terça-feira, 26 de setembro de 2017

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades

~~~ Victor Hugo e as Vidas Sucessivas do Ser ~

O autor de Contemplações não negava as vidas sucessivas da alma; ao contrário, acreditava nelas como em uma teoria infinita pela qual o Ser, passando de um longínquo histórico a um novo tempo, se engrandece espiritualmente. Sentia-se protagonista da grande evolução palingenésica (i) da humanidade; por isso, as idades distintas do passado repercutiam vivamente em sua sensibilidade poética. A visão cosmológica que possuía aproximava-o do pensamento de Camille Flammarion, que pregou a doutrina da pluralidade dos mundos habitados em relação com a pluralidade da existência da alma. O universo era para o poeta como um palco no qual o espírito age para subir os degraus do infinito. Aceitava, pois, a concepção de Kardec resumida no lema: "Nascer, morrer, renascer e progredir sempre, esta é a lei". Neste aspecto, Victor Hugo coincidia com grandes poetas como GoetheWhitmanLamartineEmerson e outros que, por suas ideias palingenésicas, foram colocados sob o signo da Cruz Ansata (i).

Quando o poeta disse que "a origem tem um ontem e o túmulo um amanhã'' fez declaração pública de suas ideias filosóficas baseadas na reencarnação. O seu génio imenso e abrangente não resistia às limitações de uma existência única para a alma. Não obstante as interpretações teológicas, Hugo acreditava que Jesus havia falado de um homem palingenésico quando, dirigindo-se a Nicodemos, disse: "Necessário vos é nascer de novo".

Ler o seu estudo sobre As Almas é verificar de que forma o poeta penetrou no drama dos espíritos, cujas características particulares, tão diferentes entre si, comprovam os variados desenvolvimentos de cada ser, facto que revela o processo palingenésico vivido pelas almas. Para Victor Hugo, o homem não é um composto físico-químico que se perde no nada com a decomposição. Concebia o homem como um espírito reencarnado que traz a sua própria história realizada nas vidas anteriores. Nesse sentido, a poesia revela-se como uma acumulação de elevadas virtudes morais que se transformam em harmonia e beleza. Isto porque a beleza para o poeta palingenésico é uma expressão superior do Ser, pela qual penetra na essência religiosa da criação. O homem entra e sai do processo histórico mediante a lei da reencarnação e, à medida em que se liberta do mundo material, liga-se com a realidade do espírito imortal.

Victor Hugo participava dessa legião de espíritos iluminados a que pertenciam Giuseppe MazziniEmilio CastelarGiuseppe GaribaldiPi y Margal, os que se inspiravam moral e socialmente nas ideias palingenésicas. Mas em Hugo a intuição que o fez compreender que "a origem tem um ontem e o túmulo um amanhã'' manifestou-se com sonoridades enraizadas no cósmico e no divino. O seu génio poético permitiu-lhe sentir a presença do passado palingenésico tal como o percebeu na "Terra Santa" Alphonse de Lamartine. De facto, foi ali que o autor de Jocely se recordou de uma vida anterior relacionada com os tempos apostólicos.

Victor Hugo confirmou as suas convicções palingenésicas no final dos seus dias, quando disse: "Faz meio século que escrevo em prosa e verso; história, filosofia, drama, legenda, sátira, ode, canção; de tudo tenho tratado, mas sinto que não disse mais que a milionésima parte do que sinto em mim. Quando estiver no túmulo, direi: 'terminei a minha jornada' e não 'terminei a minha vida'. A minha existência recomeçará no outro dia. O túmulo não é um beco sem saída mas uma avenida. A minha obra é apenas um princípio e a sede do infinito prova que existe o infinito.

"Sou homem, mas sou uma partícula divina que, insignificante como sou, me sinto Deus porque eu também ponho ordem no meu caos interior.

"Viverei mil vidas futuras, continuarei a minha obra, de século em século escalarei todas as rochas, todos os perigos, todos os amores, todas as paixões, todas as angústias e depois da ascensão, mil vezes, livre, transformado, o meu espírito voltará à sua fonte, unindo-se com a realidade absoluta, como o raio de luz retorna ao Sol".

O grande poeta francês era um lírico profundamente religioso: daí os seus ímpetos por uma vida eterna e renovada pela reencarnação. Como muitos outros génios poéticos, uniu-se à concepção de um ser infinito e espiritual que nasce, morre e renasce. O seu espírito aspirava por "entrar e sair" da humanidade, a fim de participar existencialmente em todos os processos históricos e sentir-se protagonista em todos os episódios da história universal.

Este mistério palingenésico do homem e do universo é que porá a descoberto a Nova Poesia, a excelsa. A Gaia Ciência dos grandes poemas humanos e sobre-humanos. A nova poesia, como foi sentida por Hugo, Whitman, Goethe, NervoCapdevila e outros grandes poetas, revelará cada vez mais à humanidade que sem "vidas sucessivas" tudo estará desvinculado no grande processo da criação. Por outro lado, com o homem palingenésico, ou seja, o ser que nasce, morre e renasce tudo se une e entrelaça no universo. A história mostra-se como um processo universal determinado pelo ''processo individual" dos espíritos encarnados. Victor Hugo cantou esse renascimento incessante das almas para que o homem compreenda que ele está sempre presente em todos os períodos da história.

No poema O aparecido do seu livro Contemplações, a ideia do regresso palingenésico dos espíritos está dramaticamente descrita. Fala de uma mãe que adorava o seu filhinho e sonhava para ele um futuro radiante. Mas um dia, disse o poeta, "esse corvo chamado crupe penetrou bruscamente naquele lar feliz e, arrojando-se sobre o menino, pegou-o pela garganta". A mãe infeliz, vendo-se sem o filho querido, destruído pelas garras da morte, "ficou imóvel três meses, os olhos fixos, murmurando um nome ininteligível e olhando sempre para a mesma parte da parede".

Mais adiante, diz o poeta: "O tempo passou, passaram-se os dias, semanas e meses e aquela mulher soube que seria mãe pela segunda vez''.

Quando pressentiu a vinda do novo filho, a mãe "empalideceu e lançou um grito: – Quem é este ser estranho? exclamou. E, caindo de joelhos, acrescentou: 'Não, não o quero; o meu filho morto teria ciúmes e me pressionaria por acreditar que o houvesse esquecido e que outro ocupava o seu lugar: ''a minha mãe quere-o, concebe-o formoso, ri com ele e beija-o; mas eu, eu estou no túmulo! Não, não o quero! "Fazia-a falar assim a sua dor profunda".

"Quando amanheceu – continua o poeta – vendo que o seu marido era pai de outro filho, a mulher exclamou, agitada: É menino! O marido, porém, era o único que estava alegre em casa; a mãe permaneceu triste, sem esquecer o filho morto. Trouxeram-lhe o recém-nascido, deixou que viesse e o apertou no seu peito; imediatamente, porém, pensando sem cessar mais no filho morto do que naquele ali, preocupando-se mais com a mortalha do que com as mantas, exclamou: – Está só no túmulo aquele anjo! Mas, por um milagre que fez voltar a sua alegria, aquela mãe ouviu que o recém-nascido falava nos seus braços, com voz familiar, e dizia baixinho: – Sou eu!.. mas não o digas!"

De facto, o filho morto havia regressado através da grande lei da reencarnação. O ser chorado e tão desesperadamente invocado havia voltado às entranhas de sua mãe e por elas renascido para acalmar a sua dor e continuar, dessa forma, o seu ciclo de crescimento espiritual.

Com este poema, Victor Hugo venceu a escuridão, o túmulo e afirmou à cultura filosófica do seu tempo que o homem é uma entidade imortal que encarna e desencarna para alcançar estados superiores e divinos. Nesse mesmo poema deu à maternidade um novo significado filosófico e religioso quando diz: "Oh mães! O nascimento começa com o túmulo. A eternidade guarda mais do que um segredo divino".

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Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, VICTOR HUGO E AS VIDAS SUCESSIVAS DO SER, 7º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Victor Hugo | 1879, retratado por Léon Bonnat)

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Nas garras do pensamento crítico ~

~ a tese das "materializações românticas" ~

Não se pense, porém, que o desprezo ficou no que dissemos. Longe disso, ele foi e vai muito para além. Quando se trata de contradizer o Espiritismo e de factos espíritas, tudo parece permitido aos homens de ciência e aos homens de letras. Não há fronteiras para a imaginação, nem limites para o raciocínio.

É assim que, ilustrando o volume com várias fotografias espíritas, os autores reproduzem um quadro de Tissot e o comparam à famosa fotografia da “cabeça materializada”, obtida por Notzing e madame Bisson, com a médium Eva Carriere. Para concluírem: “Antes da época dos flagrantes fotográficos, o grande pintor Tissot nos mostrou o que acreditava ser a reencarnação de uma mulher amiga, acompanhada do seu Espírito-guia; é uma bela pintura, onde ele reproduziu a impressão de verdadeira beleza, recebida numa sessão espírita. Os métodos mais rigorosos, que hoje se usam, já não permitem essas sublimações do testemunho visual: as câmaras fotográficas mostram as coisas como elas se passam. E vemos que essas figuras e rostos materializados começam pequenos e às vezes desproporcionalmente. Quaisquer que possam ser essas figuras e faces achatadas e amarfanhadas, não são, certamente, materializações em carne e sangue humano”.

Richet escreveu o Traité sem aceitar a tese espírita, mas contudo jamais cometeu a heresia de dizer que as materializações eram fantoches amarfanhados. Encontramos no Traité essa mesma cabeça de que se servem os Wells e Huxley, mas apresentada noutro sentido, ou seja, no bom e verdadeiro sentido que se lhe deve dar: como uma das mais belas fotografias já obtidas, revelando e documentando, de maneira insofismável, uma das fases do processo de materialização. Não tivéssemos essa e outras fotografias obtidas por Notzing e madame Bisson, e esses mesmos ilustres cavalheiros nos acusariam de não havermos surpreendido mais uma das fases daquilo que chamamos “processo de materialização”. Não teriam dúvidas em utilizar esse facto como argumento “poderoso” contra a teoria da formação progressiva do fantasma, com a matéria plástica do ectoplasma ou teleplasma.

Perguntaremos, porém, a esses ilustres divulgadores do conhecimento, se não tiveram a oportunidade de ver outras fotografias, como a médium Linda Gazzera, constantes do seu livro Fotografias de Fantasmas, no qual elas figuram, não através de clichês, mas nas próprias cópias fotográficas, para que não haja dúvidas.

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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico, A tese das “materializações românticas”, 8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)