A Extinção da Vida (II)
Vivemos até agora num torniquete de contradições alimentadas por grosseiros e
desumanos interesses imediatistas.
O mundo se apresenta em fase de renovação cultural, política e social, povoado
por gerações novas que anseiam pelo futuro e se encontram oprimidas e
marginalizadas pelo domínio arbitrário dos velhos, dolorosamente apegados a
vícios insanáveis de um passado em escombros.
A prudência medrosa dos velhos e o anacronismo fatal de suas ideias, de suas
superstições e do seu apego desesperado à vida como ela foi e não
como ela é, esmagam sob a pressão da mentalidade antiquada apoiada no
domínio das estruturas tradicionalmente montadas dos dispositivos de segurança.
Essa situação negativa é transitória, em virtude da morte, que renova as
gerações, mas prolongando-se nesses dispositivos garante o
prolongamento indefinido da situação, ao mesmo tempo em que as novas gerações,
marginalizadas politicamente, não dispõem de experiências e conhecimentos para
enfrentar os dominadores, caindo em apatia e desinteresse pela vida pública. Essa
situação se agrava com a ocorrência de tentativas geralmente ingénuas e
inconsequentes de jovens explorados por grupos violentos, o que provoca o
desencadeamento da pressão oficial, geralmente seguida de réplicas
terroristas. É o que se vê, principalmente, nos países europeus arrasados
material e espiritualmente pela segunda guerra
mundial.
Esse impasse internacional só pode ser rompido por medidas e atitudes válidas
dos governos das nações em que o choque de mentalidades antagónicas não chegou
a produzir estragos materiais e morais irrecuperáveis. Muito podem
contribuir para o restabelecimento de um estado normal nas instituições
culturais, através de cursos e divulgações, pelos meios de comunicação
organizados e dados por especialistas hábeis.
A Educação para a Morte, dada nas escolas de todos os graus, não como matéria
independente, mas ligada a todas as matérias dos cursos, insistindo no estudo
dos problemas existenciais, irá despertando as consciências, através de dados
científicos positivos, para a compreensão mais clara e racional dos problemas
da vida e da morte. Todo o empenho deve concentrar-se na orientação
ética da vida humana, baseada no direito à vida comunitária livre, em que todos
os cidadãos podem gozar das franquias sociais, sem restrições de ordem
social, política, cultural, racial ou de castas. O importante é mostrar,
objectivamente, que a vida é o caminho da morte, mas que a morte não é
o fim da existência humana, pois esta prossegue nas hipóstases espirituais
do universo, nas quais o espírito se renova moralmente e se prepara com
vista a novas encarnações na
linha da evolução ôntica da Humanidade.
Nascimento e morte são fenómenos biológicos interpenetrados. A vida
e a morte constituem os elementos básicos de todas as vidas, que, por isso
mesmo, são também mortais. O inferno mitológico dos pagãos devia ter
desaparecido com o advento do Cristianismo, mas foi substituído pelo inferno
cristão, mais cruel e feroz que o pagão. As carpideiras antigas deixaram de
chorar profissionalmente nos velórios, mas os cerimoniais funerários da
Igreja substituíram de maneira mais pungente e desesperadora, com pompas
sombrias e latinório lastimante, prolongados em semanas e meses, o lamento
por aqueles que apenas cumpriram uma lei natural da vida. A ideia trágica
da morte sobrevive no nosso tempo, apesar do avanço das Ciências e do
desenvolvimento geral da Cultura. Há milhões de anos morremos e ainda
não aprendemos que a vida e a morte são ocorrências naturais. E as religiões da
morte, que vampirescamente vivem dos gordos rendimentos das celebrações
fúnebres e das rezas indefinidamente pagas pelos familiares e amigos dos mortos,
empenham-se num combate contra os que pesquisam e revelam o verdadeiro sentido
da morte. A ideia fixa de que a morte é o fim e o terror das condenações de
após a morte sustentam esse comércio necrófilo em todo o mundo. Contra esse
comércio simoníaco é necessário desenvolver-se a Educação para a Morte, que,
restabelecendo a naturalidade do fenómeno, dará aos homens a visão consoladora
e cheia de esperanças reais da continuidade natural da vida nas dimensões
espirituais e a certeza dos retornos através do processo biológico da reencarnação,
claramente ensinado nos próprios Evangelhos.
Conhecendo o mecanismo da vida, em que nascimento e morte se revezam
incessantemente, os instintos de morte e os seus impulsos criminosos irão
atenuando-se até desaparecerem por completo. Os desejos maldosos de extinção da
vida, que originam os suicídios, os assassinatos e as guerras, tenderão a
transformar-se nos instintos da vida. A esperança e a confiança em Deus, bem
como a confiança na vida e nas leis naturais, criarão um novo clima no planeta,
hoje devastado pelo desespero humano. O medo e o desespero
desaparecerão com o esclarecimento racional e científico do mistério da morte,
esse enigma que a ressurreição de Jesus e os seus ensinos, bem como os do Apóstolo Paulo, já
deviam ter esclarecido há dois mil anos.
/…
Herculano Pires, José – Educação para a Morte, 4
A Extinção da Vida 2 de 2, 7º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: O caranguejo, pintura de William-Adolphe
Bouguereau)
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