quarta-feira, 14 de maio de 2014

teremos que modificar o nosso conceito da morte?

Introdução |

Há pessoas que, tendo sobrevivido a crises de risco de vida, dão notícia de uma experiência extraordinária. As experiências de quase-morte (EQM) sucedem de modo cada vez mais frequente devido ao incremento dos casos de sobrevivência resultantes das modernas técnicas de ressuscitação. O conteúdo dessas experiências e seus efeitos nos enfermos apresentam semelhanças por todo o mundo, independentemente dos fatores culturais e de ocorrência temporal. A natureza subjetiva e a falta de quadros de referência conduziram a fatores individuais, culturais e religiosos, que determinaram o vocabulário usado na descrição da experiência.

Os EQM podem ser definidos (Van Lommel e outros, 2001) como a memória descrita do conjunto de impressões durante um estado especial da consciência, incluindo um número de elementos específicos tais como:

uma experiência fora do corpo; (OBE, out of the body experience);

sentimentos agradáveis;

visão de um túnel, de uma luz;

de entes queridos já falecidos;

e uma revisão da vida.

As ocasiões durante as quais sucedem relatos de EQM são várias, tais como paragens cardíacas (morte clínica), choques por hemorragias, coma posterior a traumas por lesão ou derramamento cerebral, afogamento iminente (de crianças) ou asfixia, mas também em enfermidades que não colocam a vida em risco imediato.

As EQM podem ter lugar durante a fase terminal de enfermidades, e são chamadas “visões no leito de morte” (Osis and Haraldson, 1977,1986). Além disso, experiências idênticas, chamadas “experiências por medo da morte”, são principalmente narradas depois de situações em que a morte pareceria inevitável, tais como acidentes graves de trânsito ou de alpinismo (Heim, 1891).

As EQM têm a capacidade de provocar transformações, mudanças profundas da conceção de vida e perdas do medo da morte (Van Lommel et al., 2001; Blackmore, 1993; Schröter-Kunhardt, 1999).

De acordo com um inquérito feito ao acaso na Alemanha (Schmied e outros, 1999) e nos Estados Unidos (Gallup,1982) cerca de 4-5% da população total do mundo ocidental terá passado por uma EQM.

As EQM parecem ser ocorrências relativamente frequentes. Sendo para muitos médicos fenómenos inexplicáveis são, por isso, ignorados como resultado de sobrevivência em situação médica crítica.

Pessoalmente, contudo, a minha curiosidade científica começou a crescer porque, de acordo com os nossos conceitos atuais, não é possível ter a consciência desperta durante uma paragem cardíaca, quando não há respiração nem circulação sanguínea.

A consciência oferece experiências pontuais bem como duradouras. Haverá princípio ou fim para a consciência? Como é que se encontra relacionada a consciência com a integridade das funções cerebrais? Será possível compreender claramente esse relacionamento? Deveríamos considerar a possibilidade de experiência consciente quando alguém em coma foi declarado pelos médicos cerebralmente morto, e está para ser iniciado um transplante de órgãos?

Recentemente foram publicados vários livros na Holanda acerca de experiências vividas conscientemente durante o estado de coma após desastres de viação, ou durante o estado de coma após complicações com hipertensão cerebral depois de operações cirúrgicas a tumores no cérebro. Este último caso foi o de um enfermo declarado cerebralmente morto pelo seu neurologista e neurocirurgião, cuja família – afortunadamente – tinha recusado autorização para doação de órgãos, tendo o mesmo recuperado conhecimento consciente após três semanas.

Estes doentes declararam que, durante o seu estado de coma, tiveram conhecimento consciente com memórias, emoções e a perceção de se encontrarem fora e acima do seu próprio corpo, de terem “visto” enfermeiros, médicos e pessoas de família dentro e fora da Unidade de Cuidados Intensivos.

Será que a morte do cérebro é mesmo “mortal”, ou será que não passa do começo de um processo de morte que pode durar horas ou dias? E o que é que acontece à consciência durante esse período? Tendo em conta os muitos relatos de EQM, deveríamos considerar a possibilidade de que alguém, durante uma paragem cardíaca, pode dispor de conhecimento consciente, ou teremos também de perguntar-nos se poderá ainda estar consciente depois da morte, com o corpo já frio?

Estarão os nossos conceitos acerca da morte corretos?

Será que o nosso medo da morte não estará baseado na ignorância acerca daquilo que a morte é?

A maior parte de nós julga que a morte é o fim da nossa existência; acreditamos que ela é o fim de tudo o que nós somos. Acreditamos que a morte do nosso corpo é o fim da nossa identidade, o fim dos nossos pensamentos e memórias, o fim da nossa consciência.

A maioria de nós nem sequer imagina que durante a vida 500.000 células morrem por segundo, em cada minuto morrem 30 milhões e por dia são cerca de 50 biliões o número de células que é substituído, o que tem como resultado termos aproximadamente um corpo inteiramente novo por ano.

A morte das células, deste modo, é totalmente diferente da morte do corpo quando por fim chega o fim da vida. Durante ela o nosso corpo muda constantemente, cada dia, cada minuto, cada segundo.

Cada ano também cerca de 98% das moléculas e dos átomos do nosso corpo são substituídos. Cada ser humano vivente é o equilíbrio instável entre processos opostos de integração e de desintegração. Mas ninguém concebe essa mudança constante.

Donde é que deriva a continuidade do nosso corpo, que incessantemente se transforma?

As células são as peças construtoras do nosso corpo, tal como os tijolos de uma casa, mas quem coordena a sua construção?

Quando alguém morre, apenas sobram restos mortais: apenas matéria. Que se passa com a nossa consciência quando morremos?

“É” alguém o seu corpo, ou “temos” um corpo?

Assim, o que é a morte? Teremos que modificar o nosso conceito da morte, não somente baseado naquilo que tem sido pensado e escrito acerca da morte na história da humanidade, nas muitas culturas em redor do mundo, nas muitas religiões e ao longo dos tempos?

Ou também os conceitos baseados na análise científica recente a respeito das EQM?

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Dr. Pim van LommelAs Experiências de Quase-Morte, A Consciência e o Cérebro – Introdução (1º fragmento) tradução para a língua portuguesa de palavra luz depois de autorizada pelo autor.
(imagem de contextualização: O Dr. Pim van Lommel / aquando entrevista de 2014 / com pesquisas médicas iniciadas e realizadas, durante décadas, no Hospital Rijnstate, Arnhem / Holanda)

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