domingo, 18 de dezembro de 2022

a floresta ~


Alma humana… 

A floresta é o adorno da Terra e a verdadeira conservadora do globo. Sem ela, o solo, arrastado pelas chuvas, cedo voltaria aos abismos do mar imenso. Ela retém as largas gotas da tempestade nos seus tapetes de relva, no enredo das suas raízes; ela as encaminha para as fontes e as entrega, pouco a pouco, transformadas, tornadas fertilizantes e não devastadoras. Por toda a parte em que as árvores desaparecem, a terra empobrece, perde a sua beleza. Gradualmente, chega à monotonia, à aridez e depois à morte. Regeneradora por excelência, a respiração dos seus milhares de folhas destila o ar e purifica a atmosfera. 

Do ponto de vista psíquico, já vimos, o papel da floresta não é menos considerável. Ela foi sempre o asilo do pensamento recolhido e sonhador. Quantas obras delicadas e fortes têm sido meditadas na sua sombra fresca e mutável, na paz das suas potentes e fraternais ramadas! Quem quer que possua alma de artista, de escritor, de poeta, saberá haurir nessa fonte viva e transbordante a inspiração fecunda. Com o seu ritmo majestoso, a floresta embalou a infância das religiões. A arquitectura sagrada, nas suas mais altivas audácias, não tem feito mais que copiá-la. As naves góticas das nossas catedrais, não são mais que a imitação de pedra, das mil colunatas e das abóbadas imponentes dos bosques? A voz dos órgãos não é o frémito do vento, que, segundo a hora, suspira nos roseirais, ou faz gemer os grandes pinheiros? 

A floresta serviu de modelo às manifestações mais altas da ideia religiosa na sua expansão estética. Nas primeiras idades, ela cobria a superfície quase inteira do globo. 

Nada mais impressionante para os nossos pais, que a antiga e profunda selva dos gauleses, na sua grandeza misteriosa, com os seus santuários naturais, onde se consumavam os ritos sagrados, os retiros por vezes cheios de horror, quando os rumores da tempestade faziam ressoar o eco dos bosques e, do seio das touceiras, subiam o grito das feras; cheia de encanto e de poesia, quando, vindo à calma, o céu azul, a cristalina luz aparecia através da ramada e o canto dos pássaros celebrava a festa eterna da vida. De século em século, a alma céltica guardou o forte cunho da floresta primitiva e o amor dos seus santuários, morada dos Espíritos tutelares que Vercingétorix e Jeanne d'Arc veneraram, dos quais ouviram, na verde solidão, as vozes inspiradoras. 

O espírito céltico é ávido de claridade e de espaço, apaixonado da liberdade; possui intuição profunda das coisas da alma que reclamam revelação directa, comunhão pessoal com a Natureza visível e invisível. Eis por que ele estará sempre em oposição à Igreja Romana, desconfiada dessa Natureza e cuja doutrina é toda cheia de compressão e de autoridade. Os druidas e os bardos foram-lhe rebeldes. Apesar das conquistas romanas e das invasões bárbaras que facilitaram a expansão do Cristianismo, a alma céltica, por uma espécie de instinto, sempre se sentiu herdeira de uma fé mais larga e mais livre que a de Roma. 

Inutilmente os monges procurarão impor-lhe a ideia de ascetismos e de renúncia, a submissão a dogmas rígidos, a uma concepção lúgubre da morte e do Além; o espírito céltico, na sua sede ardente de saber, de viver e de agir, escapará a esse círculo estreito

A ideia fundamental do druidismo é a evolução, a ideia do progresso e do desenvolvimento na liberdade. Essa ideia é tomada, em certa medida, à Natureza e completada pela Revelação. 

Com efeito, a impressão geral que ressalta do espectáculo do mundo é um sentimento de harmonia, uma noção de encadeamento, uma ideia de fim e de lei, isto é, relações eternas dos seres e das coisas. A concepção evolutiva emana do estudo dessas leis. Há uma direcção, uma finalidade na evolução, e esse rumo traz o conjunto das vidas, por gradações insensíveis e seculares, para um estado sempre melhor. 

Cristianismo, ou antes, o Catolicismo afastou essa ideia, mas a Ciência torna a levar-nos para ela. Primeiramente, esta espiritualiza a matéria, reduzindo-a a centros de força e nos mostra o sistema nervoso, complicando-se cada vez mais na escala dos seres, para chegar ao homem. As espécies bravias tendem a desaparecer diante da superioridade do homem. Com o desenvolvimento do cérebro, o pensamento triunfa. A consciência executa a sua ascensão paralela. Há aproximação entre as leis morais e as certezas físicas e biológicas. A ordem que se manifesta nos dois domínios chega a conclusões análogas. A Natureza é plástica, móvel quanto elas, e sofre a influência do Espírito Divino. 

Sendo essa evolução a lei central do Universo, o principal papel da ordem social é facilitá-la a todos os seus componentes. A vida é, pois, boa, útil e fecunda. Diante das perspectivas infinitas que ela nos abre, todos os sentimentos deprimentes, pessimismo, dúvida, tristeza, desespero, desaparecem para dar lugar às inspirações imortais, à esperança imperecível. 

É esse génio da nossa raça, sobrelevando à onda das invasões, sobrevivendo a todas as vicissitudes da História, reaparecendo sobre vinte formas diversas, depois de períodos de eclipse e de silêncio, que explica a grande missão e a irradiação da França na obra da civilização. Mais que qualquer outra raça, os celtas, cujas origens se perdem no longínquo vertiginoso dos tempos, se aproximam, pelo instinto hereditário, do mundo das causas e das fontes da vida. Tanto na Ciência quanto na Filosofia, eles conseguiram muitas vezes aplicar o pensamento desnorteado ao sentimento da Natureza e das suas leis reveladoras, a uma concepção mais clara dos princípios eternos. Se o entusiasmo e a lei célticos pudessem extinguir-se, haveria menos luz e alegria no mundo, menos transportes apaixonados para a Verdade e para o Bem. Desde há mais de um século, o materialismo alemão entenebreceu o pensamento, paralisou o seu surto; podemos ver por toda a parte, à nossa volta, os resultados funestos da sua influência. Mas, eis que o génio céltico reaparece sob a forma de espiritualismo moderno, para esclarecer de novo a Alma humana na sua ascensão; ele oferece, a todos aqueles cujos lábios estão secos pelo áspero vento da vida, a taça da esperança e da imortalidade. 

/... 


LÉON DENIS, O Grande Enigma, Segunda parte, O Livro da Natureza 3º fragmento, XI – A floresta (2 de 2). 
(imagem de contextualização: Head of Divine Vengeance, pintura de Pierre-Paul Prud'hon)  

sábado, 3 de dezembro de 2022

Deus na Natureza ~


A Força e a Matéria (II) – O Céu ~  


Estrelas, sóis, mundos errantes, cometas fúlgidos, sistemas estranhos, astros misteriosos, todos proclamariam harmonia, seriam todos os acusadores de quantos decretam não passar a força de cego atributo da matéria. E quando, acompanhando as relações numéricas que ligam todos esses mundos ao Sol – qual coração palpitante de um mesmo ser – houvermos personificado o sistema planetário do próprio Sol – foco colossal que a todos absorve na sua esplendente e poderosa personalidade – então, não tardaremos a ver nesse Sol, com o seu sistema, em trânsito pelos espaços infinitos, o atestado de que todas as estrelas são outros tantos sóis, cercados, como o nosso, de uma família que deles recebe luz e vida e, veremos que todas as estrelas são guiadas por movimentos diversos e que, muito longe de ficarem fixas na imensidade, caminham com velocidades terrificantes, ainda mais céleres que as atrás mencionadas. 


