domingo, 3 de dezembro de 2017

O peregrino sobre o mar de névoa ~

Natureza Moral da terapia Espírita 

Kardec adverte quanto às relações da moralidade do médium com a sua mediunidade.

Considerada em si mesma como um campo de produção de fenómenos, a mediunidade não depende da moralidade.

Mas considerada como instrumento cognitivo, ou seja, como meio de conhecimento, a mediunidade depende estritamente da moralidade.

Sacerdotes e religiosos de várias seitas se  aproveitaram dessa declaração de Kardec para acusar o Espiritismo de doutrina sem moral. Revelavam com isso apoucada inteligência e falta de moral.

Essa observação de Kardec comprovou-se amplamente nas pesquisas espíritas e nas sociedades de pesquisa psíquicas da Europa e da América. A tese é límpida e precisa. Os fenómenos mediúnicos, como os fenómenos físicos, não dependem da moral do médium ou do físico.

O químico de vida moral mais condenável produz as suas reacções químicas em laboratório sem pensar na moral. Mas quando se trata da busca da verdade ou de processos de cura, a mediunidade divorciada da moralidade não serve, tornando-se mesmo perigosa. A eficácia da terapia espírita depende da integridade moral do médium que lhe serve de instrumento. Esse é um problema de relações humanas no plano das sintonias espirituais.

Desejando acelerar os trabalhos de ordenação da doutrina, na Codificação – no qual trabalhava apenas com as meninas Boudin – Kardec pensou em utilizar-se da boa-vontade de um médium seu conhecido, mas o seu orientador espiritual advertiu-o de que esse médium não tinha condições morais para o trabalho, acrescentando: “A verdade não pode falar pela boca da mentira.” Desse episódio, bem como dos princípios morais da doutrina, ampla e minuciosamente explanados na Codificação, nunca se lembraram nem se lembram os clérigos e materialistas acusadores da suposta amoralidade espírita. Bastaria isso para mostrar a debilidade moral desses acusadores.

Na terapêutica espírita, como nas investigações científicas da mediunidade, a exigência da moral é de importância básica. As constantes denúncias de fraudes mediúnicas nas pesquisas decorrem da falta de escrúpulo dos pesquisadores na escolha de seus instrumentos mediúnicos, no tocante às exigências morais.

No caso de médiuns realmente moralizados as denúncias de fraude são geralmente falsas. Costuma citar-se o caso do médium escocês Daniel Douglas Home, que produzia os fenómenos mais espantosos, como a sua própria levitação e materializações sucessivas e contra as quais só houve acusações sem base nem sentido. A famosa médium Anna Prado, no Pará, cruelmente combatida e caluniada por um clérigo fanático, saiu ilesa de todas as invencionices como Anésio SiqueiraUrbano de Assis XavierLuís Parigot de Souza e tantos outros se mantiveram sempre incólumes de acusações dessa espécie, defendidos pelo seu comportamento moral, que lhes garantia permanente protecção das entidades espirituais superiores. A moral do médium é o seu escudo em todas as circunstâncias. Não a moral social, que pode ser avaliada de fora e não raro de maneira contraditória, mas a moral íntima, pessoal, endógena, ou seja, que nasce da sua própria consciência e não precisa de sanções externas. Essa moral legítima, vivencial, garante a sintonia espiritual do médium com os espíritos elevados – única verdadeira garantia da eficácia de sua terapia. É do próprio Evangelho de Jesus que ressalta esse princípio da moral espírita.

Fala-se muito da importância da fé nas curas espirituais de qualquer sector religioso. A fé se revela, nesses casos, mais como um anseio ardente de cura do que propriamente como fé. O conceito vulgar de fé tem por fundamento a crença. Quem não crê, não tem fé. Mas, como explicou Kardec, a fé verdadeira não prescinde da razão, que a fundamenta no conhecimento e no saber. A fé espírita é racional. A crença é apenas uma aceitação emotiva de um princípio ou de um mito. Herbert Bradley, depois das suas experiências espíritas, sustentava: “Eu não creio, eu sei.” Na terapia espírita a fé representa apenas um estímulo moral ao paciente, para que ele se predisponha melhor, emocionalmente, à acção dos elementos curadores. Kardec acentuou a existência de dois campos da fé, assim divididos: fé humana e fé divina. O homem que confia em si mesmo para as suas realizações fortalece-se na fé humana. Mas aquele que possui a fé divina, resultante do seu conhecimento dos poderes da divindade, dispõe da máxima firmeza na busca dos seus intentos. Na terapia espírita essa fé não se funda nos elementos rituais das religiões, concentrando-se na sintonia do seu pensamento e dos seus sentimentos com as entidades espirituais socorristas.

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José Herculano Pires, Ciência Espírita e as suas implicações terapêuticas, 3 Natureza Moral da Terapia Espírita (1 de 3), 8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

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