vezes com incredulidade ou zombaria, porque necessariamente esta narração não tem nenhuma ligação com tudo o que lhe pôde dar origem; também, em duas ocasiões, reuni e publiquei factos que me pareciam admiráveis e precisos, mas por ter deixado de descrever as suas fases preliminares – o que teria sido necessário para motivar o espírito público na apreciação do fenómeno e para mostrar que ele se ligava a outros factos observados –, esses factos também não somente encontraram a incredulidade, mas ainda deram origem a muitas apreciações malévolas.

E, assim, como o viajante que, tendo terminado as suas explorações, volta aos seus antigos colaboradores e reúne todas as suas notas, classifica-as e as ordena a fim de as dar ao público numa narração encadeada, assim, chegado ao termo dessa investigação, classifiquei e reuni todas as minhas observações espalhadas, para apresentá-las publicamente sob a forma de um livro.

Os diversos fenómenos que venho atestar são tão extraordinários e tão inteiramente opostos aos mais enraizados pontos de vista científicos – entre outros a universal e invariável acção da força de gravitação –, que mesmo agora, recordando-me dos detalhes de que fui testemunha, há antagonismo entre o meu espírito e a minha razão; que diz ser isso cientificamente impossível, e que, não obstante, foi testemunhado através dos meus sentidos da vista e do tacto, testemunho aliás corroborado pelos sentidos de todas as pessoas presentes – que me dizem não serem testemunhas mentirosas, visto que eles depõem contra as minhas ideias preconcebidas. (i)

(i) As considerações seguintes são de tal modo importantes que não posso abster-me de citá-las.

Encontram-se em carta particular de um velho amigo, a quem enviei uma exposição de alguns desses factos. A alta posição que ele ocupa no mundo sábio duplica o valor da opinião que exprime no tocante à tendência dos cientistas.

“Não posso – diz ele – encontrar resposta razoável para os factos que me expondes.

“E é coisa curiosa que mesmo eu, qualquer que seja a tendência e o desejo que tenha de crer no Espiritualismo, qualquer que seja o meu crédito no vosso poder de observação e na sua perfeita sinceridade, experimento como uma necessidade de ver por mim mesmo, e me é de todo penoso pensar que tenho necessidade de muitas provas.

“Digo penoso, porque vejo que não há razão que possa convencer um homem, a menos que o facto se repita tão frequentemente, que então a impressão pareça tornar-se um hábito de espírito, um velho conhecimento, uma coisa conhecida desde há tão longo tempo que já não há lugar para duvidar dela.

“É um dos lados curiosos do espírito humano, e os homens de ciência o possuem em alto grau – mais que os outros, creio eu.

“É por isso que não devemos dizer sempre que um homem é desleal só porque resiste por muito tempo à evidência.

“A velha muralha das crenças deve ser tomada à força de golpes.”

Supor que uma espécie de loucura ou de ilusão vem dominar subitamente um grupo de pessoas inteligentes e sensatas, que estão de acordo sobre as menores particularidades e detalhes dos factos de que são testemunha, parece-me mais incrível do que os próprios factos que eles atestam.

O assunto é muito mais difícil e mais vasto do que parece.

Há cerca de quatro anos tive a intenção de consagrar um ou dois meses somente ao trabalho de me certificar se certos factos maravilhosos, dos quais eu tinha ouvido falar, poderiam sustentar a prova de um exame rigoroso.

Mas tendo logo chegado à mesma conclusão, como todo o pesquisador imparcial, isto é, que “havia alguma coisa aí”, não podia mais, eu, estudante das leis da natureza, recusar-me a continuar nessas pesquisas, qualquer que fosse o ponto a que elas me pudessem conduzir.

Foi assim que alguns meses se transformaram em alguns anos e, se eu pudesse dispor de todo o meu tempo, é possível que as experiências ainda prosseguissem.

Mas outros assuntos de interesse científico e prático reclamam agora a minha atenção; e como não posso consagrar a tais pesquisas o tempo que seria preciso e que mereceriam; como tenho plena confiança que daqui a alguns anos os homens de ciência estudarão este assunto; como as ocasiões que possuo não são tão propícias quanto o eram há algum tempo, porque então o Sr. D. D. Home gozava de boa saúde, a Srta. Kate Fox (agora a Sra. Jencken ) não estava absorvida pelas suas ocupações domésticas e maternas; por todos esses motivos, vejo-me obrigado a suspender, neste momento, as minhas investigações.

