sexta-feira, 21 de maio de 2021

O Mundo Invisível e a Guerra ~


IV 
O Mês de Jeanne d’Arc  
(II de III) 

|Maio de 1915|

Assim como dominou o século XV, o vulto de Jeanne d’Arc dominará também o nosso tempo. Nela e por seu intermédio se há de consumar a união de nossa pátria. 

Ainda ontem, como no tempo de Carlos VII, a França estava desunida, esfacelada por grupos políticos nascidos da cobiça e de apetites inconfessáveis. Na hora do perigo tudo se desmanchou em fumaça e se calou para permitir que o país fizesse ouvir a sua voz e os seus apelos aos poderes do Alto. 

Os próprios adeptos do Radicalismo e do Socialismo, que ainda combatiam Jeanne d’Arc no Palais-Bourbon, para ela se voltam para honrá-la. 

Em 26 de Abril, o senador Fabre escrevia a Maurice Barrès: “Acabo de receber uma carta do Sr. Léon Bourgeois, onde ele me diz: Podeis contar com a minha cordial adesão à festa nacional de Jeanne d’Arc. E acrescentava: Estão, portanto, conquistados Hervé, Clemenceau e Bourgeois. Jeanne d’Arc nos protege. Todos estarão connosco.” 

Vários políticos já consideram próxima a hora em que o governo, apoiando-se em todos os partidos, glorificará em Jeanne essa sagrada união que possibilitou a obra libertadora. Em compensação, outros afirmam que nada se pode falar, nem fazer, em homenagem a ela, enquanto os ingleses permanecerem em solo francês. 

Para assim se manifestarem é necessário muito pouco conhecer o sentimento que os nossos actuais aliados dedicam a Jeanne d’Arc. Desde Shakespeare, eles lhe tributam uma admiração sempre crescente. 

Todos os anos, nas festas de Rouen, há uma delegação inglesa e agora, que eles estabeleceram uma de suas bases de operação nessa cidade, não deixam de manter na praça do Vieux-Marché, no mesmo lugar do suplício, braçadas de flores enlaçadas com uma faixa com as cores britânicas. 

Em 16 de Maio passado, o reverendo A. Blunt, capelão da embaixada inglesa, ao colocar uma coroa aos pés da estátua equestre da Place des Pyramides, dizia: 

“Comparecemos, como membros da colónia britânica de Paris, para depositar algumas flores aos pés da estátua de Jeanne d’Arc, a valorosa guerreira de França. Reconhecemos que o seu espírito de patriotismo, coragem e sublime abnegação anima o exército francês de hoje e estamos certos de que esse espírito o conduzirá à vitória.” 

Há alguns dias, o grande jornal londrino The Times dedicava à memória da Virgem de Orléans um importante artigo, resumindo todo o pensamento inglês sobre esse nobre assunto: 

“Em toda a Idade Média não há história mais singela e mais grandiosa, nem tragédia mais dolorosa do que a da pobre pastora que, pela fé ardorosa, soergueu a sua pátria das profundezas da humilhação e do desespero, para sofrer a mais cruel e a mais infamante das mortes pelas mãos de seus inimigos. 

A elevação e a beleza moral do carácter de Jeanne conquistaram o coração de todos os homens e os ingleses se lembram, com vergonha, do crime do qual ela foi vítima. 

Entretanto, não é pelo amor à pátria, nem pela coragem na luta, nem pelas visões místicas, que o mundo todo homenageia Jeanne d’Arc; isto lhe é devido porque, em época triste e dolorosa, ela provou, por palavras e actos, que o espírito da mulher cristã ainda estava vivo entre os humildes e os oprimidos e produzia, profusamente, incomparáveis frutos. Houve, algum dia, natureza mais recta, mais terna, mais pura e mais profundamente piedosa que a de Jeanne d’Arc? 

Antes mesmo que tivesse conseguido ir até ao rei e desfraldado a sua bandeira, o povo, em toda a parte, acreditava nela. A força de sua vontade, a elevação dos seus pensamentos e a intensidade do seu entusiasmo superaram todas as oposições. 

É delicada e complacente para com os prisioneiros e, até para os ingleses a sua alma se mostra plena de piedade. Convida-os para que se juntem a ela para uma grande cruzada contra os inimigos da cristandade. 

