segunda-feira, 26 de março de 2018

murmúrio das paixões ~

Quando aplicamos o ouvido ao que se passa no fundo do nosso ser, ouvimos como que o ruído de águas ocultas e tumultuosas, o fluxo e refluxo do mar agitado da personalidade que os vendavais da cólera, do egoísmo e do orgulho encapelam. São as vozes da matéria, os chamamentos das baixas regiões, que nos atraem e influenciam ainda as nossas acções; mas podemos dominar essas influências com a vontade, podemos impor silêncio a essas vozes. Quando em nós se faz a bonança, quando o murmúrio das paixões se aplaca, eleva-se então a voz potente do Espírito Infinito, o cântico da vida eterna, cuja harmonia enche a Imensidade. E quanto mais o Espírito se eleva, purifica e ilustra, tanto mais o seu organismo fluídico se torna acessível às vibrações, às vozes, ao influxo do Alto.




LÉON DENIS, O Problema do Ser, do Destino e da Dor,  IX – Evolução e finalidade da alma, fragmento.
(imagem: Biblis 1884, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

quarta-feira, 14 de março de 2018

~~~Párias em Redenção~~~


O TESTAMENTO (II)

Passados os dias mais angustiantes do luto, as autoridades se reuniram no Palácio di Bicci para a leitura do testamento. Foram convidadas algumas famílias e compareceram, também, convocados pela Justiça, alguns remanescentes da família di Bicci di M., vinculados ao Senhor duque.

Os archotes fumegantes voltaram a arder em brasas vivas no solar e, embora todos se encontrassem em pesado luto, o vinho capitoso escorria abundante, por ordem de Girólamo, que contratara alguns áulicos novos para ajudar os fâmulos remanescentes.

O inverno rigoroso ainda não amainara de todo. Após as chuvas torrenciais e as trovoadas retumbantes, o frio cortava e as estradas se apresentavam quase intransitáveis. De quando em quando, uma pancada de água caía inesperada, ameaçando de interrupção total as péssimas vias de comunicação.

Todos, portanto, desejavam libertar-se daquele desagradável dever para o qual foram convocados, excepto os interessados. Por uma hábil manobra, Girólamo convidara especialmente Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispo de Siena para presidir à solenidade, de forma a sentir-se amparado pela velha astúcia do mau e cobiçoso sacerdote, que o defenderia diante da família do extinto, caso os que viessem aventurar-se criassem dificuldades em face do vasto espólio, ou para qualquer outra inesperada emergência.

Com a intuição da possível vantagem, o prelado se fez acompanhar do séquito que o acolitava e antes que a Justiça terrena realizasse o seu mister apresentou-se como representante da Justiça Divina, abençoando o remanescente da família devorada pela tragédia e rogando a todos conformação ante os desejos do duque extinto. Terminada a oração, sem qualquer tónica de inspiração e autenticidade, o juiz convocou o notário à leitura do testamento, que, apresentado às testemunhas, estas declararam serem autênticos os selos e o documento, reconhecendo ter sido aquele que assinaram por solicitação de Dom Giovanni di Bicci di M.

Estavam presentes, também, diversos membros do clã dos M., recém-chegados de várias cidades da Toscana: Florença, Siena, Pisa…, interessados na descoberta de qualquer haver que pudessem arrojar aos excessos e desperdícios a que se encontravam e, que igualmente examinaram o documento.

