(I de II)
(in Terceira parte, O mundo invisível, Capítulo XI)
Vimos que os druidas só concediam a iniciação a
discípulos escolhidos, submetidos a um treino intelectual e moral demorado.
Segundo afirmações de autores antigos, esses estudos podiam durar muitos anos e
comportar o conhecimento de vinte mil versos. Realmente, o verso, pelo seu
ritmo, fixa-se mais facilmente na memória, ele não se altera, nem se deforma
como a prosa e, conserva, por mais longo tempo, o seu sentido exacto, a sua
primeira originalidade.
Portanto, só após uma longa e paciente reparação é
que os discípulos podiam ser admitidos para participar dos ritos sagrados, que
eram, na verdade, a comunicação com os espíritos superiores e a prática dos
seus ensinos. Esses eram transmitidos ao povo sob uma forma mais concreta e, às
vezes, metafórica, sempre aceite com respeito, pois o druida era
objecto de uma grande veneração.
Hoje é bem diferente: os recém-chegados, sem preparação, sem
estudos, sem cuidados, crêem poder entrar em relação com os seres invisíveis
que os cercam. Não se teme a aventurara sem guia, nem bússola, no oceano de
forças e de vida em que estamos imersos. Ignora-se, em demasia, que uma
multidão de espíritos inferiores rodeie o ambiente terrestre, ao qual ela está
ligada pelos seus fluidos materiais. São eles os que respondem, de maior bom
grado, aos chamados dos homens com finalidades de divertimento e, muito pouco
se pode esperar desse ambiente onde reinam as mais diversas influências, às
vezes más, como aquelas muito conhecidas dos mistificadores e dos obsessores.
Daí o descrédito que recai, em certos casos, sobre as práticas desprovidas de
regra, de método e de seriedade.
Não se deve ficar indiferente, sem dúvida, aos apelos
misteriosos, aos ruídos, aos golpes que se ouvem à noite nas nossas casas e,
que parecem ser promessas de assistência, de protecção, às vezes bem
necessárias. Sim, devemos prestar-nos a convites desse género, pois eles podem
provir de amigos invisíveis que nos pedem socorro, ou ser o prenúncio de
conselhos, de revelações, de ensinos preciosos nos tempos de provações que
vivemos. Porém, logo que encontremos um meio de comunicação que se adapte às
nossas possibilidades psíquicas, não devemos hesitar em exigir, dos que se nos
manifestam, as provas formais de identidade e empregar em todas as nossas
relações com o além esse rigoroso espírito de controlo e de exame escrupuloso
que não deixa lugar algum às trapaças dos espíritos levianos. (i)
Os espíritas conservam uma ideia regeneradora, bela e
fecunda, que não devem deixar ocultar nem depreciar, sob a acusação de
credulidade que lhes é dispensada. As verdades superiores não se adquirem sem
dificuldade. Só pelos nossos esforços repetidos para nos livrar das incertezas,
das trevas, é que os véus da matéria se levantam e as saídas se abrem para a
vida espiritual, a vida infinita!
O Espiritismo, após 75 anos de experimentação e de trabalhos,
tornou-se uma fonte de luz e de ensinamentos. A sua doutrina resulta de
mensagens espirituais obtidas por todos os processos mediúnicos,
em todos os países e, se completam, se controlam umas às outras. Até ao
momento, as religiões e as filosofias somente apresentavam, sobre as condições
de vida no Além, simples hipóteses. Actualmente, os que lá vivem descrevem essa
vida por si mesmos e nos falam das leis da reencarnação. Com
efeito, com algumas excepções assinaladas entre os anglo-saxões, cujo número
diminui dia a dia, há uma quantidade enorme de documentos, de testemunhos
concordantes, recolhidos desde a América do Sul até às Índias e ao Japão, a
favor da reencarnação.
Não é mais, como no passado, um pensador isolado ou mesmo um
grupo de pensadores, que vem mostrar à humanidade o caminho que ele pensa ser
verdadeiro; é o mundo invisível, todo ele, que se agita e se esforça para
tirar o pensamento humano das suas rotinas, dos seus erros, e de lhe revelar,
como nos tempos dos druidas, a lei divina da evolução. São os nossos
próprios parentes e amigos mortos que nos expõem a sua situação boa ou má e, a
consequência dos seus actos, durante sessões ricas de provas de identidade.
