quinta-feira, 22 de julho de 2021

Saberes e o tempo ~


Capítulo III 

O mundo espiritual e os fluidos; O mundo espiritual (*) 

O fluido cósmico universal, como foi ensinado, é a matéria elementar primitiva, cujas modificações e transformações constituem a inumerável variedade dos corpos da Natureza. Como elementar princípio universal, ele se apresenta em dois estados distintos: o de eterização ou imponderabilidade, que se pode considerar o estado normal primitivo e, o de materialização ou de ponderabilidade, que, de certo modo, é apenas consecutivo àquele. O ponto intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível; mas, ainda aí não há transição brusca, pois que os nossos fluidos imponderáveis podem considerar-se um termo médio entre os dois estados. 

No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de ser etéreo, sofre modificações tão variadas, em género, senão mais numerosas quanto no estado de matéria tangível. 

Essas modificações constituem fluidos distintos que, embora procedendo do mesmo princípio, são dotados de propriedades especiais e dão lugar aos fenómenos particulares do mundo invisível. 

Sendo tudo relativo, esses fluidos têm para os Espíritos uma aparência tão material, como a dos objectos tangíveis para os encarnados e são para eles o que são para nós as substâncias do mundo terrestre. Eles os elaboram e combinam para produzir determinados efeitos, como fazem os homens com os seus materiais, se bem que por processos diferentes. 

Lá, entretanto, como neste mundo, só aos Espíritos mais esclarecidos é dado compreender o papel dos elementos constitutivos do mundo deles. Os ignorantes do mundo invisível são tão incapazes de explicar os fenómenos que observam e para os quais concorrem, muitas vezes maquinalmente, como o são os ignorantes da Terra para explicar os efeitos da luz ou da electricidade e para dizer como os vêem e entendem.” 

É admiravelmente justo o que se acaba de ler. Interroga ao acaso dez pessoas que passem na rua, perguntando-lhes quais são as operações sucessivas da digestão ou da respiração e fica certo de que nove delas não saberão responder-te. No entanto, na nossa época, a instrução já se encontra bastante disseminada. Mas, quão poucos se dão ao trabalho de aprender ou de reflectir! 

Os elementos fluídicos do mundo espiritual fogem aos nossos instrumentos de análise e à percepção dos nossos sentidos, feitos que estes são para a matéria tangível e não para a etérea. Alguns há peculiares a um meio tão diferente do nosso, que não podemos fazer deles ideia, senão mediante comparações tão imperfeitas como aquelas pelas quais um cego de nascença procura fazer ideia da teoria das cores. 

Mas, de entre esses fluidos, alguns se encontram intimamente ligados à vida corpórea e pertencem de certo modo ao meio terrestre. Em falta de percepção directa, podem observar-se-lhes os efeitos e adquirir, sobre a natureza deles, conhecimentos de certa exactidão. É essencial esse estudo, porquanto constitui a chave de uma multidão de fenómenos que só com as leis da matéria não se explicam

No seu ponto de partida, o fluido universal se encontra em grau de pureza absoluta, da qual nada nos pode dar ideia. O ponto oposto é o da sua transformação em matéria tangível. Entre esses dois extremos, há inúmeras transformações, mais ou menos aproximadas de um ou de outro. Os fluidos mais próximos da materialidade, os menos puros consequentemente, compõem o que se poderia chamar a atmosfera espiritual da Terra. É desse meio, no qual também diferentes graus de pureza existem, que os Espíritos encarnados ou desencarnados extraem os elementos necessários à economia de suas existências. Por muito subtis e impalpáveis que sejam para nós, não deixam esses fluidos de ser de natureza grosseira, comparativamente aos fluidos etéreos das regiões superiores. 

Não é rigorosamente exacta a qualificação de fluidos espirituais, porquanto, em definitivo, eles são sempre matéria mais ou menos quintessenciada. De realmente espiritual, há só a alma ou princípio inteligente. Eles são qualificados de espirituais, em comparação e, sobretudo, em razão da afinidade que guardam com os Espíritos. Pode dizer-se que são a matéria do mundo espiritual. Daí o serem denominados fluidos espirituais 

Quem, ao demais, conhece a constituição íntima da matéria tangível? Ela possivelmente só é compacta com relação aos nossos sentidos. Prová-lo-ia a facilidade com que a atravessam os fluidos espirituais (**) e os Espíritos, aos quais ela não opõe obstáculo maior do que o que à luz oferecem os corpos transparentes. 

Tendo por elemento primitivo o fluido cósmico etéreo, há de a matéria tangível ter a possibilidade de voltar, desagregando-se, ao estado de eterização, como o diamante, que é o mais duro dos corpos, pode volatilizar-se em gás impalpável. A solidificação da matéria mais não é, na realidade, do que um estado transitório do fluido universalque pode voltar ao seu estado primitivo, quando deixam de existir as condições de coesão

Quem sabe mesmo se, no estado de tangibilidade, a matéria não é susceptível de adquirir uma espécie de eterização, que lhe dê propriedades particulares? Certos fenómenos, que parecem autênticos, tenderiam a fazê-lo supor. Ainda não possuímos senão as balizas do mundo invisível e o futuro sem dúvida nos reserva o conhecimento de novas leis que permitirão se conheça o que para nós continua a ser mistério.” 

Vejamos agora, por meio das modernas descobertas, se são exactas estas concepções. 

/… 
(*) Allan Kardec, A Génese, cap. XIX, Os fluidos, nºs 2 e 3. 
(**) E podemos hoje acrescentar: pelos raios X e pelas emanações radioactivas. Quem ousaria duvidar da clarividência dos nossos guias espirituais, desde que eles há longo tempo ensinam o que só agora a ciência descobre? 


Gabriel Delanne (i)A Alma é Imortal, Terceira parte, O Espiritismo e a ciência; Capítulo III, O mundo espiritual e os fluidos; O mundo espiritual, 10º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)  

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Natureza da Revelação Espírita ~ 
(VIII) 

"Anúncio do Consulador" 

Retira ao homem o espírito livre, independente, sobrevivendo à matéria e, farás dele uma máquina organizada, sem objectivo, sem responsabilidade, sem outro travão para além da lei civil e boa para ser explorada como animal inteligente. Nada esperando depois da morte, nada o impede de aumentar os prazeres do presente; se sofre, só tem como perspectiva o desespero e o nada como refúgio. Tendo a certeza do futuro, a de reencontrar os que amou, o receio de rever os que ofendeu, todas as suas ideias se modificam. Se o Espiritismo não tivesse feito mais do que retirar ao homem a dúvida quanto à vida futura, teria contribuído para o seu aperfeiçoamento moral mais que todas as leis disciplinares que por vezes o peiam mas não modificam. 

Sem a pré-existência da alma, a doutrina do pecado original não seria só irreconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pelo erro de um único: seria um contra-senso, tanto mais injustificável quanto, segundo esta doutrina, a alma não existiria na época a que se pretende remontar a sua responsabilidade. Com a pré-existência, o homem traz ao renascer o germe das suas imperfeições, dos defeitos que não corrigiu e que se traduzem nos seus instintos inatos, nas suas propensões para tal ou tal vício. Reside aí o verdadeiro pecado original de que sofre muito naturalmente as consequências, mas com a diferença capital de que sofre o castigo dos seus próprios pecados e não o de um pecado de outro. E há outra diferença, simultaneamente consoladora, encorajadora e soberanamente equitativa: a de que cada existência lhe oferece os meios para se redimir através da reparação e para evoluir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos, e isto até que, ao estar suficientemente purificado, deixe de necessitar da vida corporal e possa viver exclusivamente da vida espiritual, eterna e bem-aventurada. 

Pelo mesmo motivo, o que evoluiu moralmente traz, ao renascer, qualidades inatas, tal como o que evoluiu intelectualmente traz ideias inatas; identifica-se com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem pensar. O que é obrigado a combater as suas más tendências está ainda a lutar: o primeiro já venceu, o segundo vai a caminho de vencer. Existe, portanto, virtude original tal como há saber original e pecado ou, melhor vício original

Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a sua acção sobre a matéria. Demonstrou a existência do perespírito, presumido desde a antiguidade e designado por São Paulo sob o nome de Corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma após destruição do corpo tangível. Sabemos hoje que esse invólucro é indissociável da alma; que é um dos elementos constituintes do ser humano; que é o veículo de transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito e a matéria. O perespírito representa um papel tão importante no organismo e numa quantidade de afecções, que se aproxima da fisiologia tão bem como da psicologia. 

O estudo das propriedades do perespírito, dos fluidos espirituais e dos atributos psicológicos da alma, abre novos horizontes à ciência e fornece a chave de um conjunto de fenómenos até então incompreendidos por não se conhecer a lei que os rege; fenómenos negados pelo materialismo porque se prendem à espiritualidade, qualificados por outros como milagres ou sortilégios, consoante as crenças. São assim, entre outros, os fenómenos da dupla visão, da visão à distância, do sonambulismo natural ou artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão de pensamento, do fascínio, das curas instantâneas, das obsessões e possessões, etc. Ao demonstrar que estes fenómenos assentam sobre leis tão naturais como os fenómenos eléctricos e as condições normais em que se podem produzir, o Espiritismo destruiu o império do maravilhoso e do sobrenatural e, por consequência, a fonte da maior parte das superstições. Se faz com que se acredite em certas coisas consideradas por alguns como quiméricas, impede que se acredite em muitas outras de que demonstra a impossibilidade e a irracionalidade. 

