segunda-feira, 30 de abril de 2018

Saberes e o tempo ~

A isomeria ~

Há corpos simples, quais o fósforo, que revelam propriedades diferentes, sem que se lhes tenha acrescentado ou subtraído a menor parcela de matéria. Toda a gente sabe que o fósforo é branco, venenoso e muito inflamável. Entretanto, se, durante algum tempo, for exposto à luz no vácuo, ou se for aquecido em vaso fechado, ele muda de cor e torna-se de um vermelho belo. Nesse estado, é inofensivo, do ponto de vista da saúde e, deixa de incendiar-se pelo atrito. Contudo, a mais severa análise não logra descobrir qualquer diferença na composição química do fósforo vermelho ou branco. O carvão pode tomar a forma de diamante ou de grafite; o enxofre apresenta modificações características, conforme o estado em que se encontre; o oxigénio torna-se ozónio. A todos esses diferentes estados do mesmo corpo foi dada a denominação de alotrópicos.

Esses caracteres tão opostos, que a mesma substância pode denotar, são devidos a mudanças que se lhes operam no íntimo. As moléculas se agrupam diferentemente, ao mesmo tempo em que os seus movimentos se modificam. Daí, as variações que se produzem nas suas respectivas propriedades.

É tão verdade isso, que corpos muito diferentes pelas suas propriedades, tais como as essências de terebintina, de limão, de laranja, de alecrim, de basilisco, de pimenta, são, todavia formadas todas da combinação de dezasseis equivalentes de hidrogénio com vinte equivalentes de carbono.

Essa ordem especial das partículas associadas, chamadas moléculas, tornou-se visível por meio da cristalização.

Se nos lembrarmos de que todos os tecidos dos vegetais e dos animais são formados, principalmente, de combinações variadas de quatro gases apenas: o hidrogénio, o oxigénio, o carbono e o azoto, aos quais se adicionam fracas quantidades de corpos sólidos em número muito reduzido, compreenderemos a inesgotável fecundidade da Natureza e os infinitos recursos de que ela dispõe para, agrupando átomos, formar moléculas que, a seu turno, se podem agregar entre si com a mesma diversidade de maneiras.

Se se complicarem essas disposições por meio dos movimentos de translação e de rotação peculiares aos átomos e moléculas, torna-se possível conceber que todas as propriedades dos corpos estão intimamente ligadas a tão diversos arranjos, tão variados e tão diferentes uns dos outros.

Numa série de memórias muito relevantes, o astrónomo Norman Lockyer fez notar que a análise espectral do ferro contido na atmosfera solar permite se conclua com certeza que esse corpo não é simples; que é um grupo complexo, tendo por base um metal ainda desconhecido. Somente, porém, nas altas temperaturas da fornalha ardente do nosso astro central essa dissociação se torna aparente. Nenhuma temperatura terrestre seria capaz de produzi-la.

Esse químico eminente dos espaços estelares estudou os espectros das estrelas, desde as mais quentes até às que se encontram prestes a extinguir-se e, mostrou que o número dos corpos simples aumenta, à medida que a temperatura diminui. Quer isso dizer que eles nascem sucessivamente, pois que cada massa se encontra isolada no espaço e nenhuma partícula de matéria recebe do exterior, por mais insignificante que seja.

Em suma, a ideia de uma matéria única, donde necessariamente derive tudo o que existe, está hoje admitida pelos sábios e os Espíritos que no-la preconizaram, estão de acordo com a ciência contemporânea. Veremos se a continuação dos seus ensinamentos é tão verdadeira quanto as suas primeiras asserções.

/…


Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira parte – O Espiritismo e a ciência Capítulo II O tempo, o espaço, a matéria primordial – A isomeria, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)

terça-feira, 17 de abril de 2018

Da sombra do dogma à luz da razão ~

Natureza da Revelação Espírita (VI)

Se Cristo não conseguiu desenvolver os seus ensinamentos de forma completa, foi porque faltavam aos homens conhecimentos que estes não podiam adquirir antes de tempo e sem os quais não o podiam compreender; havia coisas que teriam parecido um contra-senso na fase de conhecimentos de então. Completar os seus ensinamentos deve-se portanto entender no sentido de explicar e de desenvolver, muito mais que no de lhes acrescentar verdades novas, pois neles tudo se encontra em germe; simplesmente, faltava a chave para captar o sentido das palavras.

Mas quem se atreve a interpretar as escrituras sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui a sabedoria, a não ser os teólogos?

Quem se atreve? Primeiro a ciência, que não pede licença a ninguém para dar a conhecer as leis da natureza e salta a pés juntos para cima dos erros e dos preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a toda a gente e as Escrituras já não são a arca sagrada na qual ninguém ousava tocar nem com um dedo, por correr o risco de ficar fulminado. Quanto à sabedoria especial necessária, sem contestar a dos teólogos e, por muito esclarecidos que fossem os da Idade Média, em particular os padres da igreja, não o eram no entanto o suficiente para não condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas; e, sem ir tão longe, os dos nossos dias não lançaram um anátema sobre os períodos de formação da Terra?

Os homens só conseguiram explicar as Escrituras com a ajuda do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da natureza mais tarde reveladas pela ciência; eis porque razão os próprios teólogos puderam, de muito boa-fé, equivocar-se quanto ao sentido de certas palavras e de certos factos dos Evangelhos. Querendo a qualquer custo encontrar neles a confirmação de uma ideia preconcebida, giravam sempre no mesmo círculo, sem abandonarem o seu ponto de vista, de tal maneira que só viam ali o que queriam ver. Por muito sábios que fossem, não podiam perceber as causas dependentes de leis que não conheciam.

Mas quem será juiz das interpretações diversas e por vezes contraditórias feitas fora da teologia? O futuro, a lógica e o bom senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos à medida que novos factos e novas leis se vão revelando, saberão separar as teorias utópicas da realidade; ora, a ciência dá a conhecer certas leis; o Espiritismo dá a conhecer outrasumas e outras são indispensáveis à inteligência dos textos sagrados de todas as religiões, desde ConfúcioBuda até ao cristianismo. Quanto à teologia, não poderia judiciosamente alegar que as contradições da ciência constituem excepções, quando nem sempre está de acordo consigo mesma.

O ESPIRITISMO, tomando como ponto de partida as próprias palavras de Cristo, assim como Cristo foi buscar bases a Moisés, é consequência directa da doutrina.

À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço e, com isso, dá precisão à crença; dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade no pensamento.

Define os elos que unem a alma e o corpo e levanta o véu que escondia aos homens os mistérios do nascimento e da morte.

Pelo Espiritismo o homem sabe de onde vem, para onde vai, por que está na Terra e por que nela sofre temporariamente, vendo em tudo a justiça de Deus.

Sabe que a alma evolui constantemente através de uma série de existências sucessivas, até ter atingido o grau de perfeição que a pode aproximar de Deus.

Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de partida, são criadas iguais, com uma mesma aptidão para evoluir por virtude do seu livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que entre elas só há a diferença da evolução conseguida; que todas têm o mesmo destino e atingirão o mesmo fim, mais ou menos prontamente consoante o seu trabalho e a sua boa-vontade.

Sabe que não existem criaturas deserdadas, nem umas que sejam mais favorecidas do que outras; que Deus não criou privilegiados, estando dispensados do trabalho imposto a outros para poderem evoluir; que não existem seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os designados com o nome de demónios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal na qualidade de Espíritos como o faziam na situação de homens, mas que evoluirão e melhorarão; que os anjos ou Espíritos puros não são entes à parte na criação, mas Espíritos que atingiram o seu objectivo depois de terem seguido as etapas do progresso; que assim não existem criações múltiplas, nem diferentes categorias entre seres inteligentes, mas que toda a Criação resulta da grande unidade que rege o Universo e que todos os seres gravitam na direcção de um objectivo comum que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa dos outros, sendo todos filhos das suas obras.

/…


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 28 a 30 (VI), 8º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

sábado, 7 de abril de 2018

as vidas sucessivas | os elementos ~

~ Experiências magnéticas ~ Regressão da memória e previsão, Caso n.º 1 ~ Laurent (III)

21 de Outubro de 1893

Hoje, a repetição de todos os fenómenos já observados no segundo e no terceiro estados. Continuo muito lento para passar do sonambulismo ao estado de relação. Talvez porque eu seja desconfiado, ou porque uma auto-sugestão, que consiste no firme desejo de não tomar o falso pelo verdadeiro, persista até no sono e faça antagonismo às influências magnéticas.

O Sr. de Rochas, a propósito de uma pergunta que me faz e à qual não respondo, fazendo no entanto esforço para recordar-me do facto que me permitiria responder, observa que, nesse terceiro estado, perdi a memória do presente. Por exemplo, não sei onde estou. Sei que é o Sr. de R. quem se encontra diante de mim; porém eu não poderia dizer o que ele é: Administrador da Escola Politécnica ou exercendo qualquer outra profissão. Todavia, guardo intacta a lembrança das experiências precedentes.

Para estabelecer com exactidão o período de minha vida que foge à minha memória, o Sr. de R. emprega este engenhoso meio:

– Você teve aulas de filosofia? – pergunta-me ele.

Sorrio e respondo: “Oh, não!”, como poderia dizer um jovem escolar que consideraria a aula de filosofia alguma coisa de muito bonita e bastante distante.

– De retórica? Cursou o 1º ano do 2º grau? A 8ª série? A 7ª série? (*)

A resposta é sempre negativa e pronta.

– A 6ª série? A 5ª?

Aqui eu me perturbo, reflicto, hesito. É lamentável que, no momento em que escrevo, apesar da ordem recebida de lembrar-me das sensações experimentadas durante o sono, eu não consiga refazer exactamente o trabalho que se operou em mim nesse minuto. Apenas creio que vi passar a imagem de meu professor da 5ª série, sem poder estabelecer se era realmente o da 5ª série ou o da 4ª. Foi por isso, sem dúvida, que hesitei. De qualquer forma, ainda respondi “não”.

Foi apenas no momento em que o Sr. de R. me perguntou: “Você se recorda de seu professor da 3ª série?”, que espontaneamente afirmei vê-lo.

– Mas você o vê como se ele estivesse aqui? – insiste o Sr. de R.

– Sim, sim, é o meu professor.

– Enfim, você distingue bem se, sim ou não, você é um aluno da 3ª série? Este homem é seu professor desta série ou simplesmente você se recorda de tê-lo tido como professor?

Após um esforço bastante grande, arrisco uma resposta confusa:

– Creio que ele foi meu professor; mas depois dele não tive outros, me parece.

Aqui, por felicidade, reencontro as fases pelas quais passou o meu espírito. Enquanto eu fazia um esforço sincero para responder com exactidão à pergunta feita, a verdadeira solução não se apresentando e eu me fatigando ao procurá-la, disse-me a mim mesmo: “Ah! Vou responder qualquer coisa.” Mas imediatamente em seguida: “Não! Não posso enganar.”

Fenómeno singular! Em um segundo tive consciência de que eu servia de sujet a um magnetizador, que eu era o que na realidade sou e não um aluno da 3ª série e que era necessário permitir a conclusão da experiência, apesar de tudo. Ignoro o que eu teria inventado se este brusco chamamento à realidade não tivesse intervindo para fazer empenhar-me com a sinceridade. “Não, não posso enganar.” Na realidade, esta frase veio-me ao espírito durante o lampejo de consciência que me representou aos olhos como que um jovem de vinte anos, prestando-se a experiências de hipnotismo para sua instrução, preocupado em não errar e, além do mais, interessado em não enganar o experimentador, o que seria enganar-se a si próprio. (**)

Que teria acontecido se o despertar de minha personalidade não tivesse acontecido? Eu teria, sem dúvida, cedido ao desejo de fazer cessar o esforço fatigante; eu teria respondido ao acaso com qualquer coisa aproximativa; depois, para não me contradizer (pois observei em outros sujets, que certamente se crêem de boa fé, que é impossível fazê-los confessar que se enganaram, por mais manifesto que seja o seu erro), eu teria chegado, por uma série de respostas aproximativas, à pura mentira, à invenção, à simulação. E como o Sr. de R. se teria apercebido?

Aliás, eu não consigo explicar essa súbita consciência da realidade que durou apenas o tempo de eu me dizer: “Não posso enganar.” Tenho o hábito de me repetir esta frase como uma sugestão durante a vigília. Seria uma espécie de auto-sugestão quando me vem durante o sono: Mas é admissível que alguém possa, no estado de rapport, obedecer a uma ordem a si próprio dada quando acordado? (***) Isto parece ainda mais inverosímil quando, tendo perdido a lembrança dos factos mais recentes de minha vida, não havia razão para que eu me recordasse preferencialmente de uma frase pensada antes de ser ordenada do que de qualquer outra.