Censura-se sempre os espíritas por
darem mais importância à teoria do que à prática experimental. No Congresso
Oficial de Psicologia de 1900, um sábio nos objectava: “O Espiritismo não é uma
ciência, é uma doutrina”. Certamente, consideramos sempre o facto como sendo a
base, o fundamento do Espiritismo.
Sabemos que a ciência vê na experimentação o meio mais
seguro de chegar ao conhecimento das causas e das leis; mas estas permanecem
obscuras, inacessíveis em muitos casos, sem uma teoria que as esclareça e as
torne precisas. Quantos pesquisadores ficaram desorientados no emaranhado
dos factos, perdidos no labirinto dos fenómenos e, terminaram por se desanimar
e renunciar a todas as pesquisas, devido à falta de um fundamento geral que
religasse e explicasse esses factos. O eminente Charles Richet, após ter feito experiências durante toda a
sua vida, registou os resultados das suas pesquisas num grande volume (Tratado
de Metapsíquica), sem conseguir obter uma conclusão.
Poder-se-ia chegar, pelo estudo dos infinitamente pequenos,
a uma concepção geral do Universo? Poder-se-ia, pelas manipulações de
laboratório, alcançar a compreensão da unidade da substância? Se Newton não
tivesse a ideia prévia da gravitação, teria dado alguma importância à queda da
maçã? Se Galileu não tivesse a intuição do movimento da Terra,
teria prestado atenção às oscilações do candelabro de bronze da catedral de
Pisa? A teoria nos parece inseparável da experiência, ela deve mesmo
precedê-la, a fim de guiar o observador, a quem a experiência servirá de
controlo.
Censuram-nos por chegarmos a conclusões muito
apressadamente! Ora, eis aqui fenómenos que se produzem desde os primeiros
séculos da história. Eles são comprovados experimental e cientificamente desde
há cerca de cem anos e, ainda assim alguns acham que as nossas conclusões são
prematuras! Mas em mil anos, ainda haverá os retardatários que acharão que é
muito cedo para os concluir. A humanidade experimenta uma necessidade
imperiosa de saber e, a desordem moral que castiga a nossa época é
devida, em grande parte, à incerteza que reina ainda sobre esta questão
essencial da sobrevivência.
Quando, na minha distante juventude, vi um dia, numa montra
de uma livraria as duas primeiras obras de Allan Kardec,
logo as adquiri e absorvi o seu conteúdo. Nelas encontrei uma
solução clara, completa, lógica do problema universal e, a minha
convicção ficou assegurada.
Entretanto, apesar de minha juventude, já havia passado
pelas alternativas da crença católica e do cepticismo materialista, mas em
parte alguma encontrei a chave do mistério da vida. A teoria espírita dissipou
a minha indiferença e as minhas dúvidas. Como tantos outros, pesquisei as
provas, os factos exactos que viessem a apoiar a minha fé; mas esses factos
demoraram a aparecer. No início, insignificantes, contraditórios, mesclados de
fraudes e de mistificações, eles estavam longe de me satisfazer e, eu
teria renunciado, mais uma vez, a toda a investigação, se não fosse sustentado
por uma teoria sólida e por princípios elevados.
Parece, de facto, que o invisível nos queria
experimentar, medir o grau de perseverança, exigir uma certa madureza de
espírito, antes de nos dar os seus segredos. Todo o bem moral, toda a conquista
da alma e do coração parece que deve ser precedida por uma iniciação
dolorosa. Enfim, os fenómenos chegaram, comprováveis e notórios. Foram
as aparições materializadas, na presença de muitas testemunhas, cujas
sensações concordavam; os casos de escrita directa, em plena luz, chegando do
Alto, fora do alcance dos assistentes e, que continham predições que foram,
desde então, realizadas.
Depois, foram as entidades de valor que se
manifestaram por todos os meios à sua disposição, inicialmente pelas
mesas, depois pela escrita automática, enfim, e sobretudo pelas incorporações, processo com o auxílio do qual eu
converso com os meus guias espirituais, assim como com os homens. A
sua colaboração foi preciosa para a redacção das minhas obras, pelas
informações recolhidas sobre as condições de vida no Além e sobre todos os
problemas que abordei.