O Espiritismo, muito longe de negar ou de destruir o Evangelho, vem antes pelo contrário confirmar, explicar e desenvolver, através das novas leis da natureza que revelam tudo o que Cristo fez e disse; traz luz aos pontos obscuros do seu ensino, de tal modo que alguns daqueles para quem certas partes do Evangelho eram ininteligíveis, ou pareciam ser inadmissíveis, as compreendem e as admitem sem dificuldade com a ajuda do Espiritismo; entendem-lhe melhor o alcance e podem separar a realidade da alegoria; Cristo parece-lhes maior: já não é simplesmente um filósofo, mas sim um Messias divino. 

Se, além disso, considerarmos o poder do Espiritismo pelo objectivo que confere a todas as acções da vida, pelas consequências do bem e do mal que deixa bem claras, a força moral, a coragem, os consolos que confere nas aflições através da ideia de termos perto de nós os entes que amámos, a garantia de os revermos, a possibilidade de conversar com eles, enfim, pela certeza de que de tudo o que fazemos, de que de tudo o que adquirimos em inteligência, em ciência, em moralidade, até ao derradeiro momento da vida, nada está perdido, que tudo aproveita à evolução, reconhecemos que o Espiritismo realiza todas as promessas de Cristo relativamente ao Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito da Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa do seu advento encontra-se igualmente realizada, pois, de facto, é ele o verdadeiro Consolador. (*) 

Se a estes resultados acrescentarmos a rapidez inerente à propagação do espiritismo, apesar de tudo o que foi feito para o abater, não poderemos sequer pensar que o seu advento não seja outra coisa que não providencial, na medida em que triunfa sobre todas as forças e sobre todas as más vontades humanas. A facilidade com que é aceite por um grande número de pessoas, e isso sem constrangimentos, sem outros meios de que o poder da ideia, prova que ele responde a uma necessidade: a de acreditar em qualquer coisa, após o vazio cavado pela incredulidade. Consequentemente, chegou no momento exacto. 

Os aflitos são em grande número: não é então surpreendente que tantas pessoas acolham uma doutrina consoladora, de preferência a doutrinas que desesperam, na medida em que é mais aos deserdados da sorte do que aos felizes que se dirige o Espiritismo. O doente vê chegar o médico com mais alegria do que aquele que não costuma ter problemas de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o Médico. 

Vós que combates o Espiritismo, se queres que o deixem para vos seguirem, dá então mais e melhor que ele; cura mais garantidamente as feridas da alma. Dá mais consolações, mais satisfações ao coração, esperanças mais legítimas, certezas maiores; faz do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; mas não penses em vencê-lo com a perspectiva do vazio; com a alternativa das chamas do Inferno ou da beata e inútil contemplação perpétua. 

/… 
(*) Muitos pais de família deploram a morte prematura de crianças, pela educação das quais fizeram grandes sacrifícios e, dizem para consigo que tudo isso foi uma pura perda. Com o Espiritismo não lamentam estes sacrifícios e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza de verem morrer os filhos, pois sabem que, se estes não beneficiam dessa educação no presente, ela servirá primeiro para a sua evolução como Espíritos; depois, que será um conhecimento adquirido para uma nova existência e que, quando regressarem, possuirão uma bagagem intelectual que os tornará mais aptos a adquirir novos conhecimentos. São as crianças que ao nascer trazem ideias inatas, que sabem sem, por assim dizer, terem necessidade de aprender. Se os pais não têm a satisfação imediata de verem os filhos usufruírem dessa educação, certamente gozá-la-ão mais tarde, quer como Espíritos, quer como homens. Talvez venham a ser novamente os pais dessas mesmas crianças que consideramos afortunadamente dotadas pela natureza e que devem as suas aptidões a uma anterior educação; assim como também, se as crianças se desencaminham por negligência dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde com isso, devido aos aborrecimentos e desgostos dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde com isso, devido aos aborrecimentos e desgostos que provocarão numa nova existência. (Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, n.º 21: Perdas de Pessoas Amadas e Mortes Prematuras.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA "Anúncio do Consulador" números de 37 a 44 (VIII), 10º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)