Tal é o carácter complexo do ser humano – espírito, força e
matéria, em que se resumem todos os elementos constitutivos, todas as potências
do universo. Tudo o que está em nós está no universo e tudo o que está no
universo encontra-se em nós. Pelo corpo fluídico e pelo corpo material o
homem acha-se ligado à imensa teia da vida universal; pela alma, a todos os
mundos invisíveis e divinos. Somos feitos de sombra e luz; somos a carne com
todas as suas fraquezas e o espírito com as suas riquezas latentes, as suas
esperanças radiosas, os seus surtos grandiosos, e o que está em nós em todos os
seres se encontra. Cada alma humana é uma projecção do grande Foco Eterno e é
isso o que consagra e assegura a fraternidade dos homens. Temos em nós os
instintos animais, mais ou menos comprimidos pelo trabalho longo e pelas provas
das existências passadas, e temos também a crisálida do anjo, do ser radioso e
puro, que podemos vir a ser pela impulsão moral, pelas aspirações do coração e
pelo sacrifício constante do “eu”. Tocamos com os pés as profundezas
sombrias do abismo e com a fronte as alturas fulgurantes do céu, o império
glorioso dos Espíritos.
Quando aplicamos o ouvido ao que se passa no fundo do nosso
ser, ouvimos como o ruído de águas ocultas e tumultuosas, o fluxo e refluxo do
mar agitado da personalidade que os vendavais da cólera, do egoísmo e do
orgulho encapelam. São as vozes da matéria, os chamamentos das baixas regiões,
que nos atraem e influenciam ainda as nossas acções; mas podemos dominar essas
influências com a vontade, podemos impor silêncio a essas vozes. Quando em nós
se faz a bonança, quando o murmúrio das paixões se aplaca, eleva-se
então a voz potente do Espírito Infinito, o cântico da vida eterna, cuja
harmonia enche a Imensidade. E quanto mais o Espírito se eleva, purifica e
ilustra, tanto mais o seu organismo fluídico se torna acessível às vibrações,
às vozes, ao influxo do Alto.
O Espírito Divino, que anima o universo, actua sobre todas
as almas; busca penetrá-las, esclarecê-las, fecundá-las; mas a maior parte se
deixa ficar na escuridão e no insulamento. Demasiado grosseiras ainda, não
podem sentir-lhe a influência nem ouvir os seus chamados. Muitas vezes ele as
cerca, as envolve, procura chegar às camadas profundas das suas consciências,
acordá-las para a vida espiritual. Muitas resistem a essa acção, porque a alma
é livre; outras somente a sentem nos momentos solenes da vida, nas grandes
provas, nas horas desoladas em que experimentam a necessidade de um socorro do
Alto e o pedem. Para viver da vida superior a que se adaptam essas influências, é
necessário ter conhecido o sofrimento, praticado a abnegação, ter renunciado às
alegrias materiais, acendido e alimentado em si a chama, a luz interior que
se não apaga nunca e cujos reflexos iluminam, desde este mundo, as perspectivas
do Além. Só múltiplas e penosas existências planetárias nos preparam para essa
vida.
/...
LÉON DENIS, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, IX
– Evolução e finalidade da alma, fragmento.
(imagem de contextualização: Biblis 1884,
pintura de William-Adolphe
Bouguereau)
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