Fica então estabelecido, sem mais comentários, que um sujet adormecido pode dar-se conta de que ele sirva de sujet; isso deve ser bastante raro. Entretanto, essa consciência, de alguma forma virtual, do estado em que se está, não deve deixar de influir surdamente sobre as respostas do sujet às perguntas que lhe são feitas e de representar um papel importante nessa simulação inconsciente que o Sr. Bergson assinalou outrora. (Revue Philosophique, 1888.)

Porém, quando ela se determina, que perturbação profunda deve causar no decorrer da experiência! Ela conduz o sujet a si mesmo. O perigo é em parte afastado quando o sujet, voltando a si, deseja ser sincero. Mas se, ao invés de se dizer “Não enganemos”, ele é indiferente e pouco preocupado com a verdade, como habitualmente acontece? Se, além do mais, ele sente esse desejo que observei de fazer a experiência alcançar êxito? Se, naturalmente comediante, vem-lhe a ideia de representar um papel tão logo volta a si?

Para retornar à experiência, o Sr. de R. volta às suas perguntas.

– Como se diz rosa em latim?

Não há resposta. Com efeito, na 3ª série, ninguém me ensinou ainda o latim.

– Quem matou o gigante Golias?

– Davi.

– Quem foi o sucessor de Henrique IV?

– Não sei.

Na 3ª série eu era sem dúvida mais instruído em história sacra do que em história da França.

Depois seguem-se perguntas sobre as quatro operações. Apreende-se nitidamente deste exame que tudo o que aprendi a partir da idade de cerca de nove anos escapa-me completamente.

Aqui uma nova resposta a uma pergunta de outro género tenderia ainda a fazer-me achar que, apesar de tudo, dou-me conta de que estou adormecido.

–Você tem uma irmã? – pergunta o Sr. de R.

– Sim, mas só me lembro dela muito pequena.

– O que faz o seu pai?

– Já não o tenho.

Eis o que respondo. Ora, quando eu tinha nove anos meu pai ainda vivia. É necessário então que eu tenha noção do presente para que seja o meu eu actual quem fale neste caso.
A sessão termina. Muita fadiga.

Ao despertar-me, o Sr. de R. pergunta-me se vi um estranho durante o sono. Afirmo ter apenas ouvido o Sr. de R. falar a outra pessoa além de mim, mas sem ver ninguém. É entretanto real que um empregado veio pedir uma informação ao Sr. de R. enquanto eu estava adormecido; porém, no terceiro estado, o sujet vê apenas, como eu já disse, o magnetizador e os objectos que ele toca. A minha resposta confirma esta lei.

/... 
(*) O original francês difere, pois os níveis escolares na França tinham e têm outra nomenclatura. A tradutora optou por fazer uma correlação com os níveis vigentes no Brasil. (N.E.)
(**) Fenómeno a relacionar com esta observação do Dr. Gibier: “Conheci um médium, jovem bastante honesto, que não praticava a sua mediunidade e com a qual se observavam diversos fenómenos de levitação e de movimentos de objectos absolutamente reais. Confessou-me ele que diversas vezes se tinha sentido como que impelido a acrescentar alguma coisa ao que produziria; sentia um desejo violento de simular um fenómeno qualquer, enquanto que podia com as suas faculdades naturais obtê-lo melhor. Analisando esta espécie de impulsão, ele me dizia que ela nascia, por um lado, do desejo de causar admiração aos assistentes; por outro lado, do desejo de enganar o seu semelhante; em terceiro lugar, do receio de fadiga, já que, após sessões nas quais fenómenos intensos são obtidos, os médiuns ficam às vezes extenuados. Porém ele acrescentava que qualquer outra causa de que não se dava conta (sem dúvida de natureza impulsiva) se juntava a todas as precedentes e fazia-se sentir mais insistente. Assegurava-me, aliás, que tinha sempre resistido à tentação.” (Analyse des choses). Esta propensão a enganar parece ser inerente ao organismo dos sensitivos e dos médiuns. É preciso levar isto em consideração na observação dos factos, mas não cometer a imprudência de tudo atribuir à fraude, quando já se observou um caso desses. (A.R.)
(***) Isto é não apenas admissível, mas verdadeiro. Tive numerosos exemplos com outros sujets. (A.R.)



Albertde RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas, Capítulo II – Regressão da memória e previsão, Caso n. 1 – Laurent, 1893 3 de 4, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites)