O Mês de Jeanne d’Arc
(II de III)
|Maio de 1915|
Assim como dominou o século XV, o vulto de Jeanne d’Arc dominará também o nosso tempo. Nela e por seu intermédio se há de consumar a união de
nossa pátria.
Ainda ontem, como no tempo de Carlos
VII, a França estava desunida, esfacelada por grupos políticos nascidos da
cobiça e de apetites inconfessáveis. Na hora do perigo tudo se desmanchou em
fumaça e se calou para permitir que o país fizesse ouvir a sua voz e os seus
apelos aos poderes do Alto.
Os próprios adeptos do Radicalismo e do
Socialismo, que ainda combatiam Jeanne d’Arc no Palais-Bourbon, para ela
se voltam para honrá-la.
Em 26 de Abril, o senador Fabre escrevia a Maurice
Barrès: “Acabo de receber uma carta do Sr. Léon
Bourgeois, onde ele me diz: Podeis contar com a minha cordial adesão à
festa nacional de Jeanne d’Arc. E acrescentava: Estão, portanto,
conquistados Hervé, Clemenceau e Bourgeois. Jeanne d’Arc nos protege.
Todos estarão connosco.”
Vários políticos já consideram próxima a hora
em que o governo, apoiando-se em todos os partidos, glorificará em
Jeanne essa sagrada união que possibilitou a obra libertadora. Em
compensação, outros afirmam que nada se pode falar, nem fazer, em homenagem a
ela, enquanto os ingleses permanecerem em solo francês.
Para assim se manifestarem é necessário muito
pouco conhecer o sentimento que os nossos actuais aliados dedicam a
Jeanne d’Arc. Desde Shakespeare,
eles lhe tributam uma admiração sempre crescente.
Todos os anos, nas festas de Rouen, há uma
delegação inglesa e agora, que eles estabeleceram uma de suas bases de operação
nessa cidade, não deixam de manter na praça do Vieux-Marché, no
mesmo lugar do suplício, braçadas de flores enlaçadas com uma faixa com as
cores britânicas.
Em 16 de Maio passado, o reverendo A. Blunt,
capelão da embaixada inglesa, ao colocar uma coroa aos pés da estátua equestre
da Place des Pyramides, dizia:
“Comparecemos, como membros da colónia
britânica de Paris, para depositar algumas flores aos pés da estátua de Jeanne d’Arc,
a valorosa guerreira de França. Reconhecemos que o seu espírito de patriotismo,
coragem e sublime abnegação anima o exército francês de hoje e estamos certos
de que esse espírito o conduzirá à vitória.”
Há alguns dias, o grande jornal londrino The
Times dedicava à memória da Virgem de Orléans um importante artigo,
resumindo todo o pensamento inglês sobre esse nobre assunto:
“Em toda a Idade Média não há história mais
singela e mais grandiosa, nem tragédia mais dolorosa do que a da pobre pastora
que, pela fé ardorosa, soergueu a sua pátria das profundezas da humilhação e do
desespero, para sofrer a mais cruel e a mais infamante das mortes pelas mãos de
seus inimigos.
A elevação e a beleza moral do carácter de
Jeanne conquistaram o coração de todos os homens e os ingleses se lembram,
com vergonha, do crime do qual ela foi vítima.
Entretanto, não é pelo amor à pátria, nem pela
coragem na luta, nem pelas visões místicas, que o mundo todo homenageia
Jeanne d’Arc; isto lhe é devido porque, em época triste e dolorosa, ela
provou, por palavras e actos, que o espírito da mulher cristã ainda estava vivo
entre os humildes e os oprimidos e produzia, profusamente, incomparáveis
frutos. Houve, algum dia, natureza mais recta, mais terna, mais pura e mais
profundamente piedosa que a de Jeanne d’Arc?
Antes mesmo que tivesse conseguido ir até ao
rei e desfraldado a sua bandeira, o povo, em toda a parte, acreditava
nela. A força de sua vontade, a elevação dos seus pensamentos e a
intensidade do seu entusiasmo superaram todas as oposições.
É delicada e complacente para com os
prisioneiros e, até para os ingleses a sua alma se mostra plena de piedade.
Convida-os para que se juntem a ela para uma grande cruzada contra os inimigos
da cristandade.
E quando, com auxílio de alguns traidores
existentes entre os seus compatriotas, a fizeram cair numa cilada e a
condenaram a uma morte horrível, as suas últimas palavras foram de perdão para
os seus algozes.”
Um patriota francês não se expressaria melhor.
É certo que Jeanne não odiava os ingleses e queria simplesmente colocá-los
fora do território da França. Como afirma o The Times, ela pensava
até em associá-los aos franceses numa grandiosa empresa que ela tomaria a seu
cargo e lhes escrevia:
“Se derdes satisfação ao rei de França, ainda
podereis ir na sua companhia, aonde quer que os franceses realizem o mais belo
feito como jamais foi realizado pela cristandade."
/…
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, IV – O
Mês de Jeanne d’Arc, (II de III) 10º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Tanque de guerra
britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira
Guerra Mundial)
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