domingo, 17 de março de 2024

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Motivos de Dificuldade nas Curas ~

   Há curas que se verificam com surpreendente facilidade e rapidez, dando às vítimas de graves perturbações e às suas famílias a impressão de um socorro divino especial. O nosso povo, de formação geralmente católica, está sempre disposto a se deslumbrar com milagres. Não há privilégios numa estrutura orgânica perfeita, como a do Universo, regida por leis infalíveis e teleológicas, ou seja, leis que dirigem tudo no sentido de fins previstos. A cura fácil e rápida decorre dos méritos pessoais do doente, de compensações merecidas por esforços despendidos por ele no seu desenvolvimento espiritual e em favor da evolução humana em geral. O objectivo da vida é o desenvolvimento das potencialidades que trazemos em nós como sementes de angelitude e divindade semeadas na imperfeição humana. Os que compreendem isso, se procuram conscientemente trabalhar para que essas sementes germinem mais depressa, adquirem créditos que lhes são pagos no momento exacto das necessidades. Quando Jesus dizia a um doente: “Perdoados foram os teus pecados”, não era porque ele fizesse um milagre naquele instante, mas porque o doente vencera a sua prova graças aos seus méritos.

   As doenças revelam desajustes da nossa posição existencial. Esses desajustes decorrem da liberdade de que dispomos face às exigências evolutivas. A dor, a angústia, as inibições são como campainhas de alarme prevenindo-nos de abusos ou descuidos. Sem a liberdade de errar não poderíamos desenvolver as nossas potencialidades espirituais. A ideia do castigo divino, do juízo de Deus condenando os que erram é uma maneira humana, antropomórfica, de interpretarmos os acidentes da nossa viagem na astronave planetária que nos faz rodar em torno do Sol. Podemos socorrer-nos dessa imagem para modificar a nossa antiquada maneira de ver e interpretar a nossa precária passagem pela Terra. Somos passageiros de uma nave cósmica, envoltos no escafandro de carne e osso, submetidos a experiências semelhantes às dos astronautas que, não podendo ainda atingir as estrelas, fazem exercícios em órbita planetária. Os acidentes de viagem, as falhas técnicas, as dificuldades, os fracassos perigosos, a dor e a morte dependem da nossa maneira de agir durante a viagem e da nossa perícia ou imperícia, do grau de responsabilidade, de perspicácia, de bom senso, de calma, de amor e respeito ao semelhante que conseguimos desenvolver. Deus, consciência Cósmica, não interfere no nosso aprendizado, mas também não está alheio ao que se passa connosco. Da mesma maneira que um telepata na Lua pode captar as mensagens mentais que lhe sejam enviadas da Terra ou de outras naves espaciais, a mente suprema de Deus capta, naturalmente, ligada a tudo o que se passa no Universo, nos seus mínimos detalhes. Se necessário, as entidades ao seu serviço serão enviadas a socorrer-nos. Por toda a parte os seres espirituais agem continuamente no universo. Como dizia o filósofo e vidente Tales de Mileto, na Grécia Antiga: “O mundo está cheio de deuses, que trabalham na terra, nas águas e no ar.” É fácil compreendermos isso se nos lembrarmos da infinidade de seres invisíveis e visíveis que enchem o Universo agindo em todos os sentidos, sob uma orientação secreta, como robôs vivos, para manterem as condições adequadas em cada organismo dos reinos naturais e em nós mesmos. Se isso se passa no plano material denso, com muito mais facilidade podemos imaginar essa vigilância infinita no plano espiritual. A Providência Divina é o modelo supremo, o arquétipo, de todas as formas de providência que os homens organizam na Terra. As grosseiras imagens de Deus e da sua acção no Universo, que as religiões nos deram no passado, são agora substituídas por visões mais lógicas, racionais e justas, graças aos progressos do homem, no conhecimento progressivo e incessante da realidade em que vivemos. São retrógrados todos aqueles que ainda se apegam, nos nossos dias, às ideias ingénuas de um passado de milhares de anos. Mal iniciamos os primeiros passos na Era Cósmica e já podemos compreender melhor a beleza e a ordem da Obra de Deus e a importância suprema dos seus objectivos que são, na verdade, o destino de cada um de nós.

   As dificuldades nas curas pela terapia espírita decorrem, portanto, das nossas atitudes e acções no passado e no presente. Se prejudicámos a evolução de criaturas e comunidades nos nossos avatares anteriores, é natural que agora tenhamos de suportar a sua companhia e sofrer a sua inferioridade no nosso ambiente individual. Nenhum mago ou sacerdote nos livrará disso, nenhum exorcismo nos libertará, mas a nossa compreensão espiritual do problema e o nosso desejo natural de reparar os erros do passado nos tornará livres através dos entendimentos possíveis que os fenómenos mediúnicos nos propiciam. Como ensinou Jesus, devemos aproveitar a oportunidade de estarmos no mesmo caminho com o adversário, para nos entendermos com ele. Se soubermos fazer isso com amor, chegaremos ao fim da caminhada comum como companheiros e amigos, prontos para novas conquistas na nossa evolução. A terapia espírita dá-nos o socorro possível na medida exacta da nossa capacidade de recebê-lo. Não é, porém, por meio de actos vulgares e interesseiros de caridade e nem de medidas artificiais de reforma interior que chegaremos a esse resultado. Lembremo-nos do jovem rico que procurou Jesus, perguntando-lhe o que faltava para ele merecer o Reino dos Céus. Jesus tocou-lhe no ponto decisivo da questão – o desapego dos bens terrenos –, mandando-o vender tudo o que possuía e distribuir o resultado aos pobres. O jovem entristeceu e retirou-se da presença do Mestre. Não era a fortuna em si que o prejudicava, mas o seu apego a ela, a sua incapacidade de compreender ainda o verdadeiro sentido da vida. Por isso também a definição de Paulo sobre a caridade, num arrebatamento espiritual do apóstolo, ainda não foi compreendida por nós. O apego às condições passageiras da vida terrena, aos seus bens transitórios, perecíveis, impede-nos de abrir o coração e a mente para a suprema e imperecível grandeza da realidade espiritual. Dar esmolas, socorrer as necessidades do próximo são apenas meios de aprendizagem que nos levam à libertação. Temos de ir além, de abrir a nossa mente e o nosso coração para ver, sentir, brotando em nós próprios, sem nenhum interesse inferior, a fonte oculta que não está no poço de Jacob, mas na realidade ôntica, espiritual, profunda da pobre mulher samaritana. Temos em nós toda a riqueza do Universo, com todas as suas constelações e todas as hipóstases da teoria de Plotino, mas continuamos apegados às vaidades e intrigas da Terra. A terapia espírita, que é a mesma de Cristo, oferece-nos a água-viva da sua nova concepção do ser e do mundo. Enquanto essa água não jorra em nós, não seremos curados.

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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Motivos de Dificuldade nas Curas (1 de 2), 13º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

pensamento e vontade ~


Conclusões |

(das forças ideoplásticas)

Está terminada a parte demonstrativa desta obra.

Resta-me falar das grandes transformações que devem dar-se, necessariamente, nos domínios das ciências biológicas, fisiológicas, psicológicas e filosóficas, graças ao novo conceito relativo à natureza do espírito humano, conceito esse absolutamente revolucionário, que os factos impõem.

Neste sentido, assim se exprime o Doutor Gustave Geley:

“Que quer dizer o vocábulo ideoplastia? Quer dizer moldagem da matéria viva, feita pela ideia.

A noção da ideoplastia, imposta pelos factos, é capital.

A ideia não é mais um atributo, um produto da matéria. Ao contrário, ela, a ideia, é que modela a matéria e lhe confere a forma e os seus atributos.

