Espiritismo dialéctico ~
O Espiritismo dialéctico
é a concepção científica, dínamo-genético da evolução, que explica as coisas,
seres e fenómenos do Universo, no seu movimento causal e dinâmico e nas suas
necessárias contradições, sucedendo-se e transformando-se, lenta e gradualmente
ou por mutações bruscas, em virtude de uma lei natural, selectiva e finalista,
sob a acção psicodinâmica do espírito, nas suas diversas formas e
manifestações. Não é, como poderia supor-se, uma inovação sistemática,
fundamental, da filosofia espírita: é a mesma doutrina (pelo que respeita os
seus princípios fundamentais), tratada dialecticamente à luz da ciência moderna
e em concordância com os fenómenos da natureza e da vida e, muito
especialmente, com os da Psicologia e da História.
A dialéctica espírita é um método discursivo, aplicado às
coisas no processo indefinido do seu desenvolvimento ou, melhor dito, induzido
deste processo indefinido; é uma lógica superior, para elevar-se à concepção
dínamo-genética da vida em todas as ordens e manifestações, indo do simples ao
complexo, do particular ao geral e dos termos opostos à sua síntese, a fim de
estabelecer a lei ou o princípio que rege cada ordem de coisas e o que é
essencial em todas e em cada uma delas.
Elevar-se da realidade sensível à verdade inteligível é o
objecto da verdadeira dialéctica; é a “viagem”, segundo o dizer de Platão,
que nos eleva à região luminosa das verdades superiores, viagem que
empreendeu Heráclito, pela primeira vez na história da Filosofia,
afirmando que nada é, que tudo chega a ser na
corrente incessante da vida.
Ter um conceito dínamo-genético do Universo e da vida é
pensar a evolução com um critério dialéctico, considerando as coisas,
não no repouso em que se apresentam, mas em movimento, como na realidade estão; não
num lugar fixo do espaço, nem num determinado momento do tempo, mas num
contínuo suceder, num perpétuo câmbio de formas e de qualidades, sem
jamais serem coisas perfeitas; é considerar os factos da vida e da
história, não isolados e sem conexão, mas nas suas relações e no seu
encadeamento causal; é ver nos indivíduos, não agentes desvinculados
completamente uns dos outros, mas unidos por vínculos afectivos
específicos, relacionados entre si pelo meio social e geográfico, por factores
externos, tanto de ordem material como espiritual; não é crer que a
sociedade, com o seu determinismo económico e histórico, marche por um lado e o
espírito humano com o seu determinismo psicológico, com a sua causalidade moral
e espírita, por outro, sem engrenar este com aquela, nem aquela com este, mas
considerar as suas influências respectivas numa constante reciprocidade de
efeitos e causas, de acções e reacções, de impulsos e resistências, de
contradições que se resolvem no tempo, na luta constante de interesses e
ideais, com o triunfo das tendências revolucionárias, individuais e, por
afinidade, colectivas, que por lei da mesma evolução se apartam das tendências
gerais e conservadoras; é crer enfim que, se no processo incessante da
História (dentro do limite da existência humana) os indivíduos formam a
sociedade, esta, por sua vez, forma os indivíduos e os sujeita às condições de
vida estabelecidas, ainda que novas tendências e iniciativas individuais
apontem mais tarde novos rumos à sociedade e modifiquem as condições existentes
com o máximo de progresso alcançado. Esta concepção dínamo-genética que
o Espiritismo dialéctico oferece e que consideramos do mais alto valor
filosófico, para melhor compreensão da evolução e da vida, não forma, todavia,
um sistema de doutrina completamente separado de elementos estranhos e
contrários, em muitos casos, a sua verdadeira essência. Ela se deduz
logicamente dos factos e manifestações espíritas, tanto quanto dos fenómenos
naturais e históricos. Os elementos doutrinários que a constituem encontram-se
disseminados nas obras dos seus mais ilustres mestres.
O método dialéctico, mesmo com alguma diferença no modo de
expressão, é que tem sido seguido pelos grandes filósofos espiritualistas,
desde Sócrates e Platão até Hegel, e empregado por alguns autores espíritas, ainda que
sem uniformidade de critério e sem a precisão e extensão devidas. Daí que
o Espiritismo se ressinta no seu valor filosófico e que
a sua interpretação doutrinária, no que concerne à evolução e ao modo em que
esta se efectua, dê margem a opiniões diversas e contrapostas, a atitudes desde
a mais revolucionária até à mais recalcitrante e conservadora, não obstante ser
uma doutrina clara nos seus postulados, quando estudados sem preconceitos.
