quinta-feira, 29 de maio de 2014

a pedra e o joio ~

a luta necessária

Infelizmente a maioria das criaturas não gosta de reconhecer os seus limites.

A vaidade e a ambição levam muita gente a dar passos mais largos do que as pernas permitem.

É o que hoje vemos, de maneira assustadora, no nosso meio espírita. Os casos de fascinação multiplicam-se à nossa volta. Pessoas que podiam ser úteis transformam-se em focos de confusão e perturbação, entravando a marcha do Espiritismo com a sustentação de teorias absurdas que levam a doutrina ao ridículo. No nosso país esses casos se tornam mais graves por causa da falta geral de cultura. As pessoas incultas e ingénuas deixam-se levar muito facilmente ao fanatismo, ante o brilho fictício de pessoas inteligentes e cultas, mas dominadas por fascinações perigosas.

A mania do cientificismo vem produzindo grandes estragos no nosso movimento espírita. Qualquer possuidor de diplomas de curso superior se julga capacitado a transformar-se em cientista do dia para a noite. E logo consegue uma turma de adeptos vaidosos prontos a seguir o iluminado que lhes empreste um pouco do seu falso brilho. O desejo de elevar-se acima dos outros, conhecendo mais e sabendo mais, é praticamente incontrolável na maioria das pessoas. O resultado é o que vemos. Há mais joio do que trigo na nossa seara espírita.

A luta contra essa situação é das mais árduas. Mas, árdua ou não, tem de ser enfrentada pelos que vêem as coisas de maneira mais clara. Temos de ferir susceptibilidades, magoar o amor-próprio de amigos e companheiros, levantar no próprio meio espírita inimigos gratuitos, provocar revides apaixonados. Mas, de duas, uma: ficamos com a verdade ou ficamos com o erro, defendemos a doutrina ou nos acomodamos na falsa tolerância, clamando por uma paz de pantanal, que nada mais é do que covardia e traição à verdade. Aí estão, diante dos nossos olhos, as fascinações da vaidade empantanando-nos os caminhos da evolução natural e necessária da doutrina. Ou lutamos contra elas ou incentivaremos a sua propagação e proliferação.

Podemos enumerar as mais acentuadas e nefastas: o roustainguismo, defendido e semeado sob o prestígio da FEB; o Divinismo ou Espiritismo Divinista, que contradiz a própria essência racional do Cristianismo e do Espiritismo; o ramatisismo, que conseguiu envenenar a própria FEESP e ainda hoje não foi completamente eliminado da sua estrutura; o heterodoxismo ou armondismo (mistura de doutrinas ocultistas com o Espiritismo), que anda de mãos dadas com o ramatisismo; a teoria do continuum mediúnico, que vem de fora, com ares de teoria sociológica, estabelecendo confusões, com suposto apoio científico, entre Espiritismo e Umbanda; o andreluizismo, que à revelia de André Luiz é sustentado por instituições que se apoiam na caridade para desviar adeptos ingénuos da verdadeira compreensão doutrinária; e outras subcorrentes que amanhã se tornarão fortes e dominadoras se não forem sustadas a tempo.

Todos esses movimentos se valem de uma arma contra os que perseveram no campo limpo da doutrina: a acusação de sectarismo. Fazem seitas e acusam os outros de sectários. Clamam pelo direito de alargar e arejar os conceitos fundamentais de Allan Kardec, sem que os seus expoentes se lembrem de que não possuem condições culturais para essa tarefa de gigantes. Afrontam e amesquinham Kardec, na vaidosa suposição de que o estão auxiliando, quando não o agridem abertamente, com o menosprezo à sua missão espiritual e à sua qualificação cultural. Não foram ainda capazes de encarar a missão de Kardec e a obra de Kardec sem pensar primeiro em si mesmos e nas suas supostas capacidades culturais ou supostas habilitações espirituais.

No meio desse panorama de confusões, mutilado nas suas pretensões iniciais, mas ainda actuando em desvios estratégicos, subsiste a ameaça do Espiritismo Corpuscular. E a seu lado surgem outros movimentos pseudoculturais, como o actual Massenismo da antiga e veneranda Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro, com sua direcção entregue nas mãos de um leigo, a suscitar inovações aberrantes na prática doutrinária, em nome de uma suposta evolução, e uma onda de culturalismo místico que se opõe à restauração do verdadeiro Espiritismo nos quadros de instituições representativas da doutrina.