E quando, com auxílio de alguns traidores existentes entre os seus compatriotas, a fizeram cair numa cilada e a condenaram a uma morte horrível, as suas últimas palavras foram de perdão para os seus algozes.” 

Um patriota francês não se expressaria melhor. É certo que Jeanne não odiava os ingleses e queria simplesmente colocá-los fora do território da França. Como afirma o The Times, ela pensava até em associá-los aos franceses numa grandiosa empresa que ela tomaria a seu cargo e lhes escrevia: 

“Se derdes satisfação ao rei de França, ainda podereis ir na sua companhia, aonde quer que os franceses realizem o mais belo feito como jamais foi realizado pela cristandade." 

/… 


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, IV – O Mês de Jeanne d’Arc, (II de III) 10º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial

terça-feira, 11 de maio de 2021

pensamento espírita argentino ~


CAPÍTULO I 

Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história ~ 

Que somos? 
(IX) 

Nos casos de desdobramento observa-se que; "enquanto o corpo do médium ou do hipnotizado" fica reduzido a uma vida puramente vegetativa ou orgânica e as funções de relação suspensas durante o transe, se exterioriza o corpo fluídico ou astral, tomando, este, aspectos e cores determinados que variam segundo as pessoas. Albert de Rochas, que o estudou na sua exteriorização, em especialidade, sustenta que é exactamente a reprodução do corpo físico. Esta é também a afirmação do engenheiro Gabriel Delanne, para quem não se limita à reprodução dos contornos exteriores do ser material, mas também na interioridade da estrutura perispiritual. Dito de outro modo: todos os órgãos do ser humano existem na reprodução fantasmal, em virtude de uma preformação etérea, a qual, se nos ativermos aos factos, pode variar e tomar formas, modalidades e até personalidade distintas. 

O mesmo acontece nos casos de bilocação, em que o espírito do sonâmbulo, ou do extático, se translada com o perispírito a um lugar distante, onde se encontra o seu corpo, com todas as suas faculdades psíquicas e, se faz visível em muitos casos. 

Mas onde o perispírito se manifesta em todo o seu poder e o facto tem um valor mais probatório e significativo é quando se exterioriza parcial ou totalmente fora do organismo, como nos fantasmas dos doentes e dos chamados mortos, muitas vezes vistos, observados e até fotografados, como se pode comprovar em fotografias transcendentais. 

“... A parte que há em nós de idealista e transcendental – diz o eminente físico Oliver Lodge – é associada permanentemente com o eterno, para a actividade e a intercomunicação igual à que mantemos agora com a matéria.” 

Nesta super-estrutura etérea ou perispiritual é que se radica o “mistério” das transformações psicofisiológicas e onde se deve ir procurar a explicação de todo o fenómeno psíquico normal e supranormal. Ela é o verdadeiro meio transformador das sensações em percepções. 

Sendo uma substância maleável e dúctil por sua natureza etérea e estando subordinada à vontade do espírito, é capaz de adaptar-se às várias condições do plano físico e, afinando-se a ele, servir-lhe de veículo. 

O facto notório de que os amputados continuam a sentir dores e impressões originadas por causas anteriores e que experimentem sensações térmicas no lugar do membro amputado, prova a existência do perispírito e que as supostas localizações cerebrais não são senão os verdadeiros centros perispirituais, onde o espírito regista e conserva (apesar da constante renovação da matéria e das células cerebrais) o conhecimento e a memória onde têm origem todos os fenómenos psicológicos. 

“... O sentido da integridade do membro amputado é a tal ponto real – diz o professor Bozzano – que se se conseguir distrair a atenção do mutilado, este percebe inclusive as sensações que o membro inexistente deveria perceber, se não lhe faltasse” (i) e considera esse facto como uma das modalidades do fenómeno de bilocação, que não pode ser logicamente explicado se não se admitir o corpo fluídico ou perispiritual. 

Não faltam psicólogos que consideram este fenómeno como o resultado de um hábito adquirido nas sensações reais e continuado nas pseudo-sensações depois da amputação. Mas esta hipótese perde todo o seu valor perante o conhecimento experimental que hoje se tem do perispírito e que oferece uma explicação que nos põe em condições de poder compreender e explicar este e outros fenómenos psíquicos e metapsíquicos não explicáveis pela primeira hipótese. 