Se Alexandre Herzen pôde
dizer, com razão, que a filosofia de Hegel,
longe de ser conservadora, é a álgebra da revolução; se Marx e Engels,
aproveitando-se do método dialéctico de Hegel, no sentido materialista (que,
por ser assim, abrange um só aspecto da verdade) puderam dizer que a sua
dialéctica é a álgebra prática que “não se inclina diante de nada e é, por sua
essência, crítica e revolucionária”, também podemos afirmar que o Espiritismo,
com os seus fenómenos de uma realidade superior, demolidores de velhos
preconceitos em todas as ordens da vida, com o seu conceito palingenésico da
evolução e a sua moral dinâmica e perfectível, é profundamente mais
revolucionário, posto que aprofunda o problema do ser e do destino e o aclara à
luz dos factos, assinalando ao espírito humano novas e mais prolongadas
actividades, novos e mais dilatados horizontes aos seus ideais, que não ficam
truncados com as conquistas (muito justas, sem dúvida) económicas e sociais,
dentro do marco estreito da existência humana sobre o planeta que habita. A
dialéctica espiritista neste caso vem a ser a álgebra superior, que ninguém
poderá aprender definitivamente, mas que vai descobrindo novas equações, novos
problemas, em progressão constante de vidas sucessivas, que produz uma
revolução mais profunda e de mais vastas projecções, que abrange o espírito e a
matéria (sem reduzi-los a termos unitários, como fazem respectivamente o
idealismo e o materialismo) numa síntese geral, considerando-se estreitamente
unidos e necessários para todas as manifestações da vida e do pensamento. (i)
Poucas pessoas ignoram o que é o Espiritismo na
sua essência vulgar e simplista; mas é escassíssimo o número dos que têm
estudado a causa dos factos e dos princípios filosóficos que eles encerram,
arrastando pela borda o pesado lastro de preconceitos que nele infiltraram as
religiões positivas.
Empregado o Espiritismo para
resolver somente problemas metafísicos, próprios da velha escolástica, apenas à
investigação do mais além, preso à velha moral das religiões, que ensina a
respeitar falsos direitos e privilégios injustos, como coisas absolutamente
necessárias e conformes à justiça divina e à causalidade moral de cada ser,
perde o seu carácter de ciência integral e progressiva, e em vez de ser um
ideal humano, propulsor do progresso e das causas nobres, aberto a toda a
iniciativa de bem-estar social, a toda tendência renovadora e libertária,
torna-se, nas mãos de espíritos mesquinhos, uma doutrina atrasada e
conservadora, uma arma formidável para esmagar consciências e conter todo o
impulso generoso que tenda a estabelecer um novo regime social, mais justo e
conforme com as exigências do progresso.
Para despojar o Espiritismo das
influências conservadoras, dos preconceitos retrógrados que o desvirtuam e lhe
tiram vigor como força social, como ideologia chamada a influir na marcha
ascendente da humanidade, nada melhor do que abrir o livro da natureza
e o da história e interpretar as suas lições à luz da ciência moderna e das
manifestações espíritas: neles aprenderemos melhor que nos livros dos
filósofos a verdadeira dialéctica dos factos e conheceremos o valor dos
factores que os produzem e determinam e formaremos o nosso conceito espírita
dínamo-genético da evolução, biológico e histórico. Assim saberemos, no final,
como o Espiritismo deve orientar a conduta dos homens para que as consciências
se fortifiquem frente aos factos que a vida oferece nas suas múltiplas e
variadas manifestações.
/…
(i) O Espiritismo não considera o espírito absolutamente
independente de toda a forma de matéria, nem tem a pretensão de saber o que é a
matéria nem o espírito na sua essência; considera-os nas suas manifestações e
estabelece as diferenças que são próprias de cada um. As manifestações dos
espíritos vão sempre acompanhadas de formas subtis que, como já temos indicado,
se chamam corpo etéreo, perispírito, etc.
Manuel S.
Porteiro, Espiritismo Dialéctico, Capítulo II –
Espiritismo dialéctico, 12º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura
de Josefina Robirosa)
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