segunda-feira, 20 de março de 2017

o Homem e a Sociedade numa nova Civilização ~ do Materialismo histórico a uma Dialéctica do espírito ~

Capítulo IV

A FILOSOFIA CIENTÍFICA DE GUSTAVE GELEY

O fenómeno mediúnico e metapsíquico pirmitirá à ciência antropológica um novo e amplo enfoque da existência do homem e do Universo. A teoria do paralelismo psicofisiológico, como já se assinalou, encontra-se em plena desvalorização, diante dos factos obtidos, especialmente os casos de físiologia supranormal, situados por Geley dentro dos cânones da ciência universitária. Este grande cientista e filósofo foi um dos estudiosos mais apaixonados da metapsíquica. A sua intuição não ficou na periferia dos fenómenos, mas penetrou nos seus extractos subjectivos, para mais tarde, sobre a base de factos inegáveis, apresentar uma filosofia metafísica idealista, como confirmação da doutrina espírita e dos seus postulados referentes à lei palingenésica.

Em seu livro, Do Inconsciente ao Consciente, Geley fez uma crítica geral do conhecimento e dos sistemas naturalistas mais conhecidos, para, a seguir, penetrar nos problemas mais importantes do Ser, fundamentando assim uma importante teoria sobre o Espírito e a existência.

Ao estudar o inconsciente realiza um trabalho científico e filosófico que lhe permite estabelecer uma notável teoria metapsíquica e espírita, referente ao homem e ao Universo. Assinala que o estudo do inconsciente, até à época moderna, se desenvolve sobre bases intuitivas e metafísicas, e por isso mesmo se encontra emaranhado de obscuridades e contradições. Mas acrescenta que esse estudo, ao entrar nos domínios da filosofia científica, permitiu a fusão do génio oriental com o génio ocidental, construindo-se assim a base e o arcabouço de um ideal filosófico e científico capaz de abranger todas as aspirações e todos os ideais humanos. Reconhece em Schopenhauer o mérito de haver sido o primeiro a relacionar a filosofia com os factos, ao conceber o mundo como vontade e representação, e faz ao mesmo tempo uma profunda análise do pessimismo do filósofo alemão. A este respeito, acentua que o sistema pessimista de Schopenhauer não somente foi a consequência de suas premissas filosóficas, mas que também se deve, muito especialmente, à sua visão da vida. “Esta visão — escreveu Geley — inspira-lhe imensa piedade: piedade pelos animais, que, quando não se devoram reciprocamente, sofrem todas as misérias, num inferno em que “os homens são os demónios”. Piedade pelos homens, que o desejo de viver conduz a penas e dores só compensadas por alguns gozos muito espaçados e, por fim, baseados na ilusão.”

Mas a estas amargas considerações, oporá Geley a sua magnífica concepção da evolução palingenésica, pela qual os seres, do inconsciente, realizarão a soberana consciência, a soberana justiça e o soberano bem. Como veremos, nem o marxismo nem o materialismo dialéctico, sobre o qual aquele se funda, nem o existencialismo ateu, foram capazes de apresentar uma visão ideológica que permita chegar a uma conclusão tão reconfortante para a alma humana, não obstante o génio filosófico que a inspira, como a que oferece a filosofia palingenésíca de Geley, com os mesmos fundamentos metafísicos e morais da filosofia espírita.

Ele, que teve a oportunidade de ver, com fé apostólica, as mais vivas realidades espirituais e biológicas da metapsíquica, consolidou, para o bem das gerações futuras, um esboço de idealismo filosófico, sobre o qual se poderia dizer: “Se este idealismo não for verdadeiro, a espécie humana jamais terá salvação, estando a alma do homem irremediavelmente destinada a perecer entre as sombras da morte e do nada.”

Com a sua teoria sobre o indivíduo e a evolução, Gustave Geley começou o seu trabalho filosófico, mas sempre com a maior cautela. Por isso nos diz: “Deixaremos de lado, sistematicamente, tudo o que seja pura metafísica: os temas de Deus, do Infinito, do Absoluto, do Princípio e do Fim, da natureza essencial das coisas etc. Só enfrentaremos o que é possível saber e compreender sobre o destino do mundo e sobre o destino individual, segundo o grau de capacidade, a um tempo intuitivo e intelectual, que nos permite a realização evolutiva actual.”

É evidente, acrescentava, que “isto é pouco, relativamente; entretanto, é muito mais do que ensina a filosofia clássica”. Mas, este sacrifício, ao qual se submetia Geley, permite, dizia: “evitar todas as vãs discussões especulativas, todas as fórmulas estéreis, todos os sistemas contraditórios, onde têm naufragado, umas após as outras, as mais ilustres inteligências, e que já não têm actualmente mais do que um interesse histórico ou artístico.”

Para este sábio metapsíquico e espírita os dois postulados primordiais da filosofia — expostos magistralmente no seu citado livro — são os seguintes:

1.°) — O que há de essencial no Universo e no Indivíduo é o dinamopsiquismo único, a princípio inconsciente, mas tendo em si todas as potencialidades. As aparências diversas e inumeráveis das coisas são apenas as suas representações.

2.°) — O dinamopsiquismo essencial e criador passa, pela evolução, do inconsciente ao consciente.

Como podemos ver, a concepção do homem e do Universo, segundo o pensamento de Geley, talvez seja a verdadeira ou, pelo menos, está assente sobre um cálculo seguro de probabilidades. A observação dos fenómenos metapsíquicos permitiu-lhe penetrar a verdadeira natureza do Ser e das coisas, assim como uma queda de maçã permitiu a Newton descobrir os segredos da lei da gravidade.

As aparências da matéria se desfizeram; com a realidade metapsíquica, o homem surge na sua origem essencial, o que nos demonstra que o ser humano é apenas uma representação transitória, durante o período que dura a sua existência material: é, numa palavra, uma materialização psíquica e espiritual. E esta tese não é inverosímil, se levarmos em conta que a ciência trata agora da materialização e desmaterialização da energiaassim como a metapsíquica nos indica a materialização e desmaterialização de forças supranormais.

Quanta verdade e certeza havia em Geley, se pensarmos nos progressos da Física moderna, quando declarava: “Fomos obrigados a concluir que a forma não é mais do que uma ilusão temporal.” Ao que acrescentava o seguinte: “Os órgãos e os tecidos não têm verdadeiras determinações específicas; todos os órgãos e tecidos, assim como nasceram de uma célula primordial única, a célula mater, podem voltar, no curso da vida, a essa substância primordial única, que, seguidamente, poderá organizar-se em novas formas e construir, temporariamente, órgãos ou tecidos diferentes e distintos.”

Penetrou assim no conhecimento da teoria da unidade substancial, ao referir-se ao corpo, do qual disse:

“Em uma palavra: tivemos que nos render à evidência de que o complexo orgânico — o corpo — não tem nem qualidades definitivas e absolutas, nem especificidade própria. Por sua origem, por seu desenvolvimento; por suas metamorfoses embrionárias e pós-embrionárias, por seu funcionamento normal, como por suas possibilidades chamadas supranormais, pela conservação da forma habitual, como pelas desmaterializações e rematerializações metapsíquicas, este organismo se resolve num dinamismo superior que o condiciona.”

“O complexo orgânico se nos apresenta, não como o indivíduo completo, mas como um produto ideoplástico do que há de essencial no indivíduo: um dinamopsiquismo que o condiciona, e que é o todo. Em termos filosóficos, o organismo não é o indivíduo, mas a representação do indivíduo.”

A concepção materialista, que ensinava ser o indivíduo o organismo, que encerrava em si todas as manifestações da actividade individual, encontrou na concepção metapsíquica e espírita de Geley uma nova explicação, que nos faz ver o homem e todos os seres como dinamopsiquismos essenciais, indestrutíveis, eternos, que, por representações sucessivas, avançam do inconsciente ao consciente mediante a evolução palingenésica

O sábio francês resumia essa doutrina da seguinte maneira: Tudo acontece como se o dinamopsiquismo essencial se objectivasse para criar o indivíduo, não em uma representação única — o organismo — mas em uma série de representações hierarquizadas, que se condicionam umas às outras.”

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Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IV A Filosofia Científica de Gustave Geley, 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

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