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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

o génio céltico ~


a experimentação espírita ~ 

(I de II)

(in Terceira parte, O mundo invisível, Capítulo XI)

Vimos que os druidas só concediam a iniciação a discípulos escolhidos, submetidos a um treino intelectual e moral demorado. Segundo afirmações de autores antigos, esses estudos podiam durar muitos anos e comportar o conhecimento de vinte mil versos. Realmente, o verso, pelo seu ritmo, fixa-se mais facilmente na memória, ele não se altera, nem se deforma como a prosa e, conserva, por mais longo tempo, o seu sentido exacto, a sua primeira originalidade.

Portanto, só após uma longa e paciente reparação é que os discípulos podiam ser admitidos para participar dos ritos sagrados, que eram, na verdade, a comunicação com os espíritos superiores e a prática dos seus ensinos. Esses eram transmitidos ao povo sob uma forma mais concreta e, às vezes, metafórica, sempre aceite com respeito, pois o druida era objecto de uma grande veneração.

Hoje é bem diferente: os recém-chegados, sem preparação, sem estudos, sem cuidados, crêem poder entrar em relação com os seres invisíveis que os cercam. Não se teme a aventurara sem guia, nem bússola, no oceano de forças e de vida em que estamos imersos. Ignora-se, em demasia, que uma multidão de espíritos inferiores rodeie o ambiente terrestre, ao qual ela está ligada pelos seus fluidos materiais. São eles os que respondem, de maior bom grado, aos chamados dos homens com finalidades de divertimento e, muito pouco se pode esperar desse ambiente onde reinam as mais diversas influências, às vezes más, como aquelas muito conhecidas dos mistificadores e dos obsessores. Daí o descrédito que recai, em certos casos, sobre as práticas desprovidas de regra, de método e de seriedade.

Não se deve ficar indiferente, sem dúvida, aos apelos misteriosos, aos ruídos, aos golpes que se ouvem à noite nas nossas casas e, que parecem ser promessas de assistência, de protecção, às vezes bem necessárias. Sim, devemos prestar-nos a convites desse género, pois eles podem provir de amigos invisíveis que nos pedem socorro, ou ser o prenúncio de conselhos, de revelações, de ensinos preciosos nos tempos de provações que vivemos. Porém, logo que encontremos um meio de comunicação que se adapte às nossas possibilidades psíquicas, não devemos hesitar em exigir, dos que se nos manifestam, as provas formais de identidade e empregar em todas as nossas relações com o além esse rigoroso espírito de controlo e de exame escrupuloso que não deixa lugar algum às trapaças dos espíritos levianos. (i)

Os espíritas conservam uma ideia regeneradora, bela e fecunda, que não devem deixar ocultar nem depreciar, sob a acusação de credulidade que lhes é dispensada. As verdades superiores não se adquirem sem dificuldade. Só pelos nossos esforços repetidos para nos livrar das incertezas, das trevas, é que os véus da matéria se levantam e as saídas se abrem para a vida espiritual, a vida infinita!

Espiritismo, após 75 anos de experimentação e de trabalhos, tornou-se uma fonte de luz e de ensinamentos. A sua doutrina resulta de mensagens espirituais obtidas por todos os processos mediúnicos, em todos os países e, se completam, se controlam umas às outras. Até ao momento, as religiões e as filosofias somente apresentavam, sobre as condições de vida no Além, simples hipóteses. Actualmente, os que lá vivem descrevem essa vida por si mesmos e nos falam das leis da reencarnação. Com efeito, com algumas excepções assinaladas entre os anglo-saxões, cujo número diminui dia a dia, há uma quantidade enorme de documentos, de testemunhos concordantes, recolhidos desde a América do Sul até às Índias e ao Japão, a favor da reencarnação.

Não é mais, como no passado, um pensador isolado ou mesmo um grupo de pensadores, que vem mostrar à humanidade o caminho que ele pensa ser verdadeiro; é o mundo invisível, todo ele, que se agita e se esforça para tirar o pensamento humano das suas rotinas, dos seus erros, e de lhe revelar, como nos tempos dos druidas, a lei divina da evolução. São os nossos próprios parentes e amigos mortos que nos expõem a sua situação boa ou má e, a consequência dos seus actos, durante sessões ricas de provas de identidade.

Censura-se sempre os espíritas por darem mais importância à teoria do que à prática experimental. No Congresso Oficial de Psicologia de 1900, um sábio nos objectava: “O Espiritismo não é uma ciência, é uma doutrina”. Certamente, consideramos sempre o facto como sendo a base, o fundamento do Espiritismo.

Sabemos que a ciência vê na experimentação o meio mais seguro de chegar ao conhecimento das causas e das leis; mas estas permanecem obscuras, inacessíveis em muitos casos, sem uma teoria que as esclareça e as torne precisas. Quantos pesquisadores ficaram desorientados no emaranhado dos factos, perdidos no labirinto dos fenómenos e, terminaram por se desanimar e renunciar a todas as pesquisas, devido à falta de um fundamento geral que religasse e explicasse esses factos. O eminente Charles Richet, após ter feito experiências durante toda a sua vida, registou os resultados das suas pesquisas num grande volume (Tratado de Metapsíquica), sem conseguir obter uma conclusão.

Poder-se-ia chegar, pelo estudo dos infinitamente pequenos, a uma concepção geral do Universo? Poder-se-ia, pelas manipulações de laboratório, alcançar a compreensão da unidade da substância? Se Newton não tivesse a ideia prévia da gravitação, teria dado alguma importância à queda da maçã? Se Galileu não tivesse a intuição do movimento da Terra, teria prestado atenção às oscilações do candelabro de bronze da catedral de Pisa? A teoria nos parece inseparável da experiência, ela deve mesmo precedê-la, a fim de guiar o observador, a quem a experiência servirá de controlo.

Censuram-nos por chegarmos a conclusões muito apressadamente! Ora, eis aqui fenómenos que se produzem desde os primeiros séculos da história. Eles são comprovados experimental e cientificamente desde há cerca de cem anos e, ainda assim alguns acham que as nossas conclusões são prematuras! Mas em mil anos, ainda haverá os retardatários que acharão que é muito cedo para os concluir. A humanidade experimenta uma necessidade imperiosa de saber e, a desordem moral que castiga a nossa época é devida, em grande parte, à incerteza que reina ainda sobre esta questão essencial da sobrevivência.

Quando, na minha distante juventude, vi um dia, numa montra de uma livraria as duas primeiras obras de Allan Kardec, logo as adquiri e absorvi o seu conteúdo. Nelas encontrei uma solução clara, completa, lógica do problema universal e, a minha convicção ficou assegurada.

