domingo, 25 de dezembro de 2016

Fernando de Lacerda, o médium português ~

Explicando…

A primeira vez que ouvimos falar de Fernando de Lacerda foi quando nos referiram a história de um homem que, no princípio do século, vivera em Lisboa, saltando para cima dos eléctricos e do Arco da Rua Augusta, e que um outro homem conseguia dominar com a sua presença… e, da narrativa, ficou-nos a sensação de que o que era mais importante não era o cantor, mas a canção!

Tínhamos «descoberto» há pouco tempo a Doutrina Espírita e, talvez, olhando agora para trás, tenhamos de concluir que a deficiência da ideia que formámos, deveria ser consequência da nossa ignorância, da maneira mais ou menos vaga como assimiláramos o caso – não o caso em si próprio – tão desabitual que, só por isso, deveria, antes, ter-nos levado a debruçar sobre o assunto.

Não o fizemos.

Em 1974 conseguimos ler as Memórias de Um Suicida, mas o nome do médium que Camilo ali refere, nada nos dizia…

Passaram-se 11 anos.

Em Portugal, a «Associação Luz no Caminho», de Braga, edita o 1.º volume da obra de Lacerda, e, poucos meses depois, tivemos a possibilidade de obter a obra completa, em edição brasileira.

O nome de Fernando de Lacerda passou, então, a representar para nós o de um médium português que na primeira década de 1900 recebera várias comunicações de espíritos de escritores grandes da literatura portuguesa, a que se juntaram mensagens de nomes de outras personalidades estrangeiras, universalmente conhecidas.

Os livros foram lidos rapidamente, tendo – realmente – apreciado o estilo das diversas composições. Recordamo-nos que, na época, um familiar, sentado a nosso lado, lia «O Mistério da Estrada de Sintra» enquanto nós analisávamos, um e outro, da igualdade de estilo, a ironia, os «floreados», as descrições…

– Extraordinário!...

Mas foi só isso…

Em 1989 a Associação Luz no Caminho, ainda ela, edita o opúsculo Fernando de Lacerda, o Homem… o Médium!

Lembramo-nos de termos adquirido o livrito em Dezembro, na própria Associação, num Conselho Federativo Nacional que a Federação Espírita Portuguesa ali esteve realizando.

Lemo-lo à noite, em meia hora, tendo-o terminado com a sensação, talvez idêntica à de um esfomeado sentado a uma mesa repleta de iguarias, que só os olhos comem… porque não as consegue mastigar!

Sem saber porquê, sentimo-nos defraudados… mas semanas depois calmamente, voltámos a abrir o livrinho. O artigo de Hermínio de Miranda: – Fernando de Lacerda, o Médium do País de Camões –, levantou a ponta de um véu: a Federação Espírita Brasileira tinha em seu poder o espólio que o escritor recebera e ali entregara. Através da F.E.P., de cuja Direcção fazíamos parte, escrevemos à nossa congénere brasileira, pedindo fotocópias daquele espólio, por serem «elementos de reconhecido valor histórico e doutrinário que, por certo, permitirão dar a conhecer ao Movimento Espírita Português quem foi e o que fez Fernando de Lacerda em prol da Mensagem do Consolador, a benefício da Humanidade…», e, enquanto a resposta não chegava, procurámos, então, descobrir Fernando de Lacerda. Foi uma iniciativa que demorou um ano em pesquisas na Biblioteca Nacional, na Torre do Tombo – para descobrirmos os nomes dos familiares do médium –, rescaldo do muito que já se possuiu de valioso antes do seu encerramento na década de 60.

A sensação da descoberta foi maravilhosa mas, apesar disso, um pouco frustrante! Não conseguíamos encontrar o que consideramos principal: o assunto que levara à suspensão do subchefe da polícia administrativa do Governo Civil, e consequente demissão.

Mas, a nossa percepção dava-nos uma outra sensação: não estávamos sós a movimentar-nos! A partir de determinado momento, começamos a perceber que «alguém» emparceirava connosco, caminhando, por vezes, à nossa frente, debruçando-se igualmente sobre o que líamos. Assim nos foi aberto o caminho e os nossos passos orientados para determinada estante, e as nossas mãos seguraram um livro da grande Enciclopédia Luso-Brasileira, e os nossos dedos procuraram, como se lessem também eles, e se detinham, logo após, na página 990, em «Botto Machado (Fernão do Amaral)».

Tínhamos andado à sua procura, anteriormente, de maneira errada, embora essa procura nos tivesse concedido determinados dados, também eles úteis, e agora, talvez no momento oportuno, vinha todo o resto!

Na descrição ali encontrada descobrimos jornais e, nestes, tudo o que nos faltava saber.

Pelos artigos de uns, encontrávamos os outros… e fomos, assim, acumulando os elementos de que nos servimos para o nosso trabalho, que tivemos o cuidado de não manchar com transcrições menos nobres. Não nos move o escândalo!

Do Brasil, o Dr. Francisco Thiesen, ora desencarnado, respondia à carta da F.E.P., dizendo: – «…Não vemos inconveniente algum em ir ao encontro do propósito manifestado. Só que só poderemos atendê-lo oportunamente, em virtude de esses documentos se encontrarem guardados no prédio em construção, em sala sem acesso de momento. Assim, tão logo possamos tê-los ao alcance de nossas mãos, apressar-nos-emos em fazê-los chegar à Federação Espírita Portuguesa, de vez que concordamos tratar-se de “elementos de reconhecido valor histórico e doutrinário”.»

Aguardámos.

Na nossa agenda procurámos nomes de amigos residentes no Rio de Janeiro, que nos pudessem ajudar a encontrar ali o que, de outra forma, não poderíamos obter, e recorremos a Portugal Ferreira Marques.

Foi ele que nos obteve fotocópias da certidão de óbito, datada de 6 de Agosto, e da ordem da sepultura, da Santa Casa da Misericórdia, esta sim, datada do dia 7 do mesmo mês. Enviou-nos, ainda, fotocópias do artigo de Hermínio de Miranda e do de Jorge Rizzini, publicado no «Jornal de S. Paulo», e de que tínhamos o borrão que o próprio Rizzini nos facultara.

Aos serões, em nossa casa, dedicámo-nos, então, ao estudo dos quatro volumes Do País da Luz, e neles descobrimos, não só as orientações e ensinos que cada um dos autores comunicantes transmite, como o próprio Fernando de Lacerda.

Nas palavras do Eça, de Camilo, de Castilho, de Frei Bartolomeu dos Mártires, do Padre António Vieira, de HerculanoFialhoSilva Pinto – como nas orientações do «Marinheiro» – foi-se-nos revelando o homem.

presença que sentíamos há umas semanas, continuava quase constante. Nunca, na nossa condição de médium, uma entidade nos foi tão palpável… Mas, a esta altura já tínhamos concluído que essa companhia não podia ser de Lacerda! A maneira de ser, que nele descobrimos, a sua humildade, não se coadunavam com a elaboração de um trabalho, fosse este como fosse, para o dar a conhecer. Seria, antes, um amigo? Um familiar?... o próprio Botto Machado?

/…
«…É geralmente conhecido o Sr. Lacerda pelo “passa-culpas”. Multas… paga-as do seu bolso, quando não pode livrar delas os desgraçados. / Órfãos, não só os protege, como os tem em casa, dando-lhes leite, pão, instrução e educação. / Não se lhe conhece um acto indigno. Nunca ninguém o procurou em vão para uma obra piedosa. / Profundamente religioso, é profundamente justo. Todos os desgraçados, quando mais aflitos, vão colher uma esperança e um alento junto dele. / Dá colocação aos sem-trabalho, esmolas valiosas e constantes aos que dele se abeiram envoltos em lágrimas… e, às vezes, de crocodilo. / Ajuda todos como pode, sem os sugar – o que é raro. / Pode ter entrada nos lares honestos. Nunca os manchou… por causa da grande teoria do “amor livre”. / Nunca protegeu mulher nenhuma, para lhe impor uma torpeza. / É digno, é puro, é bom. / Tão inteligente como honesto, os próprios inimigos que, afinal, são poucos, não lhe negam nenhuma daquelas qualidades. / Um “defeito” lhe apontam: ser fraco pela sensibilidade que leva à maior abnegação.» in Jornal A "Palavra", 4 de Outubro de 1908



Manuela Vasconcelos, Fernando de Lacerda o Médium Português, Explicando 1 de 3, 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Fernando de Lacerda, inspector da Polícia Administrativa, em Lisboa 1908-1909, no seu gabinete do Governo Civil , recebendo mediúnicamente João de Deus para as crónicas "O que dizem os mortos")

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

~ há em nós uma surda aspiração, uma íntima energia misteriosa que nos encaminha para as alturas ~


alma humana…

Grandioso é o espectáculo da luta do espírito contra a matéria, luta para a conquista do Globo, luta contra os elementos, os flagelos, contra a miséria, a dor e a morte. Por toda a parte a matéria se opõe à manifestação do pensamento. No domínio da Arte, é a pedra que resiste ao cinzel do escultor; na Ciência, é o inapreciável, o infinitamente pequeno que se furta à observação; na ordem social, como na ordem privada, são os obstáculos sem-número, as necessidades, as epidemias, as catástrofes!

Não obstante, frente às potências cegas que o oprimem e o ameaçam de todos os lados, o homem, ser frágil,  ergueu-se. Por único recurso tem apenas a vontade e, com esse único recurso, tem continuado, sem tréguas nem piedade, através dos tempos, a áspera luta; depois, um dia, pela vontade humana, foi vencida, subjugada a formidável potência. O homem quis e a matéria submeteu-se. Ao seu gesto, os elementos inimigos, a água e o fogo, uniram-se rugindo e para ele têm trabalhado.

É a lei do esforço, lei suprema, pela qual o ser se afirma, triunfa e se desenvolve; é a magnífica epopéia da História, a luta exterior que enche o mundo. A luta interior não é menos comovente. De cada vez que renasce, terá o Espírito de ajeitar, de apropriar o novo invólucro material que lhe vai servir de morada e fazer dele um instrumento capaz de traduzir, de exprimir as concepções do seu génio. Demasiadas vezes, porém, o instrumento resiste e o pensamento, desanimado, retrai-se, impotente para adelgaçar, para levantar o pesado fardo que o sufoca e aniquila. Entretanto, pelo esforço acumulado, pela persistência dos pensamentos e dos desejos, apesar das decepções, das derrotas, através das existências renovadas, a alma consegue desenvolver as suas altas faculdades.

Há em nós uma surda aspiração, uma íntima energia misteriosa que nos encaminha para as alturas, que nos faz tender para destinos cada vez mais elevados, que nos impele para o belo e para o bem. É a lei do progresso, a evolução eterna, que guia a humanidade através das idades e aguilhoa cada um de nós, porque a humanidade são as próprias almas, que, de século em século, voltam para prosseguir, com o auxílio de novos corpos, preparando-se para mundos melhores, na sua obra de aperfeiçoamento. A história de uma alma não difere da história da humanidade; só difere a escala: é a escala das proporções.

O Espírito molda a matéria, comunica-lhe a vida e a beleza. É por isso que a evolução é, por excelência, uma lei de estética. As formas adquiridas são o ponto de partida de formas mais belas. Tudo se liga. A véspera prepara o dia seguinte; o passado gera o futuro. A obra humana, reflexo da obra divina, expande-se em formas cada vez mais perfeitas.

/...


LÉON DENIS, O Problema do Ser, do Destino e da Dor,  IX – Evolução e finalidade da alma, fragmento.
(imagem de contextualização: Head of Divine Vengeance, pintura de Pierre-Paul Prud'hon)

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Deus na Natureza ~

A Força e a Matéria;
I Posição do Problema (III)

No conjunto de um sistema em movimento, toda a peça que se obstinasse em estacionar recuaria realmente. Nos nossos dias, já não é admissível dizer-se, dogmaticamente, que tal ou tal noção é perfeita e deve guardar o ataque da infalibilidade: ou se faz, ou se não faz parte da marcha progressiva do espírito. No primeiro caso, importa acompanhá-lo integralmente e, no segundo, há que confessar-se em atraso. Eis o que precisa ficar bem claro.

Digamo-lo francamente: em ciência experimental, Deus não pode ser admitido à priori e muito menos a destinação, ou finalidade, que presumimos apreender nas obras da Natureza.

As doutrinas apriorísticas caducaram, já se não admitem.

Confessemo-nos com os materialistas e perguntemos se os que tomaram Deus e não a Natureza como ponto de partida explicaram, algum dia, as propriedades da matéria ou as leis que governam o mundo. Puderam eles dizer-nos da mobilidade ou imobilidade do Sol? – se a Terra era plana ou esférica? – quais os desígnios de Deus, etc.? Absolutamente. Mesmo porque, seria impossível. Partir de Deus para a investigação e o exame da Criação é processo baldo de nexo e de sentido. Esse precário método para estudar a Natureza e inferir consequências filosóficas, no pressuposto de poder, com uma simples teoria, construir o Universo e fixar as verdades naturais, desacreditou-se, felizmente, há muito tempo.

Mas, pelo facto de havermos substituído a hipótese precedente pelos resultados do exame a posteriori, segue-se que devamos fechar os olhos e negar a inteligência, a sabedoria, a harmonia reveladas pela própria observação? Haverá motivo para repudiar toda e qualquer conclusão filosófica e ficar a meio caminho, temerosos de atingir o fim? E deveremos, por isso, rendermo-nos aos cépticos contemporâneos que, não obstante a evidência, rejeitam toda a luz e toda a conclusão?

Pensamos que não. Muito ao contrário, pelo método que preconizam, constatamos as suas recusas e inconsequências.

Antes de qualquer controvérsia, importa determinar as posições recíprocas, para evitar mal-entendidos, esperando nós que as declarações precedentes bastem para esclarecer categoricamente a nossa atitude.

Combateremos francamente o materialismo, não com as armas da fé religiosa, não com os argumentos da fraseologia escolástica, não com as autoridades tradicionais, mas pelos raciocínios que a contemplação científica do Universo inspira e fecunda.

Examinemos preliminarmente, num olhar, de conjunto, o processo geral do ateísmo hodierno.

Esse processo assemelha-se sensivelmente ao de que se utilizou o barão d'Holbach, nos fins do século passado, para fundamentar o seu famoso Sistema da Natureza, obra de um materialismo vulgar, para a qual achava Goethe não haver suficiente desprezo e costumava averbar de – “legítima quintessência da senectude, inepta e insulsa”. O novo processo, mais exclusivamente científico, todavia, consiste principalmente em declarar que as forças que dirigem, não dirigem o mundo, isto é: que em vez de governarem a matéria, antes se lhe escravizam e que é a matéria (inerte, cega, desprovida de inteligência) que, movendo-se de si mesma, se governa mediante leis, cujo alcance ela não pode, todavia, apreciar.

Pretendem os nossos materialistas actuais que a matéria existe de toda a eternidade, revestida de umas tantas propriedades, de certos atributos e que essas propriedades qualificativas da matéria bastam para explicar a existência, estado e conservação do mundo.

Dessarte, substituem um Deus-espírito por um Deus-matéria.

Ensinam que a matéria governa o mundo e que as forças químicas, físicas, mecânicas, não passam de qualidades.

Para refutar um tal sistema, há que tomar, por conseguinte, o partido contrário e demonstrar um Deus-espírito, antes que um Deus-matéria, incompreensível, a reger a matéria; estabelecer que a substância é escrava antes que proprietária da força; provar que a direcção do mundo não cabe às moléculas cegas que o constituem, mas às forças sob cuja acção transparecem as leis supremas.

Fundamentalmente, o problema resume-se nesta demonstração e nós esperamos que ela ressaltará brilhante dos estudos objectivados neste nosso trabalho.

E uma vez que os adversários se apoiam em legítimos factos científicos para estabelecer o erro, cumpre-nos contrabatê-los com esses mesmos factos.

A bem dizer, ainda que se demonstrasse que o Universo não é mais que um mecanismo material, cujas forças não se conjugam a um motor, mas remontam à matéria, subindo e descendo incessantes num sistema de motilidade perpétua, nem por isso a causa divina estaria perdida.

Contudo, desde os primórdios da Filosofia, a partir de Heráclito e Demócrito, o sistema mecânico do mundo constituiu-se o refúgio e o argumento dos ateus, enquanto o sistema dinâmico albergava e escorava os espiritualistas.

Nós, por princípio, filiamo-nos à concepção dinâmica e combatemos o sistema incompleto de um mecanismo sem construtor. Muito judiciosamente, diz Caro: (i) – por um lado o mecanismo tudo explica, mediante combinações e agrupamentos de átomos eternos. Todas as variedades de fenómenos, o nascimento, a vida, a morte, mais não são que o resultado mecânico de composições e decomposições, a manifestação de sistemas atómicos que se reúnem e se separam.

O dinamismo, ao contrário, subordina todos os fenómenos e todos os seres à ideia de força.

O mundo é a expressão, seja de forças opostas e harmoniosas entre si, seja de uma força única, cuja metamorfose perpétua engendra a universalidade dos seres.

Pode constatar-se que, não obstante ser a explicação secundária das coisas, até certo ponto, independente da primária, ou metafísica, a História atesta o facto constante de uma afinidade natural: de um lado, entre a explicação mecânica e a hipótese supressiva de Deus; e, de outro lado, entre a teoria dinâmica e a hipótese que diviniza o mundo no seu princípio.


/…
(i) La Philosophie de Goethe, capítulo 6º.


Camille Flammarion, Deus na Natureza – Primeira Parte, A Força e a Matéria I – Posição do Problema 3 de 6, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Diálogos de Kardec ~

Causa e natureza da clarividência sonambúlica ~~~ Explicações do fenómeno da lucidez ~

Sendo de natureza diversa das que acontecem no estado de vigília, as percepções que se verificam no estado sonambúlico (i) não podem ser transmitidas pelos mesmos órgãos. É sabido que neste caso a visão não se efectua por meio dos olhos que, aliás, se conservam, em geral, fechados e que até podem ser abrigados dos raios luminosos, de maneira a afastar todo o motivo de suspeita. Ao demais, a visão à distância e através dos corpos opacos exclui a possibilidade do uso dos órgãos ordinários da vista. Forçoso é, pois, se admita que no estado de sonambulismo um sentido novo se desenvolve, como sede de faculdades e de percepções novas, que desconhecemos e das quais não nos podemos aperceber, senão por analogia e pelo raciocínio. Bem se vê que nada de impossível há nisso; mas, qual é a sede desse novo sentido? Não é fácil determiná-la com exactidão. Nem mesmo os sonâmbulos fornecem a tal respeito qualquer indicação precisa. Uns há que, para os verem melhor, colocam os objectos sobre o epigastro, outros sobre a fronte, outros no occipital. O sentido de que se trata não parece, portanto, circunscrito a um lugar determinado; é, todavia, certo que a sua maior actividade reside nos centros nervosos. O que é positivo é que o sonâmbulo vê. Por onde e como? É o que nem ele mesmo pode explicar.

Notemos, porém, que, no estado sonambúlico, os fenómenos da visão e as sensações que o acompanham são essencialmente diferentes do que se passa no estado ordinário, pelo que não nos serviremos do termo ver, senão por comparação e por nos faltar naturalmente um com que designemos uma coisa desconhecida. Um povo composto por cegos de nascença certo careceria de uma palavra para designar a luz e referiria as sensações que ela produz a alguma das que lhe fossem familiares por lhes estar ele sujeito.

Alguém procurava explicar a um cego a impressão viva e deslumbrante da luz sobre os olhos. Compreendo, disse eleé como o som de uma trombeta. Outro, um pouco mais prosaico sem dúvida, ao qual queriam fazer que compreendesse a emissão dos raios luminosos em feixes ou cores, respondeu: Ah! sim, é como um pão de açúcar. Estamos nas mesmas condições, relativamente à lucidez sonambúlica: somos verdadeiros cegos e, do mesmo modo que estes últimos com relação à luz, comparamo-la ao que tem mais analogia com a nossa faculdade visual. Mas, se quisermos estabelecer uma analogia absoluta entre essas duas faculdades e julgar de uma pela outra, forçosamente nos enganaremos, como os dois cegos que acabamos de citar. É esse o erro de quase todos os que procuram pretensamente convencer-se pela experiência: intentam submeter a clarividência sonambúlica às mesmas provas que a vista ordinária, sem ponderarem que entre elas a única relação existente é a do nome que lhes damos. Daí, como os resultados nem sempre lhes correspondem à expectativa, acham mais simples negá-los.

Se procedermos por analogia, diremos que o fluido magnético, disseminado por toda a Natureza e cujos focos principais parece que são os corpos animados, é o veículo da clarividência sonambúlica, como o fluido luminoso é o veículo das imagens que a nossa faculdade visual percebe. Ora, assim como o fluido luminoso torna transparentes corpos que ele atravessa livremente, o fluido magnético, penetrando todos os corpos sem excepção, torna inexistentes os corpos opacos para os sonâmbulos. Tal a explicação mais simples e mais material da lucidez, falando do nosso ponto de vista. Temo-la como certa, porquanto o fluido magnético incontestavelmente desempenha importante papel nesse fenómeno; ela, entretanto, não poderia elucidar todos os factos. Há outra que os abrange a todos; mas, para expô-la, fazem-se indispensáveis algumas explicações preliminares.

Na visão à distância, o sonâmbulo não distingue um objecto ao longe, como o faríamos nós com o auxílio de uma lunetaNão é que o objecto, por uma ilusão de óptica, se aproxime dele, ELE É QUE SE APROXIMA DO OBJECTO. O sonâmbulo vê o objecto exactamente como se este se encontra a seu lado; vê-se a si mesmo no lugar que ele observa; numa palavra: transporta-se para esse lugar. O seu corpo, no momento, parece extinto, a palavra lhe sai mais surda, o som da sua voz apresenta qualquer coisa de singular; a vida animal também parece que se lhe extingue; a vida espiritual está toda no lugar aonde o transporta o seu próprio pensamento: somente a matéria permanece onde estava. Há pois uma certa porção do ser que se lhe separa do corpo e se transporta instantaneamente através do espaço, conduzida pelo pensamento e pela vontade. Evidentemente, é imaterial essa porção; a não ser assim, produziria alguns dos efeitos que a matéria produz. É a essa parcela de nós mesmos que chamamos: a alma.

É a alma que confere ao sonâmbulo as maravilhosas faculdades de que ele goza. A alma é quem, dadas certas circunstâncias, se manifesta, isolando-se em parte e temporariamente do seu invólucro corpóreo. Para quem quer que haja observado com atenção os fenómenos do sonambulismo em toda a sua pureza, é patente a existência da alma, tornando-se-lhe uma insensatez demonstrada até à evidência a ideia de que tudo em nós acaba com a vida animal. Pode, pois, dizer-se com alguma razão que o magnetismo e o materialismo são incompatíveis. Se alguns magnetizadores se afastam desta regra e professam as doutrinas materialistas, é sem dúvida que se hão cingido a um estudo muito superficial dos fenómenos físicos do Magnetismo e não procuram seriamente a solução do problema da visão à distância. Como quer que seja, nunca vimos um único sonâmbulo que não se mostrasse penetrado de profundo sentimento religioso, fossem quais fossem suas opiniões no estado vigíl.

Voltemos à teoria da lucidez. Sendo a alma o princípio básico das faculdades do sonâmbulo, necessariamente nela é que reside a clarividência e não nesta ou naquela parte circunscrita do corpo material. Essa a razão por que o sonâmbulo não pode indicar o órgão dessa faculdade, como designaria os olhos, se se tratasse da visão exterior. Ele vê por todo o seu ser moral, isto é, por toda a sua alma, visto que a clarividência é um dos atributos de todas as partes da alma, como a luz é um dos atributos de todas as partes do fósforo. Onde quer, pois, que a alma possa penetrar, há clarividência; essa a causa da lucidez dos sonâmbulos através de todos os corpos, sob os mais espessos envoltórios e a todas as distâncias.

Uma objecção, como é natural, se apresenta a esse sistema e apressamo-nos a responder a ela. Se as faculdades sonambúlicas são as mesmas da alma desprendida da matéria, por que não são constantes essas faculdades? Por que alguns sonâmbulos são mais lúcidos do que outros? Por que, num mesmo indivíduo, a lucidez é variável? Concebe-se a imperfeição física de um órgão; mas não se concebe a da alma.

Esta se encontra presa ao corpo por laços misteriosos que não nos fora dado conhecer antes que o Espiritismo houvesse demonstrado a existência e o papel do perispírito (i). Tendo sido esta questão tratada de modo especial na Revista Espírita e nas obras fundamentais da doutrina, não nos alargaremos aqui sobre ela, limitando-nos a dizer que é pelos nossos órgãos materiais que a alma se manifesta no exterior. No nosso estado normal, essas manifestações ficam naturalmente subordinadas à imperfeição do instrumento, do mesmo modo que o melhor artífice não pode fazer obra perfeita com utensílios maus. Assim, por muito admirável que seja a estrutura do nosso corpo, qualquer que tenha sido a providência da Natureza, com relação ao nosso organismo, para o exercício das funções vitais, acima desses órgãos sujeitos a todas as perturbações da matéria, há a subtileza da nossa alma. Enquanto, pois, ela se conserva presa ao corpo, sofre-lhe os entraves e as vicissitudes.

O fluido magnético não é a alma; é um liame, um intermediário entre a alma e o corpo. Actuando mais ou menos sobre a matéria é que ele torna mais ou menos livre a alma, donde a diversidade das faculdades sonambúlicas. O sonâmbulo é o homem despojado apenas de uma parte das suas vestiduras e cujos movimentos são embaraçados pelo que lhe resta dessas vestiduras.

Somente quando tem alijado de si os últimos restos da ganga terrena, como a borboleta que abandona a sua crisálida, se encontra a alma na plenitude de si mesma e goza de liberdade completa no uso de suas faculdades. Se houvesse um magnetizador bastante poderoso para dar liberdade absoluta à alma, romper-se-ia o liame terrestre e a morte imediata se seguiria. O sonambulismo, portanto, fez que puséssemos o pé na vida futura; ergueu uma ponta do véu sob que se ocultam as verdades que o Espiritismo nos faz hoje entrever. Não na conheceremos, todavia, em sua essência, senão quando nos houvermos desembaraçado por completo da cobertura material que neste mundo a obscurece.

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ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte, Causa e natureza da clarividência sonambúlica, Explicação do fenómeno da lucidez, 6º fragmento solto da obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Princípios da Terapêutica Espírita (II)

Podemos enunciar o primeiro princípio da terapêutica espírita da seguinte maneira:

1) A cura das doenças depende da acção natural das energias conjugadas do homem e da terra (psicológicas e mesológicas), na reconstituição do equilíbrio das energias naturais do doente.

Os demais princípios podem ser definidos na sequência abaixo:

2) A renovação de energias depende da acção conjugada dos espíritos terapeutas com o médium curador, que se põe à disposição dos espíritos para a transmissão dos fluidos energéticos através da prece e do passe.

3) A eficácia do passe depende da boa-vontade do médium, que se entrega humildemente à acção dos espíritos, sem perturbá-la com gesticulações excessivas, limitando-se às que os espíritos lhe sugerirem no momento. Não temos nenhum conhecimento objectivo do processo de manipulação dos fluidos pelos espíritos e poderíamos perturbar-lhes a acção curadora com a nossa intervenção pretensiosa. O médium é um instrumento vivo e inteligente da acção espiritual, mas só deve utilizar a sua inteligência para compreender o seu papel de doador de fluidos, como se passa no caso da doação de sangue nos hospitais.

4) A acção curadora dos espíritos não é mágica nem milagrosa; está sujeita a leis naturais que regem a estrutura psicobiológica do homem. A emissão de ectoplasma do corpo do médium para o corpo do doente revela-se actualmente, nas pesquisas russas, como emissão de plasma físico acompanhado de elementos orgânicos. As famosas pesquisas da Universidade de Kirov, na URSS, comprovaram e confirmaram as pesquisas de RichetSchrenk-NotzingGustave Geley e Eugéne Osty, no século XIX, sobre a acção do plasma físico (quarto estado da matéria) nos efeitos físicos da mediunidade. Na teoria do perispírito, Kardec já havia também, com grande antecedência, constatado a importância da relação espírito-matéria nesses processos.

5) Nos casos de cura à distância, sem a presença do médium, a eficácia depende das condições psicofísicas do doente, que permitem a colaboração do seu próprio organismo nas elaborações fluídicas do plasma, em conjugação com as energias espirituais dos espíritos terapeutas. Kardec considerava o perispírito como organismo semimaterial. Frederic Myers estudou a actividade da mente supraliminar (consciente) e subliminar (inconsciente) em todos esses processos então considerados como misteriosos.

6) As chamadas operações espirituais (hoje paranormais) podem realizar-se por intervenção física do médium, dominado pelo espírito que dele se serve por influenciação mediúnica no transe hipnótico. Mas a simples acção mental do médium pode produzir efeitos físicos no paciente, como Rhine provou nas suas experiências com animais. Rhine resumiu os resultados de suas pesquisas no seguinte princípio: “A mente, que não é física, age por vias não físicas sobre a matéria.” Soal, Carington e outros verificaram que as actividades internas do organismo animal e humano (funções vegetativas e correlatas) são controladas por acção mental sobre o sistema nervoso, vascular e muscular. A teoria do dinamismo psíquico inconsciente de Geley desenvolve-se nesse mesmo sentido.

O mistério teológico da encarnação transformou-se actualmente numa questão científica universalmente pesquisada nos maiores centros universitários do planeta. A terapia espírita está hoje respaldada pelas mais recentes e avançadas descobertas científicas. Os que pretendem rejeitá-la com argumentos se esquecem de que os problemas da ciência só podem ser resolvidos por meio de pesquisas e provas. Maldições e anátemas desvalorizaram-se totalmente num processo inflacionário de dois milénios. Não era sem razão a luta cruenta da Igreja contra o desenvolvimento científico. Ela se defendeu ferozmente do atrevimento dos cientistas porque agia sob a compulsão violenta do instinto de conservação. Mas a favor da ciência estavam as leis irresistíveis da evolução. A era científica nasceu ensanguentada dos calabouços medievais em que os mártires do progresso sofriam nas mãos dos inquisidores, à espera das fogueiras divinas em que seriam purificados. A Ciência avançou, apesar de tudo, derrotando os terroristas da magia negra, da antiga e temível Goécia que os próprios clérigos empregavam nas suas lutas de política intestina. Coube ao coronel Albert de Rochas, director do Instituto Politécnico de Paris, pesquisar em laboratório os possíveis efeitos da magia negra, demonstrando o engano dos que a consideravam dotada de poder diabólico. O desprestígio da superstição permitiu aos médiuns, hoje chamados sujeitos paranormais (nem anormais, nem patológicos, nem diabólicos), transformarem-se nos instrumentos humanos da investigação científica das potencialidades da criatura humana. Actualmente a própria Igreja dispõe de organismos de pesquisa dos fenómenos que antes considerava como estigmas infamantes da maldição divina.

Quando a Academia de França reconheceu a realidade do magnetismo e o seu interesse científico, mas mudando-lhe o nome para hipnotismoKardec escreveu um artigo sobre o facto na Revista Espírita, lembrando que o magnetismo se cansara de bater à porta da Academia, sendo sempre enxotado. Por fim resolvera mudar de nome e entrar na casa pela porta dos fundos, sendo então recebido e aclamado pelos cientistas. O mesmo acontece agora com o Espiritismo, que, sendo baptizado na universidade de Duke com o nome de Parapsicologia, teve entrada franca e entusiástica na URSS e no Vaticano. Na verdade, a Parapsicologia, com roupa nova, linguagem grega e seguindo as pegadas de Kardec, para atingir os seus mesmos objectivos, nada ofereceu de novo ao mundo actual além da sua roupagem tecnológica. Prestou, assim mesmo, um grande serviço ao mundo materialão, conseguindo despertar-lhe o interesse pelos problemas espirituais. Os materialistas e os religiosos formalistas tinham medo dos espíritos. Rhine conseguiu mostrar-lhes, por meios estatísticos, que todos somos espíritos. O medo se foi e com ele a ilusão da matéria desfeita na poeira atómica da Nova Física.

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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Princípios da Terapêutica Espírita 2 de 2, 7º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

pensamento e vontade ~


Formas do pensamento |

Já os magnetizadores da primeira metade do século passado haviam notado que os sonâmbulos não só percebiam o pensamento das pessoas com quem se punham em relação, sob a forma de imagens geralmente localizadas no cérebro, como também, eventualmente, fora dele, e mais ou menos imersos na “aura” da pessoa que, na ocasião, tinha na mente o pensamento correspondente à imagem.

Ainda agora, nos tempos que correm, Maria Reynes, clarividente sonâmbula e célebre pelas investigações do Dr. Pagenstecher sobre as suas faculdades psicométricas, deu a seguinte resposta a uma pergunta do seu hipnotizador:

“Quando me ordenam que veja, percebo o interior de meu estômago e nele, nitidamente, a úlcera que me atormenta, sob a forma de sangrenta mancha vermelha. Vejo a forma do meu coração e sinto-me capaz de ver o cérebro do doutor, desde que mo ordene.

Assim foi que, muitas vezes, lhe vi no cérebro a imagem radiosa da sua genitora, bem como de outras pessoas nas quais ele estava a pensar, sem mo dizer.

E sempre que assim sucedia, confessava-me ele que as imagens por mim percebidas eram perfeitas.” (American Proceedings of S. P. R., vol. XVI, pág. 113).

Os teósofos, que têm sempre muitas observações a respeito das “formas do pensamento”, afirmam, apoiados em declarações dos seus videntes – entre eles Annie Besant e Leadbeater – que as ditas “formas do pensamento” não se restringem às imagens de pessoas e coisas, mas atingem as concepções abstractas, as aspirações do sentimento, os desejos passionais, que revestem formas características e estranhamente simbólicas.

A esse respeito, importa acentuar que as descrições teosóficas desse simbolismo do pensamento estão em surpreendente concordância com as dos clarividentes sensitivos.

Vamos aqui resumir o trecho de um livro (Thought-formes) de Annie Besant e Leadbeater, para compará-lo depois a uma outra passagem tomada às declarações de um sensitivo clarividente.

Eis o que a respeito dizem esses autores:

Todo o pensamento cria uma série de vibrações na substância do “corpo mental”, correspondentes à natureza do mesmo pensamento, e que se combinam em maravilhoso jogo de cores, tal como se dá com as gotículas de água desprendidas de uma cascata, quando atravessadas pelo raio solar, apenas com a diferença de maior vivacidade e delicadeza de tons.

corpo mental, graças ao impulso do pensamento, exterioriza uma fracção de si mesmo, que toma forma correspondente à intensidade vibratória, tal como o pó de licopódio que, colocado sobre um disco sonante, dispõe-se em figuras geométricas, sempre uniformes em relação com as notas musicais emitidas.

Ora, esse estado vibratório da fracção exteriorizada do “corpo mental”, tem a propriedade de atrair a si, no meio etérico, substância sublimada análoga à sua.

Assim é que se produz uma “forma-pensamento”, que é, de certo modo, uma entidade animada de intensa actividade, a gravitar em torno do pensamento gerador...

Se esse pensamento implica uma aspiração pessoal de quem o formulou – tal como se dá com a maioria dos pensamentos – volteia, então, ao derredor do seu criador, pronto sempre a reagir de forma benéfica ou maléfica, cada vez que o sinta em condições passivas.

Estranhamente simbólicas as “formas do pensamento”, algumas delas representam graficamente os sentimentos que as originaram.

A usura, a ambição, a avidez, produzem formas retorcidas, como que dispostas a apreender o cobiçado objecto.

O pensamento, preocupado com a resolução de um problema, produz filamentos espirais.

Os sentimentos endereçados a outrem, sejam de ódio ou de afeição, originam “formas-pensamento” semelhantes aos projécteis.

A cólera, por exemplo, assemelha-se ao ziguezague do raio, o medo provoca jactos de substância pardacenta, quais salpicos de lama.”

Outro sensitivo clarividente, Sr. E. A. Quinton, também nota, a propósito das suas visualizações de pensamentos alheios, o seguinte:

“Em três grupos podem ser subdivididas as “formas-pensamento” por mim percebidas: as que revestem o aspecto de uma personalidade, as que representam qualquer objecto e as que engendram formas especiais...

As inerentes aos dois primeiros grupos explicam-se por si mesmas; as do terceiro, porém, requerem esclarecimento.

Um pensamento de paz, quando emitido por alguém profundamente compenetrado desse sentimento, torna-se extremamente belo e expressivo. Um pensamento colérico, ao contrário, torna-se tão repugnante, quanto horrível.

A avidez e emoções análogas, por sua parte, originam formas retorcidas, curvas, semelhantes às garras do falcão, como se as pessoas que as emitem desejassem alguma coisa empalmar em benefício próprio.” (Light, 1911, pág. 401).

Pelos vistos, destas declarações ressalta a concordância de clarividentes e teósofos, ao afirmarem que os impulsos pessoais da ganância e análogos desejos originam formas tortuosas do pensamento.

Essa é uma circunstância notável.

Naturalmente, no que se refere à realidade das formas abstractas do pensamento, não possuímos, até agora, outra prova além da resultante da uniformidade dos testemunhos de diversos clarividentes.

Todavia, apresso-me a declarar que, para as afirmações dos sensitivos, relativamente às formas concretas do pensamento – isto é, “pensamentos-formas” representando pessoas ou coisas – temos na fotografia uma prova absoluta, uma vez que a chapa as regista.

Somos, desta feita, levados a conceituar logicamente a declaração dos videntes, no que concerne às formas do pensamento abstracto.

E de facto já se tem demonstrado que, quando sonhamos com qualquer pessoa ou coisa, esta se concretiza em imagem correspondente.

Assim, tudo contribui para a suposição de que as ideias abstractas também devem concretizar-se em alguma coisa que lhes corresponda.

Resta ainda falar de um traço característico, ou faculdade que as “formas do pensamento” podem apresentar, qual a de, em circunstâncias especiais, subsistirem por mais ou menos tempo no ambiente, ainda que deste se tenha afastado, ou mesmo falecido, a pessoa que os engendrou.

É o que em linguagem metapsíquica se chama “persistência das imagens”.

Vou citar alguns exemplos desse género.

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Ernesto BozzanoPensamento e Vontade – Formas do pensamento 1 de 3, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualizagão: A Female Saint_1941, pintura de Edgard Maxence)

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Alfred Russel Wallace e o Sobrenatural ~

III - Os Milagres Modernos vistos como Fenómenos Naturais ~

Um argumento contra os milagres muito poderoso entre os homens de inteligência (e especialmente entre aqueles que se acostumaram com o amplo escopo das revelações da ciência moderna), é derivado do pressuposto prevalecente de que, se reais, eles são actos directos da divindade. Frequentemente, a natureza destes actos é tal que nenhuma mente educada pode por um momento imputá-los a um ser infinito e supremo. Poucos, se alguns, dos famosos milagres nos parecem ser dignos de Deus; e é o próprio homem de ciência quem está melhor capacitado a formar uma concepção própria da distância e da dificuldade para aproximar-se da natureza dos atributos que devem pertencer à mente suprema do universo. Contudo, é estranho dizer que, na maioria dos casos, o homem de ciência é ilógico suficientemente para considerar as dificuldades desta pressuposição como um argumento válido contra a existência dos factos em questão, em lugar de ser apenas um argumento contra a forma de interpretá-los. Ele ainda toma esta objecção mais adiante, pelo igualmente infundado pressuposto de que quaisquer seres que na possibilidade consigam produzir os fenómenos alegados devam ser de uma ordem mental superior e, portanto, se os fenómenos não estão de acordo com suas ideias da dignidade das inteligências superiores, ele simplesmente condena os factos sem examiná-los. Ainda muitos dos que  o objectam admitem que a mente do homem provavelmente não é aniquilada com a morte e que, por conseguinte, incontáveis, milhões de seres, estão constantemente passando para outro modo de existência e que, a menos que o milagre da transformação mental aconteça, eles devem continuar sendo muito inferiores. Portanto, qualquer argumento contra certos fenómenos terem sido produzidos por inteligências sobre-humanas, considerando a natureza trivial ou inútil de tais fenómenos, não traz qualquer suporte real lógico para a questão. A pressuposição de que todas as inteligências sobre-humanas são mais inteligentes que a média da humanidade é completamente gratuita e impotente para refutar factos, da mesma forma que os oponentes de Galileu, quando afirmaram que os planetas não podiam exceder ao numero perfeito, sete, e que, portanto, os satélites de Júpiter não podiam existir. Vamos voltar às considerações da natureza provável e dos poderes destas inteligências sobre-humanas, cuja possível existência é o meu objecto a ser sustentado no presente.

Eu tenho razões para supor que pode haver, e provavelmente há, outras (e talvez infinitamente variáveis) formas de matéria e modos de movimento etéreo além daquele que os nossos sentidos nos permitem reconhecer, com base na primeira parte deste artigo. Nós precisamos então admitir que deve haver, e possivelmente há, organizações adaptadas para agir sobre e a receber impressões destas formas de matéria. No universo infinito deve haver possibilidades infinitas de sensações, cada uma tão distinta das demais como a visão o é do paladar ou da audição, e tão capaz de estender a esfera de conhecimento e desenvolvimento do intelecto daquele que a possui como o sentido da visão ao ser adicionado aos demais sentidos que possuímos. Os seres de uma ordem etérea, se existirem, provavelmente possuem um ou mais sentidos da natureza acima referida, o que lhes permite uma compreensão maior da constituição do universo e uma inteligência proporcionalmente ampliada a guiar e dirigir para fins especiais aqueles novos modos de movimento etéreo com os quais eles estariam aptos a lidar. Cada faculdade que eles possuem deve proporcionar os modos de acção no éter. Eles devem ter uma capacidade de movimento tão rápida quanto a luz ou a corrente eléctrica. Devem ter uma capacidade de visão tão aguda quanto a dos nossos mais poderosos telescópios e microscópios. Devem ter um sentido de alguma forma análogo aos poderes de um dos últimos triunfos da ciência, o espectroscópio, e por meio dele são capazes de perceber instantaneamente a constituição íntima da matéria em cada uma das suas formas, seja nos seres organizados ou nas estrelas e nebulosas. Tais existências, possuidoras de poderes inconcebíveis para nós, não seriam sobrenaturais, a não ser num sentido muito limitado e incorrecto do termo. E se tais poderes são postos em acção de maneira a serem percebidos por nós, o resultado não seria um milagre, no sentido em que o termo é empregado por Hume ou TyndallNão haveria qualquer "violação de uma lei da natureza", nenhuma violação da "lei de conservação da energia". Nenhuma matéria ou força seria criada ou aniquilada, mesmo que assim nos parecesse. Num universo infinito, o grande reservatório de matéria e de força deve ser infinito; e o facto de um ser etéreo ser capaz de exercer força-extraída talvez do éter sem fronteiras, talvez das energias vitais dos seres humanos - e realizar os seus efeitos visíveis a nós como uma aparente ‘criação’ seria um milagre tão real quanto o perpétuo crescimento de milhões de toneladas de água do oceano, ou o perpétuo exercício de força animal sobre a Terra, os quais nós apenas recentemente ligamos ao sol, e talvez de forma remota o sejam a outras e variadas fontes perdidas na imensidade do universo. Tudo continua sendo natural. As grandes leis da natureza ainda manteriam a sua inviolável supremacia. Nós devemos apenas confessar, como um moderno homem de ciência, que "os nossos cinco sentidos são nada mais que instrumentos toscos para investigar o imponderável", e deveríamos ver um novo e mais profundo significado nas muito citadas mas pequenas palavras cuidadosas do grande poeta, quando ele nos lembra que "há mais coisas no céu e na Terra que supõe a nossa filosofia". (i)

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(i) Shakespeare, em Hamlet. Nota do tradutor.


Alfred Russel WallaceO Aspecto Científico do Sobrenatural, III Os milagres modernos vistos como fenómenos naturais 1 de 2, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt | 1898, tempera e folha de ouro sobre painel, detalhe, de Edgard Maxence)

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~

O movimento pancéltico (IV)

Desde a Grande Guerra (a primeira), a propaganda céltica tomou um novo impulso.

A Liga Céltica Irlandesa organizou festas, reuniões solenes periódicas, inicialmente em Dublin, depois em cada uma das cidades da Irlanda.

No País de Gales, muitas Assembleias solenes foram realizadas. A de 1923 foi presidida pelo arquidruida de Gales, auxiliado por um arquidruida australiano e um da Nova Zelândia.

Esses detalhes nos demonstram que o movimento céltico se propagou até aos antípodas. Em todos os lugares as multidões célticas se comportam com paixão nessas Assembleias, onde são realizados torneios de poesia, de música e improvisações oratórias. E, por essas manifestações, se renovam e se asseguram, sem cessar, a vitalidade da raça, a sua vontade de ficar unida num pensamento supremo e importante, unida num ideal comum!

Assim se realiza o sonho céltico previsto pelos bardos.

Através das duras vicissitudes de sua história, a raça céltica sempre afirmou a sua vontade de viver, a sua fé inabalável em si mesma e no seu futuro e isso, principalmente, nas horas em que tudo parecia perdido. Mas a sua obra é puramente pacífica. O que se agita no fundo de sua alma não é uma necessidade de poderio material, mas apenas o sentimento da sua nobre origem e dos seus direitos.

Assim disse Lord Castletown:

“A ideia céltica é uma ideia de concórdia e de fraternidade, e isso está escrito em todos os lugares, nas lendas e nos dogmas filosóficos da raça.”

Todos os iniciados sabem que o Celtismo renovador levará à Europa este complemento da ciência e da religião que lhe falta, isto é, um conhecimento maior do mundo invisível, da vida universal e de suas leis. Está aí, com efeito, o único meio de atenuar o declínio das raças brancas, orientando a sua evolução em direcção a um objectivo mais elevado e de melhores destinos.

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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO I – Origem dos celtas, Guerra dos gauleses, Decadência e queda, Longa noite, o despertar, O movimento pancéltico, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: The Apotheosis of the French Heroes who Died for their Country During the War for Freedom_1802, pintura de Anne-Luis GIRODET-TRIOSON)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O Espiritismo na Arte ~


Parte II

– A Inspiração e a Evolução da Arte e do Pensamento

|Fevereiro de 1922|

O objectivo deste tópico é, principalmente, mostrar o considerável papel que a inspiração desempenhou em todos os tempos na evolução da arte e do pensamento. Todos os estudantes do oculto sabem que uma onda de ideias, de formas, de imagens, se derrama incessantemente do mundo invisível sobre a humanidade. A maior parte dos escritores, dos artistas, dos poetas, dos inventores, conhece essas correntes poderosas que vêm fecundar o seu cérebro, ampliar o círculo das suas concepções.

Ora a inspiração se introduz suavemente no nosso intelecto, se mistura intimamente no nosso próprio pensamento, de tal forma que se torna impossível distingui-la, ora é uma irrupção súbita, uma invasão cerebral, um sopro que passa sobre as nossas frontes e nos agita fortemente numa espécie de febre. Outras vezes é como uma voz interior, tão nítida, tão clara que parece vir de fora para nos falar de coisas graves e profundas. Uma corrente de forças e de pensamentos agita-se e rola em torno de nós, buscando penetrar os cérebros humanos dispostos a recebê-los, a assimilá-los, a traduzi-los sob a forma e a medida de suas capacidades, do seu grau de evolução. Uns o exprimem de uma forma mais ampla, outros, de forma mais restrita, de acordo com as suas aptidões, com a riqueza ou a pobreza das expressões que lhes são familiares e os recursos da sua inteligência.

As lições de o Esteta, que reproduzimos mais adiante, vão determinar os diversos caracteres da inspiração, segundo os casos.

Entre os homens de talento, muitos reconheceram essas influências invisíveis. Vários descrevem o estado vizinho ao do transe, em que a elaboração de uma grande obra os lança. Outros falam da onda ardente que os penetra, do fogo que corre nas suas veias e provoca uma super excitação que centuplica as suas faculdades. Às vezes procuram, inutilmente, resistir a essa força que os domina, os subjuga e destruiria o seu envoltório, caso fosse contínua. Existem os que sucumbiram a essa acção soberana e morreram prematuramente, como Rafael, na flor da idade.

Lamartine  descreveu esse estado em versos célebres:

Mais à l’essor de la pensée
L’instinct des sens s’oppose em vain:
Sous le dieu mon âme oppressée
Bondit, s’elance et bat mon sein.
La foudre en mes veines circule,
Etonné du feu qui me brûle.
Je l’irrite en le combattant.
Et la lave de mon génie
Déborde en torrents d’harmonie
Et me consume en s’échappant.

(Méditations Poétiques)

Romain Rolland  descreve, nestes termos, o caso especial de Michelangelo (Revue de Paris, 1906, e Cahiers de la Quinzaine):

A força do talento que provém do Deus oculto não se manifesta mais claramente senão num homem sem vontade, como Michelangelo. Jamais um homem foi a sua presa dessa forma. Esse talento não parecia da mesma natureza que ele; era um conquistador, que havia se lançado sobre ele e o mantinha escravizado. A sua vontade não tinha nenhum poder e quase se poderia dizer, nenhum poder tinham o seu espírito e o seu coração. Era uma exaltação frenética, uma vida formidável num corpo e uma alma muito fracos para conte-los.

Encontra-se em Goethe (Cartas a uma Criança), os seguintes detalhes sobre Beethoven:

Beethoven, falando da fonte de onde lhe vinha a concepção de suas obras-primas, dizia a Bettina:

“Eu me sinto forçado a deixar transbordarem, por todos os lados, as ondas de harmonia que provêm do foco da inspiração. Tento segui-las, e as agarro apaixonadamente; de novo elas me escapam e desaparecem entre a multidão das distracções que me cercam. Logo eu volto a agarrar a inspiração com ardor, arrebatado, multiplico todas as suas modulações e, no último momento, triunfo com o primeiro pensamento musical.

Devo viver sozinho comigo mesmo. Sei bem que Deus e os anjos estão mais perto de mim, na minha arte, que os outros. Comunico-me com eles e sem temor. A música é uma das entradas espirituais nas esferas superiores da inteligência.”

Mozart, por sua vez, numa de suas cartas a um amigo íntimo, inicia-nos nos mistérios da inspiração musical. Essa carta foi publicada em A Vida de Mozart, por Holmes, em Londres, 1845:

Dizes que gostavas de saber qual é a minha maneira de compor e qual é o meu método. Verdadeiramente eu não posso dizer-vos mais do que o que vou falar, porque eu mesmo não sei nada a respeito e não me consigo explicar.

Quando estou bem disposto e completamente só, durante o meu passeio, os pensamentos musicais me vêm em abundância. Não sei de onde vêm esses pensamentos, nem como eles me chegam, a minha vontade não tem nenhum poder nisso.

Schiller declarou que os seus mais belos pensamentos não eram de sua própria criação, eles lhe vinham tão rapidamente e com uma tal força que ele tinha dificuldade em compreendê-los bastante rapidamente para transcrevê-los.

Michelet também parece estar, em certas horas, sob o domínio de algum poder incomum. Falando da sua História da Revolução Francesa, ele diz:

Jamais, desde a minha Virgem de Orléans, eu havia recebido semelhante emanação do Alto, uma visita tão luminosa do céu... Inesquecíveis dias, quem sou eu para tê-los narrado? Eu ainda não sei, e não saberei jamais, como pude reproduzi-los. A incrível felicidade de reencontrar isso tão vivo, tão abrasador, após sessenta anos, encheu-me o coração de uma alegria heróica.

O poder da inspiração se traduz de uma maneira mais sensível ainda em Henri Heine.

Eis o que ele dizia no prefácio da sua tragédia William Radcliff:

Escrevi William Radcliff em Berlim, enquanto o Sol iluminava com os seus raios, antes enfadonhos, os tectos cobertos de neve e as árvores desprovidas das suas folhas; eu escrevia sem interrupção e sem fazer rasuras. Sempre escrevendo, parecia que eu ouvia, acima da minha cabeça, como que um barulho de asas...

Poderíamos multiplicar as citações do mesmo género, e nelas veríamos que a inspiração varia segundo a sua natureza. Nuns, o cérebro é como um espelho que reflecte as coisas escondidas e envia as suas radiações sobre a humanidade. Sob mil formas, ela penetra os sensitivos e se impõe.

/…


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte II – A inspiração e a evolução da arte e do pensamento, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Auto-retrato, o "príncipe dos pintores" artista referido de aura mística que morreu no dia em que completava 37 anos, Rafael Sanzio)

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

literatura do além-túmulo ~


Prefácio |
(por Deolindo Amorim)

O título desta obra sugere, a princípio, que a mesma trata de trabalho, como tantos outros, recebido do além; entretanto o que se encontra em Literatura de Além-túmulo é um estudo, bem documentado, acerca da produção literária que, através de inúmeros médiuns, nos tem chegado do mundo espiritual.

Formulado sob a autoridade de um nome mundial, Ernesto Bozzano, este livro não se destina exclusivamente aos espíritas, porque a forte e abundante argumentação, que nele se condensa, pode enfrentar objecções de qualquer natureza, pois é uma obra que não teme a dialéctica nem o sofisma académico.

Sabe-se muito bem que, em matéria de comunicações do além, há muita coisa que deve ser rejeitada, mas também se sabe que na literatura mediúnica se registam factos suficientemente comprovados.

Ernesto Bozzano, homem de ciência, pesquisador frio e severo, é o primeiro a reconhecer que muitos ditados psicográficos não suportam crítica, nem mesmo superficial. O acatado mestre europeu entra no assunto com espírito de análise. Faz confrontos, apresenta factos, tira conclusões seguras e, por fim, sustenta a tese espírita com absoluta convicção à luz de documentação convincente. Não é por uma comunicação duvidosa que se julga todo o volumoso património da literatura mediúnica. Bozzano demonstra, logo de início, que há comunicações que realmente não passam de elaboração onírico-subconsciente, com personalizações sonambúlicas, diz ele, evidentemente grosseiras, mas é preciso que se saiba distinguir tais comunicações das importantes mensagens ou páginas literárias em que o médium não tem a menor participação intelectual.

Muitos adversários do Espiritismo, sempre que se fala em comunicações do “outro mundo”, apelam para a hipótese do subconsciente. Fizeram do subconsciente uma porta de saída para todas as situações. Ernesto Bozzano cita, no entanto, casos em que de maneira alguma se poderia invocar a possibilidade de haver um médium armazenado no subconsciente certos conhecimentos revelados inesperadamente.

Entre vários exemplos, para provar que a literatura do além é real, autêntica, incontestável, o autor introduziu no livro um facto curiosíssimo: uma senhora, que era médium, recebeu, em transe mediúnico, uma obra intitulada Evangelho suplementar. Nesse Evangelho, ditado na presença de pessoas de responsabilidade, inclusive o rev. John Lamond, há conhecimentos de história religiosa, de línguas antigas, etc., e a médium não tinha cultura de tais assuntos, segundo apurou o próprio rev. Lamond.

Outro facto de que se ocupa, munido de documentos, é o do célebre romance A Cabana do Pai Tomás. Muita gente sabe que esse romance, aliás de fundo social, chegou a ser filmado e esteve durante muito tempo em cartaz nos nossos cinemas. Admitiu-se, depois, a possibilidade de haver sido essa obra, de tão grande influência na vida norte-americana, transmitida mediunicamente à sra. Harriet Beecher-Stowe. Lê-se em Literatura de Além-túmulo o trecho em que a escritora Beecher-Stowe confessa francamente: “Não fui eu quem a escreveu”, isto é, A Cabana do Pai Tomás. E acrescenta: “Deus a escreveu. Foi ele quem ma ditou”. Diante dessa afirmativa, Ernesto Bozzano inclina-se para a hipótese mediúnica.

É um livro, portanto, de observações, factos e crítica. Aqueles que tiverem ocasião de ler Literatura de Além-túmulo, ainda que não entendam de Espiritismo, ficarão seguramente orientados para entrar no campo da produção mediúnica.

É, finalmente, um livro que deve figurar em toda estante de obras espíritas.

/... 


Ernesto Bozzano (i)Literatura de Além-túmulo, Prefácio por Deolindo Amorim (i), 1º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac_1900, tempera no painel de Edgard Maxence)

domingo, 14 de agosto de 2016

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades


Algumas respostas mediúnicas

Júlio Bois, em seu importante livro Le Mirage Moderne, faz um detido estudo sobre Victor Hugo espírita. Diz que o poeta abraçou o espiritismo a seis de Setembro de 1855, em Jersey, tendo como iniciadora Madame Émile de Girardin. O médium das sessões assistidas por Hugo era o seu filho Carlos. Este não sabia inglês, não obstante um dia chegou um britânico que tinha desejos de relacionar-se com Lord Byron. Esta entidade espiritual não se fez esperar e disse assim:

Vex not the bard, his lyve broken,
His lasta son sung, his last word sponen.

Prosseguindo o poeta com os trabalhos tiptológicos, conseguiu que Ésquilo se expressasse em admiráveis versos do seguinte modo:

"Não, o homem não será jamais livre na terra. Ele é o triste prisioneiro do bem, do mal, do belo. Por uma lei misteriosa, não pode gozar de liberdade senão quando se converte em prisioneiro do túmulo. Fatalidade, leão pelo qual a alma é devorada, tenho eu pretendido dominar-te com braço ciclópico, tenho pretendido levar sobre minhas costas atigrada pele e gostava que de mim dissessem: "Esquilo nemeu". Não o consegui, a fera humana destrói também as nossas carnes com as suas garras eternas; o coração do homem está repleto de gritos de ódio e esta fossa de leões não tem Daniel. Depois de mim veio Shakespeare, viu as três bruxas, oh Neméia! chegarem do fundo da selva e derramarem nos nossos corações as suas caldeiras revoltas, os filtros monstruosos do imenso segredo. Depois de mim, o domador, chegou o caçador a esta grande selva do limite do mundo. E como olhasse em sua alma profunda, Macbeth gritou: "Fujamos", e Hamlet disse: "Tenho medo". Salvou-se. Moliére apareceu então no limítrofe e disse: "Vejamos se a minha alma morre. Comendador, vem cear''. Mas no banquete de pedra, Moliére tremeu enquanto empalidecia don Juan. Mas, qualquer que seja o especto, a bruxa ou a sombra, eras sempre tu, leão, com a tua garra de ferro. Tu enches de tal modo a grande selva sombria, que Dante te encontra ao entrar no Inferno. Tu não és dominado senão quando a morte devoradora te arranca com dentes a alma em pedaços, se apodera de ti na selva profunda, secular, e te mostra com o dedo a tua jaula: o túmulo.''

Um dia Victor Hugo se dirigiu ao espírito de Moliére em magníficos versos, para dizer-lhe: "Os reis e vós, lá em cima, trocam de roupagem? Luís XIV no céu não é teu criado? Francisco I é o louco de Triboulet? Creso é lacaio de Esopo?"

Moliére não respondeu; fê-lo uma entidade espiritual chamada A Sombra do Sepulcro, dizendo:

"O céu não castiga com semelhantes artifícios e não converte em louco a Francisco I. O inferno não é um baile de grotescos comparsas, no qual o negro castigo seria o alfaiate".

O poeta não ficou satisfeito com a resposta. Mas noutro dia as entidades invisíveis pediram-lhe que as interrogasse em versos. Victor Hugo declarou "que não sabia improvisar desse modo", razão porque pediu fosse marcada uma reunião mediúnica.

No dia seguinte, ao ditar Moliére tiptologicarnente o seu nome, o poeta respondeu recitando com forte acento os seguintes versos (i) :

Oh, tú, que la manopla de Shakespeare recogiste,
Que cerca de su Otelo tu Alcestes esculpiste,
Sombrío de pasión!
!Oh, sol, que resplandeces en doble espacio y vuelo;
Poeta desde el Louvre, y arcángel en e! cielo!
Tu espléndida visita honora mi mansión.
?Me tenderás arriba tu hospitalaria mano?
Que caven en el césped mi fosa: sin pesar,
Sin miedo la contemplo; la tumba no es arcano;
Yo sé que en ella encuentra prisión e! cuerpo vano,
Mas sé también que el alma suas alas ha de hallar.

Moliére, porém, não respondeu. "Le Journal", de 20 de Julho de 1899, disse que houve expectativa e que respondeu novamente A Sombra do Sepulcro, resposta esta que não se pode ler sem sentir urna certa admiração por sua irónica grandeza. Eis, aqui, os versos ditados tiptologicarnente:

!Espíritu que quieres saber nuestro secreto,
Que en tus tinieblas alzas la antorcha terrena!,
Que a tientas y furtivo, pretendes indiscreto,
Forzar la inmensa tumba, là puerta funeral!
!Retorna a tu silencio y apaga tus candeias;
Retorna hacia la noche profunda en donde velas,
Dejando algunas veces tu densa oscuridad;
Los ojos terrenales, aun vivos, aun abiertos,
No leen por encima de! hombro de los muertos
La augusta eternidad!

(i) A tradução é do reconhecido poeta espanhol SalvadorSellés. N. do Autor.

Victor Hugo, ao ver-se tão duramente tratado, objectou a entidade comunicante dizendo-lhe que empregava expressões simbólicas. A Sombra do Sepulcro respondeu-lhe assim:

"Imprudente! Exclamas: A Sombra do Sepulcro fala em linguagem mundana, emprega imagens bíblicas, serve-se de palavras, metáforas, fábulas, para dizer a verdade... A Sombra do Sepulcro não é uma ficção, mas uma realidade. Se desço a falar vossa gíria em que o sublime consiste em armar algum estrondo, é porque sois insignificantes. A palavra é um aguilhão do espírito; a imagem, a golilha do pensamento; vosso ideal, o grilhete da alma; vossa sublimidade um fundo da masmorra; vosso céu, a abóbada de uma gruta; vossa língua, um ruído enfeixado num dicionário. Minha linguagem é a Imensidade, o Oceano, o Furacão. Minha biblioteca contém milhares de estrelas, milhares de planetas e constelações. Se quereis que fale a minha linguagem, sobe ao Sinai e me ouvirás nos raios; sobe ao Calvário e me verás nos relâmpagos; desce ao sepulcro e me sentirás na clemência".

Na carta que em 1855 dirigiu a Emilia de Girardin, o poeta escrevia: "As mesas nos dizem coisas surpreendentes. Todo um sistema quase cosmogónico por mim pensado e escrito em vinte anos foi confirmado com grandeza magnífica. Vivemos aqui num 'horizonte' misterioso que muda a perspectiva do desterro e pensamos a quem devemos esta 'janela aberta'. As mesas nos impõem o silêncio e o segredo".

Ausente de Jersey Madame de Girardin, o poeta continuou com a sua família as relações espirituais com o mundo invisível. Deixou esta tarefa registada em vários cadernos que mais tarde o seu amigo, o grande astrónomo Camille Flammarion, pôde revisar e dos quais publicou alguns fragmentos em "Les Annales Politiques et Literaire", de 7 de Maio de 1899, onde o autor de Urânia dizia o seguinte: "Mme. Victor Hugo e o seu filho Francisco estavam quase sempre à mesa. Vacquerie e alguns outros só se acercavam alternadamente. Hugo, jamais. Desempenhava o papel de secretário escrevendo à parte, em folhas soltas, os ditados da mesa. Esta, consultada, anunciava geralmente a presença de poetas, de autores dramáticos e de outros personagens célebres, tais como Moliére, Shakespeare, Galileu, etc. Mas a maior parte das vezes, sempre que interrogada, em lugar do nome esperado a mesa dava o de um ser imaginário; por exemplo, este, que se repete com frequência: A Sombra do Sepulcro".

O conhecimento dos casos de literatura do além-túmulo tem se multiplicado na obra realizada por autores sérios e responsáveis. Na Itália, o extraordinário investigador Ernesto Bozzano se dedicou a análises deste género literário, o que se pode ver nas sua notável monografia intitulada ''Literatura do Além-Túmulo". Pois bem, não serão acaso estes assombrosos fenómenos mediúnicos-literários um novo caminho de Damasco para reencontrar Deus e o Espírito?

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Humberto Mariotti (i)Victor Hugo Espírita, Algumas respostas mediúnicas, 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)