Para obter franco acesso junto das pessoas plenamente dotadas da faculdade sobre as quais se baseiam as minhas experiências, era preciso um crédito maior do que aquele de que um investigador científico pode dispor.

Para os seus adeptos mais convencidos, o Espiritismo é uma religião. Os médiuns, em muitos casos, membros da família, são guardados com grande cuidado, o que só com dificuldade um estranho compreenderia. Crendo seriamente e conscienciosamente na verdade de certas doutrinas que repousam sobre o que se lhes afigura como manifestações miraculosas, esses adeptos parecem acreditar que a presença de um investigador científico é uma profanação do santuário. A título de favor pessoal, fui admitido mais de uma vez a assistir a reuniões que ofereciam antes o aspecto de uma cerimónia religiosa do que de uma sessão de Espiritismo.

Mas ser admitido, a favor, uma ou duas vezes, como um estranho teria sido autorizado assistir aos mistérios d'Elêusis, ou um pagão a contemplar o santo dos santos, não é o meio de confirmar os factos e descobrir-lhes as leis – satisfazer a curiosidade é bem diferente de proceder a uma busca sistemática. Quanto a mim, procuro sempre a verdade.

Em algumas ocasiões me permitiram, é certo, fazer verificações e impor condições; mas somente uma ou duas vezes me foi possível fazer sair a sacerdotisa do seu santuário e, em minha própria casa, rodeado de amigos, aproveitar a ocasião para pôr à prova os fenómenos dos quais fui testemunha noutros lugares, em condições menos concludentes. (ii)

(ii) Nesta memória não dou exemplos desses casos excepcionais e não tiro deles nenhuma conclusão. Sem esta explicação poder-se-ia crer que a maior parte dos factos que acumulei foram obtidos sobretudo nas poucas ocasiões das quais aqui trato e, naturalmente, se objectaria que há insuficiência de exame por falta de tempo.

As minhas observações a esse respeito aparecerão na obra que publicarei.

Seguindo o plano que adoptei noutras circunstâncias – plano que, embora contrariando muito as ideias preconcebidas de certos críticos, me pareciam, por boas razões, aceitáveis para os leitores do The Quarterly Journal of Science –, tinha eu a intenção de apresentar os resultados do meu trabalho sob a forma de um ou dois artigos para esse jornal. Mas, revendo as minhas notas, achei tal riqueza de factos, tal superabundância de provas, tão esmagadora massa de testemunhos, que, para as pôr todas em ordem, era preciso encher vários números do The Quarterly.

É mister, pois, que actualmente me limite a dar um esboço dos meus trabalhos, reservando para outra ocasião as provas e os detalhes mais amplos.

O meu fim principal será, pois, fazer conhecer a série de manifestações que se produziram em minha casa, na presença de testemunhas dignas de crédito e sob as condições dos mais severos exames que pude imaginar. Por outro lado, cada facto que observei é corroborado por pessoas independentes, que os observaram noutros tempos e noutros lugares.

Ver-se-á que todos esses factos têm carácter surpreendente e que parecem inteiramente inconciliáveis com todas as teorias conhecidas da ciência moderna.

Tendo-me assegurado da sua realidade, seria uma covardia moral negar-lhes o meu testemunho, só porque as minhas publicações precedentes haviam sido ridicularizadas por críticos e outras pessoas, que nada, em absoluto, conheciam do assunto e que se supunham ter critério bastante para ver e julgar por si mesmas se esses fenómenos eram ou não verdadeiros.

Direi simplesmente tudo o que vi e, o que me foi provado por experiências repetidas e verificadas, e tendo ainda necessidade de que me demonstrem não ser razoável esforçar-se uma pessoa por descobrir as causas de fenómenos inexplicados.

Primeiro que tudo devo rectificar um ou dois erros que se encontram implantados profundamente no espírito público. Um, o de ser a escuridão essencial à produção dos fenómenos. Isso não é exacto. Excepto em alguns casos nos quais a escuridão tem sido uma condição indispensável, como, por exemplo, nos fenómenos de aparições luminosas e em alguns outros, tudo o que narro produziu-se em plena luz…

Nos poucos casos em que os fenómenos descritos foram produzidos na escuridão, tive muito cuidado em os mencionar; especialmente, quando alguma razão particular exigia a extinção da luz, os resultados que se manifestaram estiveram em condições de controlo tão perfeitos que a supressão de um dos nossos sentidos não podia enfraquecer, de facto, a prova fornecida.