Alguns metapsiquistas qualificaram a hipótese científica do perispírito hoje perfeitamente demonstrada pelos factos de “pura ilusão”, não obstante terem que fazer uso dela para explicar o fantasma fluídico dos bilocados. 

Respondendo a tal objecção, o professor Ernesto Bozzano ressalta as diferentes modalidades pelas quais se determina o fenómeno da exteriorização do corpo fluídico, demonstrando com factos a sua objectividade e eliminando as hipóteses onírica e alucinatória que, segundo ele, são as únicas que se podem opor a fenómenos desta classe. E a tal objecto, estabelece as diversas gradações em que se produzem os fenómenos de bilocação, começando pelos já mencionados da sensação de integridade dos mutilados e seguindo com os fenómenos de autoscopia ou de desdobramento apenas esboçado, em que o sujeito tem consciência de si mesmo e percebe o seu fantasma à distância. São, portanto, os casos em que o espírito percebe o seu corpo à distância; os fenómenos de desdobramento durante o sono natural; os do sonambulismo provocado; os de desdobramento por acção anestésica; o que se produz nos estados comatosos ou pré-agónicos; o do fantasma de um vivo, visto simultânea ou separadamente por várias pessoas; o do duplo, visto por sensitivos, e, por último, o percebido pelos assistentes de uma pessoa no momento da morte. 

O fenómeno da memória para ser explicado exige a existência de algo permanente. A identidade e permanência das lembranças exigem a identidade e permanência do eu. A lembrança não pode existir se faltar a unidade psicológica que perdure. Se o espírito pode recordar faltando-lhe (como nos casos de ablação mencionados) os centros cerebrais da memória, é lógico afirmar que esta não se radica no cérebro. 

É certo que para lembrar dos conhecimentos adquiridos – isto é, aqueles que impressionaram o nosso cérebro – se requer, em estado normal, determinadas condições psicofisiológicas, pois ainda que os conhecimentos estejam gravados no perispírito, estando este ligado ao cérebro, normalmente dele necessita para recordá-los, como no estado normal ou ordinário necessita dos órgãos e centros de percepção para ver, ouvir, etc. Mas, nem é o cérebro que possui os conhecimentos, nem os centros da memória que os recordam, assim como não são os olhos que vêem nem os ouvidos que ouvem. 

A conservação dos conhecimentos adquiridos pode existir (e existe de facto) sem a lembrança; esta pode desaparecer do campo da consciência e permanecer oculta durante a maior parte de nossa vida e reviver logo na mente, em virtude de circunstâncias favoráveis à memória ou por acidentes que afectem a normalidade do cérebro, ou ainda nas afluências mnemónicas dos doentes... 


“Quando a lesão cerebral é grave, quando a memória das palavras está atacada profundamente, sucede que uma excitação mais ou menos forte, uma emoção, por exemplo, devolve-nos a lembrança que parecia perdida para sempre. 

“Seria possível isso se a lembrança houvesse sido depositada na matéria cerebral alterada ou destruída? O fenómeno produz-se como se o cérebro servisse mais para rememorar a lembrança do que para conservá-la.” 

E acrescenta: 

“Se a lembrança não foi armazenada no cérebro, onde se conserva? A pergunta onde, acaso tem sentido, quando nos referimos a outra coisa que não um corpo? Os clichés se conservam numa caixa, os discos fonográficos em embalagens, mas por que as lembranças, que não são coisas visíveis nem tangíveis, terão necessidade de um continente e como seria possível tê-lo? Essas lembranças estão noutra parte que não no espírito?” (ii) 

Sem dúvida, tanto a nova como a velha Psicologia pretendem que a memória e, por consequência, as lembranças se prendem ao cérebro, mas nem todos os seus representantes estão de acordo (e a razão é obvia) sobre a natureza das impressões ou sinais cerebrais da memória. Desde Platão a Ribot, não há mais do que hipóteses que se desvanecem sob o peso dos factos que apontamos e outros que em continuação mencionaremos. Descartes acreditava nas circunvoluções do cérebro, onde as lembranças estariam arquivadas; Malebranche, em supostos sulcos comunicantes; Moleschott e os seus seguidores, nas vibrações fosforescentes da matéria cerebral; Ribot e os psicofisiologistas, nas marcas produzidas (não se sabe como, nem em que consistem) por certas modificações dos movimentos nos centros corticais, transformados uns em arquivo das palavras, outros dos movimentos, aquele da música, este da pintura e, enfim, cada um com encargo e aptidão especiais. A recordação é, pois, uma função privativa de certos centros: o Mozart músico está todo contido no centro musical; o Vernet pintor, no centro pictórico (iii) e assim todos os demais. 