Após pigarrear grotesco e asmático, o notário deu início à leitura, com voz fanhosa:

“Eu, abaixo assinado, Giovanni di Bicci di M., duque pertencente ao grão-ducado da Toscana, viúvo e morador no Palácio di Bicci, nos arredores de Siena, achando-me com saúde, em meu perfeito juízo e livre de toda e qualquer coação, faço meu testamento do modo seguinte: Primeiro – Declaro que sou natural de Florença, donde procedem os meus ancestrais, todos eles comerciários e homens públicos, já falecidos; Segundo – Que me tendo consorciado com Ângela Venturi di Bicci, já falecida, tive do matrimónio três filhos: Grazziella, Carlo e Juliana, todos menores, vivos; Terceiro – Que me sendo permitido por lei dispor de minha terça e desejando favorecer aqueles que me têm servido e a quem amo, aos quais sempre tenho protegido e, não desejando que fiquem pela minha morte privados dos recursos necessários para a subsistência, resolvi utilizar da minha terça pela forma abaixo declarada; e nesta conformidade: Quarto – Determino que uma terça parte do que me pertence e de que posso dispor seja entregue à Catedral de Siena, para obras de piedade e celebração de missas pela minha e pela alma da Senhora duquesa, ficando as partes restantes para Lúcia, que serviu admiravelmente à minha esposa e a mim me tem servido com devoção. Deixo a cada um dos meus criados, quando eu vier a falecer e, que ainda estiverem ao meu serviço, a importância de mil escudos, moeda toscana que lhes será entregue dentro de trinta dias, a contar da minha morte; Quinto – Como pelo falecimento de minha mulher os meus filhos já são possuidores das duas terças que lhes pertencem, a eles peço manter os meus desejos, já que lhes não fará falta o de que disponho, sendo esta a minha vontade; Sexto – Se, todavia, alguma desgraça vier a suceder aos meus filhos, de que lhes resulte a morte, todos os meus pertences devem passar à propriedade da aia de minha mulher, Lúcia di Francesco Felsina, a quem nomeio, desde já, tutora dos referidos menores, pela minha exclusiva vontade e com permissão da Justiça; Sétimo – Para Girólamo, a quem a minha extinta mulher tanto queria, este espólio somente lhe chegará às mãos por extinção das pessoas citadas neste testamento; e quando ele falecer, tudo será encaminhado à Ordem da Penitência, em Florença, sendo metade para obras de arte e a outra metade para missas pelos meus familiares; Oitavo – Excluo deste testamento quaisquer pessoas que se apresentem como meus familiares, aqui não referidos e que não necessitam do meu auxílio; Nono – E por esta forma tenho feito o meu testamento, pelo qual revogo todos os outros que fiz; e como me seria penoso escrevê-lo, pedi-o ao notário Dom Germano Victorio, a quem nomeio meu testamenteiro desta cidade, para que o fizesse por mim e, eu vou rubricar depois de lido e certificado de que está tal qual eu ditei e quero. Siena, doze de Janeiro de mil setecentos e quarenta e três.”

– Devidamente assinado e aprovado, como pode ser visto – arrematou o tabelião –, devemos atender às exigências de Dom Giovanni.

Irromperam entre os assistentes diversas exclamações de ódio e violência, surgindo alterações entre membros da família, que se acreditavam ludibriados. Revoltados, informaram que apelariam para a Justiça da Capital.

Girólamo, abraçado pelo Bispo, chorava ou fazia crer que chorava. Dizia desconhecer o documento, no que foi ratificado pelo notário, que informou jamais o ter revelado a alguém – conquanto fosse conhecido dipsomaníaco, na cidade –, e pelo prelado da diocese, que se sentia ufano de ter sido a Igreja lembrada pelo falecido. Rejubilava-se, acreditando poder receber, também, um largo quinhão de Girólamo, quando este entrasse na posse dos bens, tendo em vista serem amigos e ter-se transformado em seu protector desde os aziagos acontecimentos já narrados.

O Senhor Bispo, tomando a palavra no tumulto geral, tornando-se juiz da questão, levantou a voz e bradou:

– Como os demais herdeiros – as crianças de di Bicci e a criminosa Lúcia – se encontram mortos, todo o espólio por lei e direito pertence, desde este momento, a Girólamo, a quem cumpre o dever de atender os desejos do seu tio e pai adoptivo, Dom Giovanni – que Deus lhe guarde a alma, nos Céus!

– Não posso receber nada, – falou o rapaz. – Esta casa está manchada pelo sangue de inocentes vítimas e esse dinheiro é amaldiçoado. Não posso, não posso!

– Acalme-se, meu filho! – redarguiu o Bispo. – Celebraremos algumas missas aqui e abençoaremos o solar. Você ajudará a Igreja, terá o que merece e o que lhe pertence pela vontade de Deus e do Senhor di Bicci.

Os familiares di Bicci di M., talvez recordando o antigo prestígio de que gozavam até há pouco, ameaçaram, furibundos, tudo retomar, utilizando-se do fastígio que lhes aureolava o nome, junto a Francisco de Lorena, da Áustria, e prometeram regularizar a situação posteriormente, expulsando a espadas o usurpador. Blasfemando, encolerizados, saíram em direcção a Siena…

Asserenadamente, deixaram-se ficar alguns convidados, as testemunhas, que assinaram o documento, o notário e o Senhor Bispo, para uma demorada comemoração em família.

Girólamo, aparentando uma emoção, uma tristeza que estava longe de sentir, solicitou ao testamenteiro e ao Senhor Bispo que cuidassem das questões legais, enquanto ele se afastaria com destino a Florença para um justo repouso, a fim de reorganizar as ideias, muito violentadas nos últimos tempos. Voltaria um mês depois, quando, de posse dos haveres, saberia recompensá-los devida, regiamente.

Os olhos dos comensais espúrios do favor nefando brilharam e a noite continuou sombria, piscando estrelas no alto.

/…


VICTOR HUGO, ESPÍRITO “PÁRIAS EM REDENÇÃO” – LIVRO PRIMEIRO, 3. O TESTAMENTO (2 de 3), 9º fragmento da obra. Texto mediúnico ditado a DIVALDO PEREIRA FRANCO.
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt | 1898, tempera e folha de ouro sobre painel de Edgard Maxence)

domingo, 4 de março de 2018

o Homem e a Sociedade numa nova Civilização ~ do Materialismo histórico a uma Dialéctica do espírito ~


Capítulo IV

A FILOSOFIA CIENTÍFICA DE GUSTAVE GELEY (II)

Seguindo o fio do seu pensamento filosófico, vê-se que Geley continuou a analisar a constituição do Ser, segundo os princípios da nova ideia. Considerou o Eu como um dinamopsiquismo essencialem contraposição à psicologia clássica, que o considera como a soma de estados de consciência e, que o consciente e o inconsciente se interpenetram para se condicionar reciprocamente. Conceituou, sempre apoiado nos factos, que o dinamopsiquismo inconsciente ou subconsciente tende, pela evolução, a converter-se em dinamopsiquismo consciente; por isso é que todas as aquisições conscientes são assimiladas e convertidas em faculdades do espírito.

Dessa maneira, o Ser se desenvolve, ou se manifesta e, adquire, fixando-as, as novas faculdades do sentir, do conhecer e do saber. O progresso espiritual e psicológico resume-se, portanto, na conversão dos conhecimentos em faculdades, o que a filosofia espírita denomina evolução palingenésica. O Ser alcança, pela experiência científica e pela indução filosófica, a síntese do indivíduo, que, como essência manifestante que é, se objectiva em representações hierárquicas, que se condicionam reciprocamente e, que, segundo os conhecimentos metapsíquicos actuais, são:

mental.

O dinamismo vital.

A substância orgânica única.

Consequentemente, mostrou-nos que os factos psicológicos (em psicologia clássica são ainda um mistério puro) resultam, para a parapsicologia, de estados anormais, que têm pontos de contacto inevitáveis e recíprocas relações, que se interpenetram frequentemente.

A evolução universal era, para Geley, como já sabemos: a passagem do inconsciente ao consciente no UniversoConcebeu o Cosmos como um dinamopsiquismo essencial e, também como representação.

“Da mesma maneira que o indivíduo, — escreveu — o Universo deve conceber-se como representação temporária e como dinamopsiquismo essencial e real. Do mesmo modo que o organismo do indivíduo é apenas o produto ideoplástico de um dinamopsiquismo essencial, assim o Universo se apresenta como a formidável materialização da potencialidade criadora.”

Dentro deste princípio, a evolução é a aquisição da consciência, tanto no microcosmo como no macrocosmo. Por isso explicou Geley que as faculdades evolutivas, que no transformismo clássico não têm um esclarecimento racional, se tornam compreensíveis quando vemos que o mais pode sair do menos, desde que a imanência criadora, que está na própria essência das coisas, possui todas as capacidades potenciais de realização. Em resumo, proclamou: “que a evolução colectiva, como a evolução individual, pode resumir-se nesta fórmula: passagem do inconsciente ao consciente.”

Para corroborar esta concepção, escreveu Geley:

“No indivíduo, o Ser aparente, submetido ao nascimento e à morte, limitado nas suas capacidades, efémero na sua duração, não é o Ser real; não é senão uma representação ilusória, atenuada e fragmentária.”

“O Ser real, aprendendo pouco a pouco a conhecer-se a si mesmo e a conhecer o Universo, é a centelha divina a caminho de realizar a sua divindade, infinita nas suas potencialidades, criadora e eterna. No Universo manifestado, as diferentes aparências das coisas não são mais do que a representação ilusória, atenuada e restrita, da unidade divina, realizando-se numa evolução indefinida.”

“A constituição dos mundos e dos indivíduos — dizia — não é, também, senão a realização progressiva da consciência eterna, pela multiplicidade progressiva de criações temporárias ou de objectivações”'.

É neste ponto que o génio filosófico de Geley atinge o coroamento do seu idealismo metapsíquico, o qual, segundo René Sudre, constituía um ensinamento superior do espiritismo. Sem exaltadas declamações, já que frente ao materialismo resultariam estéreis, refutou o “grito lacerante” de pessimismo que lançava “um grande príncipe árabe do século X, no reinado que marcou o apogeu do Califado de Córdoba.”

— Em que consiste esta existência? – perguntava o príncipe a si mesmo.

— Em trabalhar um quarto de século para adquirir os meios de vida; em lutar outro quarto de século em incessantes sobressaltos, para que estes meios produzam um rendimento suficiente e; depois morrer, sem saber, na verdade, por que vivemos, – respondeu-lhe o seu próprio sentido pessimista da vida.

“Quantas dores e tristezas, — anotou Geley — sobressaltos e medos, durante o pequeno quarto de século em que o homem “desfruta” das suas aquisições! Juventude efémera, com as suas ilusões perdidas; vida empregada em se preparar para viver; esperanças sempre falidas e sempre ressurgindo; algumas flores apanhadas à beira do caminho, quase sempre emurchecidas ao toque das mãos; alguns momentos de repouso e em seguida a marcha apressada que recomeça! Naufrágios pessoais; naufrágios familiares; trabalho rude e descanso; medos, desilusões e decepções: isso é o corrente para o comum dos mortais. Para aqueles que têm um “ideal”, é pior ainda: alguns destinos em busca da ilusão, e inauditos esforços para alcançá-la.”

Esta é a vida humana, do ponto de vista do existencialismo ateu e do materialismo histórico, sobre o qual se funda a concepção marxista. Perante esta concepção sombria do mundo, Geley analisa o conceito optimista daquelas escolas que dizem se poder esperar uma era de menos dores, menos miséria e menos enfermidades. Numa palavra: em vez de uma noite escura de infortúnios e sofrimentos, iluminada apenas por alguns raios de gozo efémero, devemos esperar, — segundo estas escolas, — uma aurora de bem-estar, em que as sombras da dor farão apenas ressaltar melhor a sua refulgente harmonia e beleza.

A este falso optimismo da vida, Gustave Geley responde da seguinte maneira:

“Sim, podemos esperar tudo isso! Mas esta humanidade, chegando a gozar desse ideal, verá o seu triunfo e a sua felicidade erguerem-se sobre a hecatombe das gerações passadas; isto é, desfrutará de uma felicidade que os homens não terão merecido, do mesmo modo que os seus antepassados não mereceram as suas misérias!”

“Há nesta concepção, — acrescentava, — uma tão grande injustiça que basta por si só para acarretar irresistivelmente o mais cru pessimismo filosófico.” Ao contrário, para que a visão mude, para que o pensamento das misérias humanas e da morte se despoje do seu carácter sombrio e da sua aparência maldita, é preciso a ideia e o ensinamento da doutrina palingenésica. Então: “tudo se esclarece, — dizia Geley, — os túmulos deixam de ser túmulos; são asilos passageiros para o fim da jornada.” E continuava: “Assim como desaparece, com a ideia palingenésica, o carácter fúnebre da morte, assim também desmorona o monumento da injustiça, edificado pelo evolucionismo clássico. Já não há, na evolução, sacrificados nem privilegiados. Todos os esforços individuais e colectivos, todos os sofrimentos e amarguras terão acabado na realização da justiça e na preparação do bem; mas o bem e a justiça para todos, porque todos teremos contribuído para isso.”

E antepondo-se às falsas interpretações dos fenómenos metapsíquicos, como se falasse ao mais puro da espécie, disse:

“Não; a essência una, seja qual for o nome que se lhe dê, criadora das representações sem número, não acaba materializando-se nessa vã fantasmagoria de mundos, de formas e de seres sem passado e sem futuro; representações absurdas, mundos sem coerências, de obscuridades ou de loucura; vãos fantasmas desvanecidos quase ao mesmo tempo que criados e, desvanecidos sem deixar rasto! Não; a essência una não acaba, com maior razão, criando mundos de dor, para que sirvam de marco ao sofrimento universal imerecido, inútil, e infecundo.”

“As representações fugitivas, — acrescentava, — não são nem incoerentes nem desventuradas; graças a elas e por - elas, a essência única, a única realidade chega paulatinamente, por inumeráveis experiências, a conhecer-se pouco a pouco a si mesma, individual e colectivamente, nas partes e no todo.”

“As representações, compreendidas finalmente, revelam uma soberana harmonia. Delas se depreende o fim supremo, a finalidade verdadeiramente divina. A harmonia é o acordo imanente de umas com as outras, a estreita solidariedade das parcelas individualizadas do princípio único e de sua união irrefragável no todo.”

“O objecto é a aquisição da consciência, o passo indefinido do inconsciente ao consciente. é assim que se desenvolvem todas as potencialidades (sendo a realização a evolução) da soberana inteligência, da soberana justiça e do supremo bem”.

O que nos parece estranho e incompreensível é a cultura filosófica continuar ignorando a teoria do dinamopsiquismo, exposta sobre bases experimentais por Gustave Geley, no seu livro Do Inconsciente ao ConscienteEsta obra, que deveria ser o fundamento da nova filosofia idealista, permanece quase esquecida ao lado do Tratado de Metapsíquicade Charles Richet. Não reparam os pensadores que é nos princípios ali expostos que se encontra a autêntica raiz do pensamento metafísico. Se a filosofia se detivesse por um momento no pensamento metapsíquico de Geley, encontraria a mais sólida base para realizar um novo e firme trabalho filosófico. Acreditamos que, com a filosofia idealista da metapsíquica, a filosofia passará, a bem do conhecimento, da filosofia à teosofia, isto é, de uma ciência naturalista a uma ciência cósmica e espiritualista. Tinha muita razão o dr. J. B. Rhine ao reclamar a colaboração dos filósofos nos problemas levantados pela parapsicologia. (i)

A teosofia (ii) é o mais perfeito saber que pode orientar o homem, através dos seus sentidos mediúnicos e espirituais. O ser humano possui duas formas de compreender a verdade: uma, a objectiva; outra, a subjectiva. Disto se conclui que o saber não é uma questão somente física ou sensorial; é também uma problemática psíquica e intuitiva.

O homem compreende e conhece o mundo pelas vias da razão e do seu contacto com o mundo material, mas pode compreendê-lo e reconhecê-lo também por meio do espírito, isto é, por vias extras-sensoriais, tal como o confirmaram a parapsicologia e a metapsíquica.

A possibilidade de um conhecimento místico do mundo é uma justa aspiração e um direito legítimo do homem. Penetrar os recessos da natureza é talvez descobrir a própria alma das coisas. Isto constituiria uma teosofia do Conhecimento e não somente uma filosofia. Além disso, significaria descobrir o segredo oculto das existências, o desvelar poético das Idades, conhecer o enigma das aventuras, lendas e heroísmos do homem, na certeza de que tudo vive, existe e se relaciona, através do grande curso e recurso das almas.

/…
(i) A participação dos filósofos é um sinal inequívoco do progresso da parapsicologia, rumo à sua maturidade. (Revista de Parapsicologia n° 2, Buenos Aires, 1955).
(ii) A palavra teosofia é empregada pelo autor em sentido espírita, na sua significação etimológica de “sabedoria de Deus” ou “conhecimento de Deus”, filosoficamente entendida como “ciência do Ser”. Não confundir, portanto, com as doutrinas teosóficas conhecidas, que são apenas aproximações da verdadeira teosofia. (Nota de José Herculano Pires).


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IV A Filosofia Científica de Gustave Geley, 2 de 2, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)