sábado, 22 de agosto de 2015

O Espiritismo na Arte ~

Parte II

Arte: meio de elevação e renovação; Arte: meio de aviltamento; O pensamento de Deus; Fonte das altas e sãs inspirações ~

|Fevereiro de 1922|

A arte, sob as suas formas diversas, como dissemos no artigo anterior, é a expressão da beleza eterna, uma manifestação da poderosa harmonia que rege o Universo; é o raio de luz que vem do alto e que dissipa as brumas, as obscuridades da matéria, e nos faz entrever os planos da vida superior. A arte é, por si mesma, plena de ensinamentos, de revelações, de luz. Ela arrasta a alma em direcção às regiões da vida espiritual, que é a verdadeira vida, e que a alma anseia tornar a encontrar um dia.

A arte bem compreendida é um poderoso meio de elevação e de renovação. É a fonte dos mais puros prazeres da alma; ela embeleza a vida, sustenta e consola na provação e traça para o espírito, antecipadamente, as rotas para o céu. Quando a arte é sustentada, inspirada por uma fé sincera, por um nobre ideal, é sempre uma fonte fecunda de instrução, um meio incomparável de civilização e de aperfeiçoamento.

Porém, nos nossos dias, muito frequentemente ela é aviltada, desviada do seu objectivo, escravizada por mesquinhas teorias de escola e, principalmente, considerada como um meio de chegar à fortuna, às honras terrestres. Emprega-se a arte para adular as más paixões, para superexcitar os sentidos, e assim se faz da arte um meio de aviltamento.

Quase todos aqueles que receberam a sagrada missão de conduzir as almas para o alto se eximiram dessa tarefa. Eles se tornaram culpados de um crime, recusando-se a instruir e a esclarecer as sociedades, perpetuando a desordem moral e todos os males que se precipitam sobre a humanidade. Esse comportamento explica a decadência da arte na nossa época e a ausência de obras importantes.

O pensamento de Deus é a fonte das altas e sãs inspirações. Se os nossos artistas soubessem beber nessa fonte, nela encontrariam o segredo das obras imperecíveis e as maiores felicidades. O Espiritismo vem oferecer-lhes os recursos espirituais de que a nossa época tem necessidade para se regenerar. Ele nos faz compreender que a vida, na sua plenitude, é apenas a concepção e a realização da beleza eterna.

Viver é sempre subir, sempre crescer, sempre acrescentar em si o sentimento e a noção do belo.

As grandes obras só se elaboram no recolhimento e no silêncio, à custa de longas meditações e de uma comunhão mais ou menos consciente com o mundo superior. O alarido das cidades não é conveniente ao voo do pensamento; ao contrário, a calma da natureza, a paz profunda das montanhas, facilitam a inspiração e favorecem a eclosão do talento. Assim, confirma-se, uma vez mais, o provérbio árabe: “O barulho é para os homens, o silêncio é para Deus!”

O espírita sabe que imensa ajuda a comunhão com o Além, com os espíritos celestes, oferece ao artista, ao escritor, ao poeta. Quase todas as grandes obras tiveram colaboradores invisíveis. Essa associação se fortifica e se acentua pela  e pela prece, que permitem às forças do Alto penetrarem mais profundamente em nós e impregnarem todo o nosso ser. Mais do que qualquer outro, o espírita sente as correntes poderosas que passam sobre as frontes pensativas e inspiram as ideias, as formas, as harmonias, que são como os materiais dos quais o génio se utilizará para edificar a sua maravilhosa obra.

A consciência dessa colaboração dá a medida da nossa fraqueza; ela nos faz compreender qual parte cabe à influência de nossos irmãos mais velhos, dos nossos guias espirituais, daqueles que, do espaço, se inclinam sobre nós e nos assistem nos nossos trabalhos. Ela nos ensina a ficar humildes no sucesso. O orgulho do homem é que fez a fonte das altas inspirações secar. A vaidade, que é o defeito de muitos artistas, torna o seu espírito insensível e afasta as grandes almas que concordariam protegê-los. O orgulho forma uma espécie de barreira entre nós e as forças do Além.

O artista espírita conhece a sua própria indigência, mas sabe que acima dele, abre-se um mundo sem limites, pleno de riquezas, de tesouros incalculáveis, perto dos quais todos os recursos da Terra não são mais que pobreza e miséria. O espírita também sabe que esse mundo invisível – se ele souber tornar-se digno dele, purificando o seu pensamento e o seu coração – pode tornar mais intensa a acção do Alto, fazê-lo participar das suas riquezas pela inspiração e pela revelação e delas impregnar as obras que serão como um reflexo da vida superior e da glória divina.

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LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte II – Arte: meio de elevação e renovação; Arte: meio de aviltamento; O pensamento de Deus; Fonte das altas e sãs inspirações. 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Nas garras do pensamento crítico ~

O desprezo pela dialéctica |

   Dizia Engels, no artigo: “...não se pode desprezar impunemente a dialéctica.” E dizia bem. Senão, vejamos: observados os factos com o máximo rigor científico, através de centenas de sessões – nas quais se obteve, inclusive, na presença de Gabriel Delanne, a célebre e impressionante materialização de Bien-Boa, na casa do general Noel, na Argélia –, Charles Richet se convence da realidade dos fenómenos, escreve o Traité de MétapsychiqueA Grande Esperança e O Sexto Sentido, mas só concorda com a sobrevivência depois que a poderosa dialéctica de Ernesto Bozzano lhe demonstra a obscuridade das teorias que atravancam a sua própria ciência (expressões da carta de Richet a Bozzano, publicada no número de 30 de maio de 1936, da revista londrina Psychic News).

Cesare Lombroso, o grande criminologista e psiquiatra, autor de severas críticas ao Espiritismo, encontrou-se, não apenas em uma, mas em várias sessões realizadas em Milão, Génova e Turim, com a materialização de sua própria mãe, graças à mediunidade de Eusapia Palladino, e proclama o facto com entusiasmo e emoção, na revista milanesa Luce e Ombra. Mas o professor Silva Mello descobre, algumas dezenas de anos mais tarde, no nosso país, que a médium era simplesmente “uma embusteira”, e afirma: “descobriu-se que ela fraudava de maneira sistemática e com a maestria de uma velha perita na questão”. Lombroso, como se vê, não fora mais do que um beócio, deixando-se empolgar pela emoção mais estúpida que se possa imaginar, quando tomou um boneco ou um farsante pela ressurreição de sua própria mãe! Que se admitisse a farsa numa comédia de Hollywood, vá lá, mas na vida de um homem como Lombroso é o que de mais grotesco se possa imaginar.

A frase de Engels aplica-se também, como uma luva, ao caso do trio H. G. WellsJulian Huxley e G. P. Wells. Não cometeram eles, é verdade, a gafe de negar a realidade dos fenómenos. Pelo contrário, como o Dr. Troise, reconheceram, prudentemente, que os factos existem e não podem ser riscados da história ou apagados com a esponja da negação. No volume Science of Life, da colecção Man's mind and behaviour, traduzidos e publicados entre nós com os títulos A Nossa Vida Mental, colecção A Ciência da Vida, reconhecem eles: “Não podemos absolutamente rejeitar a evidência de tais fenómenos”. E acrescentam, aliás com muita oportunidade, censurando os que os negam:

“Lembremo-nos, segundo Richet, de que grandes cientistas, como Bouillaud, declararam que o telefone era ventriloquia, e cientistas ainda maiores, como Lavoisier, afirmaram decisivamente que não poderiam cair pedras do céu, pela razão muito simples de que no céu não há pedras...”

Não obstante – há, o desprezo pela dialéctica! –, terminaram apelando, num desesperado esforço de rejeição à tese espírita, ao “realismo” da Idade Média, para explicar os factos: “Quando filosofamos – dizem eles – nas horas de recolhimento e de silêncio, talvez essa filosofia não parta unicamente de nós, mas seja o próprio Homem, na plenitude de si mesmo, que se revele através dos nossos pensamentos”.

Entenderam os leitores? Esse Homem (com “H” maiúsculo) é a verdadeira ressurreição da múmia filosófica da controvérsia entre “nominalistas” e “realistas”, arrancada à força dos baús medievais para enfrentar a realidade fenoménica do Espiritismo, em plena era atómica.

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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico – O desprezo pela dialéctica, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)

sábado, 1 de agosto de 2015

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades


A EXPERIÊNCIA ESPÍRITA DE VICTOR HUGO |

Victor Hugo possuía fé no plano divino do Universo, razão porque baseava o seu lirismo sobre essa profunda convicção. Confiava na lei do progresso e admitia que tudo evolui apesar das incertezas humanas. Quando o homem, orgulhosamente, se considera "o fim e a meta do universo", o poeta exclama: ''Acreditas que esta vida universal, que vai da rosa à árvore, da árvore ao animal, que se eleva insensivelmente da pedra a ti, se detem ante o declive do abismo do homem? Não, prossegue invencível e admirável, penetra no invisível e no imponderável, desvanece-se para ti, plena do azul de um mundo deslumbrante, penetra entre seres que estão em volta do homem e outros que estão longe dele, os espíritos puros, anjos, formados de raios, como o homem está formado de instintos. Prossegue através dos céus sempre elevados, sobe escalando as estrelas; dos demónios desencadeados, sobe até aos seres alados, ao espírito astro como o sol arcanjo; une, estreitando milhões de léguas, os grupos de constelações com as legiões azuis; povoa o alto, as bordas e o centro, e em todas as profundezas está em Deus".

A visão cósmica que possuía sobre o homem faz-nos recordar este maravilhoso texto mediúnico: "Habitante do espaço, fénix que renasce da matéria, peregrino dos mundos nos quais deixa um ser que foi e é, conta as suas horas por períodos de vida. Guerreiro incansável, veste-se de organismo para lutar e acrescentar aos seus domínios mais verdade e ao seu poder mais luz" (i)

A primeira sessão mediúnica de Victor Hugo foi publicada por Gustavo Simón (ver o seu livro "Les tables tournantes de Jersey", editorial Louis Conard, Paris), na qual se manifestou a sua filha Leopoldina, há pouco falecida em naufrágio, e lavrou a correspondente acta o célebre poeta e dramaturgo Auguste Vacquerie. Eis o relato:

"Quando se falava das mesas girantes nós duvidávamos. Havíamos feito experiências com elas, mas sem êxito certo. Víamos, sobretudo, na atenção que em todas as partes se dedicava a estes fenómenos uma armadilha da polícia francesa para distrair o espírito público das vergonhas do governo. Assim estávamos quando Mme. de Girardin veio a  Jersey para visitar Victor Hugo. Chegou na terça-feira, 6 de setembro de 1853.

"Falou-nos das mesas. Não giravam, apenas: falavam também. Convencionava-se com elas que as batidas que dessem seriam as letras do alfabeto e que se escreveria a letra na qual se detivessem. Assim se obtinham letra por letra e palavra por palavra, frases e páginas inteiras. Vimos nisto um paradoxo do génio encantador de Mme. de Girardin.

Tanto é que, na quarta-feira, enquanto tratava de falar à mesa com Victor Hugo, na sala de jantar, nós permanecíamos no salão. A mesa não falou. Mme. de Girardin disse que o fracasso se devia à mesa ser quadrada e que precisava-mos de uma redonda. Não a tínhamos. Na quinta, ela mesma trouxe uma pequena mesa de três pés que havia comprado em Saint Hélier, num bazar de jogos. No dia seguinte, voltou a experimentar sem êxito. Eu, particularmente, acreditava tão pouco nas mesas que fui deitar-me enquanto eles se punham a experimentar. No sábado, Victor Hugo e Mme. de Girardin jantaram em casa de um senhor de Jersey, M. Gordfray. Mme. de Girardin voltou a experimentar, inutilmente. No domingo à noite eis o que aconteceu.

ACTA

"Presentes Madame de Girardin, Madame Victor Hugo, Victor Hugo, Carlos Hugo, Francisco Victor Hugo, general Le Fló, M. de Trevenueu, Auguste Vacquerie.

"Mme. de Girardin e Auguste Vacquerie põem-se à mesa, colocando a mesinha redonda em cima de uma mesa grande quadrada. Ao fim de alguns minutos a mesa estremece.

"Mme. de Girardin: Quem és? (A mesa levanta um pé e não o baixa.)

"Mme. de Girardin: Existe alguma coisa que te preocupa? Se for assim, dá uma batida, se não, duas batidas. (A mesa dá uma batida.)

"Mme. de Girardin: O quê?

"- Losango.

"(De facto, estávamos sentados formando um losango, sentados em ambos os lados de um ângulo da mesa grande.)

"(A mesa se agita, vai e vem, recusa-se a falar. Eu me separo dela. O general Le Fló ocupa o meu lugar. Na mesa, Carlos Hugo e o general Le Fló.)

"General Le Fló: Diga em que penso.

"Mme. de Girardin, ao mesmo tempo: Quem és?

"- Filha.

"(O general Le Fló não pensava na sua filha. Eu penso no meu sobrinho Ernesto e pergunto:)

"- Em que penso?

"- Morta.

"Mme. de Girardin, bastante emocionada: - Filha morta?

"Eu volto a dizer:

''- Em que penso?

"- Morta.

"(Todos pensam na filha que Victor Hugo perdera.)

"Mme. de Girardin: Quem és?

''- Ame Soror.

"(Mme. de Girardin havia perdido a irmã. A mesa disse soror em latim para dizer que era irmã de um homem?)

"General Le Fló: Carlos Hugo e eu, que estamos à mesa, perdemos uma irmã cada um. De quem és irmã?

"- Dúvida.

"General Le Fló: Teu país?

"- França.

"General Le Fló: Tua cidade?

"(Nenhuma resposta. Todos sentimos a presença da morte. Todo mundo chora.)

"Victor Hugo: És feliz?

"- Sim.

"Victor Hugo: Onde estás?

"- Luz.

"Victor Hugo: O que se deve fazer para ir a ti?

''- Amar.

"(A partir deste momento, em que todos estamos emocionados, a mesa, como se se visse compreendida, já não vacila mais. Responde imediatamente ao ser interrogada. Quando demoramos para fazer-lhe uma pergunta, agita-se para a direita e para a esquerda.)

"Mme. de Girardin: Quem te envia?

''- Bom Deus.

"Mme. de Girardin, muito emocionada: Fala tu mesma, tens algo a dizer?

"- Sofri rumo ao outro mundo.

"Eu não estava absolutamente convencido. Não é que acreditasse precisamente que Mme. de Girardin nos enganava e dava os golpes voluntariamente. Mas eu me dizia que a força do desejo e a tensão do espírito podiam dar à sua mão uma pressão involuntária.

"Fomos buscar outra mesa, sobre a qual colocamos a pequena. Mme. de Girardin e Carlos Hugo colocam-se de maneira que cortam a mesa-suporte em ângulo recto. A mesa se agita.

"General Le Fló: Diz-me em que penso.

"- Fidelidade.

"(O general Le Fló pensava na sua mulher. Eu estava algo menos convencido. Parecia-me tão engenhoso e espiritual responder 'fidelidade' a um marido que pensa na sua mulher, que atribuía a resposta a Mme. de Girardin.)

"Victor Hugo escreve uma palavra em papel e o coloca, fechado, em cima da mesa.

"Auguste Vacquerie: Podes dizer-me o nome escrito aí dentro?

"- Não.

"Victor Hugo: Por quê?

"- Papel.

"Todas as respostas começavam a nos estranhar um pouco. Para estar mais seguro que não era Mme. de Girardin quem actuava, solicito colocar-me à mesa com Carlos Hugo. Ponho-me com ele. A mesa se move. Penso em um nome e digo:

"- Qual é o nome em que penso?

"- Hugo.

"De facto, este era o nome. Neste momento comecei a crer. Fazia alguns instantes que Mme. De Girardin estava emocionada e pedia-nos que não perdêssemos tempo com perguntas pueris. Pressentia uma grande aparição, mas nós, que duvidávamos, permanecíamos a desafiar a mesa a que respondesse a palavras escritas ou pensadas.

"Mme. de Girardin: Engana-nos?

"- Sim.

"Mme. de Girardin: Por quê?

"- Absurdo.

"Mme. de Girardin: Pois bem, fala tu mesmo.

"Importuna.

"Mme. de Girardin: Quem te importuna?

"- Um só.

"Mme. de Girardin: Aponte-o.

"- Ruivo.

"De facto, o Sr. de Trévenueu, muito ruivo, era o mais incrédulo de nós.

"Mme. de Girardin: Deseja que saia?

"- Não.

"Victor Hugo: Vês o sofrimento dos que te amam?

"- Sim.

"Mme. de Girardin: Sofrerão muito tempo?

"- Não.

"Mme. de Girardin: Voltarão rápido à França?

"(Não responde.)

"Victor Hugo: Depende deles para que possam voltar?

"- Não.

"Victor Hugo: Mas, voltarás?

"- Sim.

"Victor Hugo: Breve?

"- Sim.

"(Encerrado a uma e meia da madrugada.) Nota: Tudo o que antecede foi escrito imediatamente após a sessão por Auguste Vacquerie. A partir deste dia decidimos escrever as respostas da mesa no momento em que se produziam. Todas as actas seguintes foram recolhidas durante o transcurso das próprias sessões.''

/…
(i) Daniel Suárez Artazu: Marietta y Estrella. Páginas de duas existências



Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, A Experiência Espírita de Victor Hugo, 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)