Explicando…
A primeira vez que ouvimos falar de Fernando de Lacerda foi
quando nos referiram a história de um homem que, no princípio do século, vivera
em Lisboa, saltando para cima dos eléctricos e do Arco da Rua Augusta, e que um
outro homem conseguia dominar com a sua presença… e, da narrativa, ficou-nos a
sensação de que o que era mais importante não era o cantor, mas a canção!
Tínhamos «descoberto» há pouco tempo a Doutrina Espírita e,
talvez, olhando agora para trás, tenhamos de concluir que a deficiência da
ideia que formámos, deveria ser consequência da nossa ignorância, da maneira
mais ou menos vaga como assimiláramos o caso – não o caso em
si próprio – tão desabitual que, só por isso, deveria, antes, ter-nos levado a
debruçar sobre o assunto.
Não o fizemos.
Em 1974 conseguimos ler as Memórias de Um Suicida,
mas o nome do médium que Camilo ali
refere, nada nos dizia…
Passaram-se 11 anos.
Em Portugal, a «Associação Luz no Caminho», de Braga,
edita o 1.º volume da obra de Lacerda, e, poucos meses depois, tivemos a
possibilidade de obter a obra completa, em edição brasileira.
O nome de Fernando
de Lacerda passou, então, a representar para nós o de um médium
português que na primeira década de 1900 recebera várias comunicações de
espíritos de escritores grandes da literatura portuguesa, a que se juntaram
mensagens de nomes de outras personalidades estrangeiras, universalmente
conhecidas.
Os livros foram lidos rapidamente, tendo – realmente –
apreciado o estilo das diversas composições. Recordamo-nos que, na época, um
familiar, sentado a nosso lado, lia «O Mistério da Estrada de Sintra»
enquanto nós analisávamos, um e outro, da igualdade de estilo, a ironia, os
«floreados», as descrições…
– Extraordinário!...
Mas foi só isso…
Em 1989 a Associação Luz no Caminho, ainda ela,
edita o opúsculo Fernando de Lacerda, o Homem… o Médium!
Lembramo-nos de termos adquirido o livrito em Dezembro, na
própria Associação, num Conselho Federativo Nacional que a Federação Espírita
Portuguesa ali esteve realizando.
Lemo-lo à noite, em meia hora, tendo-o terminado com a
sensação, talvez idêntica à de um esfomeado sentado a uma mesa repleta de
iguarias, que só os olhos comem… porque não as consegue mastigar!
Sem saber porquê, sentimo-nos defraudados… mas semanas
depois calmamente, voltámos a abrir o livrinho. O artigo de Hermínio
de Miranda: – Fernando de Lacerda, o Médium do País de Camões –,
levantou a ponta de um véu: a Federação Espírita Brasileira tinha em seu poder o
espólio que o escritor recebera e ali entregara. Através da F.E.P., de cuja
Direcção fazíamos parte, escrevemos à nossa congénere brasileira, pedindo
fotocópias daquele espólio, por serem «elementos de reconhecido valor histórico
e doutrinário que, por certo, permitirão dar a conhecer ao Movimento Espírita
Português quem foi e o que fez Fernando de Lacerda em prol da Mensagem do
Consolador, a benefício da Humanidade…», e, enquanto a resposta não chegava,
procurámos, então, descobrir Fernando de Lacerda. Foi uma
iniciativa que demorou um ano em pesquisas na Biblioteca Nacional, na Torre do
Tombo – para descobrirmos os nomes dos familiares do médium –, rescaldo do
muito que já se possuiu de valioso antes do seu encerramento na década de 60.
A sensação da descoberta foi maravilhosa
mas, apesar disso, um pouco frustrante! Não conseguíamos encontrar o que
consideramos principal: o assunto que levara à suspensão do subchefe da polícia
administrativa do Governo Civil, e consequente demissão.
Mas, a nossa percepção dava-nos uma outra sensação: não
estávamos sós a movimentar-nos! A partir de determinado momento, começamos a
perceber que «alguém» emparceirava connosco, caminhando, por vezes, à nossa
frente, debruçando-se igualmente sobre o que líamos. Assim nos foi aberto o
caminho e os nossos passos orientados para determinada estante, e as nossas
mãos seguraram um livro da grande Enciclopédia Luso-Brasileira, e os nossos
dedos procuraram, como se lessem também eles, e se detinham, logo após, na
página 990, em «Botto
Machado (Fernão do Amaral)».
Tínhamos andado à sua procura, anteriormente, de maneira
errada, embora essa procura nos tivesse concedido determinados dados, também
eles úteis, e agora, talvez no momento oportuno, vinha todo o resto!
Na descrição ali encontrada descobrimos jornais e, nestes,
tudo o que nos faltava saber.
Pelos artigos de uns, encontrávamos os outros… e fomos,
assim, acumulando os elementos de que nos servimos para o nosso trabalho, que
tivemos o cuidado de não manchar com transcrições menos nobres. Não nos move o
escândalo!
Do Brasil, o Dr. Francisco Thiesen, ora desencarnado,
respondia à carta da F.E.P., dizendo: – «…Não vemos inconveniente algum em ir
ao encontro do propósito manifestado. Só que só poderemos atendê-lo
oportunamente, em virtude de esses documentos se encontrarem guardados no
prédio em construção, em sala sem acesso de momento. Assim, tão logo possamos
tê-los ao alcance de nossas mãos, apressar-nos-emos em fazê-los chegar à
Federação Espírita Portuguesa, de vez que concordamos tratar-se de “elementos
de reconhecido valor histórico e doutrinário”.»
Aguardámos.
Na nossa agenda procurámos nomes de amigos residentes no Rio
de Janeiro, que nos pudessem ajudar a encontrar ali o que, de outra forma, não
poderíamos obter, e recorremos a Portugal Ferreira Marques.
Foi ele que nos obteve fotocópias da certidão de óbito,
datada de 6 de Agosto, e da ordem da sepultura, da Santa Casa da Misericórdia,
esta sim, datada do dia 7 do mesmo mês. Enviou-nos, ainda, fotocópias do artigo
de Hermínio de Miranda e do de Jorge Rizzini, publicado
no «Jornal de S. Paulo», e de que tínhamos o borrão que o próprio Rizzini nos
facultara.
Aos serões, em nossa casa, dedicámo-nos, então, ao estudo
dos quatro volumes Do País da Luz, e neles descobrimos, não só as
orientações e ensinos que cada um dos autores comunicantes transmite, como o próprio
Fernando de Lacerda.
Nas palavras do Eça, de
Camilo, de Castilho, de Frei
Bartolomeu dos Mártires, do Padre António Vieira,
de Herculano, Fialho, Silva
Pinto – como nas orientações do «Marinheiro» – foi-se-nos revelando o
homem.
A presença que sentíamos há umas semanas,
continuava quase constante. Nunca, na nossa condição de médium, uma entidade
nos foi tão palpável… Mas, a esta altura já tínhamos concluído que
essa companhia não podia ser de Lacerda! A maneira de ser, que nele
descobrimos, a sua humildade, não se coadunavam com a elaboração de um
trabalho, fosse este como fosse, para o dar a conhecer. Seria, antes, um amigo?
Um familiar?... o próprio Botto Machado?
/…
«…É geralmente conhecido o Sr. Lacerda pelo “passa-culpas”. Multas… paga-as
do seu bolso, quando não pode livrar delas os desgraçados. / Órfãos, não
só os protege, como os tem em casa, dando-lhes leite, pão, instrução e
educação. / Não se lhe conhece um acto indigno. Nunca ninguém o procurou
em vão para uma obra piedosa. / Profundamente religioso, é profundamente
justo. Todos os desgraçados, quando mais aflitos, vão colher uma esperança e um
alento junto dele. / Dá colocação aos sem-trabalho, esmolas valiosas e
constantes aos que dele se abeiram envoltos em lágrimas… e, às vezes, de
crocodilo. / Ajuda todos como pode, sem os sugar – o que é raro.
/ Pode ter entrada nos lares honestos. Nunca os manchou… por causa da
grande teoria do “amor livre”. / Nunca protegeu mulher nenhuma, para lhe
impor uma torpeza. / É digno, é puro, é bom. / Tão inteligente como
honesto, os próprios inimigos que, afinal, são poucos, não lhe negam nenhuma
daquelas qualidades. / Um “defeito” lhe apontam: ser fraco pela
sensibilidade que leva à maior abnegação.» in Jornal A
"Palavra", 4 de Outubro de 1908
Manuela Vasconcelos, Fernando de Lacerda o Médium Português,
Explicando 1 de 3, 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Fernando
de Lacerda, inspector da Polícia Administrativa, em Lisboa
1908-1909, no seu gabinete do Governo Civil , recebendo
mediúnicamente João de Deus para as crónicas "O que dizem os mortos")
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