Noutros termos, a matéria, a substância única resolve-se, em última análise, num dinamismo superior que a condiciona, estando esse dinamismo também na dependência da ideia.

Ora, isso é o soçobro total da fisiologia materialista.

Disse-o Camille Flammarion, no seu livro admirável As forças naturais desconhecidas, que estas manifestações “confirmam o que, ao demais, sabemos, isto é, que a explicação puramente mecânica da Natureza é insuficiente e existe no Universo alguma outra coisa, além da pretensa matéria. Não é a matéria que rege o mundo, mas um elemento dinâmico e psíquico.”

Sim, as materializações ideoplásticas demonstram que o ser vivo não pode considerar-se um simples complexo celular.

Ele, o ser vivo, aparece-nos, antes de tudo, como um dínamo-psiquismo e o complexo celular que lhe forma o corpo não é mais que um retracto ideoplástico desse dínamo-psiquismo.

Assim, as formas materializadas, nas sessões, se beneficiam do mesmo processo de geração.

Não são mais nem menos miraculosas, nem supranormais, ou, se o preferem, são-no igualmente.

É o mesmo milagre ideoplástico que forma, a expensas do corpo materno, mãos, rosto, vísceras, todos os tecidos, o feto integral; como a expensas do corpo do médium se formam rostos, mãos, ou todo o organismo de uma materialização.

Esta singular analogia, entre a fisiologia normal e a dita supranormal, encontra-se até nos mínimos detalhes.

Um dos principais é este: – a ligação do ectoplasma ao médium por um laço nutritivo, verdadeiro cordão umbilical, comparável ao que liga o embrião ao organismo materno.” (Do Inconsciente ao Consciente, págs. 69-70).

Depois de haver evidenciado as grandiosas consequências biológicas, fisiológicas e psicológicas que a nova teoria sobre a potência criadora da ideia acarretará, julga-se o doutor Gustave Geley no dever de completá-la, notando que a faculdade ideoplástica, inerente à ideia, não representa mais que simples unidade entre as múltiplas faculdades supranormais, que constituem os atributos espirituais do Eu integral, sobrevivente. Diz ele:

“Certo é, pois, que o organismo, longe de ser o organizador da ideia, tal como ensina a teoria materialista, é, muito ao contrário, condicionado pela ideia e, só aparece como produto ideoplástico do que existe de essencial no ser, ou seja, o seu psiquismo subconsciente.

Mas, isto ainda não é tudo.

Esse subconsciente que em si tem as capacidades directoras e centralizadoras do Eu em todas as suas representações, tem também o poder de se elevar acima dessas mesmas representações.

As faculdades telepáticas de acção mento-mental ou de lucidez, são representações que escapam precisamente das condições dinâmicas ou materiais que as regem.

O subconsciente paira mesmo acima do quadro das representações, isto é, do tempo e do espaço, na intuição, na genialidade, na clarividência.

Assim, a tese sustentada por Carl du Prel nas suas obras de admirável intuição; que Frederic Myers baseou em sólida documentação e nós próprios fazemos sobre um raciocínio não contestado, oferece-se agora, em toda a sua amplitude, ao exame e discussão dos sábios e pensadores de boa fé.

Sem reserva, pode afirmar-se:

– Há no ser vivo um dinamismo psíquico que constitui a essência do “Eu” e, que se não pode ligar ao funcionamento dos centros nervosos.

Esse dínamo-psiquismo essencial não é condicionado pelo organismo, mas, muito pelo contrário, tudo se passa como se organismo e funcionamento cerebral fossem por ele condicionados.” (Idem, págs. 142-143).

Esta nova definição científica do Ser vivente decorre irrefutável e segura, deste grande acontecimento: o de haver sido demonstrada pelos factos.

É a definição pela qual o Pensamento e a Vontade são forças plásticas e organizadoras.