A tudo isto acrescentaremos os fenómenos supranormais de subconsciência medianímica, em que o sujeito revela conhecimentos não fixados nem arquivados no cérebro material, por não os haver adquirido durante a vida terrena; o das crianças-prodígio, para quem, segundo a frase de Platão, aprender é recordar; os fenómenos assombrosos de regressão da memória obtidos pelo sonambulismo. Neste caso, o sujeito hipnotizado retrocede no tempo, passando por diversas fases de sua vida terrena até entrar no claustro materno e aparecer imediatamente numa existência anterior com uma nova personalidade, completamente diferente e alheia à primeira, a qual, por sua vez, seguindo um processo regressivo análogo, desaparece e, assim, umas sucedendo-se a outras, vão desaparecendo as diversas personalidades de um mesmo indivíduo, de um mesmo eu, ignorando uma à outra e todas deixando dados mais precisos de suas respectivas vidas. 

A memória subconsciente supranormal manifesta-se também em muitas pessoas, como no caso de Lamartine, do catedrático Damiani, dos escritores Ponson du TerrailDumas e Theóphile Gautier, do poeta Mery e mil outros, que têm afirmado (e em alguns casos demonstrado) possuir lembranças de existências passadas, ou que reviram esse passado à vista de paisagens ou diante de factos ou circunstâncias que lhes trouxeram à memória, ou, como no caso do doutor Gustave Geley, que conservava lembranças pré-natais dos momentos próximos à entrada na vida material. 

Ainda podemos juntar ao exposto os casos de loucura em que a Psicofisiologia (e a Psiquiatria, inclusive) pretende ver factos que negam o espírito como entidade substancial e distinta do organismo. 

Na loucura não há loucos, não há demência, senão diversos modos anormais de se mostrarem ajuizados em razão de uma desordem orgânica ou desarmónica nas relações do cérebro e o perispírito, ou por uma obsessão fixada no cérebro e da qual o espírito não pode subtrair-se enquanto não seja neutralizada por uma sugestão de si mesmo ou com a ajuda de outro poder sugestivo superior. O corpo não é louco, o perispírito tampouco (e ainda menos o espírito), mas um ou o outro ou ambos podem ser a causa da loucura e desde que aí suprimidas as causas, ficam suprimidos os efeitos. Há loucos que não apresentam qualquer lesão no cérebro e há ajuizados que têm o cérebro feito em pasta. 

Surya (iv) conheceu um demente que, na véspera de morrer, recobrou toda a lucidez do seu espírito e pôde conversar com os seus parentes e amigos com o juízo e a lógica mais seguros. 

/... 
(i) O autor deste livro pode corroborar este facto com a sua experiência pessoal: tendo perdido uma perna, conserva a sensação constante da sua existência e mais de uma vez, esquecendo a falta do dito membro, reagiu a uma sensação de prurido, de pressão ou de dor, levando a mão ou o pé da outra perna ao lugar onde havia a sensação. E é curioso que nunca tenha podido localizar no coto estas sensações que sentiu diferentemente nas diversas partes do membro amputado, até ter a certeza da distância e do lugar exactos onde as percebia. É significativo, por outra lado, que tendo sofrido uma ferida profunda no dedo grande da perna amputada, sinta no mesmo lugar a sensação característica da pressão e adormecimento dolorosos que sentiu durante 30 anos e que persiste ainda quatro anos depois da amputação. Também assinalo que não poucas vezes, distraído, busque com insistência a perna para vestir a calça ou calçar o sapato e mais de uma vez sucedeu firmar o coto pensando firmar o pé. 
(ii) O Materialismo Actual. Veja-se também Matéria e Memória. 
(iii) Ver J. Patrascoiu: Psicologia.
(iv) Ver a revista La Luz del Porveni (Barcelona) ou o número de La Idea mencionado. 


Manuel S. PorteiroEspiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (IX), 9º fragmento da obra. 
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa)