Há curas que se verificam com surpreendente facilidade e
rapidez, dando às vítimas de graves perturbações e às suas famílias a impressão
de um socorro divino especial. O nosso povo, de formação geralmente católica,
está sempre disposto a se deslumbrar com milagres. Não há privilégios numa
estrutura orgânica perfeita, como a do Universo, regida por leis infalíveis e
teleológicas, ou seja, leis que dirigem tudo no sentido de fins previstos. A
cura fácil e rápida decorre dos méritos pessoais do doente,
de compensações merecidas por esforços despendidos por ele no
seu desenvolvimento espiritual e em favor da evolução humana em geral. O
objectivo da vida é o desenvolvimento das potencialidades que trazemos em nós
como sementes de angelitude e divindade semeadas na imperfeição humana. Os que
compreendem isso, se procuram conscientemente trabalhar para que essas sementes
germinem mais depressa, adquirem créditos que lhes são pagos no momento exacto
das necessidades. Quando Jesus dizia a um doente: “Perdoados foram os teus
pecados”, não era porque ele fizesse um milagre naquele
instante, mas porque o doente vencera a sua prova graças aos seus méritos.
As doenças revelam desajustes da nossa
posição existencial. Esses desajustes decorrem da liberdade de que dispomos
face às exigências evolutivas. A dor, a angústia, as inibições são como campainhas
de alarme prevenindo-nos de abusos ou descuidos. Sem a
liberdade de errar não poderíamos desenvolver as nossas
potencialidades espirituais. A ideia do castigo divino, do juízo de Deus
condenando os que erram é uma maneira humana, antropomórfica, de interpretarmos
os acidentes da nossa viagem na astronave planetária que nos faz rodar em torno
do Sol. Podemos socorrer-nos dessa imagem para modificar a nossa antiquada
maneira de ver e interpretar a nossa precária passagem pela Terra. Somos
passageiros de uma nave cósmica, envoltos no escafandro de carne e osso,
submetidos a experiências semelhantes às dos astronautas que, não podendo ainda
atingir as estrelas, fazem exercícios em órbita planetária. Os acidentes de
viagem, as falhas técnicas, as dificuldades, os fracassos perigosos, a dor e a
morte dependem da nossa maneira de agir durante a viagem e da
nossa perícia ou imperícia, do grau de responsabilidade, de perspicácia, de bom
senso, de calma, de amor e respeito ao semelhante que conseguimos desenvolver. Deus, consciência
Cósmica, não interfere no nosso aprendizado, mas também não está alheio ao
que se passa connosco. Da mesma maneira que um telepata na Lua pode captar as
mensagens mentais que lhe sejam enviadas da Terra ou de outras naves espaciais,
a mente suprema de Deus capta, naturalmente, ligada a tudo o que se passa no
Universo, nos seus mínimos detalhes. Se necessário, as entidades ao seu serviço
serão enviadas a socorrer-nos. Por toda a parte os seres espirituais agem
continuamente no universo. Como dizia o filósofo e vidente Tales de
Mileto, na Grécia Antiga: “O mundo está cheio de deuses, que trabalham na
terra, nas águas e no ar.” É fácil compreendermos isso se nos lembrarmos
da infinidade de seres invisíveis e visíveis que enchem o Universo agindo em
todos os sentidos, sob uma orientação secreta, como robôs vivos, para manterem
as condições adequadas em cada organismo dos reinos naturais e em nós mesmos.
Se isso se passa no plano material denso, com muito mais facilidade podemos
imaginar essa vigilância infinita no plano espiritual. A Providência Divina é o
modelo supremo, o arquétipo, de todas as formas de providência que os homens
organizam na Terra. As grosseiras imagens de Deus e da sua acção no Universo,
que as religiões nos deram no passado, são agora substituídas por visões mais
lógicas, racionais e justas, graças aos progressos do homem, no conhecimento
progressivo e incessante da realidade em que vivemos. São retrógrados todos
aqueles que ainda se apegam, nos nossos dias, às ideias ingénuas de um passado
de milhares de anos. Mal iniciamos os primeiros passos na Era Cósmica e já
podemos compreender melhor a beleza e a ordem da Obra de Deus e a importância
suprema dos seus objectivos que são, na verdade, o destino de cada um de nós.
As dificuldades nas curas pela terapia espírita decorrem,
portanto, das nossas atitudes e acções no passado e no presente. Se
prejudicámos a evolução de criaturas e comunidades nos nossos avatares
anteriores, é natural que agora tenhamos de suportar a sua companhia e sofrer a
sua inferioridade no nosso ambiente individual. Nenhum mago ou
sacerdote nos livrará disso, nenhum exorcismo nos libertará, mas a nossa
compreensão espiritual do problema e o nosso desejo natural de reparar os erros
do passado nos tornará livres através dos entendimentos possíveis que os
fenómenos mediúnicos nos propiciam. Como ensinou
Jesus, devemos aproveitar a oportunidade de estarmos no mesmo
caminho com o adversário, para nos entendermos com ele. Se soubermos
fazer isso com amor, chegaremos ao fim da caminhada comum como companheiros e
amigos, prontos para novas conquistas na nossa evolução. A terapia espírita
dá-nos o socorro possível na medida exacta da nossa capacidade de recebê-lo. Não
é, porém, por meio de actos vulgares e interesseiros de caridade e nem de
medidas artificiais de reforma interior que chegaremos a esse resultado.
Lembremo-nos do jovem rico que procurou Jesus, perguntando-lhe o que faltava
para ele merecer o Reino dos Céus. Jesus tocou-lhe no ponto decisivo da questão
– o desapego dos bens terrenos –, mandando-o vender tudo o que possuía e
distribuir o resultado aos pobres. O jovem entristeceu e retirou-se da presença
do Mestre. Não era a fortuna em si que o prejudicava, mas o seu apego a
ela, a sua incapacidade de compreender ainda o verdadeiro sentido da
vida. Por isso também a definição de Paulo sobre
a caridade, num arrebatamento espiritual do apóstolo, ainda não foi
compreendida por nós. O apego às condições passageiras da vida terrena, aos
seus bens transitórios, perecíveis, impede-nos de abrir o coração e a mente
para a suprema e imperecível grandeza da realidade espiritual. Dar esmolas,
socorrer as necessidades do próximo são apenas meios de aprendizagem que nos
levam à libertação. Temos de ir além, de abrir a nossa mente e o nosso coração
para ver, sentir, brotando em nós próprios, sem nenhum interesse inferior, a
fonte oculta que não está no poço de Jacob, mas na realidade ôntica,
espiritual, profunda da pobre mulher samaritana. Temos em nós toda a
riqueza do Universo, com todas as suas constelações e todas as hipóstases da
teoria de Plotino,
mas continuamos apegados às vaidades e intrigas da Terra. A terapia
espírita, que é a mesma de Cristo, oferece-nos a água-viva da sua nova
concepção do ser e do mundo. Enquanto essa água não jorra em nós, não seremos
curados.
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações
terapêuticas, Motivos de Dificuldade nas Curas (1 de 2), 13º
fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar
de névoa, por Caspar
David Friedrich)
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