domingo, 24 de novembro de 2019

pensamento espírita argentino ~

CAPÍTULO I

~~ fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história ~

Que somos? 

(VIII)

As localizações cerebrais não são senão centros que têm ramificações e pontos de contacto em todo o sistema nervoso, sobre os quais, no estado normal, age o espírito, podendo deles prescindir em casos como os que relatamos e em outros mais extraordinários e difíceis de explicar dentro do estreito limite da psicofisiologia, como os fenómenos metapsíquicos, anímicos e espíritas.

As mesmas percepções podem chegar à alma por diferentes vias nervosas, ainda que produzidas por sensações diversas. As sensações tácteis dão ao cego e também ao que não o seja, idênticas percepções de forma e tamanho e até de significado como as percepções visuais e, a vista pode suprir o tacto. As sensações olfactivas estão tão intimamente ligadas às do gosto que em muitíssimos casos podem supri-las; o ouvido é um grande auxiliar da vista e pode informar à alma percepções análogas. A alma é una e indivisível e talvez não esteja longe o dia em que se possa, por exemplo, manusear as cores e ver os sons, como auxiliares dos órgãos de percepção. E esses mesmos órgãos podem ser, em casos anormais, alterados e o sujeito perceber por vias diferentes, como nos casos de transposição dos sentidos, estudados por Lombroso, Petetin e outros.

O primeiro destes sábios narra o facto de uma jovem de 14 anos de idade, filha de um dos homens mais inteligentes da Itália e de mãe sã e robusta, que ao chegar à puberdade sofreu tantos transtornos orgânicos, seguidos de convulsões histéricas, de hiperestesia e de transposição dos sentidos, que ele (Lombroso) foi chamado a assisti-la: enquanto perdia a visão dos olhos, via com o mesmo grau de agudeza com a ponta do nariz e com o lóbulo da orelha esquerda. Igual transposição se havia operado com o olfacto: “o amoníaco, a assa-fétida (i) não lhe produziam no nariz a mais leve reacção, enquanto que outra substância ligeiramente odorífica posta sob o queixo provocava-lhe uma impressão viva e uma mímica característica”... Mais tarde, o olfacto se transportou para o calcanhar e então, quando o odor lhe desagradava, movia a perna da direita para a esquerda e quando lhe era agradável ficava quieta, sorria e respirava com frequência. Em tais condições teve mais tarde fenómenos de lucidez profética: prognosticava com assombrosa exactidão, às vezes com 15 dias ou mais de antecedência, o dia e a hora em que lhe sobreviria o acesso histérico e indicava o metal que o faria cessar e que era insubstituível. Viu de seu leito e a um quilómetro de distância o seu irmão no teatro e predisse a este e a seu pai factos que aconteceriam (e que se verificaram) dois anos depois.

Relacionados com estes factos estão os fenómenos psicométricos e alguns de clarividência (em estado normal ou sonambúlico) em que certos sujeitos sensitivos percebem, vêem, a grandes distâncias e fora das condições visuais ordinárias, mediante o contacto de um objecto com os dedos da mão ou colocando aquele em certas zonas do corpo chamadas hipnógenas, factos ou acontecimentos presentes, passados ou futuros; como igualmente os casos de transmissão de pensamento tomando como meio a mão do transmissor e a do sujeito receptor, fenómeno que temos efectuado centenas de vezes e cujos resultados descartam a hipótese da influência física do operador. Nestes, como nos fenómenos análogos de transposição dos sentidos, não são os olhos que vêem ou, mais exactamente, não se vê por mediação dos olhos e; tais fenómenos contribuem, por si mesmos, para confirmar a tese espiritualista da unidade psíquica, sinestésica, unissensível e uniperceptível que, mesmo nas condições psicofisiológicas normais, possui diferentes formas de percepção, de acordo com a organização sensorial. Em estados supranormais ou mediante faculdades psico-sensitivas excepcionais podem transformar-se umas percepções em outras ou ter o espírito uma percepção psíquica directa, capaz de reduzir os diversos modos de percepção psico-orgânica à unidade perceptiva e perceber factos e acontecimentos que escapam à percepção ordinária.

Referindo-se a esta classe de fenómenos, disse o eminente psicólogo Frederic Myers:

“Poder-se-ia perguntar até que ponto os órgãos terminais especializados participam dessa actividade perceptiva exagerada e a resposta a esta pergunta nos permitiria elucidar o fenómeno, conhecido sob o nome de transposição dos sentidos e que ocupa o termo médio entre a hiperestesia e a telestesia ou clarividência. Já se sabe em que consiste esse fenómeno: é, por assim dizer, a substituição de um órgão dos sentidos por outro, como, por exemplo, a visão que sentem por meio da extremidade dos dedos.

“Por acaso se trata de uma verdadeira sugestão e um órgão é realmente capaz de assumir uma função que não lhe pertence e que é atribuição de outro órgão definido e especializado para esta função? Eu não creio. Segundo o meu sentir, a extremidade dos dedos não constitui, de maneira alguma, nos casos de que se trata, um órgão da visão, como as zonas chamadas hipnógenas não constituem órgãos destinados a transmitir a sugestão hipnótica. Mas aqui trata-se de um estado de telestesia que não implica necessariamente a percepção pelo organismo corporal; unicamente, o espírito que percebe deste modo supranormal se encontra sob a impressão de que percebe através de tal ou qual órgão corporal.”

E acrescenta:

Cada sentido especial é ao mesmo tempo um sentido interno e um sentido externo; implica no trajecto cerebral de uma capacidade desconhecida e em órgãos terminais cuja capacidade se presta mais à mensuração. A relação entre a visão interna, mental, como a percepção psicológica não-sensorial, por sua parte, com a visão ocular, por outro, constitui precisamente um dos pontos cujo exame profundo parece necessário.” (ii)

Por seu lado, diz o célebre antropólogo italiano Cesare Lombroso:

“A verdade é que não se pode dar uma explicação científica (isto é, dentro da psicologia empírica) destes factos, que entram no limiar daquele mundo que todavia deve chamar-se oculto, porque não foi explicado.”

Mas acrescenta em nota à parte:

“Agora, com as noções acerca do duplo, pode-se pretender uma explicação!” (iii)

Esse duplo – chamado corpo astral pelos vedas, teósofos e ocultistas e, perispírito pelos espíritas – que em princípio se considerou mera afirmação religiosa, mais tarde como uma hipótese racional, para explicar certos fenómenos psíquicos, é hoje uma verdade positiva, demonstrada experimentalmente pela verdadeira ciência da alma e que o Espiritismo oferece como um meio de explicação dos fenómenos metapsíquicos, da possibilidade da percepção sem órgãos materiais e das relações do mundo da matéria e o mundo do espírito.

/...
(i) Planta de cheiro nauseante. (N.T.)
(ii) A Personalidade Humana, págs. 146 e 163.
(iii) Hipnotismo e Espiritismo, pág. 16.


Manuel S. PorteiroEspiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (VIII), 8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa)