Natureza Moral da terapia Espírita
Kardec adverte quanto às relações da moralidade do médium
com a sua mediunidade.
Considerada em si mesma como um campo de produção de
fenómenos, a mediunidade não depende da moralidade.
Mas considerada como instrumento cognitivo, ou seja, como
meio de conhecimento, a mediunidade depende estritamente da moralidade.
Sacerdotes e religiosos de várias seitas se
aproveitaram dessa declaração de Kardec para acusar o Espiritismo de doutrina
sem moral. Revelavam com isso apoucada inteligência e falta de moral.
Essa observação de Kardec comprovou-se amplamente nas
pesquisas espíritas e nas sociedades de pesquisa psíquicas da Europa e da
América. A tese é límpida e precisa. Os fenómenos mediúnicos, como os fenómenos
físicos, não dependem da moral do médium ou do físico.
O químico de vida moral mais condenável produz as suas
reacções químicas em laboratório sem pensar na moral. Mas quando se
trata da busca da verdade ou de processos de cura, a mediunidade divorciada
da moralidade não serve, tornando-se mesmo perigosa. A eficácia da terapia
espírita depende da integridade moral do médium que lhe serve de instrumento.
Esse é um problema de relações humanas no plano das sintonias espirituais.
Desejando acelerar os trabalhos de ordenação da doutrina, na
Codificação – no qual trabalhava apenas com as meninas Boudin –
Kardec pensou em utilizar-se da boa-vontade de um médium seu
conhecido, mas o seu orientador espiritual advertiu-o de que esse médium não
tinha condições morais para o trabalho, acrescentando: “A verdade não pode
falar pela boca da mentira.” Desse episódio, bem como dos princípios morais da
doutrina, ampla e minuciosamente explanados na Codificação, nunca se lembraram
nem se lembram os clérigos e materialistas acusadores da suposta amoralidade
espírita. Bastaria isso para mostrar a debilidade moral desses acusadores.
Na terapêutica espírita, como nas investigações científicas
da mediunidade, a
exigência da moral é de importância básica. As constantes denúncias de fraudes
mediúnicas nas pesquisas decorrem da falta de escrúpulo dos pesquisadores na
escolha de seus instrumentos mediúnicos, no tocante às exigências morais.
No caso de médiuns realmente moralizados as denúncias de
fraude são geralmente falsas. Costuma citar-se o caso do médium escocês Daniel Douglas Home,
que produzia os fenómenos mais espantosos, como a sua própria levitação e
materializações sucessivas e contra as quais só houve acusações sem base nem
sentido. A famosa médium Anna
Prado, no Pará, cruelmente combatida e caluniada por um clérigo fanático,
saiu ilesa de todas as invencionices como Anésio Siqueira, Urbano de Assis
Xavier, Luís Parigot de
Souza e tantos outros se mantiveram sempre incólumes de acusações
dessa espécie, defendidos pelo seu comportamento moral, que lhes garantia
permanente protecção das entidades espirituais superiores. A moral do
médium é o seu escudo em todas as circunstâncias. Não a moral social, que
pode ser avaliada de fora e não raro de maneira contraditória, mas a moral
íntima, pessoal, endógena, ou seja, que nasce da sua própria consciência e não
precisa de sanções externas. Essa moral legítima, vivencial, garante a sintonia
espiritual do médium com os espíritos elevados – única verdadeira
garantia da eficácia de sua terapia. É do próprio Evangelho de Jesus que
ressalta esse princípio da moral espírita.
Fala-se muito da importância da fé nas curas espirituais de
qualquer sector religioso. A fé se revela, nesses casos, mais como um anseio
ardente de cura do que propriamente como fé. O conceito vulgar de fé tem por
fundamento a crença. Quem não crê, não tem fé. Mas, como explicou
Kardec, a fé verdadeira não prescinde da razão, que a fundamenta no
conhecimento e no saber. A fé espírita é racional. A crença é apenas
uma aceitação emotiva de um princípio ou de um mito. Herbert Bradley, depois
das suas experiências espíritas, sustentava: “Eu não creio, eu sei.” Na terapia
espírita a fé representa apenas um estímulo moral ao paciente, para que ele se
predisponha melhor, emocionalmente, à acção dos elementos curadores. Kardec
acentuou a existência de dois campos da fé, assim divididos: fé humana e fé
divina. O homem que confia em si mesmo para as suas realizações fortalece-se na
fé humana. Mas aquele que possui a fé divina, resultante do seu conhecimento
dos poderes da divindade, dispõe da máxima firmeza na busca dos seus intentos. Na
terapia espírita essa fé não se funda nos elementos rituais das religiões,
concentrando-se na sintonia do seu pensamento e dos seus sentimentos com as
entidades espirituais socorristas.
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e as
suas implicações terapêuticas, 3 Natureza Moral da Terapia Espírita (1 de 3),
8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar
de névoa, por Caspar David
Friedrich)
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