segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Corpo fluídico | agénere ou aparição tangível ~


Capítulo Segundo

KARDEC E O CORPO FLUÍDICO (IV)

O Cristo com corpo fluídico, segundo Kardec (*), explicaria certas situações mas não chega a convencer. "O seu nascimento, a sua morte e todos os actos materiais de sua vida não teriam sido mais que uma aparição. E dizem que assim se explica que o seu corpo, retornado ao estado fluídico, pôde desaparecer do sepulcro, e foi com este mesmo corpo que ele se teria mostrado depois da sua morte."

A partir daqui, Kardec entra no mérito da questão. Observemos como ele assesta os seus instrumentos de maneira a discutir sobre os próprios argumentos utilizados pelos fluidistas.

"Sem dúvida, – diz – um facto destes não é radicalmente impossível, segundo o que hoje se sabe sobre as propriedades dos fluidos; porém seria pelo menos inteiramente excepcional e em oposição formal com o carácter dos agéneres. A questão é, pois, de se saber se tal hipótese é admissível, se ela é confirmada ou contraditada pelos factos."

Note-se que Kardec afirma que este caso seria "excepcional e em oposição formal com o carácter dos agéneres", porque o agénere não é somente o ser incriado, mas uma aparição tangível de curta duração. Jesus, se tivesse tido um corpo fluídico, seria a excepção à regra, o agénere perfeito de longa duração, no dizer de um certo autor (**), um caso de "seres que se mostram materializados aos olhos humanos, às vezes por longos períodos". Não é essa a conclusão a que chegou Kardec sobre os agéneres. Mas, como ele mesmo disse, é preciso verificar se tal hipótese "é confirmada ou contraditada pelos factos". Ele, pois, prossegue nas suas considerações.

"A permanência de Jesus sobre a Terra apresenta dois períodos: aquele que precede e aquele que segue a sua morte. No primeiro, desde o momento da concepção até ao nascimento, tudo se passa com sua mãe como nas condições comuns da vida. A partir do nascimento e até à sua morte, tudo, nos seus actos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias da vida, apresenta os caracteres inequívocos da sua corporeidade. Os fenómenos de ordem psíquica que se produzem nele são acidentais, e nada têm de anormal, pois explicam-se pelas propriedades do perispírito (i), e são encontrados em diferentes graus em outros indivíduos. Depois da sua morte, ao contrário, tudo revela nele o ser fluídico. A diferença entre esses dois estados é tão fundamentalmente traçada que não é possível assemelhá-los."

Nessa linha de raciocínio, o Cristo de depois da morte é um agénere perfeito, pois aparece e desaparece em curtos espaços de tempo e pode ser reconhecido com perfeição. Na estrada de Emaús aparece a dois discípulos, caminha com eles, demora mas é reconhecido, depois se esvai; a Tomé, materializa-se a ponto de produzir impressões fortes e o convencer. Enfim, este é o ser fluídico, tangível, numa palavra: o agénere! O outro, de antes da morte, é o Cristo de carne, o homem com todas as necessidades do homem. Ninguém o confunde nem duvida da sua realidade palpável, permanente.

"O corpo carnal – prossegue Kardec – tem as propriedades inerentes à matéria propriamente dita, as quais diferem essencialmente dos fluidos etéreos; a desorganização ali se opera pela ruptura da coesão molecular. Um instrumento cortante, penetrando no corpo material, divide os seus tecidos; se os órgãos essenciais à vida são atacados, o seu funcionamento se detém, e a morte será a consequência, isto é, a morte do corpo. Essa coesão não existe nos corpos fluídicos; a vida, neles, não repousa no funcionamento dos órgãos especiais, e neles não se podem produzir desordens análogas; um instrumento cortante ou qualquer outro ali penetra como num vapor, sem lhe ocasionar lesão alguma. Eis por que os seres fluídicos designados sob o nome de agéneres não podem ser mortos."

Depois do suplício de Jesus, o seu corpo lá ficou, inerte e sem vida; foi sepultado como os corpos comuns, e todos puderam vê-lo e tocá-lo. Depois da ressurreição, quando ele deixa a Terra, não morre; o seu corpo se eleva e desaparece, sem deixar nenhum sinal, prova evidente de que esse corpo era de outra natureza que não aquele que pereceu na cruz; de onde será forçoso concluir que se Jesus pôde morrer é que tinha corpo carnal.

"Em consequência das suas propriedades materiais – continua Kardec – o corpo carnal é a sede das sensações e das dores físicas que repercutem no centro sensitivo ou Espírito; não é o corpo que sofre, é o Espírito que recebe o contragolpe das lesões ou alterações dos tecidos orgânicos. Num corpo privado de Espírito, a sensação é absolutamente nula; pela mesma razão, o Espírito que não tem corpo material não pode experimentar os sofrimentos que são o resultado da alteração da matéria; daí será preciso igualmente concluir que se Jesus sofreu materialmente, como não será possível duvidar, é que tinha um corpo material, de natureza idêntica à de todos."

Até aqui, Kardec se atém ao aspecto físico e consequências. Tira, porém, conclusões que para si são as únicas possíveis. Ora, o agénere não pode morrer, não pode ser ferido. Jesus, no entanto, morreu, o seu corpo foi sepultado, todos viram, tocaram. Só quem tem um corpo material – é Kardec quem diz – pode passar por esses lances! Mas o Cristo era assistido por uma equipe de Espíritos que poderiam muito bem simular todo o drama, inclusive o sangue a jorrar dos ferimentos causados pela coroa de espinhos, pela cruz e pelas lanças dos soldados, afirmam alguns. Sim, repetindo Kardec, nisso nada há de materialmente impossível, porém é preciso convir que isso seria bem mais antinatural do que se Jesus tivesse tido corpo material. Por mais que os Espíritos possam fazer, o bom senso leva a ver que esta teoria é complicada demais para ser verdadeira.

/…
(*) A Génese , cap. XV, item 64.
(**) "Universo e Vida", cap. VII.


Wilson GarciaO Corpo Fluídico, Capítulo Segundo – KARDEC E O CORPO FLUÍDICO 4 de 5, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Sem título, pintura de Josefina Robirosa)

Sem comentários:

Enviar um comentário