Outro erro corrente consiste em crer-se que as manifestações só se podem produzir a certas horas e em certos lugares – em casa dos médiuns, ou a horas combinadas previamente – e, partindo desta suposição errónea têm-se estabelecido uma analogia entre os fenómenos chamados espíritas e os passes dos prestidigitadores e mágicos que operam nos teatros, os quais se cercam de tudo o que pertence à sua arte.

Para provar quanto tudo isto está longe de ser verdadeiro, devo dizer que, salvo raras excepções, as centenas de factos que me preparo para atestar, para serem imitados pelos meios físicos ou mecânicos conhecidos, desafiariam a habilidade de um Houdini, de um Bosco, de um Anderson, protegida por todos os recursos de máquinas engenhosas e da sua prática de longos anos. Essas centenas de factos produziram-se na minha própria casa, em períodos por mim designados e em circunstâncias que excluíam absolutamente o emprego e o auxílio do mais simples instrumento.

Um terceiro erro é este: que o médium escolhe a sua roda de amigos e companheiros que podem assistir à sessão; que esses amigos devem crer firmemente na verdade da doutrina, seja ela qual for, que o médium enunciar; para que se imponham às pessoas de espírito investigador condições tais que impeçam completamente toda a observação cuidadosa e facilitem a superstição e a fraude.

A isso posso responder afirmando que à excepção de alguns casos muito pouco numerosos de que se tratou em um parágrafo precedente (ver a nota nº 2), caso em que os motivos de exclusão, quaisquer que fossem, não serviam certamente de véu para o embuste, compus eu mesmo a minha roda de amigos, introduzi todos os incrédulos que me convieram, e geralmente impus condições escolhidas com cuidado por mim mesmo, para evitar toda a possibilidade de fraude.

Tendo-me assenhoreado pouco a pouco de algumas condições que facilitavam a produção dos fenómenos, as minhas pesquisas foram geralmente coroadas de igual êxito, e mesmo, em muitos casos, tive êxito superior ao que foi obtido em outras ocasiões onde, em virtude de falsas ideias sobre a importância de algumas práticas insignificantes, as condições impostas podiam tornar menos fácil a descoberta da fraude.

Eu disse que a escuridão não é essencial. Porem, é facto bem conhecido que, quando a força conseguida é fraca, a luz muito viva exerce uma acção que contraria alguns fenómenos.

A força do Sr. Home é bastante significativa para se sobrepor a essa influência contrária; assim, ele não admite escuridão nas suas sessões.

Afirmo que, excepto duas vezes em que, para algumas experiências, a luz foi suprimida, tudo que testemunhei foi produzido por ele em plena claridade.

Experimentei variadas fontes da luz provindas de diferentes fontes e de cores variadas: – a luz do Sol, luz difusa, luar, gás, lâmpada, vela, luz eléctrica, luz amarela, homogénea, etc.

Os raios que contrariam as manifestações parecem ser os da extremidade do espectro.

Vou, agora, proceder à classificação dos fenómenos que observei, indo dos mais simples aos mais complexos, e dando rapidamente, em cada capítulo, uma explicação sumária de alguns dos factos que vou expor.

Os meus leitores deverão lembrar-se bem que, à excepção dos casos especialmente designados, as manifestações se realizaram em minha casa, à luz, e somente na presença de amigos meus e do médium.

No volume que tenho em preparação proponho-me dar com minúcia todas as verificações que fiz, todas as precauções que tomei em cada caso e os nomes de todas as testemunhas. Nesta exposição tratarei delas superficialmente.

/...
(*) The Quarterly Journal of Science de Janeiro de 1874 (página 77) volume digitalizado, acessível.

William CrookesFactos Espíritas, Fenómenos espíritas observados por William Crookes durante os anos de 1870-73 e publicados pela primeira vez no The Quarterly Journal of Science, Janeiro de 1874 (*), fragmento da obra citada.
(imagem de contextualização: Sir William Crookes, foto de Ernest H. Mills, 1872)