O desenvolvimento da Parapsicologia e a falta de capacidade dos nossos meios universitários para acompanharem essa evolução científica deu motivo a ampla e escandalosa exploração desse novo ramo das Ciências psicológicas na nossa terra. Uma exploração dirigida em dois sentidos: o combate pseudocientífico ao Espiritismo e o comércio desenfreado de cursos de formadores sobre o assunto. A reacção espírita surgiu de maneira acertada: colocar o problema nos seus devidos termos, mostrando as ligações naturais entre Espiritismo e Parapsicologia, sem misturar as duas Ciências nem deturpá-las. Mas não tardou a surgir no próprio meio espírita os que se aproveitaram da situação para a defesa dos seus pontos de vista pessoais, aumentando a confusão e torcendo a realidade parapsicológica a favor das suas teorias pseudo-espíritas. A falta de formação cultural do nosso povo ofereceu condições propícias ao desenvolvimento dessa contrafacção, tão nefasta como a outra, a facção deformadora da nova ciência.

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Herculano Pires, José – A Pedra e o Joio, Crítica à Teoria Corpuscular do Espírito. A luta necessária, 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)

domingo, 25 de maio de 2014

O Espiritismo na Arte ~

Primeira lição de | o Esteta

(A essência da arte, os seus domínios. Criação artística no plano espiritual)

|15 de Novembro de 1921|

“Estou feliz por falar-vos de uma arte que foi a minha preocupação constante. Tens cem vezes razão em defender a causa da arte e colocá-la em paralelo na Terra e no espaço. A arte é de essência divina, é uma manifestação do pensamento de Deus, uma radiação do cérebro e do coração de Deus transmitida sob a forma artística.

No entanto, muitas coisas do plano divino não podem ser transmitidas aos homens. A arte, sob a forma de inspiração, faz parte desse todo maravilhoso que compõe o Universo.

É o relâmpago, ou antes, é a centelha que estabelece a relação entre Deus e as suas criaturas.

Podes perguntar-vos quais são os reflexos que guardamos da arte após haver passado séries de existências em diferentes mundos. Eu vou tentar dizer.

Na vossa Terra, a arte ainda é uma coisa pouco importante e contentai-vos com isso. A arte existe em todos os domínios: no do pensamento, no da escultura, no da música. É neste último que ela se manifesta melhor e torna-se acessível a mais cérebros. Primeiro, quando o espírito humano encarna na Terra e que traz, seja da sua vida no espaço, seja em consequência de um trabalho anterior nas vidas terrestres, uma certa noção do ideal estético, quando chega à maturidade na sua vida terrestre, a sua bagagem artística se exterioriza sob a forma de inspirações ligadas a uma qualidade mestra que nós chamaremos de o gosto junto ao sentido do belo. Eis aí, pois, o artista criado e pronto para trabalhar sobre a matéria.

Quando esse artista realizou uma vida de trabalho, ele retorna ao espaço. Lá se libertará do seu ser uma quantidade imensa de pensamentos que ele deseja concretizar. Nesse meio fluídico, ele terá todos os materiais necessários para reconstituir o que o seu pensamento aprisionado na carne não pôde realizar numa só existência.

