Dedicatórias:
A minha Mãe
Deixa que eu te dedique o meu trabalho nesta obra.
Quando abandonaste este mundo, eu queria ainda que de ti não
ficaria mais do que a saudade no coração dos que te adoravam.
A fé religiosa, que me ensinaste em pequenino, não pode resistir às correntes
dominantes no meio em que me encontrei, ao sair de sob a tua vista.
Um dia, porém, permita Deus que se fizesse luz no meu
espírito. Fui então forçado a crer na existência da Alma, que negava. O meu
primeiro, o meu maior desejo, foi fazer por merecer ver-te e falar-te, uma vez
só que fosse, em qualquer época da minha existência, aqui ou lá, onde as tuas
virtudes de santa te deram lugar.
Tu sabes, mãe, como Deus tem sido generoso para comigo, na
satisfação desse meu desejo.
Agora, que faço a abjuração pública do meu erro, deixa que
me acolha à tua protecção. Deixa que a abrir a primeira série destas estranhas
comunicações, eu ponha o teu nome, como escudo. Sê tua a minha fiança de que
não falto à verdade, que todo o homem honrado deve a si e aos outros.
Todos tiveram mãe, e creio que nenhum espírito bem formado,
admitirá que possa enganar quem evoca, como garantia, a memória santa de sua
mãe.
Ajuda-me, para que eu continue a merecer a Deus o favor de
ter nascido teu filho.
Fernando de Lacerda
~~~
Aos meus pequeninos
Aos meus pequeninos
Fernando e Laura
Quero ligar os vossos nomes a esta obra. Quero prender-vos
assim a ela, como vos tenho presos ao meu coração.
Praza a Deus que ela vos sirva de guia através
da vida, a ela, onde encontrareis sempre o melhor conselho e o mais amigo
amparo.
Que Deus vos proteja sempre.
Todo vosso
Fernando de Lacerda
~~~
Palavras necessárias
Palavras necessárias
O que vou dizer é a expressão absoluta da verdade.
Nem o meu carácter, nem a minha posição permitem que, em
circunstância alguma falte a ela; e muito menos o permitiriam em assunto de tão
grande importância, como o deste livro, em que se apresentam nomes respeitados
e admirados, alguns dos quais validam afirmações inteiramente contrárias
àquelas que fizeram, durante toda a sua vida terrena, aqueles que os usaram.
Se de alguma coisa me é dado ter vaidade, confesso que a
sinto em pensar que pessoa alguma das que me conhecem de perto admitirá que
seja capaz de tentar, por simples brincadeira sequer, mistificar alguém,
mormente indo contender com aqueles que a piedade cristã ensina a respeitar no
seu pretendido descanso eterno.
Este livro é composto de produtos de vários géneros,
carácter e estilo que foram escritos originalmente em letra variada, alguma até
absolutamente dessemelhante da minha, e com todas as características gráficas
da letra que as individualidades a que se atribuem tinham quando neste mundo; e
são firmados ora por nomes celebrados, ora por criaturas
perfeitamente anónimas.
Os nomes celebrados serão autênticos?
Creio que sim.
Circunstâncias especialíssimas de crítica desapaixonada,
feita durante anos, por mim próprio, sobre o modo como os produzi, autorizam-me
a presumi-los verdadeiros.
Quando porém, não sejam das individualidades que os assinam,
o que com toda a certeza não são é produto do meu saber nem da minha
inteligência, apesar de serem por mim materialmente produzidos.
Essas produções foram escritas sem o menor esforço
intelectual, ou sem a menor fadiga material; sem preparação, sem estudo, sem
emendas, obtidas quase todas de noite, estando eu perdido de sono e de fadiga,
empregando-se nelas, amiúde termos portugueses e estrangeiros do meu inteiro
desconhecimento.
As comunicações vinham quase sempre espontâneas.
A primeira produção de qualquer individualidade,
conservava-se para mim na inteira ignorância do autor até à assinatura; e
algumas há que se conservam ainda, porque não chegaram a ser assinadas.
Não evocava ninguém, e desconhecia, como desconheço, a obra
literária, quase na sua totalidade, de todos os autores que neste livro
figuram.
Uma asserção, que corre, de que eu tenho muita leitura é
pura fantasia.
Li, enquanto novo, pouco mais que romances de reles
literatura rocambolesca francesa; e há muitos anos que a minha vida particular
e oficial me não deixa folgas para leituras e estudos literários.
Acresce ainda a circunstância de que a maioria das
assinaturas, que autenticam as produções, são reconhecidas como das próprias
pessoas a que se atribuem; e todas, ou quase todas, eram do meu inteiro
desconhecimento.
Devo dizer que a par das comunicações publicadas, outras
vieram de carácter particular, e ainda outras destituídas de qualquer
interesse; e que de há muitos anos escrevia coisas que desconhecia, alheias à
minha vontade e até ao meu modo de ver e ser, conquanto só há um ano se
manifestasse a faculdade de produzir em estilos com diversos modos de dizer,
letras desiguais e com assinaturas perfeitamente semelhantes às que tiveram
aqueles de quem se diz serem as actuais.
A algumas das comunicações acompanharei com notas, para
melhor conhecimento do assunto e do motivo ou do modo porque se produziram.
Creio, firmemente, que são esses escritos manifestações das
almas dos ilustres escritores idos.
Não encontro outra hipótese mais aceitável, conquanto muito
me pudesse lisonjear a de ser eu o seu autor.
O facto é que estes escritos são originais; e a negar-se a
origem que eu lhe atribuo terão que atribuir-se a mim, contra o que, apesar de
tudo, protesta a minha incompetência, e protestam todas as pessoas que me
conhecem.
Se eu escrevesse assim, que necessidade teria de tão
grosseira mistificação, como a de atribuir a essas produções paternidades
mortas?
Com a declaração franca e sincera de que me não reconheço
autor de tão estranhas peças literárias, devo também dizer, para afastar a
hipótese de que por qualquer interesse pecuniário eu pudesse fazer tão
condenável mistificação, que o produto líquido desta edição será para obras de
beneficência.
Há ainda um ponto que preciso tratar.
Em alguns dos escritos fazem-se afirmações de factos e de
teorias, de que não tomo a menor responsabilidade.
Os que foram publicados é porque isso foi instantemente
recomendado pelas entidades que os escreveram.
Sentirei que possam magoar alguém. Protesto, porém, pela
maneira mais solene, que me não reconheço com a mais leve responsabilidade
intelectual e consciente do caso; e se os publico é porque, crendo-me alheio a
eles, não posso, honestamente, opor-me à execução da vontade de quem suponho
seus autores.
Eles são simplesmente de carácter crítico e genérico; mas
nisto, como em tudo, quero acentuar a minha absoluta irresponsabilidade, para
não aceitar nenhum quinhão de glória que deles me pudessem caber.
As cartas, vão publicadas pela ordem cronológica da sua
obtenção; excepção feita a uma, que tendo sido primitivamente escrita na
intenção de não ser publicada, e tão somente como familiar e amistosa
reprimenda por uma manifestação de agastamento de me ter visto mal apreciado,
entendo dever ser a primeira a publicar-se, para que, depois de lida, toda a
gente compreenda que todas as apreciações que a meu respeito e a respeito da
obra possam fazer, se encontram previstas e descontadas na minha vontade e na
minha firmeza.
Não me desvanecerão louvores como não me entibiarão nem me
farão recuar no caminho que enceto, apreciações ou resoluções de nenhuma
espécie.
Pela rapidez com que este livro foi impresso e revisto,
apresenta várias faltas e incorrecções de revisão, que facilmente serão
supridas e corrigidas pela inteligente benevolência do leitor.
As cartas que levam as mesmas datas foram escritas na mesma
ocasião, sem o menor intervalo de tempo entre elas.
Permita Deus que essas cartas cumpram o seu dever, que eu
acabo de cumprir o meu.
Fernando de Lacerda (Janeiro de 1908)
~~~
O país da luz
O país da luz
País da Luz é todo o espaço além
Desse, que a vista vossa abrange e vê.
É a ideal mansão, em que se crê;
Anseio santo que à nossa alma vem.
É a azulada praia, onde ninguém
Aporta, ao viajar, quando descrê.
Sonhada região, que se antevê,
Onde reside a Paz, o Amor, o Bem.
É perene caudal de claridade,
Onde o doce Jesus, todo bondade,
Sorrindo, nos acolhe, os irmãos seus.
É o esperado céu do humano ser,
Para onde vem, depois de aí morrer,
Todo aquele que bem servir a Deus.
João de Deus (Janeiro
1908)
~~~
E. De Queiroz
E. De Queiroz
Meu caro Fernando.
Com pouco te preocupas.
Bastou que alguém te pusesse em dúvida a existência real da
minha individualidade para que te sentisses fraquejar.
Que te deve importar a opinião dos outros, quando ela é
destituída de base séria que lhe mantenha o peso?
Que te importa o que os outros pensam?
Cada um pensa como quer, como sabe, como lhe deixam ou lhe
convém.
Nunca tive a pretensão de estabelecer regras ao pensamento
humano, que é a coisa mais livre do universo.
Elabora-se instantaneamente no cérebro, instantaneamente
pode percorrer o espaço infinito, sem barreiras, sem traves sem liames;
estabelecendo ligações, afinidades, correspondências, solidariedades;
apreciando, criticando, amando, detestando; escapando-se aos esbirros, aos
inquisidores de todas as épocas, de todas as religiões, de todas as ciências,
de todas as seitas, de todas as maldades, de todas as ignorâncias, de todas as
críticas, como a luz do sol escapa ao seu enclausuramento em um receptáculo
opaco, hermeticamente fechado.
Se nem Deus lhe põe obstáculos, como lhos havíamos de criar
nós?
Pensam que não sou Eça?
Eça ou não, sou quem como tal tem escrito o que como de Eça
possuis.
Se não sou Eça, quem sou?
Perdes facilmente a serenidade, amigo!
Pois queres discussão e não queres ser discutido?
Pois queres vir lançar um repto à velha sociedade, à velha
ciência, ao ateísmo, à ignorância, à pretensão, e não queres que te discutam?
Pois queres entrar no cofre no mundo com cartas, tuas ou de
outrem, de uma singular contextura, revelando bem estranhas e singulares formas
de pensar e de dizer, e não queres que esses que vais despertar da sua
sonolência e atacar no seu conservantismo ou na sua filáucia
te respondam com dúvidas, repelões, com vaias ou com insultos?
Conheces algum inovador, pacífico instrumento da revolução
científica, ou revolucionário pioneiro do progresso humano, que não tenha
passado ante os seus coevos, por louco, visionário, mistificador ou charlatão?
Que encontras em ti que te fizesse esperar sair da regra
geral?
És um ingénuo!
Se assim fosse, ou se assim for, a tua, a nossa obra,
redundará em pura perda, em extraordinário fracasso.
O sucesso será agitar a opinião em volta do assunto; será
levar o espanto ante aqueles que de boa ou má fé, negaram a hipótese, para os
compelir à busca de uma explicação para o facto insólito.
Todo o trabalhado que tente transformar os velhos
preconceitos, modificar as velhas fórmulas, reformar obsoletas doutrinas,
radicar progressivas ideias, destruir anacrónicas hierarquias, renovar
e impulsionar as estáticas ciências consagradas, tem sido repelido e
monteado.
Se não fosse a perseguição o que seria da religião cristã? Se
não fosse a intolerância o que seria da ciência moderna? Se não
fosse o insulto, a zombaria o que seria actualmente o espiritismo?
Conheces alguma ideia notável, algum grande facto
progressivo da humanidade, que não tenha tido esse baptismo?
Sabes de algum homem que tenha excedido a craveira normal da
vulgaridade humana, que não tenha sido apodado de visionário, de louco, de
sonhador?
E quem tem feito evolucionar o mundo, arrancando-o ao conservantismo pé
de boi, sisudo, ajuizado, metódico e egoísta, senão essas belas criaturas
incompreendidas apodadas, escarnecidas; providenciais guardas avançadas
do progresso, vanguarda luminosa do sentimento, do engenho, da arte e da
perfeição?
Ora tu, que não tens pretensões, que te não supões medroso a
coisa alguma, que és o primeiro, numa grande manifestação de inusitada
honestidade, a enjeitares a paternidade do que escreves, bom ou mau, acertado
ou incongruente, os letrados ou os iletrados, os consagrados ou os anónimos, do
liliputiano meio em que te encontras, te critiquem e te alcunhem?
Não sejas criança, que tens brancas na cara!
Ninguém te pode acusar de plagiário, nem de defraudar,
porque o que escreves é original.
Dizem que é teu?
Pouco apreço manifestarás por nós e pelos escritos, se te
ofenderes por isso.
Ou o que apresentas é digno de nós ou não.
Se é, deves envaidecer-te de te emparceirarem com alguns dos
melhores nomes de algumas gerações literárias; se não é, é justo que te zurzam
por vires à feira com mercadoria de baixa qualidade querendo etiquete-la com
rótulos das marcas mais acreditadas (excepção à minha, como é de estilo
dizer-te).
Estás convencido de que é nosso ou quem se nos equivalha?
Deixa que os outros pensem como quiserem.
Terás que fazer de D. Quixote se te propões a desfazer os
agravos e as sem-razões que a teu e a nosso respeito terás que sofrer.
Qual foi de nós que aí, na terra, passou incólume das
mordedelas dos zoilos e zangãos?
Nenhum, creio eu.
Se tens a epiderme assim sensível não vás mais além.
Desiste.
Dos fracos e dos tímidos não reza a história.
Chama-te alguém doido?
Quem te impede de lho chamares também?
Ri-se alguém de ti?
Por que te não ris deles?
O direito é igual; a autoridade é que é diversa; e
creio que em tua consciência não haverá dúvidas sobre quem possua essa
autoridade, nascida do estudo, nascida dos factos, nascida da própria
ciência, quer no campo especulativo, quer no campo experimental.
Nem todos trabalham para o dia em que trabalham.
Se és da massa anónima e ensossa dos acomodatícios ou
dos medrosos, desiste. Desiste, ou não dês ouvidos.
Se te não sentes com envergadura para a luta, pára, que
ainda estás a tempo.
Agora se te sentes bastante provido de paciência, de fé,
de constância, de coragem e de vontade, avança, sem olhares para a
rectaguarda nem para os lados, sem atenderes, sem ouvires, sem curares; porque
se ao chegares ao fim tiveres cépticos, maldizentes e trocistas no teu rasto,
também terás dedicações e ternuras, como não haverá maiores, mais sinceras,
mais desinteressadas nem mais belas aí e aqui.
E demais, meu amigo, rira bien…
Medita no que deixo dito.
Recorda-te de que a paciência é a mais poderosa
força para conseguir, e a tolerância a maior autoridade para
conservar.
Como ainda és sensível à vaidade!
Como, apesar do grau do espírito que te anima a carcassa miseranda,
ainda pertences à terra, à terra da banalidade, da conservação, da vaidade, do
melindre, do formalismo!
A terra há-de ser sempre a terra!
Junte-se à terra mais limpa o líquido mais precioso e só
fará lama que suja e apodrece!
E.
De Queiroz
/...
/...
Fernando de Lacerda, Do País da Luz, Comunicações mediúnicas obtidas por
este médium (i), Dedicatórias, Palavras necessárias, 1º volume, 1º fragmento desta
obra.
(imagem de contextualização: A lagoa dos lírios em
Giverny | 1907, pintura de Claude Monet)
Sem comentários:
Enviar um comentário