Esses espíritos se comunicaram por diversos médiuns, que não se conheciam. Qualquer que fosse o
intermediário escolhido, eles apresentavam sempre caracteres pessoais muito
contrastantes, alguns de uma originalidade notável, se bem que de uma grande
elevação, com detalhes psicológicos, provas de identidade que constituíam o
critério de certeza dos mais absolutos. Como é que esses médiuns, que se
ignoravam entre si, ou mesmo os seus subconscientes, poderiam ter-se entendido
para imitar e reproduzir caracteres tão distintos e, portanto, sempre idênticos
a si mesmos, com uma constância e uma fidelidade que
persistem há cinquenta anos? Pois, há quase meio século que esses
fenómenos se desenrolam à minha volta com uma regularidade matemática, salvo em
casos de algumas lacunas, como, por exemplo, quando um dos médiuns desaparece e
é preciso um certo tempo para se encontrar um outro sensitivo apropriado.
Eu possuo sete grandes volumes de comunicações recebidas
no grupo que por muito tempo dirigi e que respondem a todas as questões que a
inquietude humana apresenta à sabedoria dos invisíveis. Ora, todos aqueles que
consultaram posteriormente esses arquivos ficaram impressionados pela beleza do
estilo, assim como pela profundidade das ideias apresentadas. Talvez, um dia,
essas mensagens sejam publicadas. Então, ver-se-á que nas minhas obras, eu
não fui inspirado somente pelas minhas próprias vistas, mas sobretudo por
aquelas do Além. Reconhecer-se-á, sob a variedade das formas, uma grande
unidade de princípios e uma perfeita analogia com os ensinos obtidos dos
espíritos guias, por todos os meios e, nos quais Allan Kardec se
inspirou para traçar as grandes linhas da sua doutrina.
Depois da guerra (a 1ª
Guerra Mundial) os nossos instrutores continuaram a manifestar-se por
vários médiuns. Através desses diversos mediadores, a personalidade de cada um
deles se confirmou pelo seu carácter próprio, de modo a afastar toda a
possibilidade de simulação. Pode acompanhar-se, de ano a ano, na La revue
Spirite, a quintessência dos ensinos que nos foram dados sobre assuntos
sempre substanciais e elevados.
Então, ao aproximar-se o Congresso de 1925, foi o grande
Iniciador, ele mesmo, que nos veio certificar do seu concurso e nos esclarecer
com os seus conselhos. Actualmente ainda é ele, Allan Kardec,
quem nos anima a publicar este estudo sobre o génio céltico e
a reencarnação, como se poderá verificar pelas mensagens
publicadas mais adiante.
Peço desculpas aos meus leitores por fazer intervir tanto a
minha própria personalidade, mas como poderia dedicar-me a uma análise dessa
natureza senão sobre mim mesmo e sobre os meus trabalhos?
Chego, agora, a viver com os espíritos quase tanto quanto
com os homens, a sentir a sua influência e distinguir a sua presença pelas
sensações fluídicas que experimento. Sei que essas almas constituem a minha
família espiritual. Liames bem antigos me unem a elas, liames que se
fortificam todos os dias, pela protecção que elas me concedem e o
reconhecimento que lhes consagro.
O peso dos anos se faz sentir e a minha cabeça
branca se inclina em direcção ao túmulo, mas sei que a morte é apenas uma
saída que se abre para a vida infinita. Atravessando esse limiar, estou
certo de encontrar essas queridas almas protectoras, assim como os numerosos
amigos com os quais lutei aqui por uma causa sagrada. Iremos juntos visitar
esses mundos maravilhosos que contemplei e admirei frequentemente no silêncio
das noites e que são, para mim, testemunhos do poder, da sabedoria e do génio
do Criador.
Na sua obra Evolução Biológica e Espiritual do Homem, Oliver
Lodge fala com entusiasmo “dessas grandes estrelas que são um milhão
de vezes maiores do que o Sol e cenários de fenómenos prodigiosos”.
Mais tarde, reviveremos juntos, nesses mundos, a fim de
continuar os nossos trabalhos, a nossa ascensão comum em direcção às regiões
serenas de paz e de luz.
E quando relembro todas as belezas dessa revelação, todas as
promessas de um futuro sem-fim, sinto-me tomado por uma imensa piedade por
todos aqueles que, nas suas provas, não são sustentados pela perspectiva das
vidas futuras e, cujo estreito horizonte se limita ao nosso mundo de sangue, de
lama e de lágrimas.
/...
(i) Ver o meu livro No Invisível, Espiritismo e
Mediunidade.
Léon Denis, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Terceira Parte – O mundo invisível, Capítulo XI – A
experimentação espírita (I de II), 1º fragmento da terceira parte
última desta obra.
(imagem de contextualização: Serenite |
1912, detalhe, pintura de Edgard Maxence)
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