Introdução |
Há pessoas que, tendo sobrevivido a crises de risco de vida,
dão notícia de uma experiência extraordinária. As experiências de quase-morte
(EQM) sucedem de modo cada vez mais frequente devido ao incremento dos casos de
sobrevivência resultantes das modernas técnicas de ressuscitação. O conteúdo
dessas experiências e seus efeitos nos enfermos apresentam semelhanças
por todo o mundo, independentemente dos fatores culturais e de ocorrência
temporal. A natureza subjetiva e a falta de quadros de referência conduziram a
fatores individuais, culturais e religiosos, que determinaram o vocabulário
usado na descrição da experiência.
Os EQM podem ser definidos (Van Lommel e outros, 2001) como
a memória descrita do conjunto de impressões durante um estado especial da
consciência, incluindo um número de elementos específicos tais como:
uma experiência fora do corpo; (OBE, out of the body
experience);
sentimentos agradáveis;
visão de um túnel, de uma luz;
de entes queridos já falecidos;
e uma revisão da vida.
As ocasiões durante as quais sucedem relatos de EQM são
várias, tais como paragens cardíacas (morte clínica), choques por hemorragias,
coma posterior a traumas por lesão ou derramamento cerebral, afogamento
iminente (de crianças) ou asfixia, mas também em enfermidades que não colocam a
vida em risco imediato.
As EQM podem ter lugar durante a fase terminal de
enfermidades, e são chamadas “visões no leito de morte” (Osis
and Haraldson, 1977,1986). Além disso, experiências idênticas, chamadas “experiências
por medo da morte”, são principalmente narradas depois de situações em que
a morte pareceria inevitável, tais como acidentes graves de
trânsito ou de alpinismo (Heim, 1891).
As EQM têm a capacidade de provocar transformações,
mudanças profundas da conceção de vida e perdas do medo da morte (Van Lommel et
al., 2001; Blackmore, 1993; Schröter-Kunhardt, 1999).
De acordo com um inquérito feito ao acaso na Alemanha
(Schmied e outros, 1999) e nos Estados Unidos (Gallup,1982) cerca de 4-5% da
população total do mundo ocidental terá passado por uma EQM.
As EQM parecem ser ocorrências relativamente frequentes.
Sendo para muitos médicos fenómenos inexplicáveis são, por isso, ignorados como
resultado de sobrevivência em situação médica crítica.
Pessoalmente, contudo, a minha curiosidade
científica começou a crescer porque, de acordo com os nossos conceitos
atuais, não é possível ter a consciência desperta durante uma paragem cardíaca,
quando não há respiração nem circulação sanguínea.
A consciência oferece experiências pontuais bem como
duradouras. Haverá princípio ou fim para a consciência? Como é que se encontra
relacionada a consciência com a integridade das funções cerebrais? Será
possível compreender claramente esse relacionamento? Deveríamos considerar a
possibilidade de experiência consciente quando alguém em coma foi declarado
pelos médicos cerebralmente morto, e está para ser iniciado um transplante de
órgãos?
Recentemente foram publicados vários livros na Holanda
acerca de experiências vividas conscientemente durante o estado de coma após
desastres de viação, ou durante o estado de coma após complicações com
hipertensão cerebral depois de operações cirúrgicas a tumores no cérebro. Este
último caso foi o de um enfermo declarado cerebralmente morto pelo seu
neurologista e neurocirurgião, cuja família – afortunadamente – tinha recusado
autorização para doação de órgãos, tendo o mesmo recuperado conhecimento
consciente após três semanas.
Estes doentes declararam que, durante o seu estado de coma, tiveram
conhecimento consciente com memórias, emoções e a perceção de se encontrarem
fora e acima do seu próprio corpo, de terem “visto” enfermeiros, médicos e
pessoas de família dentro e fora da Unidade de Cuidados Intensivos.
Será que a morte do cérebro é mesmo “mortal”, ou será que
não passa do começo de um processo de morte que pode durar horas ou dias? E o
que é que acontece à consciência durante esse período? Tendo em conta os muitos
relatos de EQM, deveríamos considerar a possibilidade de que alguém, durante
uma paragem cardíaca, pode dispor de conhecimento consciente, ou teremos também
de perguntar-nos se poderá ainda estar consciente depois da morte, com o corpo
já frio?
Estarão os nossos conceitos acerca da morte corretos?
Será que o nosso medo da morte não estará baseado na
ignorância acerca daquilo que a morte é?
A maior parte de nós julga que a morte é o fim da nossa
existência; acreditamos que ela é o fim de tudo o que nós somos. Acreditamos
que a morte do nosso corpo é o fim da nossa identidade, o fim dos nossos
pensamentos e memórias, o fim da nossa consciência.
A maioria de nós nem sequer imagina que durante a vida
500.000 células morrem por segundo, em cada minuto morrem 30 milhões e por dia
são cerca de 50 biliões o número de células que é substituído, o que tem como
resultado termos aproximadamente um corpo inteiramente novo por ano.
A morte das células, deste modo, é totalmente diferente da
morte do corpo quando por fim chega o fim da vida. Durante ela o nosso corpo
muda constantemente, cada dia, cada minuto, cada segundo.
Cada ano também cerca de 98% das moléculas e dos átomos do
nosso corpo são substituídos. Cada ser humano vivente é o equilíbrio
instável entre processos opostos de integração e de desintegração. Mas
ninguém concebe essa mudança constante.
Donde é que deriva a continuidade do nosso corpo, que
incessantemente se transforma?
As células são as peças construtoras do nosso corpo, tal
como os tijolos de uma casa, mas quem coordena a sua construção?
Quando alguém morre, apenas sobram restos mortais: apenas
matéria. Que se passa com a nossa consciência quando morremos?
“É” alguém o seu corpo, ou “temos” um corpo?
Assim, o que é a morte? Teremos que modificar o
nosso conceito da morte, não somente baseado naquilo que tem sido pensado e
escrito acerca da morte na história da humanidade, nas muitas culturas em redor
do mundo, nas muitas religiões e ao longo dos tempos?
Ou também os conceitos baseados na análise científica
recente a respeito das EQM?
/...
Dr.
Pim van Lommel, As Experiências de Quase-Morte, A Consciência e o
Cérebro – Introdução (1º fragmento) tradução para a língua portuguesa
de palavra luz depois
de autorizada pelo autor.
(imagem de contextualização: O Dr. Pim van Lommel / aquando
entrevista de 2014 / com pesquisas médicas iniciadas e realizadas,
durante décadas, no Hospital Rijnstate, Arnhem / Holanda)
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