Entretanto, apesar de minha juventude, já havia passado pelas alternativas da crença católica e do cepticismo materialista, mas em parte alguma encontrei a chave do mistério da vida. A teoria espírita dissipou a minha indiferença e as minhas dúvidas. Como tantos outros, pesquisei as provas, os factos exactos que viessem a apoiar a minha fé; mas esses factos demoraram a aparecer. No início, insignificantes, contraditórios, mesclados de fraudes e de mistificações, eles estavam longe de me satisfazer e, eu teria renunciado, mais uma vez, a toda a investigação, se não fosse sustentado por uma teoria sólida e por princípios elevados.

Parece, de facto, que o invisível nos queria experimentar, medir o grau de perseverança, exigir uma certa madureza de espírito, antes de nos dar os seus segredos. Todo o bem moral, toda a conquista da alma e do coração parece que deve ser precedida por uma iniciação dolorosa. Enfim, os fenómenos chegaram, comprováveis e notórios. Foram as aparições materializadas, na presença de muitas testemunhas, cujas sensações concordavam; os casos de escrita directa, em plena luz, chegando do Alto, fora do alcance dos assistentes e, que continham predições que foram, desde então, realizadas.

Depois, foram as entidades de valor que se manifestaram por todos os meios à sua disposição, inicialmente pelas mesas, depois pela escrita automática, enfim, e sobretudo pelas incorporações, processo com o auxílio do qual eu converso com os meus guias espirituais, assim como com os homens. A sua colaboração foi preciosa para a redacção das minhas obras, pelas informações recolhidas sobre as condições de vida no Além e sobre todos os problemas que abordei.

Esses espíritos se comunicaram por diversos médiuns, que não se conheciam. Qualquer que fosse o intermediário escolhido, eles apresentavam sempre caracteres pessoais muito contrastantes, alguns de uma originalidade notável, se bem que de uma grande elevação, com detalhes psicológicos, provas de identidade que constituíam o critério de certeza dos mais absolutos. Como é que esses médiuns, que se ignoravam entre si, ou mesmo os seus subconscientes, poderiam ter-se entendido para imitar e reproduzir caracteres tão distintos e, portanto, sempre idênticos a si mesmos, com uma constância e uma fidelidade que persistem há cinquenta anos? Pois, há quase meio século que esses fenómenos se desenrolam à minha volta com uma regularidade matemática, salvo em casos de algumas lacunas, como, por exemplo, quando um dos médiuns desaparece e é preciso um certo tempo para se encontrar um outro sensitivo apropriado.

Eu possuo sete grandes volumes de comunicações recebidas no grupo que por muito tempo dirigi e que respondem a todas as questões que a inquietude humana apresenta à sabedoria dos invisíveis. Ora, todos aqueles que consultaram posteriormente esses arquivos ficaram impressionados pela beleza do estilo, assim como pela profundidade das ideias apresentadas. Talvez, um dia, essas mensagens sejam publicadas. Então, ver-se-á que nas minhas obras, eu não fui inspirado somente pelas minhas próprias vistas, mas sobretudo por aquelas do Além. Reconhecer-se-á, sob a variedade das formas, uma grande unidade de princípios e uma perfeita analogia com os ensinos obtidos dos espíritos guias, por todos os meios e, nos quais Allan Kardec se inspirou para traçar as grandes linhas da sua doutrina.

Depois da guerra (a 1ª Guerra Mundial) os nossos instrutores continuaram a manifestar-se por vários médiuns. Através desses diversos mediadores, a personalidade de cada um deles se confirmou pelo seu carácter próprio, de modo a afastar toda a possibilidade de simulação. Pode acompanhar-se, de ano a ano, na La revue Spirite, a quintessência dos ensinos que nos foram dados sobre assuntos sempre substanciais e elevados.

Então, ao aproximar-se o Congresso de 1925, foi o grande Iniciador, ele mesmo, que nos veio certificar do seu concurso e nos esclarecer com os seus conselhos. Actualmente ainda é ele, Allan Kardec, quem nos anima a publicar este estudo sobre o génio céltico e a reencarnação, como se poderá verificar pelas mensagens publicadas mais adiante.

Peço desculpas aos meus leitores por fazer intervir tanto a minha própria personalidade, mas como poderia dedicar-me a uma análise dessa natureza senão sobre mim mesmo e sobre os meus trabalhos? 

Chego, agora, a viver com os espíritos quase tanto quanto com os homens, a sentir a sua influência e distinguir a sua presença pelas sensações fluídicas que experimento. Sei que essas almas constituem a minha família espiritual. Liames bem antigos me unem a elas, liames que se fortificam todos os dias, pela protecção que elas me concedem e o reconhecimento que lhes consagro.

O peso dos anos se faz sentir e a minha cabeça branca se inclina em direcção ao túmulo, mas sei que a morte é apenas uma saída que se abre para a vida infinita. Atravessando esse limiar, estou certo de encontrar essas queridas almas protectoras, assim como os numerosos amigos com os quais lutei aqui por uma causa sagrada. Iremos juntos visitar esses mundos maravilhosos que contemplei e admirei frequentemente no silêncio das noites e que são, para mim, testemunhos do poder, da sabedoria e do génio do Criador.

Na sua obra Evolução Biológica e Espiritual do HomemOliver Lodge fala com entusiasmo “dessas grandes estrelas que são um milhão de vezes maiores do que o Sol e cenários de fenómenos prodigiosos”.

Mais tarde, reviveremos juntos, nesses mundos, a fim de continuar os nossos trabalhos, a nossa ascensão comum em direcção às regiões serenas de paz e de luz.

E quando relembro todas as belezas dessa revelação, todas as promessas de um futuro sem-fim, sinto-me tomado por uma imensa piedade por todos aqueles que, nas suas provas, não são sustentados pela perspectiva das vidas futuras e, cujo estreito horizonte se limita ao nosso mundo de sangue, de lama e de lágrimas.

/...
(i) Ver o meu livro No Invisível, Espiritismo e Mediunidade.


Léon Denis, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Terceira Parte – O mundo invisível, Capítulo XI – A experimentação espírita (I de II), 1º fragmento da terceira parte última desta obra.
(imagem de contextualização: Serenite | 1912, detalhe, pintura de Edgard Maxence)

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Capítulo II

As sete proposições

(2)

A segunda proposição – que o corpo é um instrumento – depende, de certa forma, da primeira proposição e serve de refutação ao argumento muitas vezes apresentado pelos anatomistas e fisiologistas de que cérebro e espírito são a mesma coisa, de modo que uma lesão no cérebro imprime, ipso facto, uma lesão correspondente no espírito e que a destruição de um equivale à destruição do outro.

Essa hipótese pode ser considerada como base da filosofia materialista e está, evidentemente, de acordo com a experiência ordinária de que uma lesão cirúrgica do cérebro implica num defeito mental correspondente. Desnecessário é dizer que todos esses factos de verificação corrente são inteiramente admitidos por mim, porém acho que a dedução proposta ultrapassa o que é legítimo. Tudo o que está realmente provado é que, se o instrumento ficar avariado, o poder de desenvolver a actividade mental ficará igualmente avariado, mas não se segue desse facto indubitável que temos o direito de deduzir o que quer que seja relativamente ao espírito, a menos que não suponhamos que cérebro e espírito sejam um “só”.

Se o cérebro deixa de funcionar, não há, naturalmente, mais comunicação: a manifestação do espírito, na falta de função do mecanismo, cessou. A afasia talvez se tenha declarado, as ideias já não podem ser expressas se a porção do cérebro em função ficou avariada. Os acontecimentos passados não podem já ser retidos pela memória se as células cerebrais ou as suas vias de comunicação ficaram incapazes de estimular os músculos da mão ou da laringe. Dizer, porém, que a memória ficou aniquilada porque o seu órgão de reprodução não pode já funcionar é uma dedução que ultrapassa o que é lógico. Aqueles que consideram que o cérebro não é apenas um instrumento do espírito, mas o próprio espírito, se vêem forçados a emitir suposição estranha, gratuita e intrinsecamente absurda de que a massa de matéria encerrada no crânio é capaz de conceber, de olhar para o passado e o futuro, de urdir grandes obras literárias e artísticas, de compor grandes poemas, de explorar o mecanismo do universo, de sentir a dor, de ter afeições, de praticar acções, numa palavra, de não apenas manifestar, mas, na realidade, de sentir em si todos os sentimentos associados às palavras: Fé, Esperança e Amor.

Deve-se, todavia, admitir que o cérebro não pode mais que a vista. A vista e o cérebro não constituem senão um instrumento único graças ao qual a visão se torna uma possibilidade. O ouvido é, indubitavelmente, um instrumento físico que nos permite ouvir, mas é bem verdade que é o espírito quem vê e ouve, é ele quem interpreta a significação da visão e da audição, quem extrai uma impressão mental ou uma emoção das imagens, poemas e músicas – resposta psíquica inteiramente estranha aos atributos da matéria.

O sentimento do belo, por exemplo, pode ser despertado por um conjunto de partículas materiais, mas nenhum conjunto dessas partículas pode admirar a sua própria beleza. Não se pode supor tampouco que uma porção de matéria, por animada que seja, é capaz de tomar a iniciativa de uma série de acções, de imaginar uma obra de arte, de conceber uma teoria científica ou de praticar uma acção espontânea qualquer. As partículas materiais são inteiramente subordinadas a forças mecânicas que agem sobre elas. Não têm vontade própria, pois são absolutamente dóceis. Isto não é verdade acerca dos átomos da matéria orgânica quanto sobre a matéria inorgânica, porque a Ciência tende a abolir a distinção entre o orgânico e o inorgânico e a acentuar o facto, algo excepcional, tal como o modo de agir dos organismos, de que as partículas estão inteiramente subordinadas a leis da Física e da Química e não podem produzir fenómenos vitais e mentais senão em função de controlo vital e mental.

Encontrei um singelo enunciado deste princípio numa obra do professor Wincenty Lutolawski, filósofo polaco, intitulada O Mundo dos Espíritos, obra que parece ter sido escrita em 1899, só foi publicada na Inglaterra em 1924 e que não é suficientemente conhecida, apesar da apreciável recomendação que dela fez o professor William James.

Eis o trecho a que me refiro:

“Para compreender a relação que existe entre o pensamento e o cérebro, basta admitir que o cérebro é o órgão através do qual recebemos todas as nossas impressões exteriores e graças ao qual produzimos todos os movimentos, particularmente a palavra. A evidência consiste apenas em manifestar essas funções do cérebro e toda a asserção que atribui a ele o poder de pensar é baseada num sofisma semelhante ao de atribuir ao coração todas as emoções, porque as emoções tem certa influência sobre a acção do coração... Assim, o pensamento fica conhecido, não como processo fisiológico, mas como um facto de consciência, pela nossa experiência mental, e não temos razão alguma para supor que possa ele identificar-se com uma actividade corpórea qualquer visível. A vossa alma outra coisa não é além daquilo de que tens consciência... É por uma falsa analogia de linguagem que dizemos “a minha alma”, como dizemos “o meu cérebro”, “o meu corpo” e assim sucessivamente. Com efeito, és uma alma e não deves dizer possuir uma alma como se a alma diferisse de vós mesmos.

(3)

Muitos fenómenos conhecidos permitem ilustrar a terceira proposição que estabelece que as coisas desaparecidas não perdem a sua existência. A indestrutibilidade da matéria não deixa de ser um facto que salta aos olhos, mas é preciso prová-lo cientificamente.

Acredita-se geralmente que uma coisa queimada está destruída, que o leite derramado na terra está perdido, que a nuvem se evaporou devido ao calor solar, etc. Todo a gente sabe, porém, hoje, que qualquer que seja a dispersão da matéria, as suas partículas são indestrutíveis, que existe igualmente o vapor de água, ainda que invisível, mesmo quando a nuvem se evaporou. Desnecessário é insistir, detalhadamente, sobre tal facto. Poder-se-ia, porém, replicar que a admissão disso depõe contra a sobrevivência individual; superficialmente sim, mas, no fundo, de modo algum. A nuvem não tinha individualidade, não era mais do que uma reunião de partículas que, por acaso, possuem poder de afectar os raios luminosos, de forma a torná-los visíveis aos nossos olhos. Uma multidão pode ser dispersa, um exército desmobilizado, mas a sua existência foi corporal até à sua dispersão. A realidade dessa existência, durante a sua permanência, encontra-se no estimulante mental que unia as partes constituintes e não no próprio grupo. Os componentes da multidão afastaram-se por ocasião da separação, porque nada é duradouro na justaposição. Um exército ou uma armada obedecem às ordens de homens de Estado, transmitidas a seguir por meio de oficiais graduados. Os componentes desses grupos assemelham-se a partículas do nosso próprio corpo, reunidas por algum agente superior, obedecendo a ordens durante certo tempo, até ao momento do licenciamento. Eles deixam de existir ao mesmo tempo que o corpo, mas a entidade dirigente, que os comandava e dirigia, já nada de comum tem com eles, que eram apenas o instrumento de que se servia o agente transmissor para possuir certos efeitos.

O poder dirigente pode continuar a funcionar muito tempo depois do abandono do mecanismo subordinado, porém sem instrumento não o pode fazer. Deus não produz resultados sem os meios convenientes. O espiritual e o material parecem continuamente em relação. Em resumo: deve ser sempre verdade que a Divindade age por meio dos seus agentes. O que chamamos leis da natureza são as nossas fórmulas de reconhecimento de algum dos seus agentes operadores. Supõem os teólogos que os anjos e outros seres sobrenaturais se contam entre os agentes e mensageiros divinos, ao passo que se reconhece como verdade corrente que somente o homem pode executar certas coisas. O homem é um instrumento das forças superiores e ele próprio tem necessidade de instrumentos para o exercício e para a manifestação das suas faculdades.

Da mesma maneira que um fabricante de instrumentos pode rejubilar-se quando um exímio artista faz bom uso dele, do mesmo modo o Altíssimo pode alegrar-se com o uso benéfico das faculdades e talentos dos seus filhos.

(4)

quarta proposição – que um indivíduo é uma encarnação temporária de algo imortal – toca o problema mais difícil da identidade pessoal. Que entendemos nós por “individualidade pessoal”? Deve supor-se que o homem sempre existiu? Podemos, em suma, compreender que isso não é necessário. Um poema e um drama podem ser imortais, mas viram o dia num tempo definido e circunstâncias especiais os fizeram nascer.

Parece-me hoje provável que a individualidade se formou durante o isolamento na matéria, do que podemos chamar substância psíquica bruta, não experimentada. O corpo é gradualmente saturado pela psique ou alma não identificada, segundo as suas capacidades de recepção, porção infinitesimal no começo do processo, aumentando pouco a pouco numa medida certa em razão dos esforços e das oportunidades do ser. O afluxo é às vezes de tal modo importante que forma o que chamamos um “grande homem”, se bem que, na maior parte dos casos, a acção pára muito tempo antes de chegar a esse resultado.

Depois de certo intervalo no desenvolvimento, a alma, agora identificada, retorna ao seu ponto de partida, quer gradual e naturalmente, quer bruscamente, em caso de acidente, mas em ambos os casos ela conserva as suas capacidades, as aptidões, os gostos, a memória e a experiência adquiridas durante a vida terrena. Leva esse acréscimo de valor e o faz adicionar ao Todo que ela junta – qualquer que seja esse Todo – apropriado à sua natureza, todo esse que pode ser um “ego” subliminar maior cujas porções talvez estejam submetidas a uma forma modificada da reencarnação numa vida futura. Reservo a minha opinião a respeito destas questões, mas podemos estar certos de que as partículas materiais, sempre subordinadas aos fins da pessoa cujo crescimento era temporário, desempenharam o seu papel e foram definitivamente abandonadas. Essas partículas provêm de uma nutrição qualquer, são assimiladas durante certo tempo, depois rejeitadas para dar lugar a outras. As partículas não exercem nenhuma função; impelidas dali e de acolá, são perpétuamente afluentes. Todo o organismo, porém, conserva a sua identidade, como a de um rio que é sempre o Ganges ou o Tibre, ainda que as partículas da água, que passam pelo seu leito, mudem constantemente. Tais analogias não são, de forma alguma, exactas, mas simplesmente sugestivas. Uma vez recitado, um poema, este não deixa de existir. Uma partitura de uma orquestra é a encarnação temporária de um homem de génio, cujas ideias estão sujeitas à reencarnação.

/…


Oliver LodgePor que creio na imortalidade da Alma, Capítulo II As sete proposições; proposição segunda (2), proposição terceira (3) e proposição quarta (4), 5º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Luz e Cor (Teoria de Goethe) - A manhã após o Dilúvio, Moisés escreve o livro a Génese, pintura de Joseph Mallord William Turner

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Capítulo II 

As sete proposições 

Tomemos as proposições do fim do capítulo anterior e procedamos à sua apreciação. 

(1) 

Primeira proposiçãoO espírito pode agir independentemente dos órgãos corporais. Fiquei certo disso desde 1883 em razão dos casos de telepatia experimental que Sir William Barrett já assinalara num relatório dirigido à British Association em 1876. 

A telepatia experimental, como já se sabe, é a transmissão de uma ideia, imagem ou sensação de um espírito encarnado a outro na mesma condição, sem necessidade dos órgãos materiais. Ela requer a participação de duas pessoas: o agente transmissor e o receptor. O receptor, ou o que recebe a transmissão, é posto ao abrigo de todas as sensações, ao passo que o transmissor pensa em algo, fixa um objecto ou, de uma forma qualquer, procura fixar no seu espírito o que deseja transmitir mentalmente. Já se verificou que, em certas condições bem definidas, algumas pessoas possuíam faculdade receptora, de modo que, após breve intervalo de silêncio, estavam aptas a perceber a ideia e mesmo a fazer um desenho, sem auxílio da visão, da audição ou do tacto. 

Esse facto, cuidadosamente estabelecido por numerosos observadores, serviu para explicar grande número de casos, outrora incompreensíveis, que pareciam causados pela utilização espontânea da faculdade telepática, consciente ou não, sob a influência de forte emoção. Assim, aplicando-se essa concepção – a mais aproximada da vera causa – esperava-se eliminar a superstição e explicar, de forma racional, numerosas lendas contemporâneas, onde se dizia que tal ou qual pessoa recebera de outra pessoa afastada impressão de doença, de perigo ou de morte. 

Sabemos que tais factos ocorreram muitas vezes sob a forma de visão ou aparição de fantasma e supomos que, em semelhantes casos, a impressão mental era de tal forma poderosa que provocava no espírito do percipiente uma alucinação de carácter visual ou auditivo, mentalmente e não fisicamente. Palavras eram ouvidas e uma visão percebida por vias anormais, como uma espécie de reconstrução mental. Nos casos melhores e mais importantes, a impressão era a que chamamos “verídica”, isto é, que corresponde realmente a acontecimentos que se produziram algures, de sorte que se podia provar a sua autenticidade. 

Tal foi a conclusão de um livro, em dois volumes, cuidadosamente escrito e editado em 1886 sob o título de Phantasms of the Living (Fantasmas dos Vivos), cujos autores foram Myers e Gurney, com a colaboração de Podmore. Grande número de acontecimentos misteriosos, devidamente atestados, ocorrendo, constantemente, em todas as partes do mundo, se explicam, assim, de modo racional, sobre a fase do facto observado da comunicação psíquica, facto esse descoberto por meio da telepatia experimental. A aparição ou o fantasma, visto pelo percipiente sensitivo e que, até aqui, tinha naturalmente sido considerado como efeito de uma presença real e misteriosa, podia ser assim atribuído a uma impressão viva produzida, telepaticamente e sem o seu conhecimento, por uma pessoa afastada, em angústia, perigo e mesmo prestes a falecer. 

Numerosos casos análogos foram reunidos pelos seguidores daqueles e examinados a fundo por investigadores sérios e hábeis num livro intitulado Census of Hallucinations (Censo de Alucinações). Foi uma tarefa trabalhosa, executada antes e durante o ano de 1894, tratando abertamente dos fantasmas dos vivos, bem como dos mortos. Depois da eliminação de todos os casos duvidosos, apresentados os pontos fracos e as explicações segundo as hipóteses normais, a conclusão dos investigadores foi resumida, nos Proceedings of the Society for Psychical Research, vol. X, pág. 394, da seguinte maneira: 

“Existe, entre os casos de morte e as aparições de moribundos, uma relação que não é consequência só do acaso. Consideramo-la como um facto certo. A discussão de tudo que ela implica não pode ser feita só nesta obra e, provavelmente, não será mesmo esgotada na nossa época.” 

Esse relatório, longo e extremamente consciencioso, estava assinado pelo professor Henry Sidgwick e a Sra. e trazia também outras assinaturas. Não pretendo impor dogmaticamente a ideia de que a hipótese de telepatia do agente transmissor ao receptor seja realmente a explicação completa dessas experiências. Creio que existem outras explicações suplementares assim como outras causas. Em todos os casos, porém, a hipótese telepática, entre as duas pessoas em relação, é a mais plausível e a mais racional. 

Interessante recordar que o grande filósofo Kant se ocupou, em certa época, dos estudos psíquicos e examinou mesmo dois ou três casos notáveis, referentes a Swedenborg. O falecido professor William Wallace fez notar, no seu ensaio sobre Kant, que é possível considerar as aparições sob um ponto de vista subjectivo e termina com uma citação de Kant, que estava certamente a par da explicação telepática sugerida muito mais tarde por Myers e Gurney em sua obra Phantasms of the Living

Eles se apoiam particularmente no facto de que tais visões, qualquer que seja a sua origem, são autênticas, podendo acontecer mesmo que tenham mais importância do que a que lhes queria Kant conferir. 

Eis a citação de Kant, feita por William Wallace: 

“A possibilidade da comunicação entre um espírito puro e um espírito revestido do seu invólucro carnal depende do estabelecimento de uma ligação entre ideias abstractas e espirituais e imagens da mesma espécie, revelando concepções sensoriais que são análogas e simbólicas. Tais associações se encontram em pessoas que têm uma constituição especial. Em dados momentos esses videntes são assaltados por aparições que não são (como supõem) entidades espirituais, mas apenas ilusão da imaginação, que submetem as suas próprias imagens a influências reais e espirituais imperceptíveis à grosseira alma humana. Assim, a alma dos mortos e os espíritos puros, ainda que não possam nunca produzir certa impressão aos nossos sentidos exteriores ou entrar em contacto com a matéria, são, todavia, susceptíveis de actuar sobre a alma humana, que pertence, como eles, à grande comunidade espiritual. Destarte, as ideias que imprimem na alma se vestem, segundo a lei da fantasia, nas imagens ligadas e criam, fora do vidente, a aparição de objectos correspondentes.” 

Dos milagres, o maior é este – que tu és tu 
Com poder sobre os teus próprios actos e o mundo 
Deste mundo real dentro do mundo que vemos 
Do qual o nosso é apenas uma zona limítrofe. 

                                            (De um poema de Tennyson

/… 


Oliver LodgePor que creio na imortalidade da Alma, Capítulo II As sete proposições, proposição primeira (1), 4º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Luz e Cor (Teoria de Goethe) - A manhã após o Dilúvio - Moisés escreve o livro Génese, pintura de Joseph Mallord William Turner)

domingo, 29 de agosto de 2021

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


RESUMO DE POSTULADOS OU CONCLUSÕES TIDADOS DA EXPERIÊNCIA 

(Numerados para referência) 

1) – Que a actividade mental não é limitada às suas manifestações corporais, se bem que, em certo meio material, seja necessária para nos demonstrar a sua actual actividade neste plano. 

2) – Que o mecanismo cérebro neuromuscular, assim como o resto do corpo, formam um instrumento construído, dirigido e utilizado pela vida e pelo espírito, instrumento que pode deteriorar-se ou usar-se de modo a impedir a sua utilização regular pela entidade dirigente normal; que os sinais dessa deterioração ou desse deslocamento podem claramente mostrar-se sem nos dar o direito de daí tirar outra conclusão que a de uma obstrução ou de uma imperfeição no canal ou laço de comunicação entre o espírito e a matéria. 

3) – Que nem a vida nem o espírito deixam de existir quando são separados do seu invólucro ou órgão material: cessam somente de funcionar na esfera material anterior, como quando o instrumento estava em bom estado. De facto, nada deixa de existir; só a forma de vida é que muda. Certa coisa pode perfeitamente desaparecer diante dos nossos olhos, tornar-se imperceptível aos nossos sentidos, mas isso não é uma prova de que tenha deixado de existir. Esse facto, bem evidente quando se trata de matéria e de energia, é igualmente verdadeiro, na minha opinião, quando se trata da existência vital ou espiritual. Não temos razão alguma para supor que algo de real possa deixar de existir, ainda que facilmente disperso ou tornado inacessível aos nossos sentidos. 

4) – Que o que chamamos “indivíduo” é uma encarnação definida ou associação com a matéria de algum elemento vital ou espiritual que possui em si mesma uma existência contínua. A entidade, ou, nos seus desenvolvimentos superiores, a personalidade, não depende certamente da identidade das partículas materiais que a fazem manifestar-se; ela não pode ser senão um atributo da entidade dirigente que congrega tais partículas durante certo tempo, as deixa e as renova durante a sua vida ordinária, sem que a sua continuidade seja de qualquer forma alterada. 

5) – Que o valor da encarnação se encontra na oportunidade assim oferecida para a individualização de uma parte da mentalidade específica gradualmente mais vasta, isolada do seu meio primitivo cósmico, a fim de lhe permitir desenvolver uma personalidade que será a característica desse organismo particular. 

6) – Que, quando tal individualidade ou personalidade é real, há lugar para acreditar-se que ela persista como toda outra realidade e que, em consequência, pode sobreviver à sua separação do organismo material, que a ajudava outrora a isolar-se, para se tornarem possíveis os traços característicos individuais do seu carácter. Que o carácter individual, assim formado, persiste verdadeiramente como indivíduo, conservando a sua memória, as suas experiências e as suas afeições, segundo oportunidades e privilégios associados ao corpo material, durante a vida terrena. É uma questão que será resolvida pela observação directa e pela experiência. 

Eis, pois, a minha conclusão final: 

7) – Que a evidência, já acessível, nos basta para provar que o carácter individual e a memória persistem, que as personalidades que deixaram esta vida continuam a existir com os seus conhecimentos e as experiências adquiridas neste plano e que, em certas condições parcialmente conhecidas, os nossos amigos invisíveis podem provar-nos a sua sobrevivência real, individual e pessoal. 

Posição actual destas teses 

No momento em que escrevo, todas estas conclusões ou deduções, provenientes de um longo inquérito, são consideradas duvidosas pela ciência ortodoxa, que, até aqui, se tem limitado a manifestações terrestres, sem pesquisar o que quer que seja no plano espiritual. 

Qualquer insistência sobre tais proposições choca com a zombaria que as encara como pura especulação ou mesmo como superstição. Essas conclusões, por outro lado, não parecem essenciais à religião, na sua aceitação geral e, são, na maioria, desaprovadas como ensino religioso. Pode, portanto, perguntar-se porquê, como tantos outros, fomos de tal forma tocados pela verdade e a importância vital desta doutrina, que não nos importamos de acarretar com todas as censuras e zombarias que nos possam lançar os seus adversários e, por que considero um dever a defesa de tais teses, que merecem respeitosa consideração e, que se aperfeiçoam na medida do progresso da nossa experiência e do nosso conhecimento. 

Tal a pergunta a que desejo responder brevemente nesta obra, tanto quanto possível. Uma resposta completa exigirá o estudo dos factos registados na respectiva literatura pelo menos de meio século ou de mais ainda, estando a literatura antiga cheia de factos idênticos, alguns insuficientes e pouco científicos, que são as suas narrativas. 

A evidência dos factos aumenta dia a dia e aumentará mais rapidamente ainda quando o grupo da crítica desdenhosa tiver desaparecido e a pobre humanidade terrena ficar livre do jugo da opressão militante. 

/… 

Oliver LodgePor que creio na imortalidade da Alma, Capítulo I Resumo de postulados ou conclusões tirados da experiência / Posição actual destas teses, 3º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Luz e Cor (Teoria de Goethe) A manhã após o Dilúvio, Moisés escreve o livro Génese (1843), pintura de WilliamTurner

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Introdução
(II)

Os sábios, que são tão humanos quanto cientistas, reagiram individual e diversamente contra tal tendência para o supranormal, que se poderia chamar justamente de milagroso. Alguns vão até ao desprezo e à condenação dessas experiências, que estão fora da verdadeira ciência; outros as aceitam humildemente, como herança da humanidade, sem as procurar pesquisar ou compreender. A maioria, porém, considerando de forma respeitosa e mesmo compassiva a conduta das pessoas religiosas, é de opinião que essas coisas nada têm a ver com as suas ocupações profissionais e intelectuais e, sem positivamente as negar, por elas não se interessam. O grupo extremo dos cientistas, que pretendem ser filósofos, olhando a vida sob o ponto de vista materialista ou sensualista, não tem eloquência, nem entusiasmo, tendendo para o dogmatismo, a fim de consolidar a sua filosofia robusta, porém algo árida.

Tais homens se vangloriam da sua emancipação da tradição religiosa e convidam os outros a compartilharem dessa audaciosa rejeição das fontes do consolo humano, mostrando uma calma estóica no meio do que, para os demais, pareceria a ruína e a desolação. Citarei, para exemplo, um extracto do ensaio de Bertrand Russell, membro da Royal Society, intitulado A Free Man’s Worship (O culto de um homem livre), e numerosas profissões de fé, menos eloquentes, de outros escritores, poderiam ser citadas, mas diriam a mesma coisa que este extracto:

“Que o homem é produto de causas sem nenhuma previsão do fim que buscam; que a sua origem, o seu desenvolvimento, as suas esperanças e os seus medos, as suas afeições e crenças são apenas o resultado do aglomerado fortuito de átomos; que nenhum entusiasmo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamento ou sentimento podem conservar a vida individual além-túmulo; que os trabalhos de todas as idades, a devoção, a inspiração, o brilho resplendente do génio humano estão votados à extinção com o desaparecimento grandioso do sistema solar e que o templo inteiro das obras humanas deve ficar infalivelmente soterrado sob os destroços de um universo em ruínas – todas essas coisas, se não são indiscutíveis, são quase tão certas que uma filosofia que as repila não se poderá sustentar. Só com o alicerce dessas verdades e sobre a sólida base de um desespero intransigente será doravante possível construir, com toda a segurança, a habitação da alma humana.”

Esse conselho de desespero final está impregnado de uma convicção quase triunfal. Talvez seja um cântico guerreiro destinado a sustentar a moral dos combatentes. Não está ele afastado dessa triste contemplação da sorte dos seres humanos pela qual os poetas da Antiguidade se mostravam às vezes cheios de aflição? Alfred Tennyson assim apostrofa a Virgílio:

Tu, que vês toda a Natureza Universal movida pelo Espírito Universal,
Tu, majestoso na tua tristeza pelo destino duvidoso da Espécie Humana.

No agnosticismo (i) hodierno, essa triste asserção foi substituída por um sentimento que se assemelha mais à exaltação do facto de que o destino não é aparentemente duvidoso. Se isto fosse verdade, não poderíamos deixar de admirar esse estoicismo, espantando-nos por ver tanta energia dispensada ao serviço de uma raça votada ao desaparecimento. A única razão que me leva à discussão de tal filosofia e de tal ética é que, por mais admirável que seja em si mesma, creio firmemente que, no fundo, é cientificamente falsa.

O agnosticismo do século XIX esquecia-se às vezes de ser simplesmente ateu e, assim como o professor W. K. Clifford, se comprazia na negação exuberante de toda a existência espiritual ou supra-sensorial. Essa fé negativa é hoje compartilhada por grande número de pessoas, inclusive a clientela desse infalível e pouco modesto periódico The Freethinker (O Livre Pensador). Tais pessoas muito se regozijam do que consideram como a sua liberdade de pensamento, que não é mais do que um ponto de vista limitado:

“O Universo é composto de éter e de átomos e nele não há lugar para espíritos.”

Negações especulativas dessa espécie deveriam ser confirmadas por conhecimentos mais extensos e aceites com o veredicto da Ciência, mas no decurso destes últimos anos, vários daqueles que haviam consagrado as suas vidas aos estudos científicos fixaram a sua atenção sobre certos fenómenos bizarros e pouco comuns, fenómenos que muitas pessoas consideram como a demonstração da existência de um mundo invisível e supranormal, e provavelmente espiritual, um mundo de realidades individuais e imateriais, na expressão de Frederic Myers.

Após detido estudo desses fenómenos, alguns chegaram à conclusão, não sem vivo sentimento da sua responsabilidade, de que a explicação mais fácil que se pode dar deles se encontra na hipótese de que a nossa existência não é apenas limitada à Terra e às coisas terrestres, como supomos, e que estamos em relação e em contacto com uma outra espécie de vida. Assim, a nossa atitude para com tais fenómenos, mesmo de ordem mental, deverá modificar-se e tornar-se cósmica e universal. Dito de outra maneira, os fenómenos não podem ser explicados se os limitarmos a experiências ordinárias e normais da vida terrestre.

Uma segunda revolução de Copérnico está assim em curso: a Terra, inclusive os outros planetas que se lhe assemelham, não é a única morada da inteligência. Começo, com efeito, a pensar, não como consequência de intuições religiosas, mas na razão de indicações, ainda um pouco obscuras, numa ciência nascente, mais vasta, em que a inteligência não é limitada às superfícies das massas planetárias, mas que penetra e domina o Espaço. Ela está activa em toda a parte, não está ausente em parte nenhuma. Parece-me possível e mesmo provável que a essência da vida e da inteligência deve habitar o éter; todavia, se tem necessidade de um veículo físico, ela só se encarna na matéria excepcional e temporariamente quando as circunstâncias são favoráveis e se verificam delicadas e excepcionais condições.

Assim, parece que a vida encarnada (i), tal como a conhecemos, tem necessidade da substância complexa a que chamamos protoplasma, à guisa de morada. Essa aglomeração molecular complexa não se pode formar senão a uma temperatura bastante baixa. O mesmo se dá com certos átomos de que ela se compõe. Ora, sabemos nós que a maior parte da matéria que compõe o Universo está a uma temperatura muito elevada e mesmo incandescente. Entre as massas que se encontram bastante arrefecidas, muitas são bem pequenas para reter uma atmosfera. É inteiramente excepcional que um corpo celeste tenha uma massa bastante importante para reter, pela gravidade, gases na sua superfície, sem ser bastante volumosa para aí conservar ou desenvolver muito calor. Para conservar a vida, um planeta não deve ter uma temperatura muito baixa, que solidificaria a água, nem muito elevada, o que lhe valeria a evaporação. A fim de que a água possa existir em estado líquido e que o protoplasma viva, é preciso exactamente a escala das temperaturas que se encontra na atmosfera terrestre.

A vida na Terra encontra-se distinta e evidentemente associada à matéria, em toda a parte que isso seja possível. Nos seres superiores a vida expande-se em inteligência. Assim, de um modo curioso, e apesar de tudo bastante natural, chegamos à conclusão de que a vida e o espírito não podem coexistir senão associados à matéria, e quando o veículo da vida fica gasto e é abandonado, somos levados a crer que a vida e a inteligência, emancipados, desapareceram, para sempre, da existência.

O que surpreende não é que sobrevivam às suas encarnações materiais, mas que não tenham nunca podido se encarnar pouco que seja. Sou levado a admitir a verdade provável, tanto quanto posso saber, de que a união da vida e do espírito com a matéria é uma coisa excepcional. Creio que tal associação é mais perfeita na região cósmica e interplanetária, quase ignorada ainda hoje pelas ciências ortodoxas, tanto biológicas como fisiológicas. Admito que um veículo qualquer seja praticamente necessário para o exercício da inteligência, mas não suponho que o corpo seja unicamente composto da reunião de cargas eléctricas positivas e negativas a que chamamos comummente “matéria”. Isso me parece uma suposição gratuita e mal fundada, assim como muitas outras suposições que teorias científicas recentes (especialmente as pretensas doutrinas da Relatividade) nos levaram a rejeitar.

Posso imaginar uma outra estrutura composta de éter, tão sólida e substancial quanto a matéria ordinária, mas com a diferença de que ela ultrapassa o limite dos nossos actuais sentidos corporais e que não está sujeita à intervenção muscular directa. As partículas que compõem um bloco material são mantidas juntas por forças de coesão, de afinidades químicas e gravitação e essas forças imateriais ou tensões são cada vez mais conhecidas como funções do éter do Espaço. O corpo material, que vemos e tocamos, não é nunca o corpo inteiro; ele deve possuir uma contraparte para manter a sua entidade e eu penso que, no caso dos seres vivos, é a contraparte etérica que é verdadeiramente animada. Na minha opinião, a vida e o espírito não estão nunca directamente associados à matéria e não podem agir senão indirectamente através das suas conexões com um veículo etérico que é o seu real instrumento, um corpo etérico, que, por sua inter-reacção, é capaz de influenciar a matéria.

As partículas materiais, reunidas pelo corpo etérico, sofrem uma modificação contínua, a sua natureza é fortuita e temporária; são às vezes desagradáveis e mal dispostas, finalmente, o corpo material deteriora-se. A matéria tem numerosas imperfeições, porém o éter jamais deu algum sinal de imperfeição. É absolutamente transparente e não deixa nenhuma energia escapar-se; toda a estrutura composta de éter é, segundo toda a probabilidade, permanente. Possuímos um corpo etérico independente de todo o acidente que possa acontecer ao conjunto da matéria associada, e continuamos a possuir sempre esse corpo etérico depois do desaparecimento do nosso corpo material. A única objecção a esta realidade reside no facto de que nada existe, de natureza etérica, susceptível de impressionar os nossos sentidos actuais. Tudo o que pertence ao éter (mesmo na ciência física) deve ser conhecido por deduções. A observação directa parece sem esperança. Pode suceder que vivamos num corpo etérico permanente e invulnerável, do qual não conhecemos absolutamente nada, porque ele penetra todo o conjunto das partículas do corpo material, que estão perpétuamente em vibração, activando constantemente os nossos nervos e atraindo toda a nossa atenção.

Tal é, de forma sumária, a conclusão a que lentamente cheguei. Fica por indicar, de maneira geral, a base da experimentação sobre a qual ela repousa e tudo o que ela implica. Não posso empenhar-me aqui na discussão dos argumentos actuais relativos ao éter e da sua necessidade filosófica para a compreensão de todos os fenómenos tratados de uma forma abstracta, mas procurarei resumir a posição geral que a observação dos factos me levou a tomar. Tratarei, a seguir, dos factos, tais como me são conhecidos. Um método, que consiste em citar as deduções, antes de mencionar os factos sobre os quais elas repousam, parecerá talvez um método algo paradoxal, mas uma hipótese de trabalho que serve sempre de auxílio. Assemelha-se a um fio ao qual se pode enfiar uma pérola. Sem uma pista, batemos o campo, perdidos num labirinto, sem meios para nos orientar. Se uma hipótese não estiver em harmonia com a verdade, deverá ser ela modificada ou abandonada e assim avança por si, porém, se esperarmos, ela nos poderá ser útil e a melhor maneira de se lhe verificar os pontos fracos é submetê-la à prova.

/...
"Mais do que verdadeiramente grande cientista e engenheiro, Sir Oliver Lodge era um sensitivo que sabia ser seu dever de cientista; ser verdadeiro para o mundo espiritual em primeiro lugar, uma vez que era a fonte de toda a inspiração, toda a vida e toda a realidade. (in AETHERFORCE, Open Source Living Science). Nota em apêndice desta publicação.


Oliver LodgePor que creio na imortalidade da Alma, Introdução, Capítulo I Visão cósmica da vida e do Espírito (II de II), 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge, com alguns dos seus inventos)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Oliver Lodge, por que creio na imortalidade da alma ~


Introdução

Os argumentos em favor da sobrevivência humana, isto é, os de que a morte é um acontecimento que só diz respeito ao corpo, são tão velhos quanto o mundo. Parte deles pode ser considerada como teológica, baseada na bondade e na justiça de um Criador, ao passo que a outra parte, que se pode chamar de antropológica, se apoia na repulsão instintiva da ideia de aniquilamento no homem e ainda no postulado de que os instintos, produto da evolução, devem corresponder, até certo ponto, à realidade.

Nesta obra não me apoio em nenhum destes argumentos, respeitando-os todavia. De facto, não alimento desejo algum de controvérsia, porém toda a minha tese repousa na experiência e na aceitação de uma categoria de factos que podem ser verificados por qualquer pessoa, com a condição de que se dê ao trabalho de investigá-los.

Conheço o peso da palavra “facto” na Ciência e digo, sem hesitação, que a continuidade individual e pessoal é para mim um facto demonstrado. Cheguei a esta conclusão pelo estudo das faculdades humanas obscuras, isto é, ainda não reconhecidas pela ciência ortodoxa e que não receberam aprovação dos teólogos em geral. É, pois, permitido e talvez mesmo obrigatório conceder, de um tempo ao outro, uma desculpa a respeito de minha persistência neste estudo e de minha convicção profunda no que concerne aos seus resultados.

Acessoriamente, é claro que a palavra “imortalidade”, empregada no título desta obra, deve ser tomada na sua significação convencional, visto que nenhuma asserção relativa ao “infinito” é possível nos limites de nossa inteligência. Tudo o que podemos ter a esperança de demonstrar é a sobrevivência da personalidade. O verdadeiro rompimento aparente na continuidade da vida humana nos espera no limiar da morte. Se sobrevivemos a esse rompimento, é pouco provável que encontremos, em seguida, qualquer outra descontinuidade mais profunda ainda cuja influência nos destrua.

Tudo o que possuímos, como prova, diz respeito à persistência individual após a separação do nosso invólucro terrestre. Seria, pois, presunção pretender saber o que nos reservará um futuro algo obscuro e remoto. É, na verdade, um amanhã sobre o qual não temos necessidade de pensar agora.

Que nos baste saber, no momento, que esta vida não é o fim de nossa individualidade e que, se soubermos utilizá-la com rectidão, constituirá ela a primeira etapa, por muito tempo adiada, de uma tarefa sempre mais efectiva, tarefa em harmonia com a nossa natureza íntima, equivalente, por consequência, à liberdade completa.

                                                                        “In la sua volontà è nostra pace.”

                                                                                      Oliver Lodge


Capítulo I

Visão cósmica da vida e do Espírito

“A distinção entre a religião e a moral está na crença em um outro mundo e no esforço para comunicar-nos com ele.” (Padre George Tyrrell, no Quarterly Review de julho de 1909).

Durante a maior parte da sua história, a humanidade só conheceu a Terra que, para ela, era o único mundo existente, e as estrelas do céu só serviam para iluminar as coisas (“Uma luz maior para iluminar o dia e uma menor para presidir à noite. Deus criou, assim, as estrelas”). Alguns raios de uma ciência mais vasta brilharam na Antiguidade. As poesias clássica e medieval discorriam sobre regiões super-sensoriais que se encontram acima e abaixo da superfície terrestre, olhadas sempre como subordinadas e em estreita relação com a Terra. Somente alguns séculos depois de Copérnico (A. D. 1500), a ideia da Terra, como um corpo celeste entre uma multidão de outros, penetrou na inteligência popular. Nos tempos hodiernos, as ideias se estenderam do plano terrestre à vida cósmica. Esta grande revolução no pensamento é hoje um facto mais ou menos aceite e cada um admite a existência de uma porção de outros mundos, ao menos quanto à constituição material e nos seus movimentos no espaço. Esperemos que, afinal, graças a essa ampliação nas nossas concepções materiais, nos seja possível reencontrar a luz espiritual e o entusiasmo da Idade Média, de que somos devedores a Chartres e a outras catedrais.

Ainda que essa luz esteja desaparecida nos séculos presentes, pode fazer-se com que torne a brilhar. Com um conhecimento mais aprofundado da ordem material, um sentimento renovado de ordem espiritual se desenha. Não foi sem um fim que a catedral de Liverpool, tão vasta e imponente, foi construída por uma empresa civil neste século de perigos, lutas e tumultos.

Apesar dos nossos conhecimentos materiais, no entanto, é verdade que, quando nos ocupamos do domínio mental e espiritual, verificamos que ainda subsiste alguma coisa da antiga limitação terrena. A Ciência não conhece nem vida nem espírito fora dos limites deste planeta e todos os nossos sistemas de pensamento repousam nesta base estreita. Em Psicologia, o homem é considerado como o único ser inteligente pairando acima de todos os outros. Admitem-se, por força, inteligências inferiores e relações íntimas entre ele e o resto da vida animal, mas a existência de seres superiores ao homem é geralmente ignorada ou negada. Todas as tentativas feitas para entreter relações com essas entidades hipotéticas, para conhecer algo sobre a sua natureza ou mesmo para verificar a sua existência são reprovadas como uma superstição indigna da ciência.

Ao mesmo tempo, existem provas de fenómenos raros e bizarros que nos sugerem que essa limitação à vida terrestre, anterior a Copérnico, e essa falta de interesse ou de crença no Além, são uma visão muito limitada da nossa concepção do universo, longe, aliás, de ser inteiramente satisfatória. Para manter a hipótese de um isolamento completo e absoluto da Terra é preciso rejeitar, resolutamente, certos factos e considerá-los, sem discriminação, como fraudulentos. É preciso recordar que os instintos não têm sido governados senão muito fracamente por considerações científicas. A vida humana é mais poderosamente regida pela emoção e pelo instinto do que pela razão e a lógica e, por toda a parte, o instinto do homem o leva a considerar a existência de forças Superiores, forças que, de uma forma ou de outra, governam o seu destino, que ele pode melhorar ou piorar, por meio de cerimónias. Que essas forças sejam múltiplas ou que sejam a prerrogativa de um Ser Único é coisa de pouca importância. No que concerne aos atributos desse Ser Único, verifica-se uma grande diversidade de doutrinas e um progresso gradual para uma maneira de ver que vai melhorando sempre.

O ideal mais elevado atingido pela humanidade reflecte, em cada época, nas suas noções sobre a Divindade, uma concepção adequada, necessariamente limitada pelo seu desenvolvimento moral e intelectual.

Se o animal tem um culto qualquer, não pode adorar senão ao homem, o seu superior tangível e visível. O homem já atingiu um culto supersensível. Ele é capaz de representar a sua interpretação simbólica do Universo em imagens ou sob outras formas artísticas. O Cristianismo iluminou a nossa percepção do divino, exaltando a ideia da Encarnação.

Sejam quais forem, porém, a diversidade e a elevação das nossas concepções, é fora de dúvida, como disse o padre Tyrrell, que a essência da religião repousa na crença num outro mundo, numa outra ordem de existência e nas nossas tentativas para entrar em relação com ele. As nossas igrejas e as nossas capelas, com as suas cerimónias de oração e adoração, são eloquentes testemunhos dessa tendência universal. A base de todas as religiões é a crença na existência de um mundo espiritual, isto é, na existência de inteligências ou seres mais elevados do que o homem. Quando se admite a existência de tais inteligências, sente-se que elas podem influenciar e auxiliar a nossa vida; quando se entrevê a possibilidade de entrar em relação com elas e obter o seu auxílio, torna-se então essa crença mais do que intelectual e desabrocha em forma de religiões mais ou menos perfeitas.

/...


Oliver LodgePor que creio na imortalidade da AlmaIntrodução, Capítulo I Visão cósmica da vida e do Espírito (1 de 2), fragmento 1º desta obra.
(imagem de contextualização: Sir Oliver Joseph Lodge, 1851-1940)