Só então, o Universo inteiro brilhará aos nossos olhos sob o verdadeiro prisma e as forças que o regem proclamarão, com a eloquência maravilhosamente brutal de facto concreto, o seu valor, a sua missão, autoridade e poder. Diante desses movimentos indescritíveis – inconcebíveis mesmo, poderíamos dizer – que transportam pelos desertos do infinito essa infinidade de sóis; diante dessa catadupa de estrelas do infinito; diante dessas rotas, dessas órbitas imensuráveis, seguidas com a passividade dos ponteiros de um relógio, da maçã que cai, ou da roda do moinho, obedientes à lei da gravidade; diante da submissão dos corpos celestes a regras que a mecânica e as fórmulas analíticas podem traçar de antemão, bem como da condição suprema de estabilidade e duração do mundo, quem ousará negar que a Força não governe, não dirija soberanamente a Matéria, em virtude de uma lei inerente ou afecta à própria Força? Quem pretenderá subordinar a Força à cegueira constitucional da Matéria e afirmar, à maneira retrógrada dos peripatéticos, que ela não passa de atributo oculto, reduzindo-a ao papel de escrava, quando ela se impõe de tal arte e reivindica credenciais de absoluta suserania? Que Deus tal nunca permita. Que sucederia se ela, a Força, deixasse de agir e abdicasse do seu ceptro? A só imaginação desta hipótese dissolve a harmonia do mundo e o faz esboroar-se num caos informe, digno resultado, aliás, de tão insensata tentativa. 

Leis universalmente demonstradas proclamam a unidade do Cosmos e evidenciam que o mesmo pensamento que regula as nossas marés oceânicas preside às revoluções siderais das estrelas duplas, nos latifúndios do céu. Tais duplos, triplos, quádruplos sóis giram em conjunto, em volta do centro comum de gravidade, obedecendo às mesmas leis que regem o nosso sistema planetário. Nada mais próprio do que esses sistemas para nos dar uma ideia da escala da construção dos mundos – diz John Herschel

Quando vemos esses corpos imensos, encasalados, descreverem órbitas enormes, cujo percurso lhes demanda séculos, somos levados a admitir simultaneamente que eles preenchem, na Criação, uma finalidade que nos escapa e que atingimos os limites da humana inteligência para confessar a nossa inópia e reconhecer que a mais fecunda imaginação não pode ter do mundo uma concepção aproximativa sequer, da grandeza do assunto. 

Os astrónomos que humildemente remontam ao princípio ignoto das causas não podem eximir-se de considerar nas mãos de um ser inteligente essa atracção universal, que rege inteligentemente o Cosmos. “A lei de gravitação – dizia o saudoso director do Observatório de Toulouse (i) – enfeixa implicitamente as grandes leis que regem os movimentos celestes e, por uma dessas coincidências notáveis que são o mais seguro índice da verdade – longe de temer as excepções aparentes, as perturbações dos movimentos normais, antes delas extrai as mais brilhantes confirmações. Assim é que vemos os geómetras modernos explicarem a precessão dos equinócios pela combinação da força centrífuga, oriunda da rotação da Terra, com a acção do Sol sobre o nosso menisco equatorial. Assim é que vemos, ainda, explicar-se a nutação por uma influência análoga, da Lua, sobre a mesma luminescência da Terra e, mais: – as atracções planetárias, a oscilação da eclíptica e do movimento do apogeu solar; do retardamento de Júpiter quando Saturno se acelera e, vice-versa, quando a aceleração se dá em Júpiter, etc. Finalmente, é assim que sabemos por que, sob a influência solar, a média do nosso movimento terráqueo se vai acelerando de século em século e deverá diminuir mais tarde, porque a linha dos nós da Lua perfaz a sua revolução em movimento retrógrado dentro de dezoito anos e por que o perigeu lunar se completa em pouco menos de nove anos, etc. (ii) 

Não somente, em resumo, esse princípio notável explica todos os fenómenos conhecidos, como permite, muitas vezes, descobrir efeitos que a observação não indica, de modo que se poderia estabelecer a priori, pela análise, a constituição do mundo e não nos socorrermos da observação senão em alguns pontos de referência, de que se utilizam os geómetras sob a denominação de constantes, nos seus cálculos. – Tudo pois, no Universo, marcha por efeito de uma organização admirável de simplicidade, visto que os movimentos, aparentemente mais complicados, resultam da combinação de impulsos primitivos com uma força única agindo sobre cada molécula material; força única, com a qual, e consequentemente, haja de ocupar-se, por assim dizer, o Criador. Mas, também, que desenvolvimento de poder não requer a produção incessante dessas forças, cuja existência não é essencialmente inerente à matéria! Oh! como deve ser vigilante a mão eterna que sabe, a cada momento, renovar tais forças, até nos mais impalpáveis átomos dos inumeráveis astros destinados a povoar as regiões de infinita imensidade. Não será o caso de dizer com o rei-profeta, inclinando-se perante tanta grandeza: Coeli enarrant gloriam Dei

A partir de Newton e Kepler, sabemos que o Universo é um dinamismo imenso, cujos elementos na sua totalidade não cessam de agir e reagir na infinidade do tempo e do espaço, com actividade indefectível. Esta a grande verdade que a Astronomia, a Física e a Química nos revelam nas imponentes maravilhas da Criação. 

Tal o sublime espectáculo do mundo, tais as leis constitutivas da sua harmonia. Ora, qual a perfídia de linguagem, ou de raciocínio, que os materialistas utilizam para traduzir pró-domo sua esses factos e concluírem pela ausência de todo e qualquer pensamento divino? 

Eis aqui os argumentos inscritos em letras berrantes num catecismo materialista que, por seu colorido de Ciência, se tem imposto a muita gente: (iii) 

“Todos os corpos celestes, pequenos ou grandes, se conformam, sem relutância, sem excepções nem desvios, com esta lei inerente a toda a matéria e a toda partícula de matéria, como podemos experimentar a cada momento. É com uma precisão e certeza matemáticas que todos esses movimentos se fazem reconhecer, determinar e predizer. Os espiritualistas vêem nestes factos o pensamento de um Deus eterno, que impôs à Criação as leis imutáveis de sua perpetuidade. Os materialistas, porém, ao contrário, não vêem nisso senão a prova de que a ideia de Deus não passa de uma pilhéria. Outro fora o caso, se existissem corpos celestes caprichosos ou rebeldes, se a grande lei que os rege não fosse soberana. É fácil (diz Büchner) conciliar o nascimento, a constelação (?) e o movimento dos orbes com os processos mais simples que a matéria de si mesma nos possibilita. A hipótese de uma força pessoal criadora é inadmissível. Por que? Ninguém, jamais, pôde sabê-lo. Os espiritualistas admiram o movimento dos astros, a ordem e harmonia que a eles preside. Ingénuos! No Universo não há ordem nem harmonia e sim, pelo contrário, a irregularidade, os acidentes, a desordem, que excluem a hipótese de uma acção pessoal regida pelas leis da inteligência, mesmo humana.” 

Ponderemos: Copérnico publicou Revoluções Celestes, após trinta anos de árduos labores; Galileu só depois de vinte anos fecundou a lei do pêndulo; Kepler não levou menos de dezassete para formular as suas leis e Newton, já octogenário, dizia não ter ainda chegado a compreender o mecanismo dos céus; e, depois disso, vêm propor-nos acreditar que essas leis sublimes e que tudo quanto esses génios possantes mal puderam encontrar e formular não revelam no ascendente que as impôs à matéria, uma inteligência sequer igual à do homem! 

E o Sr. Renan escreve então esta frase: “Por mim, penso não haver no Universo inteligência superior à humana.” E ousam compadrinhar-se com acidentes que propriamente o não são, para afirmarem que não existe harmonia na construção do mundo. 

Que seria, então, preciso para vos satisfazer, senhores críticos de Deus? 

Vamos dizê-lo: primeiro, que não houvesse espaço (!) ou que esse espaço fosse menos vasto, visto haver, decididamente, muito espaço no infinito: “se houvéramos de atribuir a uma força criadora individual – diz Büchner – a origem dos mundos para habitação de homens e animais, importaria saber para que serve esse espaço imenso, deserto, vazio, inútil, no qual flutuam planetas e sóis? Porque os outros planetas do sistema não se tornaram habitáveis para o homem?” Na verdade, formulais uma pergunta bem simples. E aí temos como esses senhores se dão à fantasia de declarar inútil o espaço, a querer que todos os globos se comuniquem entre si. O caricaturista Granville já tivera a mesma ideia, quando representou num dos seus encantadores desenhos os jupterianos em excursão a Saturno, atravessando uma ponte, de charuto na boca. E o anel de Saturno lá está como um grande alpendre, onde os saturninos vão à noite refrescar-se. Se esse é o desejado universo, cujo primeiro resultado seria imobilizar o sistema planetário, mais avisados andariam os inventores dirigindo-se seriamente à Escola de Pontes e Calçadas, antes que à Filosofia. 

Que esta, na verdade, nada tem com isso. 

/… 
(i) F. Petit – Traité d’Astronomie, 24º et dernlère leçon. 
(ii) Curioso é que Clairaut, tendo encontrado nos seus cálculos um período de dezoito em vez de nove anos, declarasse insuficiente, para este caso, a gravitação inversa ao quadrado da distância e que fosse precisamente um naturalista, Buffon, que, persuadido de que a Natureza não podia ter duas leis diferentes, insistisse com o geómetra para que revisse os seus cálculos. Clairaut, após um novo exame, reconheceu que a primeira assertiva estava errada, pois que havia negligenciado, nas séries, termos indispensáveis. 
(iii) Büchner – Força e matéria


Camille Flammarion, Deus na Natureza – Primeira Parte, A Força e a Matéria II – O Céu (2 de 3), 12º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Jungle Tales (Contos da Selva), 1895, pintura de James Jebusa Shannon

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Diálogos de Kardec ~


PROFISSÃO DE FÉ ESPÍRITA RACIOCINADA

§ I. Deus 

1. Há um Deus, inteligência suprema, causa primária de todas as coisas

A prova da existência de Deus está neste axioma: Não há, absolutamente, efeito sem causa. Vemos incessantemente uma multidão inumerável de efeitos, cuja causa não está na humanidade, já que a humanidade é impotente para produzi-los e, mesmo para explicá-los; a causa está, portanto, acima da humanidade. É esta causa a que se chama Deus, Jeová, Alá, Brahma, Fo-Hi, Grande Espírito, etc., segundo as línguas, os tempos e os lugares. 

Esses efeitos não se produzem absolutamente ao acaso, fortuitamente e sem ordem; desde a organização do mais pequeno insecto e do menor grão, até à lei que rege os mundos que circulam no Espaço, tudo atesta um pensamento, uma combinação, uma previdência, uma solicitude que ultrapassam todas as concepções humanas. Esta causa é, portanto, soberanamente inteligente. 

2. Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom

Deus é eterno; se houvesse tido um começo, alguma coisa teria existido antes dele; teria saído do nada, ou melhor, teria criado a si próprio através de um ser anterior. É assim que, pouco a pouco, remontamos ao infinito na eternidade. 

Ele é imutável; se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo não teriam nenhuma estabilidade. 

Ele é imaterial; quer dizer, que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria, de outro modo, ele estaria sujeito às flutuações e às transformações da matéria e, não seria imutável

Ele é único; se houvesse vários Deuses, haveria várias vontades e, desde então, não haveria nem unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo. 

Ele é todo-poderoso, porque é único. Se não tivesse o poder soberano, haveria alguma coisa mais poderosa que ele; ele não teria feito todas as coisas e, as que não tivesse feito seriam obra de um outro Deus. 

Ele é soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas revela-se nas menores coisas como nas maiores e, essa sabedoria não permite duvidar nem da sua justiça, nem da sua bondade. 

3. Deus é infinito em todas as suas perfeições. Se supuséssemos imperfeito um só dos atributos de Deus, se subtraíssemos a menor parcela de eternidade, de imutabilidade, de imaterialidade, de unidade, de todo-poder, da justiça e da bondade de Deus, poderíamos supor um ser que possuísse o que lhe faltasse e, este ser, mais perfeito que ele, seria Deus. 

§ II. A alma 

4. Há no homem um princípio inteligente a que chamamos ALMA ou ESPÍRITO, independente da matéria e, que lhe dá o senso moral e a faculdade de pensar. 

Se o pensamento fosse uma propriedade da matéria, ver-se-ia a matéria bruta pensar; ora, como nunca se viu a matéria inerte dotada de faculdades intelectuais; e quando o corpo está morto, ele já não pensa, é preciso concluir que a alma é independente da matéria e, que os órgãos são apenas instrumentos com a ajuda dos quais o homem manifesta o seu pensamento. 

5. As doutrinas materialistas são incompatíveis com a moral e subversivas da ordem social. 

Se, segundo os materialistas, o pensamento fosse segregado pelo cérebro, como a bílis é segregada pelo fígado, resultaria que, com a morte do corpo, a inteligência do homem e todas as suas qualidades morais retornariam ao nada; que os pais, os amigos e todos aqueles a quem fomos afeiçoados, estariam perdidos, sem retorno; que o homem de génio não teria mérito, já que deveria as suas faculdades transcendentais apenas ao acaso de sua organização; que não haveria entre o imbecil e o sábio, senão a diferença de mais ou menos cérebro. 

As consequências desta doutrina seriam de que o homem, não esperando nada além desta vida, não teria nenhum interesse em fazer o bem; que seria muito natural procurar para si os prazeres maiores possíveis, mesmo que fosse à custa de outrem; que haveria estupidez em se privar em favor dos outros; que o egoísmo seria o sentimento mais racional; que aquele que é obstinadamente infeliz na Terra, não teria nada de melhor a fazer do que matar-se, já que, devendo cair no nada, tanto faria para ele e, que abreviaria os seus sofrimentos. 

A doutrina materialista é, portanto, a sanção do egoísmo, fonte de todos os vícios; a negação da caridade, fonte de todas as virtudes e a base da ordem social e, a justificação do suicídio

6. A independência da alma é provada pelo Espiritismo. 

A existência da alma é provada pelos actos inteligentes do homem, que devem ter uma causa inteligente e não uma causa inerte. A sua independência da matéria é demonstrada de uma maneira patente pelos fenómenos espíritas que a mostram agindo por si própria e, sobretudo pela experiência de seu isolamento durante a vida, o que lhe permite manifestar-se, pensar e agir na ausência do corpo. 

Pode dizer-se que, se a química separou os elementos da água, se ela colocou por isso as suas propriedades a descoberto e, se ela pode à vontade desfazer e refazer um corpo composto, o Espiritismo pode, igualmente, isolar os dois elementos constitutivos do homem: o espírito e a matériaa alma e o corpo, separá-los e reuni-los à vontade, o que não pode deixar dúvida sobre a sua independência. 

7. A alma do homem sobrevive ao corpo e conserva a sua individualidade depois da morte. 

Se a alma não sobrevivesse ao corpo, o homem não teria como perspectiva senão o nada, assim como, se a faculdade de pensar fosse o produto da matéria; se não conservasse a sua individualidade, quer dizer, se fosse perder-se no reservatório comum chamado o grande todo, como as gotas de água no oceano, seria igualmente, para o homem, o nada do pensamento e, as consequências seriam absolutamente as mesmas do que se não tivesse alma. 

A sobrevivência da alma após a morte é provada de uma maneira irrecusável e, de alguma sorte palpável, pelas comunicações espíritas. A sua individualidade é demonstrada pelo carácter e as qualidades próprias de cada um; essas qualidades que distinguem as almas umas das outras, constituem a sua personalidade; se fossem confundidas num todo comum, teriam apenas qualidades uniformes. 

Além destas provas inteligentes, há ainda a prova material das manifestações visuais ou aparições, que são tão frequentes e tão autênticas, que não é permitido colocá-las em dúvida. 

8. A alma do homem é feliz ou infeliz após a morte, segundo o bem ou o mal que tenha feito durante a vida. 

Desde que se admita um Deus soberanamente justo, só se pode admitir que as almas tenham um destino comum. Se a posição futura do criminoso e do homem virtuoso devesse ser a mesma, isso excluiria qualquer utilidade em procurar fazer o bem; ora, supor que Deus não faz diferença entre aquele que faz o bem e aquele que faz o mal, seria negar a sua justiça. O mal, não recebendo sempre a sua punição, nem o bem, a sua recompensa durante a vida terrestre, é necessário daí concluir que a justiça será feita depois, sem o que, Deus não seria justo. 

As penas e as alegrias futuras são, além disso, materialmente provadas pelas comunicações que os homens podem estabelecer com as almas daqueles que viveram e, que vêm descrever o seu estado feliz ou desgraçado, a natureza de suas alegrias ou de seus sofrimentos e, dizer-lhes a causa. 

9. Deus, a alma, a sobrevivência e a individualidade da alma depois da morte do corpo, penas e recompensas futuras, são os princípios fundamentais de todas as religiões

O Espiritismo vem acrescentar às provas morais desses princípios, as provas materiais dos factos e da experimentação e, arrasar com os sofismas do materialismo. Em presença dos factos, a incredulidade já não tem razão de ser; é assim que o Espiritismo vem devolver a fé àqueles que a perderam e, tirar as dúvidas dos incertos. 

§ III. A Criação 

10. Deus é o criador de todas as coisas. Esta proposição é a consequência da prova da existência de Deus (nº 1). 

11. O princípio das coisas está nos segredos de Deus. 

Tudo diz que Deus é o autor de todas as coisas, mas quando e como as criou? A matéria é como ele de toda a eternidade? É isso que ignoramos. Sobre tudo o que não julgou revelar-nos a respeito, só se pode estabelecer sistemas mais ou menos prováveis. Pelos efeitos que vemos, podemos remontar a certas causas; mas há um limite que nos é impossível ultrapassar e, seria ao mesmo tempo perder o seu tempo e expor-se a equivocar-se, querer ir além. 

12. O homem tem como guia na busca do desconhecido, os atributos de Deus

Na busca dos mistérios que nos é permitido sondar pelo raciocínio, há um critério certo, um guia infalível: são os atributos de Deus. 

Desde que se admita que Deus deve ser eternoimutávelimaterialúnicotodo-poderososoberanamente justo e bom, que é infinito nas suas perfeições, qualquer doutrina ou teoria, científica ou religiosa, que tendesse a suprimir-lhe uma parcela de um só de seus atributos, seria necessariamente falsa, já que tenderia à negação da própria divindade. 

13. Os mundos materiais tiveram um começo e terão um fim. 

Que a matéria seja de toda a eternidade como Deus, ou que tenha sido criada numa época qualquer, é evidente, segundo o que acontece quotidianamente sob os nossos olhos, que as transformações da matéria são temporárias e, que dessas transformações resultam os diferentes corpos que nascem e se destroem incessantemente. 

Os diferentes mundos sendo produtos da aglomeração e da transformação da matéria, devem, como todos os corpos materiais, ter tido um começo e ter um fim, segundo leis que nos são desconhecidas. A Ciência pode, até um certo ponto, estabelecer as leis de sua formação e remontar ao seu estado primitivo. Toda a teoria filosófica em contradição com os factos demonstrados pela Ciência, é necessariamente falsa, a menos que prove que a Ciência está errada. 

14. Criando os mundos materiais, Deus criou também seres inteligentes a que chamamos espíritos. 

15. A origem e o modo de criação dos espíritos nos são desconhecidos; sabemos somente que foram criados simples e ignorantes, quer dizer, sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mas perfectíveis e com uma igual aptidão para tudo conquistar e tudo conhecer com o tempo. No princípio, estão numa espécie de infância, sem vontade própria e sem consciência perfeita de sua existência. 

16. À medida que o espírito se afasta do ponto de partida, as ideias nele se desenvolvem, como na criança e, com as ideias, o livre-arbítrio, quer dizer, a liberdade de fazer ou não fazer, de seguir tal ou qual caminho para o seu adiantamento, o que é um dos atributos essenciais do espírito. 

17. O objectivo final de todos os espíritos é de atingir a perfeição da qual é susceptível a criatura; o resultado dessa perfeição é a alegria da felicidade suprema que é a consequência e, à qual chegam mais ou menos prontamente, segundo o uso que fazem do seu livre-arbítrio. 

18. Os espíritos são agentes do poder divino; constituem a força inteligente da natureza e concorrem para a execução das visões do Criador para a manutenção da harmonia geral do Universo e das leis imutáveis da criação. 

19. Para concorrer, como agentes do poder divino, na obra dos mundos materiais, os espíritos revestem temporariamente um corpo material. Os espíritos encarnados constituem a humanidade. A alma do homem é um espírito encarnado. 

20. A vida espiritual é a vida normal do espírito: ela é eterna; a vida corporal é transitória e passageira: é apenas um instante na eternidade. 

21. A encarnação dos espíritos está nas leis da natureza; é necessária ao seu adiantamento e à execução das obras de Deus. Pelo trabalho que a sua existência corporal necessita, eles aperfeiçoam a sua inteligência e adquirem, observando a lei de Deus, os méritos que devem conduzi-los à felicidade eterna. Daí resulta que, concorrendo para a obra geral da criação, os espíritos trabalham para o seu próprio adiantamento. 

22. O aperfeiçoamento do espírito é o fruto de seu próprio trabalho; progride na razão da sua maior ou menor actividade ou da boa vontade para adquirir as qualidades que lhe faltam. 

23. Não podendo o espírito adquirir numa só existência corporal todas as qualidades morais e intelectuais que devem conduzi-lo ao objectivo, ele aí chega através de uma sucessão de existências, em cada uma das quais dá alguns passos adiante, no caminho do progresso e, purifica-se de algumas de suas imperfeições. 

24. A cada nova existência, o espírito traz o que adquiriu em inteligência e em moralidade, nas suas existências precedentes, assim como os germens das imperfeições das quais ainda não se despojou. 

25. Quando uma existência foi mal-empregada pelo espírito, quer dizer, se não fez nenhum progresso no caminho do bem, ela não tem proveito para ele e, ele deve recomeçá-la em condições mais ou menos penosas, em razão da sua negligência e de seu malquerer. 

26. Devendo o espírito a cada existência corporal adquirir alguma coisa de bem e despojar-se de alguma coisa de mal, daí resulta que, após um certo número de encarnações, encontra-se depurado e chega ao estado de espírito puro. 

27. O número das existências corporais é indeterminado; depende da vontade do espírito abreviá-la, trabalhando activamente para o seu aperfeiçoamento moral. 

28. No intervalo das existências corporais, o espírito é errante e vive a vida espiritual. A erraticidade não tem duração determinada. 

29. Quando os espíritos adquiriram num mundo a soma de progresso que comporta o estado desse mundo, deixam-no para encarnar num outro mais adiantado, onde adquirirão novos conhecimentos, e assim, sucessivamente, até que a encarnação num corpo material não lhe sendo já útil, vivem exclusivamente a vida espiritual, onde progridem ainda num outro sentido e através de outros meios. Tendo chegado ao ponto culminante do progresso, desfrutam da suprema felicidade; admitidos nos conselhos do Todo-Poderoso, têm o seu pensamento e tornam-se os seus mensageiros, os seus ministros directos para o governo dos mundos, tendo sob as suas ordens os espíritos de diferentes graus de adiantamento. 

/… 


ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte, PROFISSÃO DE FÉ ESPÍRITA RACIOCINADA, I Deus, II A alma, III Criação, 11º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra

sábado, 5 de novembro de 2022

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Tratamento de Vícios e Perversões

Levados pelas excitações novidadeiras do momento de transição que atravessamos, certas instituições mal dirigidas pretendem modernizar as práticas doutrinárias, suprimindo as sessões mediúnicas e substituindo-as por reuniões de estudos doutrinários. Alegam que a doutrinação e esclarecimento dos espíritos inferiores é função dos espíritos superiores, no plano espiritual. Essa é uma boa maneira de fugir às responsabilidades doutrinárias e cortar as ligações do homem com os espíritos, relegando-os ao silêncio misterioso dos túmulos, onde, na verdade, não se encontram. Foi essa a maneira que os cristãos fascinados pelo poder romano, na fase de romanização do Cristianismo, encontraram, para se livrarem das manifestações agressivas dos espíritos rancorosos, contrários aos ensinamentos evangélicos, sem perceberem que se desligavam assim do mundo espiritual. A supressão dos cultos pneumáticos – sessões mediúnicas da era apostólica –, permitiu a romanização da Igreja, frustrando-lhe os objectivos espirituais. O mundo espiritual é unitário e orgânico, exactamente como o mundo material. Cortar a ligação humana com a região inferior desse mundo é atentar contra ao princípio doutrinário da solidariedade dos mundos e constitui uma ingratidão para com os espíritos que deram a própria doutrina. Mais do que isso, é uma insensatez, pois não dispomos de meios para fazer essa cirurgia cósmica. A Igreja pagou caro a sua insensatez, tendo de recorrer mais tarde à revelação grega, à Filosofia de Platão (Santo Agostinho) e de Aristóteles (São Tomás de Aquino) para erigir com decalques e empréstimos a sua própria Filosofia. 

Por outro lado, a interpenetração dos mundos (espiritual e material) faz parte do sistema, ou seja, da organização universal, que não temos o direito de violar em favor do nosso comodismo, do nosso egoísmo e da nossa cegueira espiritual. Essa pretensão criminosa lembra a teoria do Espiritismo sem espíritos, de Morselli, famoso director da Clínica de Doenças Mentais de Génova, que, obrigado a aceitar a realidade dos factos, escapou do aperto por essa via estratégica. Querem os espíritas actuais seguir a esperteza do genovês ilustre, sem os seus ilustrados argumentos? 

A alegação de que os espíritos inferiores que nos perturbam são doutrinados no Além, o que dispensa o nosso trabalho nas sessões mediúnicas, é de estarrecer. Então essas criaturas que passaram anos assistindo e dirigindo sessões mediúnicas, doutrinando espíritos, não se doutrinaram a si mesmas? Não viram os espíritos necessitados a que se dirigiam, não ouviram as suas ameaças e os seus lamentos, passaram pelas actividades doutrinárias como cegos e surdos? Não aprenderam nos compêndios da doutrina que os espíritos apegados à matéria necessitam de esclarecimento – como o sedento necessita da água, como o escafandrista necessita do oxigénio da superfície para respirar no fundo do mar? Não aprenderam, com as pesquisas de Geley, que nas sessões mediúnicas se processa em fluxo contínuo a emissão de ectoplasma que permite aos espíritos sofredores sentirem-se amparados na matéria, como se ainda estivessem encarnados, para poderem compreender as explicações doutrinárias? Não aprenderam que os espíritos superiores descem às sessões mediúnicas para poderem comunicar-se com entidades sofredoras inadaptadas ainda aos planos elevados? Querem negar a realidade dolorosa das obsessões e entregar totalmente os obsidiados ao internamento das clínicas de Morselli? Não sabem que a relação homem-espírito é uma condição permanente dos mundos inferiores como o nosso, em que a maioria dos espíritos desencarnados permanece apegada à Terra e por isso necessita do socorro das sessões mediúnicas? Annie Besant, a admirável autora de A Sabedoria Antiga, discípula e sucessora de Blavatsky na presidência da Sociedade Teosófica Mundial – apesar da repulsa dos teósofos às práticas mediúnicas –, abriu uma excepção no aludido livro, ensinando que, no caso de perturbações de espíritos numa casa, se alguém tiver coragem de falar com a entidade e provar-lhe que já morreu, conseguirá afastá-la. A grande teosofista reconhece a necessidade e a eficácia da doutrinação espírita e, os próprios espíritas querem agora, tardiamente, assumir a atitude teosófica que o próprio Sr. Sinet, teósofo do mais alto prestígio, condenou no seu livro Incidentes da Vida da Sra. Blavatsky. Sinet corrige esta (a sua mestra) no tocante à teoria dos cascões astrais e sustenta a legitimidade das manifestações mediúnicas. Tudo isso é ignorância em excesso para representantes de Federações e outras instituições espíritas que visitam grupos e centros, como fiscais de feira, mandando suspender as sessões mediúnicas. 

Nas perversões sexuais e sensoriais em geral, bem como nos casos de toxicomania, a doutrinação dos espíritos vampirescos é indispensável ao êxito da terapia. Porque nesses casos estão sempre envolvidos pelo menos o vampiro espiritual e o vampirizado encarnado. Se não se obtiver o desligamento dessas vítimas recíprocas, não se conseguirá a cura. Os que defendem a tese de Morselli no meio espírita, essa tese já há muito superada entre os próprios adversários gratuitos ou interesseiros da doutrina, passaram com armas e bagagens para o adversário. Não querem apenas a amputação da doutrina, pois na verdade querem a morte e a sepultura inglório do Espiritismo, como os teólogos católicos e protestantes da Teologia Radical da Morte de Deus querem enterrar o suposto cadáver de Deus na cova aberta pelo louco do Nietsche, que acabou morrendo louco. Sirva o exemplo do filósofo infeliz para os filosofantes imberbes e desprevenidos do nosso meio espírita. Não há nada mais desastroso para uma doutrina do que abrigar entre os seus adeptos criaturas que se deixam levar por cantos de sereias. Precisamos, com urgência, recorrer à táctica de Ulisses, mandando tapar com enchumaços de algodão os ouvidos desses ingénuos navegantes de mares perigosos. 

/… 


José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Tratamento de Vícios e Perversões (2 de 2), 12º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

apóstolos de verdade ~


“Nada há encoberto que não venha a ser descoberto” (Lucas 12:2). 

Elaborar a apresentação desta obra é uma honra. Trata-se de histórica homenagem à maior pena espírita de todos os tempos, por ocasião dos trinta anos de seu passamento. Com muita felicidade e propriedade, o querido mentor espiritual Emmanuel diz ser José Herculano Pires “o metro que melhor mediu Kardec” e “a maior inteligência espírita contemporânea”. De facto, ninguém conseguiu, com tanta maestria e segurança, ser tão profundo no contexto doutrinário, em perfeita sintonia com Jesus e o codificador do Espiritismo, como J. Herculano Pires, “O Apóstolo de Kardec”, assim denominado com máxima justiça por seu amigo e biógrafo Jorge Rizzini

Dotado de incomparável cultura geral e doutrinária, Herculano destaca-se no Jornalismo, na Filosofia e na Parapsicologia. Exímio escritor, poeta e romancista. Emérito educador e fiel tradutor da codificação kardeciana, dedicou quase toda a sua vida à excelsa doutrina, por ele muito amada, o que o tornou seu grande intérprete e defensor. 

Distanciados desse “metro”, alguns irmãos espíritas, infelizmente, fazem ouvidos moucos a devidas advertências em face da intromissão de pensamentos divergentes no nosso meio doutrinário. Claro que todos têm o direito de manifestar seus os pontos de vista. Mas uma coisa é respeitar o pensamento alheio, outra, completamente diferente, é concordar com a tentativa de desfiguração de uma doutrina, como poucas, muito bem nascida. Pode-se até tolerar, porém jamais convir com qualquer ingerência descabida no pensamento espiritista. Aliás, a grande missão do espírita hodierno, singularmente encarnada por J. Herculano Pires, é preservar para as gerações seguintes o inigualável património intelecto-moral codificado por Allan Kardec

A grandiosa obra de amor e de redenção realizada pelo codificador da doutrina espírita não pode ser maculada, directa ou indirectamente, de forma ostensiva ou não. Aquele que, em pretéritas existências, já se revelara destemido e valoroso, personificando um dos mais sapientes sacerdotes celtas (druidas) e, igualmente, o aguerrido reformador religioso John Huss, assassinado pela Inquisição em 1415, tem credenciais inatas para inaugurar a Era do Espírito, sistematizando a doutrina profetizada pelo Cristo, quando este nos prometeu enviar o Consolador. (Cf. João 14, 15 e 16.) 

Muito cómodo é estar na faixa da indiferença; todavia, a voz da consciência soará mais alto na dimensão extrafísica, no momento do autojulgamento, na hora de o ser se encontrar diante de si mesmo... 

A doutrina rustenista, oriunda do livro Os Quatro Evangelhos (Federação Espírita Brasileira), ao lado da ubaldiana, da laicista pan-americana e da ramatisista, embora tenham o propósito de macular o Espiritismo, afiguram-se inofensivas à opinião desavisada de alguns profitentes da Terceira Revelação. Em vez de se informarem sobre tais ideários, verificando os seus ensinos aberrantes, e em seguida participarem dos debates abertos, situam-se na inércia, optando por “ficar em cima do muro”. É que assim estarão sempre “de bem”, poderão frequentar todos os círculos, sem se comprometerem. Alegam vivenciar, desse modo, a caridade, ser fraternos. Mas, em verdade, desconsideram a doutrina espírita e até os ensinos do Cristo, os quais repelem o comodismo dos “lobos fingindo-se de ovelhas” e a “paz de pantanal”. 

O nosso querido Herculano Pires, agindo como verdadeiro cristão, enfrentou com galhardia todos os adversários da luz. Não se omitiu em nenhum momento, mesmo quando as palavras malsãs eram proferidas por amigos. Conhecia muito bem os ensinos de Jesus e exercitava-os com afinco. Compreendia por demais a profundidade da doutrina cristã e a necessidade de preservá-la; por isso, não fugia à luta, em nome da integridade e pureza do Cristianismo, ressuscitado pelo próprio Jesus, na companhia dos “anjos do céu” e, na Terra, erguida sob os cuidados daquela mente grandiosa, encarnada na cidade francesa de Lyon, em 3 de Outubro de 1804: Hippolyte Léon Denisard Rivail

J. Herculano Pires estava ciente do alcance do episódio do Apocalipse em que Jesus abomina a inércia no exercício da religiosidade: “Conheço as tuas obras, que nem és frio, nem quente. Quem dera fosses frio, ou quente! Assim, porque és morno, nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca” (3:15-16). 

E eis aqui outros ensinos de Jesus contrários à falta de acção: 

“Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho; porque o remendo tira parte do vestido, e fica maior a rotura”; “Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte”; “Ninguém pode servir a dois senhores; porque há de aborrecer-se de um e amar ao outro. (Mateus 9:16; 5:13-14 e 6:24.) 

Infelizmente, existem espíritas que se mostram em posição de suposta neutralidade... Algumas vezes, a tolerância excessiva mascara outra apresentação, veste outro significado: a hipocrisia. Verifica-se então o fingimento, a impostura, a simulação dentro do contexto religioso. O Mestre nos alerta: 

Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Nada há encoberto que não venha a ser revelado; e oculto que não venha a ser conhecido. Porque tudo o que dissestes às escuras, será ouvido em plena luz; e o que dissestes aos ouvidos, no interior da casa, será proclamado dos eirados. (Lucas 12:1-3.) 

A união dos espíritas não pode ser imaginária, forçada, fingida. Os que seguem Kardec, diante de conceitos anti-doutrinários, não podem ficar quietos e calados, em nome de uma falsa tolerância ou unidade aparente, voltada tão só a proveitos próprios. Por se haver conservado imune a tudo isso, Herculano merece de todos os seguidores do Espírito de Verdade o devido respeito, numa muito sincera consideração; trata-se de exemplo a ser sempre recordado e com máximo empenho vivido, donde ser para nós matéria estatutária: 

Art. 4.º [...] Parágrafo único. Para inspirá-la à consecução de sua finalidade, a ADE-RJ adoptará como referência a vida e a obra do jornalista, professor, escritor e filósofo José Herculano Pires (1914-1979), cuja memória homenageará todos os anos, em setembro, assim como a de Allan Kardec, em outubro. 

Congratulo-me com a ADE-RJ e com o estimado e corajoso Sergio F. Aleixo pela feitura de tão dignificante obra, fundamental para a implementação de uma nova postura a ser exercitada pelas futuras gerações de espíritas, em homenagem àquele que por excelência a antecipou: o maior defensor da integridade e pureza doutrinária do Espiritismo, vindo a esta dimensão em 1914, na antiga Província do Rio Novo, hoje a cidade de Avaré, no interior do Estado de São Paulo, e liberto daquela vida física em 1979, na Capital: José Herculano Pires, que reverenciamos com esta publicação. 


/... 


Américo Domingos Nunes Filho, in Prefácio à obra de Sergio F. Aleixo – O METRO QUE MELHOR MEDIU KARDEC JOSÉ HERCULANO PIRES, UMA PROFISSÃO DE FÉ ESPÍRITA EM LINHA RETA, fragmento solto desta obra. 
(imagem de contextualização: São Luís com a coroa de espinhos, desenho de Alexandre Cabanel)

sábado, 8 de outubro de 2022

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos.
(II de III)

Os galeses, em geral, acreditavam firmemente no mundo dos espíritos e nas suas manifestações. Eles apresentam, às vezes, nomes e formas muito fantasiosas para isso. Os seus relatos deixam uma grande margem para a imaginação. Entretanto, do conjunto dos factos relatados se deduz uma série de testemunhos que não saberíamos recusar.

Por exemplo, no que se refere aos “espíritos batedores da mina”, esses seres invisíveis que, pelos seus golpes surdos, prolongados, repetidos, encorajam os mineiros e dirigem as suas pesquisas em direcção aos melhores filões; eis o relatório redigido, sobre esse assunto, pelo engenheiro Merris, homem muito estimado pelo seu saber e pela sua probidade, publicado na revista Gentleman’s Magazine:

“As pessoas que não conhecem as artes e as ciências ou o poder secreto da natureza zombarão de nós, mineiros de Cardigan, que acreditamos na existência dos “batedores”. Eles são uma espécie de génios bons, mas inapreensíveis, que não se vêem, mas se ouvem e, que parecem trabalhar nas minas, isto é, que o “batedor” é o representante ou o precursor do trabalho nas minas, como os sonhos o são de certos acidentes que acontecem.

Quando foi descoberta a mina de Esgair y Myn, os “batedores” nela trabalharam activamente, noite e dia e, um grande número de pessoas os ouviram. Mas, após a descoberta da grande mina, não foram mais ouvidos. Quando comecei a explorar as minas de Elwyn-Elwyd, os “batedores” agiram tão fortemente, durante um certo tempo, que assustaram os jovens operários. Quando removíamos as camadas de rochas, antes de chegar ao mineral, é que os ruídos se fizeram mais fortes; eles cessaram quando nós atingimos o mineral.

Sem dúvida, as nossas asserções serão discutidas. Afirmo, entretanto, que os factos são reais, mesmo que não possa nem pretenda explicá-los. Os cépticos podem rir; quanto a nós, mineiros, continuaremos a nos alegrar e a agradecer aos “batedores”, ou melhor, a Deus, que nos envia os seus conselhos.”

Os fenómenos de assombração não são raros no País de Gales. Cita-se de bom grado tal casa ou tal castelo que os conheceram e suportaram. O Sr. Le Goffic, na sua viagem a Cardiff como delegado bretão à grande Assembleia solene de 1899, recolheu uma grande série de relatos desse género, que ele publicou no seu livro L’Âme Bretonne (A Alma Bretã).

A maioria desses relatos nos parecem muito marcados de superstição. Cremos, portanto, que devemos indicar um testemunho sério, o de Lady Herbert, ilustre patriota galesa, descendente dos antigos reis “kymris”, que recebia a delegação no seu castelo de Llanover.

O Sr. Le Goffic cita a conversa que teve sobre esse assunto com essa grande dama:

“O exemplo vem do Alto. Não se diz na Inglaterra que a própria rainha tem o seu fantasma que ronda os apartamentos de Windsor? E esse fantasma, vestido de negro, não é outro senão a grande Elisabeth.

O lugar-tenente Glynn, de guarda na biblioteca, percebeu como o fantasma penetrou no quarto contíguo. Ora, esse quarto não tinha saída, mas tivera uma, outrora, durante a vida de Elisabeth e, que foi fechada depois. O lugar-tenente correu atrás do fantasma e chegou mesmo a tempo de vê-lo introduzir-se na parede. O facto se reproduziu diversas vezes e o medo foi tão grande, em Windsor, que foi preciso dobrar a guarda da noite.

Windsor tem a sua dama negra, o meu castelo de Cold Brooks tem a sua dama branca. Vós perguntais qual o sentido dessas aparições? Ora, como a igreja nos explica, são almas em sofrimento que pedem piedade dos vivos esquecidos. Os outros espectros têm a função de avisadores. É o caso, creio, da dama negra de Windsor: a sua presença anuncia sempre algum facto grave, uma guerra ou catástrofe próxima.

Os avisos, ou como vós dizeis na Bretanha, os “intersignos”, revestem todas as formas. Algumas vezes essas formas são especiais para certas famílias. Os Grey de Ruthwen são avisados da morte dos seus membros pela aparição de uma carruagem, com quatro cavalos negros.

A família Airl, quando um dos seus membros está perto da hora da morte, ouve um rufo de tambor. Num jantar, estando presente um desses Airl, alguém lhe perguntou como passatempo: “Qual é, então, o ‘intersigno’ de sua família?” – “O tambor”. E, como para atestar o facto, um rufo, surdo e velado, soou ao longe. Lord Airl empalideceu; algum tempo depois, um mensageiro veio anunciar que um dos membros de sua família estava morto.

Os Mac-Gwenlyne, descendentes do célebre clã desse nome, possuem há séculos, no norte da Escócia, o velho solar de Fairdhu: uma grande abóbada curvada lhe dá o acesso e, julga-se que a pedra que serve de base para essa abóbada começa a tremer quando um Mac-Gwenlyne vai morrer...” 

Os casos de castelos e lugares assombrados são tão numerosos na Escócia que não citamos todos. Sabe-se que esse país é a terra clássica dos videntes, dos fantasmas e dos espíritos familiares. O aspecto melancólico das suas regiões, cobertas de neblina e, das suas ruínas presta-se às visões e às evocações.

Ainda nos nossos dias, a sombra de Mary Stuart não apareceu a Lady Caithness, Duquesa de Pomar, na capela real de Holyrood, onde se alinham os túmulos dos reis da Escócia? Na sua sumptuosa casa da rua Brémontier, em Paris, em dias de reuniões psíquicas, a duquesa se comprazia em nos contar a sua palestra nocturna com a infortunada rainha.

/…


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte – OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos (II de III), 12º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, OssianDesaixKléberMarceauHocheChampionnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson

sábado, 1 de outubro de 2022

O Espiritismo na Arte ~


Parte IV 

- Literatura e oratória 
- A língua francesa e a ideia espiritualista 

(Abril de 1922) 

A literatura e a oratória também são formas de arte, meios poderosos de fazer o pensamento brilhar no nosso mundo. Pode dizer-se o que Esopo (i) dizia da língua: “ela é, segundo o uso que se fizer dela, o que há de melhor ou de pior.” Sob esse ponto de vista, a França sempre teve um papel privilegiado. A clareza, a nitidez do seu idioma, ainda que mais pobre que outros em qualificativos, serviu largamente para a expansão do seu talento e a difusão das ideias generosas. São, portanto, as qualidades desse idioma que asseguram ao nosso país, ao mesmo tempo, um lugar à parte no mundo e uma alta situação no futuro. 

A nossa língua, pela sua limpidez, a sua clara compreensão das coisas, é o instrumento predestinado das grandes anunciações, das revelações augustas. As outras línguas têm o seu charme, a sua beleza, porém nenhuma consegue esclarecer melhor as inteligências, persuadir, convencer. Assim, os espíritos de elite que vierem à Terra cumprir uma missão renovadora encarnarão de preferência no nosso país e, dentre eles, os maiores de todos, a fim de que a nossa língua possa servir de veículo aos seus altos e nobres pensamentos através do mundo. A sua presença e a sua acção, dizem-nos do Além, ainda contribuirão para aumentar o prestígio e a glória da França. 

A literatura francesa sobressai principalmente na análise dos sentimentos e das paixões; ela se caracterizou sobretudo no romance, cujo tema geral é o amor sensual. Sob a influência do materialismo ávido de todos os prazeres, ela perdeu-se em contradições, assim como em prazer e, em lugar de cooperar para o enobrecimento da raça, contribuiu, a maior parte das vezes, para corromper os seus costumes e precipitar a sua decadência. A maioria dos autores do nosso tempo compraz-se em expor as suas aventuras na ostentação de um cinismo picante. Daí, em certos momentos, o descrédito da França no exterior e as medidas tomadas contra a nossa língua em inúmeros estabelecimentos de educação. Já é tempo de uma nova corrente de ideias vir inspirar a arte e a literatura francesas, com um senso mais filosófico das coisas e uma noção mais ampla do destino. Somente isso pode restituir às obras do pensamento toda a sua amplitude e a sua eficácia regeneradora. 

Sob a inspiração de colaboradores e instrutores invisíveis, essa reacção vai acentuar-se. Os escritores, os oradores, sentem-se levados pelas forças ocultas em direcção a horizontes mais puros, mais luminosos. De toda a parte surgem produções impregnadas de doutrinas amplas e elevadas. 

O pensamento francês começa a adquirir esse poder de irradiação ao qual tem direito; um dia ele atingirá as alturas que, até agora, só a música soube fazer entrever e pressentir. Ele chegará a possuir esse dom de penetração, de persuasão, essas qualidades estéticas que asseguram a sua predominância definitiva. Pode constatar-se desde agora que, sob a sua influência, o mundo latino se impregnou inteiramente das doutrinas de Allan Kardec sobre as vidas sucessivas. As obras do grande iniciador foram traduzidas em todas as línguas neolatinas. As edições espanholas e portuguesas sucedem-se rapidamente na América Central e Meridional; a ideia espiritualista penetra nos meios mais isolados, sob a forma com a qual os escritores franceses a revestiram. 

No século passado (ii), os autores de talento já haviam encontrado motivos de inspiração nos fenómenos psíquicos. Pode-se citar Balzac (iii)Alexandre Dumas (iv)Théophile Gautier (v)MicheletEdgar Quinet (vi)Jean Reynaud (vii) e muitos outros. 

O Romantismo, apesar dos seus excessos, levava a esse século, como uma onda muito grande, a noção do divino e da imortalidade; assim, os homens de 1830 e de 1848 tinham um carácter mais enérgico e uma importância mais nobre que os homens políticos da nossa época. 

O impulso romântico manifestou-se como prelúdio do grande movimento de ideias que hoje abrange toda a humanidade. De Lamartine a Hugo, até Baudelaire e Gérard de Nerval (viii), todos buscam o infinito na natureza e na vida. A noção das vidas sucessivas encontra-se em La chute d’un ange (A queda de um anjo) e em Jocelyn(ix) depois em Revenant (Voltando)Les contemplations (As contemplações)La légende des siècles (A lenda dos séculos), de Victor Hugo (x); em La vie antérieure (A vida anterior), de Baudelaire (xi), etc. 

Em obras mais recentes, certos autores de mérito, como Paul Grendel, Élie Sauvage, Dr. Wylm, etc., deram mais desenvolvimento à ideia psíquica e dela fizeram sobressair as grandes consequências. Também no exterior, Rudyar Kipling (xii), dizem, e Selma Lagerlof (xiii) introduzem a reencarnação nas suas obras. Toda uma plêiade de jovens e ardentes escritores, nem sempre avaliados, segue esses exemplos e se embrenha em caminhos ricos e fecundos. 

Os graves acontecimentos dos últimos anos criaram por toda a parte novas necessidades do espírito e do coração: a necessidade de saber, de crer, de descobrir os focos de uma luz mais viva, de fontes abundantes de consolação. A alma da França faz esforços para se libertar das opressões do materialismo. As suas profundas intuições célticas despertam e a conduzem em direcção às fronteiras espirituais onde todo um mundo invisível a chama e a atrai. 

/… 
(i) Esopo: Fabulista grego (século VII - VI a.C.), de origem escrava, depois alforriado. É personagem meio lendária, que se representava como indivíduo feio, gago e corcunda. A reunião actual das Fábulas de Esopo, redigidas em prosa grega, é atribuída ao Monge Planúdio, no século XIV. (N.T., segundo o D.K.L.)
(ii) O autor refere-se ao século XIX. (N.T.)
(iii) Honoré de Balzac: escritor francês (Tours, 1799 - Paris, 1850). Autor de A Comédia Humana reuniu, a partir de 1842, diversas séries de romances, formando um verdadeiro afresco da sociedade francesa, da Revolução no fim da Monarquia. Alguns dos seus romances são: Gobseck, A Pele de Onagro, O Coronel Chabert, O Médico da Roça, Eugénie Grandet, O Pai Goriot, A Procura do Absoluto, O Lírio no Vale, Ilusões Perdidas e outros. Também escreveu contos e peças de teatro. (N.T., segundo o D.K.L.)
(iv) Alexandre Dumas: escritor francês (Villers-Cotterêts, 1802 - Puys, 1870). Foi o mais popular escritor da época romântica. Eis algumas de suas obras: Henrique III e sua Corte, Anthony, A Torre de Nesle, Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois, O Conde de Monte Cristo, A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau. (N.T., segundo o D.K.L.)
(v) Théophile Gautier: poeta francês (Tarbes, 1811 - Neuilly-sur-Seine, 1872). Era partidário do romantismo, mas chegou a uma poesia mais ciosa da beleza formal: Esmaltes e Camafeus. Escreveu, entre outros, o romance Capitão Fracasso e obras de crítica literária e artística. (N.T., segundo o D.K.L.)
(vi) Edgard Quinet: historiador francês (Bourg-en-Bresse, 1803 - Paris, 1875). Filósofo idealista e ateu, historiador liberal. Obras principais: O Génio das Religiões, As Revoluções da Itália. (N.T., segundo o D.K.L.)
(vii) Jean Reynaud: filósofo e político francês, nasceu em Lyon (1806-1863). Autor de Terra e Céu. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(viii) Gérard Labrunie de Nerval: escritor francês (Paris, 1808 - id., 1855). Obras principais: As Filhas do Fogo, Aurélia, As Quimeras. Foi o precursor de Baudelaire, de Mallarmé e do surrealismo; traduziu Fausto, de Goethe. Era sujeito a crises de demência; enforcou-se. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(ix) A Queda de um Anjo e Jocelyn: obras de Lamartine. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(x) Victor Hugo: escritor francês (Besançon, 1802 - Paris, 1885). Inicialmente foi um poeta clássico nas suas Odes, mas depois tornou-se o chefe do Romantismo com Cromwell, Os Orientais e Hernani. Publicou ainda: Nossa Senhora de Paris, Folhas de Outono, Cantos do Crepúsculo, As Vozes Interiores, Os Castigos, As Contemplações, A Lenda dos Séculos, Os Miseráveis e Os Trabalhadores do Mar, entre outras obras. É considerado o mais ilustre dos poetas franceses. A influência sobre a sua época, o número e a grandeza das suas obras e o papel político por ele desempenhado fizeram de Victor Hugo uma das maiores personalidades do século XIX. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xi) Charles Baudelaire escritor francês (Paris, 1821 - id., 1867). Herdeiro do Romantismo e fiel à métrica tradicional exprimiu ao mesmo tempo a tragédia do destino humano e uma visão mística do Universo, onde descobriu misteriosas “correspondências”. Os seus poemas As Flores do Mal, Pequenos Poemas em Prosa e a sua obra crítica A Arte Romântica são a fonte da poesia moderna. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xii) Rudyard Kipling: escritor inglês (Bombaim, Índia, 1865 - Londres, 1936). Escreveu poesias e romances, entre estes, Livros da Selva e Kim. Recebeu o Prémio Nobel em 1907. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xiii) Selma Lagerlof: escritora sueca (Marbacka, 1858 - id., 1940). Autora de Saga de Gosta Berling. Recebeu o Prémio Nobel em 1909. (N.T., segundo o D.K.L.)


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte IV – Literatura e oratória; A língua francesa e a ideia espiritualista, 14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardoda Vinci