E tão grande é o valor teórico dessa demonstração, que abre uma nova época científica, por desmoronar totalmente, antes de tudo, as imponentes, mas fictícias construções laboriosamente estabelecidas por numerosos grupos de investigações pertencentes a todos os ramos científicos, decalcadas no postulado da omnipotência da matéria, quando, na verdade, deverá o templo alicerçar-se no postulado diametralmente contrário, da omnipotência do espírito.

Advertirei, todavia, que a demolição do velho edifício científico não significa, de qualquer modo, que os representantes do saber tenham trabalhado em vão por todo um século.

Longe disso, o novo templo do saber há de ser reconstruído com os materiais preciosos retirados da demolição do templo velho.

Esses materiais eram bons, mas o fundamento estava mal colocado, uma vez que assente sobre as areias enganadoras das aparências fenoménicas, de mistura a prejuízos de escola e, por isso mesmo, fatalmente destinados a esboroarem-se, logo que a realidade, oculta sob as aparências, emergisse de uma análise mais profunda dos fenómenos vitais.

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Ernesto BozzanoPensamento e Vontade – Conclusões (1 de 4), 12º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Female Saint_1941, pintura de Edgard Maxence)

sábado, 13 de janeiro de 2024

apóstolos de verdade ~


Música, uma necessidade pedagógica |

A música está em desuso no mundo actual, pois o que se ouve em geral é um arremedo de música, imposto pela mídia, mercadejado por gravadoras que desejam lucro fácil e rápido. O povo está deseducado para o ouvir. Sertanojo, funk, pagodão e outros excrementos poluem aos ouvidos. A maioria dos jovens desconhece que somos a terra de Caymmi e Tom JobimMozart e Beethoven, nem pensar. A não ser que alguma canção daqueles (como foi Pela luz dos olhos teus de Jobim) vire tema de novela da globo. Então, salva-se algo da ignorância e do esquecimento.

Entretanto, a música não é um apetrecho postiço na vida humana, é respiro vital da alma, é canal de expressão de sentimento e sensibilidade, sem o qual o espírito se embota e perde em altura cultural e espiritual. A música é patrimônio de um povo, da humanidade toda e precisa ser passada, reconhecida, cultivada para as novas gerações, sob pena de regressarmos à barbárie.

Mas é preciso saber apreciar o que é bom, o que tem complexidade harmônica, ritmo rico, poesia bem feita… e só se pode aprender isso através da educação. Por isso é inconcebível uma escola sem música.

Assim, é digno de celebração o fato de que a partir desse ano de 2011, as escolas públicas brasileiras estão obrigadas a inserir a música em seu currículo, pela lei nº 11.769, de 2008, sancionada pelo presidente Lula (eis uma coisa bem feita por ele).

A música deveria entrar pela porta da frente da escola e ocupar um lugar de destaque e não ser entendida como um detalhe postiço do currículo.

Como acreditamos numa educação interdisciplinar, que mexa simultaneamente com todas as áreas do conhecimento, toque ao mesmo tempo todos os sentidos e desperte o interesse de crianças com diferentes tipos de inteligência e vocação – a música ocupa aí um lugar central, pois ela pode ser o ponto de partida e o ponto de chegada de um bom projeto interdisciplinar.

A música pode ser o eixo de congregação e intercâmbio de toda a escola, em corais, recitais, concertos, bailados… mas não essa coisa morna de dançazinhas ensaiadas e comandadas por professoras de má vontade, para pais e mães tirarem fotinhos (como são as festas juninas, as festas das nações e que tais!). É preciso professores que tenham cultura musical, que saibam quem é Pixinguinha e Louis ArmstrongBach e Villa-Lobos. Que saibam como levar isso para as crianças, mostrando um trecho da Flauta Mágica de Mozart, um Singing in the Rain com Gene Kelly ou o velho Caymmi cantando Minha Jangada vai sair pro mar. Há métodos próprios para introduzir as crianças no que é bom e belo. Deve ser feito em doses homeopáticas, com as canções mais acessíveis. Não devemos começar a mostrar o que é ópera com um Richard Wagner ou introduzir música orquestral com uma peça atonal. Mas também não se deve vulgarizar e mostrar clássicos com ritmo de rock ou a  Rainha da Noite com Edson Cordeiro.

Sensibilidade, sutileza, sensatez e bom gosto – eis o que é desejável, para que a criança entre no mundo da boa música, com gosto e prazer, e queira mais. O objetivo dessa introdução da música na escola não é que todos saiam músicos (embora é bom que se descubram e se incentivem os talentos), mas que todos se tornem apreciadores da música, sensíveis, cultos e com isso dilatem a alma, sejam mais criativos e tenham um recanto de canto onde repousar.

Em outros países do mundo, na Europa e nos Estados Unidos, há uma cultura de se cantar em conjunto. Quase todo mundo na vida já participou de algum coral e quando se juntam amigos e famílias, canta-se e canta-se afinado. Isso faz bem ao espírito. Apesar de sermos um povo tão criativo e musical, perdemos essa dimensão, acachapados pela incultura da televisão, que não só tirou das famílias a conversa, mas também a música. Desliguemos a rede Globo e ouçamos música em casa. Cumpramos a lei e coloquemos música na escola e vai haver uma melhora geral na inteligência, na cultura, uma queda de violência e uma elevação dos espíritos.

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Abaixo um exemplo de algo delicado: uma Lied de Mozart, para crianças, de que fiz uma versão para o português. (Lied significa canção em alemão; é um gênero musical erudito geralmente para voz e piano, feito com poemas tirados da literatura, onde canto e instrumento interagem de maneira rica. O piano não é mero acompanhamento da voz, mas entretece a música junto com a linha melódica feita pela canto.)




SAUDADES DA PRIMAVERA

Vem logo, primavera

e traz um novo frescor!

E faz brotar na terra

perfumes, cores e flor!

Eu quero olhar de mansinho

miosótis e manacás

e ver pelo caminho

a relva bordada de paz!

Verdade é que na terra

em que por bem eu nasci

eterna primavera

vigora e brilha aqui!

Mas quando foge o inverno

Assopram ares tão bons!

Setembro amigo e terno

traz novas nuanças e tons!




Música: Wolfgang Amadeus Mozart • Versão para o português: Dora Incontri • Arranjo: Luciano Vazzoler & Moacyr Camargo• Voz: Dora Incontri • Piano: Luciano Vazzoler • Vozes das crianças: Beatriz Gross Barboza, Julia Fidelis Oriola, Letícia Barbosa Magalhães,  Luísa Carvalho Grossi de Almeida e Paola de Angelis • Regente do coro infantil: Bia de Luca

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Dora IncontriMúsica, uma necessidade pedagógica, publicado no seu blogue – Dora Incontri | Educação, cultura, arte e espiritualidade / 13 de junho de 2011, primeiro fragmento.
(imagem de contextualização: São Luís com a coroa de espinhos, lápis e giz de Alexandre Cabanel)
(música em: Saudades da PrimaveraLied de Mozart, versão e cointerpretação de Dora Incontri)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos 
(Cap. III)

Ilha de Man oferece-nos também um belo exemplo de ressurreição céltica. Ela possui um parlamento autónomo, uma sociedade preservadora da língua Manx, jornais, serviços religiosos de Manx, escolas, etc.

Quanto à Cornualha Inglesao seu dialecto, o córnico, também não está extinto como se pretende, pois um certo número de famílias ainda o falam.

Assim escreveu Le Goffic:

“O cornualhense, como o bretão de França, a quem se assemelha tão estranhamente, permaneceu em comunicação permanente com o Além. Ele vive, como um bretão, numa espécie de familiaridade dolorosa com os espíritos dos mortos, consultando-os, ouvindo-os e compreendendo-os.”