O espírito não possui órgão visual, mas o pensamento reúne todos os sentidos. Primeiro, ele recebe na sua memória as mais belas coisas que sensibilizaram o seu cérebro na existência precedente. Se ele viveu num meio elevado, graças às directrizes adquiridas, os quadros que passarão no seu pensamento serão verdadeiramente inspirados pelo culto do belo. Portanto, o nosso ser espiritual, em nome do seu trabalho, será, em pouco tempo, transferido a um meio fluídico suficientemente puro, livre de parcelas materiais, e de lá poderá receber, pela lembrança, o reflexo artístico das suas vidas anteriores. Por um simples querer, tudo se concretizará com a ajuda dos fluidos ambientes. Esse espírito era pintor? O seu pensamento reflectirá os quadros dos mestres que ele conheceu e amou. Era escultor? As formas antigas ou clássicas, ou aquelas da sua época aparecerão sobre a tela do seu pensamento. Depois, com o tempo, outros espíritos, não-atraídos pela arte, mas desejosos de se elevarem em direcção a um plano superior, se agruparão em torno dos seres que, pelo seu trabalho e pelo seu adiantamento, planam nas regiões fluídicas mais puras. Esses seres, que se aproximam do artista, receberão mais facilmente o pensamento deste último; por um trabalho prolongado, se estabelecerá uma fusão entre o espírito do profano e o espírito do artista. Pouco a pouco, o profano receberá no seu pensamento os quadros e as cenas artísticas do seu mestre espiritual e poderá, então, experimentar alegrias estéticas muito grandes e se tornar, ele mesmo, artista numa futura existência, porquanto terá recebido os primeiros elementos da arte no contacto com um ser mais avançado do que ele.

É assim que, geralmente, os meios artísticos se perpetuam da Terra ao espaço, do espaço à Terra, e nos outros mundos, visto que existem aqueles em que os meios de criação artística são mais ricos do que no vosso globo.

Devo acrescentar que os espíritos, por trocas de pensamentos, podem criar formas com a ajuda da sucessão de cores que é infinita no espaço: quanto mais os planos são elevados, mais a sucessão de cores é desenvolvida.

Na atmosfera terrestre não podemos exteriorizar o nosso pensamento de uma forma clara e precisa. É como se quisesses projectar o vosso pensamento sobre uma tela cinzenta em lugar de uma tela branca.

Às vezes os espíritos se reúnem, através dos seus pensamentos, trocam formas, criam quadros variados. Se um espírito que viveu num mundo superior se encontra no meio deles, ele faz os seus irmãos menos privilegiados aproveitarem os recursos artísticos que ele pôde adquirir. O criador dessas cenas tem o poder de destruir imediatamente o que o seu pensamento criou. Portanto, essas cenas são passageiras e pessoais ao espírito; mas aqueles que têm o desejo de se elevar podem aproveitar essa projecção artística, constituída pela combinação de moléculas fluídicas emanadas do meio ambiente.”

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LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte I – A essência da arte, seus domínios. Criação artística no plano espiritual. 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Nas garras do pensamento crítico ~

Um gesto de fraternidade ~

A explicação do fenómeno religioso como simples "humanização da natureza", como a "projecção do homem ao infinito", é mais literária do que filosófica, não tendo absolutamente nada de científica. 

O próprio Marx quase o reconheceu quando acrescentou à tese contemplativa de Feuerbach os seus princípios dinâmicos. Perdoa-se como um dos muitos equívocos, através dos quais se elabora dialécticamente o conhecimento. Admitir-se, porém, a sua perpetuação no mundo filosófico seria um crime de lesa-cultura.

Primeiro, por que não há nenhuma base positiva, experimental ou de observação, para comprovar essa teoria de emergência; depois, porque há uma infinidade de provas em contrário, suficientemente documentadas, com base na mais rigorosa investigação científica, feita por cientistas insuspeitos, tão materialistas e descrentes como Feuerbach, Marx, Engels e os seus continuadores.

Ora, parece evidente que uma teoria, contraditada pelos factos, mormente através da investigação científica, não apenas uma, mas milhares de vezes, está irremediavelmente falida. Por outro lado, a afirmação de que "a sociedade burguesa tem interesse na explicação religiosa, teológica, dos fenómenos sociais" (L. A. Tcheskiss) nada tem a ver com a realidade do fenómeno religioso em si, como a realidade das alterações fisiológicas não se invalida nem se obscurece em virtude da exploração dos charlatães da medicina. Além disso, é preciso notar que a filosofia espírita é tão contrária à teologia e às explicações teológicas da natureza quanto as próprias ciências naturais, não correspondendo, por isso mesmo, aos interesses de classe da burguesia.

No seu trabalho Dialéctica e Metapsíquica, afirma Humberto Mariotti: "A simples análise de um único caso de materialização deita por terra o raciocínio filosófico, e queiram ou não, uma nova ideia do ser e do mundo começará a mover-se na mente do pensador." Com isto, sim, temos uma afirmação científica, devidamente comprovada pelos factos, de que nos dão exemplo os casos clássicos de RichetMyersLodgeLombroso, materialistas convertidos ao espiritualismo, diante da realidade incontrovertível da fenomenologia espírita. Quando, pois, o materialismo dialéctico reduz à mesma pauta da superstição primitiva a religião ancestral, com as suas formas de exploração social, e os modernos trabalhos de pesquisa científica no terreno da sobrevivência, comete uma heresia filosófica de proporções catastróficas. Noutras palavras, reduz a tese dialéctica à antítese do dogma-de-fé, traindo a síntese ou fechando a porta.

Não há, ao mesmo tempo, nenhuma justificativa para os homens que, "bem situados" no mundo capitalista, deturpam os factos históricos e a própria realidade presente, para sustentar a velha tese superada do materialismo científico, graças ao costumeiro processo da exclusão, ainda agora repetido pelos behavioristas e pavlovistas. Nessa categoria de irremissíveis estão o Dr. Emilio Troise, com o seu Materialismo Dialéctico, e entre nós os drs. Murilo de Campos, Leonídio Ribeiro, Henrique Roxo, – o humorista científico do "delírio espírita episódico" – e, ultimamente, como a mais recente contribuição da "cultura" indígena à luta contra o Espiritismo, o professor Silva Mello, com o seu Mistérios e Realidades Deste e do Outro Mundo. Homens de ciência, que preferem negar as experimentações rigorosamente científicas de personalidades como Crookes e Richet, ou desnaturá-las e deformá-las, para sustentar uma teoria sem base, ou melhor, cuja suposta base se esvai aos olhos de todos, com a própria evaporação da matéria, na era da física nuclear.

O livro de Mariotti não é, por isso mesmo, apenas um esforço no sentido de colocar a verdade filosófica e científica da sobrevivência no seu devido lugar. Mais do que isso, é um gesto de fraternidade, um apelo do coração a esses transviados do conhecimento, na esperança de salvá-los, ainda, do implacável naufrágio da história.

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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico – Um gesto de fraternidade, 4º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

teremos que modificar o nosso conceito da morte?

Introdução |

Há pessoas que, tendo sobrevivido a crises de risco de vida, dão notícia de uma experiência extraordinária. As experiências de quase-morte (EQM) sucedem de modo cada vez mais frequente devido ao incremento dos casos de sobrevivência resultantes das modernas técnicas de ressuscitação. O conteúdo dessas experiências e seus efeitos nos enfermos apresentam semelhanças por todo o mundo, independentemente dos fatores culturais e de ocorrência temporal. A natureza subjetiva e a falta de quadros de referência conduziram a fatores individuais, culturais e religiosos, que determinaram o vocabulário usado na descrição da experiência.

Os EQM podem ser definidos (Van Lommel e outros, 2001) como a memória descrita do conjunto de impressões durante um estado especial da consciência, incluindo um número de elementos específicos tais como:

uma experiência fora do corpo; (OBE, out of the body experience);

sentimentos agradáveis;

visão de um túnel, de uma luz;

de entes queridos já falecidos;

e uma revisão da vida.

As ocasiões durante as quais sucedem relatos de EQM são várias, tais como paragens cardíacas (morte clínica), choques por hemorragias, coma posterior a traumas por lesão ou derramamento cerebral, afogamento iminente (de crianças) ou asfixia, mas também em enfermidades que não colocam a vida em risco imediato.

As EQM podem ter lugar durante a fase terminal de enfermidades, e são chamadas “visões no leito de morte” (Osis and Haraldson, 1977,1986). Além disso, experiências idênticas, chamadas “experiências por medo da morte”, são principalmente narradas depois de situações em que a morte pareceria inevitável, tais como acidentes graves de trânsito ou de alpinismo (Heim, 1891).

As EQM têm a capacidade de provocar transformações, mudanças profundas da conceção de vida e perdas do medo da morte (Van Lommel et al., 2001; Blackmore, 1993; Schröter-Kunhardt, 1999).

De acordo com um inquérito feito ao acaso na Alemanha (Schmied e outros, 1999) e nos Estados Unidos (Gallup,1982) cerca de 4-5% da população total do mundo ocidental terá passado por uma EQM.

As EQM parecem ser ocorrências relativamente frequentes. Sendo para muitos médicos fenómenos inexplicáveis são, por isso, ignorados como resultado de sobrevivência em situação médica crítica.

Pessoalmente, contudo, a minha curiosidade científica começou a crescer porque, de acordo com os nossos conceitos atuais, não é possível ter a consciência desperta durante uma paragem cardíaca, quando não há respiração nem circulação sanguínea.

A consciência oferece experiências pontuais bem como duradouras. Haverá princípio ou fim para a consciência? Como é que se encontra relacionada a consciência com a integridade das funções cerebrais? Será possível compreender claramente esse relacionamento? Deveríamos considerar a possibilidade de experiência consciente quando alguém em coma foi declarado pelos médicos cerebralmente morto, e está para ser iniciado um transplante de órgãos?

Recentemente foram publicados vários livros na Holanda acerca de experiências vividas conscientemente durante o estado de coma após desastres de viação, ou durante o estado de coma após complicações com hipertensão cerebral depois de operações cirúrgicas a tumores no cérebro. Este último caso foi o de um enfermo declarado cerebralmente morto pelo seu neurologista e neurocirurgião, cuja família – afortunadamente – tinha recusado autorização para doação de órgãos, tendo o mesmo recuperado conhecimento consciente após três semanas.

Estes doentes declararam que, durante o seu estado de coma, tiveram conhecimento consciente com memórias, emoções e a perceção de se encontrarem fora e acima do seu próprio corpo, de terem “visto” enfermeiros, médicos e pessoas de família dentro e fora da Unidade de Cuidados Intensivos.

Será que a morte do cérebro é mesmo “mortal”, ou será que não passa do começo de um processo de morte que pode durar horas ou dias? E o que é que acontece à consciência durante esse período? Tendo em conta os muitos relatos de EQM, deveríamos considerar a possibilidade de que alguém, durante uma paragem cardíaca, pode dispor de conhecimento consciente, ou teremos também de perguntar-nos se poderá ainda estar consciente depois da morte, com o corpo já frio?

Estarão os nossos conceitos acerca da morte corretos?

Será que o nosso medo da morte não estará baseado na ignorância acerca daquilo que a morte é?

A maior parte de nós julga que a morte é o fim da nossa existência; acreditamos que ela é o fim de tudo o que nós somos. Acreditamos que a morte do nosso corpo é o fim da nossa identidade, o fim dos nossos pensamentos e memórias, o fim da nossa consciência.

A maioria de nós nem sequer imagina que durante a vida 500.000 células morrem por segundo, em cada minuto morrem 30 milhões e por dia são cerca de 50 biliões o número de células que é substituído, o que tem como resultado termos aproximadamente um corpo inteiramente novo por ano.

A morte das células, deste modo, é totalmente diferente da morte do corpo quando por fim chega o fim da vida. Durante ela o nosso corpo muda constantemente, cada dia, cada minuto, cada segundo.

Cada ano também cerca de 98% das moléculas e dos átomos do nosso corpo são substituídos. Cada ser humano vivente é o equilíbrio instável entre processos opostos de integração e de desintegração. Mas ninguém concebe essa mudança constante.

Donde é que deriva a continuidade do nosso corpo, que incessantemente se transforma?

As células são as peças construtoras do nosso corpo, tal como os tijolos de uma casa, mas quem coordena a sua construção?

Quando alguém morre, apenas sobram restos mortais: apenas matéria. Que se passa com a nossa consciência quando morremos?

“É” alguém o seu corpo, ou “temos” um corpo?

Assim, o que é a morte? Teremos que modificar o nosso conceito da morte, não somente baseado naquilo que tem sido pensado e escrito acerca da morte na história da humanidade, nas muitas culturas em redor do mundo, nas muitas religiões e ao longo dos tempos?

Ou também os conceitos baseados na análise científica recente a respeito das EQM?

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Dr. Pim van LommelAs Experiências de Quase-Morte, A Consciência e o Cérebro – Introdução (1º fragmento) tradução para a língua portuguesa de palavra luz depois de autorizada pelo autor.
(imagem de contextualização: O Dr. Pim van Lommel / aquando entrevista de 2014 / com pesquisas médicas iniciadas e realizadas, durante décadas, no Hospital Rijnstate, Arnhem / Holanda)

sábado, 10 de maio de 2014

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades


Em torno do ser profundo de Victor Hugo ~

Por mais profunda que seja a crítica em relação à personalidade de Victor Hugo, nela não penetrará enquanto não medir a sua existência com o critério palingenésico ou "sentido" da reencarnação do ser. Se Hugo teve inúmeras alternativas morais foi porque o seu ser penetrava nas misteriosas zonas de uma realidade pré-existencial. A crítica comum, quando se trata de grandes espíritos, opina sempre ignorando a natureza profunda que os conforma. Enquanto a crítica desconhecer que génio e mediunidade são uma e a mesma essência, não poderá nunca penetrar nesses "mundos" que se movem no infinito das almas.

Victor Hugo sabia que no seu ser se entrecruzavam incontáveis existências por ele vividas; daí as suas variações de carácter, as suas angústias e tristezas, as suas aproximações repentinas dos mais variados climas espirituais. O seu espírito projectava no circundante as suas sondas psíquicas até extrair da essência das coisas a sua substância infinita.

Assim se relacionava com a alma verdadeira dos seres e das coisas; desse modo o seu ser se colocava em comunicação com o outro Eu das pessoas, que é onde se encontra o verdadeiro espírito encarnado.

O seu génio, logicamente, não pôde revelar aos seus íntimos e amigos a realidade profunda que percebia no todo existente. Ocultava sempre segredos espirituais, falava de temas eternos de acordo com o sentir comum, pois sabia ser inoportuno revelar o que acontecia por esse sentido palingenésico do seu Ser, que o acompanhou em toda a sua vida. Ateve-se sempre à medida evolutiva dos espíritos, compreendendo que a realidade espiritual do homem não pode estar ao alcance de todos.

Os filósofos quiseram perguntar sobre a origem do seu génio penetrando nas circunvoluções do seu cérebro. Pretenderam estimar a sua inteligência conforme o peso desse órgão. O próprio Victor Hugo doou à ciência o seu organismo cerebral para que, não existindo nenhuma diferença substancial nos cérebros, fosse investigado, depois da sua morte, se havia qualquer disparidade entre a organização dele e da massa cerebral dos animais. Por essa razão, resolveu que a investigação deveria ser praticada no cérebro do seu próprio cão, "com a finalidade de descobrir se haveria algo diferente na substância ou organização de algum dos órgãos cerebrais que pudesse servir de base para apreciar os vários graus de inteligências".

(1) - Doutor Franco Ponte: Los cérebros de Victor Hugo y Alberto Einstein, Revista Cosmo, 1995, Ponce, Puerto Rico.

A informação dada pela comissão médica examinadora foi a seguinte: "Não encontramos nenhuma molécula a mais de matéria cinzenta no cérebro de Victor Hugo que na do cão. Achamos diferença de volume e peso somente, que acreditamos não afectarem nada as manifestações intelectuais, pois é sabido que existem entidades de escassa inteligência com cérebros volumosos e vice-versa, entidades de vastos conhecimentos em cérebros muito pequenos".

Ocorreu o mesmo quando se examinou o cérebro de Alberto Einstein, este outro ser que comoveu as bases da ciência oficial. O parecer assinalava: "Nada encontramos que nos conduza ao caminho da verdade", ao que se acrescentou: "Nada foi encontrado e estamos certos de que o cérebro de Einstein é igual na sua estrutura e forma física a todos os cérebros dos seres comuns".

Estas conclusões demonstram que a caixa craniana não encerra e não gera a inteligência do ser. Dá-se conta que os lóbulos cerebrais não segregam as ideias como os rins e a urina e que o materialismo está assente sobre bases irreais no que se refere à espiritualidade do homem.

A concepção espírita, que vai além do espiritualismo clássico, tem demonstrado mediante a observação de numerosos factos, que os lóbulos cerebrais não são mais que órgãos pelos quais se manifesta o ser e o pensamento. Consequentemente, o génio de Victor Hugo não esteve radicado na fisiologia especial de seu cérebro, ou seja, o grande poeta de Raios e Sombras, não possuía um cérebro extraordinariamente desenvolvido, pelo contrário, o génio é que foi a causa do seu grande desenvolvimento espiritual.

O homem Victor Hugo não era igual ao homem comum, sujeito às limitadas percepções dos cinco sentidos corporais. O grande poeta francês foi um exemplo de homem palingenésico dotado, por essa mesma razão, do sexto sentido ou da mediunidade altamente desenvolvida. Assim é que foi vidente, profeta e poeta e pôde compreender o que significam espiritualmente as grandes epopeias da humanidade. Compreendeu assim que a Revolução Francesa sem uma revolução espiritual não seria mais que um fenómeno político de ordem local.

Descobriu também que em cada homem pode estar reencarnado um rei, um mendigo, um santo ou um malfeitor; por isso o poeta conseguiu perceber que as verdadeiras raízes da história estão no espírito. Para Hugo os processos sociais eram o resultado de impulsos morais provenientes de espíritos reencarnados e não cegos tumultos políticos. O próprio Jean Valjean, condenado por roubar um pão, pôde ser, de acordo com as visões espíritas do poeta, um espírito reencarnado com a missão de obrigar os poderosos a não serem, impiedosos para com os miseráveis da terra.

Mas, por que se ocultam e dissimulam as ideias espíritas de Victor Hugo? Será que o génio é grande somente quando apoia a cultura materialista?

A única coisa que nos atrevemos a responder é que Victor Hugo havia sobrepujado as velhas concepções espirituais e que o seu génio pôde abrir as asas mercê do que as revelações mediúnicas da Ilha de Jersey tão objectivamente demonstraram. Eis o que tentaremos ver nos próximos capítulos

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Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, Em torno do ser profundo de Victor Hugo, 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)

domingo, 4 de maio de 2014

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~

O movimento pancéltico ~


Durante a longa noite da Idade Média, o ideal céltico aparentemente foi esquecido, mas ele subsistiu e adormeceu na consciência popular.

Os druidas e os bardos, expulsos da terra das Gálias, foram para a ilha da Bretanha.

Na França, os nobres e os senhores foram divididos em partidos rivais e se desgastaram em lutas internas. O povo pobre das cidades e dos campos foi entregue a uma pesada tarefa, absorvidos pelas preocupações materiais, sofrendo fome e miséria.

Cristianismo, tendo penetrado na Gália, suavizou até certo ponto esses males. Ele representou benefício e progresso; a religião de Jesus se adaptou bem à fraqueza humana. Se a lei do amor e do sacrifício, que ela trazia, tivesse achado a sua aplicação, podia ser suficiente para a salvação das almas e para a redenção da humanidade.

Com a finalidade de aperfeiçoamento moral, a religião cristã reprimia a vontade, a paixão, o desejo, tudo o que constitui o “eu”, o centro da personalidade. A doutrina céltica, pelo contrário, aplicava-se em dar ao ser todo o seu poder de irradiação, inspirando-se nessa lei de evolução que não tem limite, na qual a ascensão da alma é infinita. A alma cristã aspira ao repouso, à bem-aventurança no seio de Deus, mas a alma céltica se interessa em desenvolver os seus poderes íntimos a fim de participar, numa medida crescente, de círculos em círculos, da vida e da obra universal.

A alma cristã é mais amante, a alma céltica é mais viril. Uma procura ganhar o céu pela prática das virtudes, pela abnegação e pela renúncia; a outra quer conquistar o “Gwynfyd”, colocando em acção as forças que adormecem nela. Mas ambas têm sede do infinito, da eternidade, do absoluto. A alma céltica acrescenta o sentido do invisível, a certeza do além e o culto fervoroso da Natureza.

Essas duas almas, porém, muitas vezes coexistem, ou melhor, se superpõem nos mesmos seres. É o caso para muitos de nossos compatriotas; entre eles essas duas almas ainda se ignoram, mas se fundirão um dia.

Será preciso lembrar que a doutrina de Cristo perdeu, em vários pontos, o seu sentido primitivo? A França se achou ante um ensino teológico que tinha restringido todas as coisas, reduzindo as proporções da vida a uma única existência terrestre, muito desigual, conforme os indivíduos, para os fixar em seguida numa imobilidade eterna. As perspectivas do inferno tornaram a morte mais temível. Elas fizeram de Deus um juiz cruel que, tendo criado um homem imperfeito, o punia por essa imperfeição sem reparação possível. E daí o progresso do ateísmo, do materialismo, que com o tempo fizeram da França uma nação em maioria céltica, desprovida de força moral, dessa fé robusta e esclarecida que torna o dever fácil, a prova suportável, e atribui à vida um fim prático de evolução e de aperfeiçoamento.

O jugo feudal e teocrático durante longo tempo pesou sobre a França; depois, chegou a hora em que ela retomou a sua liberdade de pensar e de crer. Então, desejou-se passar pelo crivo toda a obra dos séculos e, sem verificar o que era bom e belo, sob pretexto da crítica e da análise, foi realizado um trabalho ferrenho de desagregação. Num dado momento, nada mais se via no domínio do pensamento, a não ser escombros; do que havia feito a grandeza do passado nada ficou de pé, e somente sobrou a poeira das ideias.

Escritores de mérito e pensadores conscienciosos muito se aplicaram, nas suas obras, para fazer ressaltar o valor e o prestígio do Druidismo, mas o fruto dos seus trabalhos não penetrou nas camadas profundas da nação. Até tivemos o assombro de ver universitários, membros distintos do ensino, alinharem-se com os teólogos para denegrir, desfigurar as crenças dos nossos antepassados. O trabalho secular de destruição foi tão completo, a noite foi tão profunda sobre as suas concepções, que raros se tornaram aqueles que dele ainda experimentavam a potência e a beleza.

Ficar desprovida de noções precisas sobre a vida e sobre a morte, em conformidade com as leis da Natureza e as intuições profundas da consciência, seria uma grande causa de fraqueza e, portanto, uma infelicidade para a França. Durante séculos ela esqueceu as suas tradições nacionais, perdeu de vista o génio da sua raça, como também as revelações dadas aos seus antepassados para dirigir a sua escalada para um fim elevado.

Essa revelação afirmava que o princípio da vida no homem é indestrutível, que as forças, as energias que se agitam em nós não podem ser condenadas à inacção, que a personalidade humana é chamada a se desenvolver, através do tempo e do espaço, para adquirir as qualidades, as potências novas que lhe permitirão desempenhar um papel sempre mais importante no Universo.

Eis que esta revelação se repete, renova-se. Como nos tempos célticos, o mundo invisível intervém. Há cerca de um século, a voz dos espíritos é ouvida em todos os lugares da Terra. Ela demonstra que, de um modo geral, os nossos pais não se enganaram. As suas crenças estão confirmadas pelos ensinos de além-túmulo em tudo que se relaciona com a vida futura, a evolução, a justiça divina, noutras palavras, pelo conjunto das regras e das leis que regem a vida universal.

Graças a essa luz, o infinito está aberto para nós até às suas profundezas íntimas. Em vez de um paraíso beato e de um inferno ridículo, entrevimos o imenso séquito dos mundos, que são as estações que a alma percorre na sua longa peregrinação, na sua ascensão para Deus, construindo e possuindo em si mesma a sua felicidade e a sua grandeza pelos méritos adquiridos.

Em lugar da fantasia ou do arbítrio, em toda a parte desponta a ordem, a sabedoria e a harmonia.

Para as gerações que se erguem e procuram um ideal susceptível de substituir as pesadas teorias escolásticas, afirmamos: examinai connosco essas duas fontes, que formam uma só, confundindo-se na sua identidade; examinai as fontes puras onde os nossos ancestrais temperaram os seus pensamentos e a sua alma. Ali obtereis a força moral, as qualidades viris e o ideal elevado, sem os quais a França seria entregue a uma decadência irremediável, à ruína e à morte!

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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO I – Origem dos celtas. Guerra dos gauleses. Decadência e queda. Longa noite; o despertar. O movimento pancéltico. 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: The Apotheosis of the French Heroes who Died for their Country During the War for Freedom_1802, pintura de Anne-Luis GIRODET-TRIOSON)