(II de II)
Um cidadão ilustrado, diplomado e doutorado, que
aceita ao mesmo tempo os dogmas absurdos de uma igreja e os princípios
racionais da Ciência, mostra desconhecer o princípio de contradição,
da lógica, em que duas coisas não podem ser, ao mesmo tempo e no mesmo sentido,
ambas verdadeiras. Esse cidadão, por mais honesto que seja, sofre de uma falha
mental no seu raciocínio, produzida por interferência de elementos efectivos e
exacerbados na sua mundividência. Toda a sua cultura, todos os seus títulos,
toda a sua fama nos meios socioculturais não podem salvá-lo da condenação
intelectual a que se destina e da ingenuidade infantil a que se entrega no
plano filosófico. Ou aceitamos a verdade científica demonstrada e provada do
nosso tempo, com as suas perspectivas abertas para o amanhã, ou nos inscrevemos
nas fileiras sem fim dos retrógrados, tentando tapar inutilmente o sol com a
peneira.
O amor à verdade é intransigente, porque a
verdade é uma só. Os que sustentam o refrão ignorante da verdade
de cada um, simplesmente revelam não conhecer a verdade e as suas
exigências.
A Educação para a Morte só pode basear-se na Verdade Única,
provada com exclusão total das verdades fabricadas pelos interesses humanos ou
pelo comodismo dos que nada procuram e por isso nada sabem. O homem
educado na Verdade não usa as máscaras da mentira convencional nem pode ser um
sistemático. A paixão da verdade enjeita toda a mentira e o faz
lembrar os versos de Tobias Barreto, aplicando-os ao campo incruento das
batalhas pelo futuro:
Quando se sente bater
no peito heróica pancada,
deixa-se a folha dobrada
enquanto se vai morrer
A intuição desses versos supera as exigências formais da
poética para inscrevê-los na realidade viva de uma existência humana voltada
para a transcendência. Quando a verdade é ferida, ou simplesmente
tocada por dedos impuros, aquele que a ama em termos de razão fecha o
livro de seus estudos e pesquisas para morrer por ela, se necessário. Mas,
entregando o cadáver à Terra, a que ele de facto pertence, ressuscita no seu
corpo espiritual e volta aos estudos subitamente interrompidos. A
reencarnação lhe permitirá, até mesmo, retomar na própria Terra, noutro corpo
carnal regido pelo seu mesmo corpo espiritual, os trabalhos que nela deixou. A
morte não é um esqueleto, com a sua caveira de olhos esburacados e um sabre
sinistro nos ombros, como a figuraram desenhadores e pintores de outros tempos.
A sua imagem real, liricamente cantada pelo poeta Rabindranath
Tagore, é a de uma noiva espiritual, coroada de flores, que nos recebe nos
portais da Eternidade para as núpcias do Infinito. Aqueles que assim a
concebem não a temem nunca, nem desejam precipitar a sua chegada, pois
sabem que ela é a mensageira da Sabedoria, que vem nos buscar após o labor
fecundo e fiel nos campos da Terra.
“Vem, ó Morte, quando chegar a minha hora, envolver-me em
tuas guirlandas floridas” – exclamava Tagore num
dos seus poemas-canção, já velho e cansado, mas com os seus olhos serenos
reflectindo entre as inquietações humanas a luz das estrelas distantes.
Se conseguirmos encarar a morte com essa compreensão e
esse lirismo puro, desprovido dos excessos mundanos, saberemos
também transmitir aos outros e, especialmente aos que nos amam, a verdadeira
Educação para a Morte.
A Verdade, o Amor e a Justiça formam a tríade
básica dessa nova forma educacional que pode e deve salvar o mundo da sua
perdição na loucura das ambições desmedidas. Essa tríade expulsará
da Terra os espantalhos do Ódio, do Medo, da Violência e da Maldade, que fazem
o homem retornar constantemente à animalidade primitiva. Então já não
pensaremos em fugir para a Luz e de lá, como júpiteres de opereta,
atirarmos para o planeta que nos abrigou no processo evolutivo os raios da
nossa ferocidade. A Astronáutica se libertará de suas implicações bélicas e os
satélites espiões das grandes potências infernais desaparecerão para sempre.
Não somos os herdeiros do Diabo, esse pobre anjo decaído das lendas piedosas,
que nos lança na impiedade. Somos filhos e herdeiros de Deus, a
Consciência Criadora que não nos edificou para a hipocrisia, mas para a
Verdade, a Justiça e o Amor.
/…
José Herculano Pires, – Educação para a Morte, A
Heróica Pancada (2 de 2), 11º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: O caranguejo,
pintura de William-Adolphe Bouguereau)
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