O País de Gales é considerado como o mais antigo e o mais importante foco ou escola de Bardismo. Eis o que Jean Reynaud escreveu sobre esse assunto na bela obra L’Esprit de la Gaule, página 310:

“Pode dizer-se que os druidas, convertendo-se ao Cristianismo, não se extinguiram totalmente no País de Gales, como na nossa Bretanha e noutros países de sangue gaulês. Eles tiveram, logo em seguida, uma sociedade, solidamente constituída, dedicada, principalmente na aparência, ao culto da poesia nacional, mas que, sob o manto poético, conservou com fidelidade a herança intelectual da antiga Gália: é a Sociedade Bárdica do País de Gales, que se manteve como sociedade ora secreta, ora legalizada, desde a conquista normanda e, após ter, primitivamente, transmitido por via oral a sua doutrina, como imitação da prática dos druidas, decidiu, durante a Idade Média, confiar secretamente à escrita as partes mais essenciais dessa herança.”

Na realidade, o bardo é um poeta, um orador inspirado. Podemos compará-lo aos profetas do oriente, a esses grandes predestinados sobre quem passa o sopro do invisível.

Na nossa época o título de bardo perdeu o seu prestígio, devido ao abuso realizado, mas se voltarmos ao sentido primitivo do termo, notaremos a presença de importantes personagens como TaliesinAneurinLlywarch-Hen, etc. Após tantos séculos, os seus sotaques viris, quando eles afirmam o seu patriotismo e a sua fé, fazem ainda vibrar as almas célticas.

Não devemos ver na obra dos antigos bardos um simples exercício do pensamento, um jogo do espírito ou uma música de palavras. Os seus versos e os seus cantos constituem um comentário e um desenvolvimento das Tríades, um ensino, uma arte que abre perspectivas imensas aos destinos da alma, elevando-a para Deus. Ela confere aos seus intérpretes uma espécie de auréola e de apostolado.

Esse ensino representa um adiantamento enorme sobre os tempos futuros. Tomemos, por exemplo, Le Chant du Monde (O Canto do Mundo), de Taliesin (segundo Barddas, cad. Goddeu, um livro celta). Diz este bardo:

“Grande viajante é o mundo; enquanto ele desliza sem parar, permanece sempre na sua estrada e, quanto à forma dessa estrada é admirável para que o mundo nunca saia dela!”

Ele descreve assim o caminho do globo através do espaço, muito antes das descobertas de Galileu que puseram fim ao antigo preconceito bíblico da imobilidade da Terra.

Sejam quais forem as constatações que se levantaram sobre a data exacta dessas obras, não se pode duvidar de que elas não sejam bem anteriores à ciência da Idade Média; o mesmo acontece com o conjunto das Tríades que afirmam a natureza espiritual do ser humano, a evolução da alma por vidas sucessivas através dos renascimentos, verdade que a ciência actual começa aos poucos a entrever.

Esses inspirados também eram videntes. As suas faculdades psíquicas lhe permitiam mergulhar no futuro e aí ler as vicissitudes, os reveses, as provas dolorosas que aguardavam os povos celtas. Mas eles sabiam que o ideal gravado neles não podia perecer. Eles sabiam que o sofrimento tempera as almas e que, mais tarde, esses povos restituiriam às civilizações, pervertidas pelos excessos do materialismo, o conceito elevado que constitui todo o valor da vida e mostra ao homem o caminho recto e seguro.

Os grandes antepassados voltaram mais de uma vez sobre a Terra, seja na Inglaterra, seja na França, em novos corpos. Eles tiveram nomes ilustres que nós poderíamos citar, mas abusaram tanto desses nomes célebres que preferimos deixar aos pesquisadores o cuidado de reconhecê-los entre aqueles que conduziram bem alto, através dos séculos, a tocha da arte poética e do pensamento radiante.

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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos 3 de 3, 13º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, OssianDesaixKléberMarceauHocheChampionnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)