sábado, 12 de dezembro de 2020

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


A Irlanda 
(III de III) 

Através da história dramática dessa ilha que soube, pelos seus próprios meios e sem nenhum auxílio externo, reconquistar a sua independência, reencontrar-se, sob a pena dos seus escritores, esse mesmo gosto dos mistérios do Além, do sentido encoberto das coisas, desse sentimento profundo do oculto que caracteriza esta raça. 

Sob os véus do Cristianismo aparece a alma primitiva dos antigos celtas. Ela vibra na poesia gaélica como nas cordas das harpas de Ossian. O mundo invisível é, para os seus bardos, uma realidade viva e, se lhes acontece, algumas vezes, atribuir-lhe nomes e formas fantasiosas, eles não reconhecem menos, sob os seus aspectos diversos e inconstantes, a sobrevivência e a imortalidade da alma humana. 

Portanto, nos nossos dias, o sentimento do oculto tomou, na Irlanda, nuances mais nítidas e mais precisas. Ele se revestiu de uma forma experimental, tornando-se uma ciência, um método que tem as suas regras e as suas leis. Neste país, como em todo o ocidente, os fenómenos do Além são agora observados, estudados por técnicos conhecedores dos processos de laboratório e que prosseguem essas experiências num rigoroso espírito de controlo com uma atenção escrupulosa. 

Os resultados obtidos pelo professor Crawford, de Belfast, com a Srta. Goligher tiveram grande repercussão. Mas a obra mais importante sobre esses fenómenos é, certamente, a de Sir William Barrett, professor da Universidade de Dublin, membro da Academia Real de Ciências e um dos fundadores da “Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres”, da qual foi presidente honorário. O seu livro No Limiar do Invisível, traduzido para o francês (e para o português), publicado em 1923, é um dos mais notáveis que têm sido escritos sobre este vasto assunto. Ele resume, de forma clara e em grande profundidade de vistas, os frutos de meio século de observações e experiências. 

Recomendamos a sua leitura e dele nos limitaremos a citar as belas conclusões: 

“A mudança mais radical do pensamento, desde a era cristã, será, provavelmente, a aceitação, pela ciência, da imanência do mundo espiritual. A fé cessará de hesitar ao se esforçar em conceber a vida do invisível, a morte se despojará do terror que inspira aos próprios corações cristãos, os milagres parecerão apenas relíquias supersticiosas de um tempo bárbaro. Pelo contrário, se, como eu acredito, a telepatia é indiscutível, se os seres da criação se impressionam reciprocamente sem a voz nem a palavra, o Espírito Infinito, cuja sombra nos cobre, será, sem dúvida, revelado, no correr dos séculos, aos corações humanos capazes de entendê-lo. 

Para algumas almas privilegiadas foram dadas a intuição, a clarividência, a palavra inspirada, mas todos nós, às vezes, percebemos uma voz dentro de nós mesmos, débil eco dessa vida mais ampla que a humanidade expressa lentamente, porém, seguramente, à medida que os séculos passam. Mesmo para aqueles que estudarão esses fenómenos apenas sob o ponto de vista científico, o benefício será imenso, fazendo-lhes mais evidente a solidariedade humana, a imanência do invisível, a soberania do pensamento e do espírito, noutras palavras, a unidade transcendental e a continuidade da vida. 

Não estamos separados do Cosmo nem perdidos nele: a luz dos sóis e das estrelas alcança-nos, a força misteriosa da gravitação une as diferentes partes do Universo num todo orgânico; a mais pequena molécula e a mais distante trajectória estão sujeitas ao mesmo meio. Mas acima e além desses vínculos materiais, está a solidariedade do espírito. Do mesmo modo que a significação essencial e a unidade de um favo de mel não estão na cera dos alvéolos, mas na vida e no propósito dos seus construtores, do mesmo modo o verdadeiro sentido da natureza não está no mundo material, mas no espírito que lhe dá a sua interpretação, que suporta e une, que vai além e cria o mundo fenomenal através do qual cada um de nós passa um momento.” 

/… 


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO II – A Irlanda (III de III), 10º fragmento desta obra) 
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, OssianDesaixKléberMarceauHocheChampionnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)