segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O Espiritismo na Arte ~


Parte II

– Comportamento de outros espíritos diante de o Esteta

As duas lições de o Esteta que vamos ler, têm por assunto a inspiração, considerada na sua causa e nos seus efeitos gerais, tanto na Terra como no espaço.

Nas nossas reuniões, essas lições prosseguem com regularidade a cada semana, porém, ainda ignoramos o nome e a personalidade verdadeira do seu autor. No entanto, observamos que os espíritos familiares do nosso grupo se afastam com respeito e apenas se calam diante dele; o guia do médium vem, após a partida de o Esteta, e diz-nos algumas palavras de amizade e de encorajamento, declarando-se “acanhado pela superioridade e a irradiação desse grande espírito”.

Qualquer que seja o valor do estilo, nós nos empenhamos em reproduzir fielmente o pensamento do autor, evitando com cuidado tudo o que pudesse alterar o seu sentido, mesmo em benefício da forma.

Terceira lição, de O Esteta

– Inspiração: causa, efeitos, formas – A verdadeira arte

|29 de Novembro de 1921|

“Eu gostaria de vos falar sobre a inspiração. É um procedimento de transmissão da luz divina; ela se produz sob diversas formas, porquanto a arte, com as suas inúmeras ramificações, se aproxima em graus diversos desse plano divino do qual vos falo.

Quando, no espaço, o espírito de um artista decidiu reencarnarleva com ele as amizades de seres queridos que, por causas diversas, devem ficar no espaço. Mas, por intuição, esses amigos enviarão a esse ser, aprisionado na carne, fluidos provenientes do seu meio e ideias que darão novo impulso à parcela de talento que existe nele e que, sob o domínio da carne, estaria bastante propensa a ficar adormecida.

A inspiração tem duas formas: uma pessoal, outra mais ampla, transmitida por espíritos elevados que haurem a arte das fontes mais puras e comunicam os seus efeitos a um ser que os emprega de forma ordenada pelos seus próprios meios e naturalmente.

A inspiração pessoal é a mais comum. Fica sabendo que um ser que é capaz de experimentar esse fenómeno já é evoluído; a sua evolução se realizará por etapas. Em cada uma das suas vidas, ele terá um período mais marcante que outros, aquele em que o trabalho foi mais obstinado e, por consequência, mais produtivo; dele resultarão aquisições que se acumularão no perispírito. Na existência seguinte, essas aquisições voltarão a aparecer sob a forma de um dom inato. Esse dom, para os que não são iniciados, se denominará inspiração. Mas essa inspiração não tem senão um carácter humano; em geral ela é fria, não sendo animada pelas luzes divinas.

Para tornar essa inspiração mais bela, mais elevada, é preciso impregná-la de ideal e de fluidos que emanam do foco divino.

Chegamos assim à segunda forma de inspiração. Fica sabendo que os amigos invisíveis velam pelos seres que eles sentem que são dignos de serem protegidos e encorajados. Do espaço, os espíritos superiores pressentem a pequena chama criada pela inspiração pessoal. Para torná-la mais brilhante, pela prece, se Deus o permite, esses guias irão buscar, nas esferas onde reinam radiações maravilhosas, os elementos da vida criadora que alimentarão essa pequena chama e dela farão brotar centelhas de talento.

Pode acontecer que o corpo humano seja um pouco perturbado por essas forças. Quando os átomos físicos não podem resistir a esse influxo, produz-se uma desordem no organismo. É o que explica os homens de talento terem, algumas vezes, falta de equilíbrio.

Eis a explicação material do fenómeno. O que sentirá o ser sob o efeito de uma inspiração? Se ele é suficientemente sensível, quando uma ideia, um pensamento que ele não podia prever, aflorar ao seu cérebro, ele o assimilará como um receptor telefónico que recebe ondas eléctricas e vibra à sua passagem. Ele é um pintor? De repente, sobre a sua paleta, ele encontrará o segredo da mistura das cores que irá produzir uma nova cor, adaptando-se admiravelmente ao movimento de traços que torna o rosto expressivo ou ao relevo que deve ser dado a um quadro que está em execução. Ele é um pensador? Um escritor? Um poeta? Desse mesmo cérebro brotarão a ideia, a imagem, a expressão que devem realçar e ilustrar a obra que tem necessidade de revestir uma forma mais elevada e mais colorida. Ele é um músico? No momento em que menos esperar, um acorde, uma série harmónica, uma melodia, virão, pela sua suavidade, a sua pureza, a sua riqueza, dar à sua composição, um brilho que ela não teria conseguido adquirir. Se o ser humano é, desde o seu nascimento, tornado por um ideal, podes calcular os novos tesouros que se ligarão a ele. A arte ideal é uma das formas da prece, o seu pensamento atrairá amigos invisíveis muito elevados; a ele será fácil fazer realçar o brilho da chama acesa anteriormente e, da alma do artista, brotarão obras inspiradas pelo belo e pelo divino.

Geralmente é necessário que um artista fique num meio são, porque a chama criadora que o anima pode extinguir-se, sob a influência de um ambiente fluídico carregado de moléculas materiais. A verdadeira arte não procura os prazeres da mesa, da carne, e aqueles dos quais o espírito e o cérebro não participam.

No vosso país, a França, tens artistas maravilhosos que criaram obras admiráveis em todos os domínios. Os artistas da Renascença constituíram, devo dizer, uma plêiade inspirada por um número não menor de grandes artistas do espaço. Esses artistas da Renascença haviam encontrado a sua fonte criadora na Antiguidade grega e latina. Após terem vivido na Grécia, no Egipto e em Roma, retornaram ao espaço. Lá seus conhecimentos se ampliaram, adquiriram um brilho, uma aparência particular e, quando reencarnaram, deixaram o paganismo para celebrar, em todos os domínios, a glória de Deus, da qual eles se tinham impregnado durante a sua última passagem nas esferas celestes. As suas vidas anteriores sobre a Terra haviam sido consagradas a um trabalho de base, isto é, à preparação dessa pequena chama que devia ser como um dos pólos atractivos da essência divina. É por essa razão que a obra dos pintores, dos escultores e dos músicos dessa época tem essa cor de piedade, de doçura, de quietude que não encontras na época presente.

Na minha próxima exposição, eu vos falarei da inspiração na vossa época. Nalguns ela também é bela, porém, as características não são as mesmas. A inspiração actual, onde se misturam novos pontos de vista, deve contribuir para uma transformação geral da humanidade, por uma evolução no pensamento, aproximando-se e comunicando-se com o mundo invisível, intermediário do plano divino.”

/…


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte II – Comportamento de outros espíritos diante de o Esteta, Terceira lição (de O Esteta) – Inspiração: causa, efeitos, formas – A verdadeira arte, 8º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Virgem e o Menino com Santa Ana, 1508 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

literatura do além-túmulo ~

Capítulo I

Entre as numerosas formas que revestem as manifestações mediúnicas de natureza inteligente, não nos devemos esquecer das que consistem na produção de obras literárias, às vezes bem volumosas, ditadas psicograficamente por entidades que dizem ser espíritos de mortos.

 Há necessidade de notar que grande número dessas produções mediúnicas não resistem a uma análise crítica, mesmo a mais superficial, de tal modo é evidente serem apenas o produto de uma elaboração onírico-subconsciente, de natureza grosseira e mais ou menos incoerente, com personalizações sonambúlicas que se formaram por sugestão ou auto-sugestão.

Essas personificações devem, em toda a parte, nesses casos, ter origem nos recursos do talento e da instrução própria às personalidades conscientes de que provêm, com a consequência de que as obras literárias dos supostos espíritos que julgam comunicar-se são, algumas vezes, tão rudimentares, que traem a sua origem, sem que se possa ter a menor dúvida a esse respeito.

Não é menos verdade que, ao lado dos pseudo-médiuns, encontram-se médiuns autênticos, por intermédio dos quais se obtêm, às vezes, obras literárias de grande mérito, que levam a uma reflexão séria e não podem ser atribuídas a uma elaboração subconsciente da cultura geral, muito limitada, que se reconhece nos médiuns que, materialmente, as escreveram. É então necessário deduzir logicamente daí que essas produções provenham de intervenções estranhas aos médiuns, tanto mais se se consideram não somente as provas que se deduzem da forma, estilo, técnica individual da obra literária e também da identificação de escrita, como outras provas não menos importantes.

Essas provas consistem, sobretudo, em indicações pessoais ignoradas de todos os assistentes e das quais se verifica, em seguida, a veracidade; em citações não menos verídicas e desconhecidas de todos, com referência a elementos históricos, geográficos, topográficos, filológicos, de natureza complexa e quase sempre rara, enfim, em descrições minuciosas, coloridas e vivas, de meios e costumes referentes a povos bem antigos, circunstâncias que não poderiam ser esquecidas pela hipótese cómoda da emergência subconsciente de noções adquiridas e, em seguida, esquecidas (criptomnesia).

Proponho-me, neste estudo, analisar as principais manifestações desse género, principalmente porque foram obtidos, ultimamente, ditados mediúnicos que revestem alto valor teórico, num sentido nitidamente espírita.

O que se obteve, no passado, nessa categoria de manifestações, só tem rara importância teórica; de qualquer forma, não me absterei de dizer algumas palavras a respeito delas.

Começo por um caso de transição referente a uma célebre obra literária. Tudo o que se pode dizer a seu respeito é que não é fácil considerar se as modalidades, pelas quais veio à luz, devem ser atribuídas a intervenções estranhas à médium ou bem a um estado de superexcitação psíquica, bastante frequente nas “crises de inspiração”, às quais são sujeitas as mentalidades geniais. Em todo o caso, trata-se de um facto interessante e instrutivo, dadas a notoriedade da autora e a influência considerável que a obra literária em questão exerceu sobre acontecimentos históricos e sociais de uma grande nação.

Quero referir-me à célebre escritora sra. Harriet Beecher-Stowe e ao seu bem conhecido romance A Cabana do Pai Tomás, o qual muito contribuiu para a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América.

O meio familiar em que viveu Harriet Beecher-Stowe pode ser considerado como favorável a intervenções espirituais.

O prof. James Robertson assim fala na Light (1904, pág. 338):

“O marido, prof. Stowe, era médium vidente. Ele viu muitas vezes, à sua volta, fantasmas de defuntos, de maneira tão nítida e natural que por vezes lhe era difícil discernir os espíritos “encarnados” dos “desencarnados”.”

Quanto à sra. Beecher-Stowe, ela era também grande sensitiva, “sujeita a crises frequentes de depressão nervosa com fases de ausência psíquica”. Ela acolhera com entusiasmo o movimento espírita que se iniciara na América, havia alguns anos.

Relativamente ao seu grande romance A Cabana do Pai Tomás, extraio da Light (1898, pág. 96) as seguintes informações:

“A sra. Howard, amiga íntima da sra. Beecher-Stowe, forneceu essas curiosas indicações relativamente às modalidades nas quais o famoso romance foi escrito. As duas amigas estavam em viagem e pararam em Hartford para passarem a noite em casa da sra. Perkins, irmã da sra. Stowe. Elas dormiram no mesmo quarto. A sra. Howard despiu-se imediatamente e ficou, do seu leito, observando a sua amiga ocupada em pentear, automaticamente, os seus cabelos anelados, deixando transparecer no seu rosto intensa concentração mental. Nesse ponto, a narradora continua assim:

Finalmente Harriet pareceu sair desse estado e disse-me:

– Recebi, nesta manhã, cartas de meu irmão Henry que se mostra bastante preocupado a meu respeito. Ele teme que todos esses elogios, que toda esta notoriedade que se criou em torno de meu nome, produzam o efeito de provocar em mim uma chama de orgulho que possa prejudicar a minha alma de cristã.

Dizendo isto, pousou o pente, exclamando:

– O meu irmão é, incontestavelmente, uma bela alma, porém ele não se preocuparia tanto com esse caso se soubesse que esse livro não foi escrito por mim.

– Como – perguntei eu, estupefacta –, não foi você quem escreveu A Cabana do Pai Tomás?

– Não – respondeu ela –, não fiz outra coisa senão tomar nota do que via.

– Que está a dizer? Então você nunca foi aos Estados do Sul?

– É verdade, todas as cenas do meu romance, uma após as outra, se me desenrolaram diante dos olhos e eu descrevi o que via.

Perguntei ainda:

– Pelo menos você regulou a sequência dos acontecimentos.

– De modo nenhum – respondeu-me ela –; a sua filha Annie me censura por ter feito morrer Evangelina. Ora, isso não foi por minha culpa; não podia impedi-lo. Senti-o mais do que todos os leitores; foi como se a morte tivesse atingido uma pessoa de minha família. Quando a morte de Evangelina se deu, fiquei tão abatida que não pude retomar a pena por mais de duas semanas.

Perguntei-lhe então:

– E sabia que o pobre pai Tomás devia, por sua vez, morrer?

– Sim – respondeu-me ela –, isso eu o sabia desde o princípio, porém ignorava de que morte iria morrer. Quando cheguei a esse ponto do romance, não tive mais visões durante algum tempo.”

Em outro número da mesma revista, (1918, pág. 325), relatou-se o seguinte episódio sobre o mesmo assunto:

“Certa tarde, a sra. Beecher-Stowe passeava sozinha, como de hábito, no parque. O capitão X. viu-a, aproximou-se dela e, descobrindo-se respeitosamente, disse-lhe: Na minha mocidade, li também com intensa emoção A Cabana do Pai Tomás. Permiti-me apertar a mão da autora do célebre romance. A escritora, septuagenária, estendeu-lhe a mão, notando, entretanto, vivamente:

– Não fui eu quem o escreveu.

– Como, não foi a senhora? – perguntou o capitão, surpreso –. Quem o escreveu então?
Ela respondeu:

– Deus o escreveu. Foi Ele quem ma ditou.”

Na primeira das duas passagens acima, que acabo de citar, nota-se uma emergência espontânea da subconsciência da autora, consistindo em visões cinematográficas que traçam a acção do romance, o que oferece grandes analogias com as modalidades da cerebração donde saíram romances de outros autores de génio, tais como Dickens e Balzac. Estes últimos, por sua vez, viam desfilar, subjectivamente, as cenas e os personagens que tinham imaginado. A diferença entre as suas visões e as da sra. Beecher-Stowe parece, então, consistir nesta última circunstância: eles assistiam ao desenvolvimento de acontecimentos que a sua imaginação consciente tinha criado, ao passo que a sra. Beecher-Stowe assistia, passivamente, ao desenrolar de eventos que não tinha criado e que estavam, muitas vezes, em oposição absoluta à sua vontade, pois que, por ela, não teria feito morrer duas santas personagens do seu romance.

Esta circunstância é importante e parece fazer distinguir as visões subjectivas, comuns aos escritores de génio, das tidas pela sra. Beecher-Stowe, da mesma maneira que as “objectivações de tipos”, estereotipadas e automatizadas, que se obtêm pela sugestão hipnótica, não apresentam nada de comum com as personalidades mediúnicas, independentes e livres, que se manifestam por intermédio de verdadeiros médiuns.

A presunção de que não se tratava de visões puramente subjectivas adquire mais eficácia ainda graças à segunda das duas passagens já citadas, na qual a sra. Beecher-Stowe declara, explicitamente, ter transcrito o seu romance como ele lhe fora ditado, o que prova que a célebre autora era médium escrevente, circunstância que se encontra confirmada por factos assinalados na sua biografia, segundo os quais ela era sujeita a “fases de ausência psíquica” que eram, com toda a verosimilhança, estados superficiais de transe.

Noutro ponto de vista, faço notar que a exclamação da sra. Beecher-Stowe: “Deus o escreveu”, subentende que o ditado mediúnico se realizou sob forma anónima, isto é, que o agente espiritual operante ocultava a própria individualidade, limitando-se, ao que parece, a cumprir na Terra a missão de que se encarregara: a de contribuir, eficazmente, graças a uma narrativa emocionante e pungente, para a obra humanitária da redenção de uma raça oprimida.

Julguei poder tirar do caso a conclusão que venho de narrar. Todavia, não insisto nela, considerando que estas induções não são suficientes para concluir a favor da origem realmente espírita do romance em questão.

É necessário, todavia, notar que as bases sobre as quais repousam as induções a favor de uma explicação puramente subjectiva dos estados da alma por que passou a autora, quando trabalhava no seu grande romance, parecem bem mais fracas, quando são analisadas, que as da interpretação espírita dos mesmos factos.

/... 


Ernesto Bozzano, Literatura do Além-túmulo, Capítulo I – A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher-Stowe. 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac | 1900, tempera no painel de Edgard Maxence)