sábado, 22 de dezembro de 2018

O Espiritismo na Arte ~

Parte II

Quarta lição, de O Esteta

(Inspiração nos tempos modernos, Inspiração científica e inspiração idealista. Inspiração, forma que concretiza a arte)

|5 de Dezembro de 1921|

“Vamos falar da inspiração nos tempos modernos. Vós ides compreender que há três grandes etapas: iniciação, trabalho e progressão. O desabrochar, parcial sobre os mundos, é completo no espaço. Vimos os nossos artistas fazerem a sua iniciação na Antiguidade, seja na Grécia, no Egipto ou em Roma. De volta ao espaço, estes seres amadureceram e aproveitaram as qualidades adquiridas numa ambiência material; retornando à Terra, numa outra encarnação, eles trouxeram o seu ideal da época da Renascença; depois este ideal se expandiu, um século mais tarde, nas letras, nas artes e na arquitectura. Eu quero falar do século de Luís XIV. Tendo estes espíritos retornado ao espaço, durante um tempo bastante longo, a inspiração em geral foi apenas medíocre no século XVIII e latente no XIX.

Em que consiste a inspiração na nossa época?

Os Espíritos, imbuídos das belas obras rebuscadas sobre a Terra e no espaço, e que estão actualmente desencarnados, retornarão no momento em que a arte e o espírito, divinizados, deverão reflorir de uma forma mais intensa. Paralelamente, outros espíritos, que anteriormente trabalharam para a evolução material, se impregnaram de positivismo e, aqui na Terra, na hora presente, a sua inspiração, que está classificada como inspiração pessoal, encaminha-se para as coisas científicas. Mas o grupo de artistas idealistas que fica no espaço busca iluminar com uma luz divina estes seres que têm belas qualidades, sob o ponto de vista do trabalho, e que devem fazer surgir a centelha da ciência.

Eis por que, neste momento, observais uma luta entre a ciência pura e a procura dos destinos humanos, a sua formação e a do Cosmos.

Vós ireis perguntar-me: Como concebeis a arte no espaço? A arte brota da inspiração, assim sendo era necessário mostrar-vos como a arte se desenvolve e cresce numa evolução constante, para que pudésseis perceber a marcha ascendente da espiritualidade. Somente quando compreenderdes bem como a centelha artística, a centelha divina, se liberta do espírito é que podereis compreender e também idealizar os quadros que se passam no espaço, mais grandiosos e mais completos que aqueles que vedes sobre a Terra e que deles são apenas um pálido reflexo.

Os espíritos positivos terrestres, provindos de uma centelha criadora, procuraram, pela inspiração científica que lhes é própria e por aquela que recebem dos seres desencarnados, descobrir o mistério da vida e do Universo.

Todas as forças se entrecruzam, do mundo visível ao mundo invisível. Do alto, os espíritos idealistas buscam animar, com um ardor que os espiritualize, os seres que trabalharam em períodos diversos e que, desse facto, adquiriram uma inspiração pessoal, mas rígida e fria.

Os cientistas da vossa época não viveram no mesmo tempo que os idealistas que conceberam tão belas obras, e é por isso que, do espaço, estes idealistas procuram estimular os cientistas. A inspiração pessoal destes últimos se confinou a um domínio que diz respeito à matéria. A centelha criadora atinge apenas o cérebro e não a alma, portanto era necessário que grandes espíritos iniciadores viessem do espaço dar aos vossos contemporâneos a insuflação inspiradora que os conduza, muito suavemente, pelos exemplos materiais, à revelação de forças desconhecidas.

As ondas hertzianas são uma das formas concretas de correntes fluídicas, criadas por Deus e transmitidas pelos espíritos. O primeiro homem que, sob a forma de uma inspiração, lhes constatou a existência, foi conduzido a esse facto, pouco a pouco, pelos invisíveis que queriam revelar aos terrestres o poder das correntes que eles desconheciam. Porém, da inspiração científica à inspiração idealista há uma distância. As dificuldades existem em razão dos meios de acção, mas, nos séculos futuros, será preciso que todos os seres vibrem em uníssono e, no momento actual, o núcleo de pesquisadores científicos tem necessidade de sentir uma inspiração em que se misturem a ciência e a forma espiritualizada da obra divina em toda a sua grandeza e sua beleza. Já que as ondas de seres vivos que passam pela Terra não têm todas o mesmo grau de evolução, a inspiração que anima cada onda não pode ser da mesma natureza.

Para preparar o trabalho progressivo das gerações há, na inspiração científica, uma mistura de desconhecido, de surpresa que, algumas vezes, produz um cepticismo que não é durável.

Fatalmente, no ciclo que se prepara, os vossos sábios deverão aceitar e ensinar à humanidade as novas forças que brotam continuamente do espaço celeste. No dia em que os vossos cientistas descobrirem, pela intuição e pela inspiração, a fonte das correntes que animam o Universo, o ideal divino estará pronto para reflorir sobre a vossa Terra e nós poderemos afirmar, convosco, que a evolução terrestre terá dado um grande passo.

A evolução científica prossegue em todos os domínios, desde a preciosa descoberta material até à aplicação de princípios novos e positivos nas artes. Actualmente as vossas artes, salvo a literatura, procedem desse género um pouco impulsivo de impressão e de inspiração. Se, durante a Renascença, as composições pareciam por vezes um pouco ingénuas, nos vossos dias, a cor, a forma, o poder da inspiração não faltam, mas será preciso adquirir, nos séculos futuros, a noção de ideal que servirá de elo a todas as obras do pensamento. Deus vos dá, por aí, o sentido real e profundo da sua obra universal.

Neste estudo, vimos o cérebro do artista organizado em todos os domínios. A inspiração, quer venha da personalidade ou do ideal divino, é a forma que concretiza a arte. Os seres carnais a adquirem na Terra, o seu espírito a completa no espaço.

Mais tarde, passaremos em revista as belas concepções que podem brotar de uma alma ardente no trabalho e plena de admiração pelo Criador.”

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LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte II – Quarta lição (de O Esteta) Inspiração nos tempos modernos, Inspiração científica e inspiração idealista, Inspiração, forma que concretiza a arte. 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Virgem dos Rochedos Versão do Louvre (primeira versão) 1483–1486, detalhe (a mão da virgem, a mão do anjo Uriel, adornada por um véu solene e, por fim, Jesus), pintura de Leonardo da Vinci)

domingo, 2 de dezembro de 2018

literatura do além-túmulo ~


Capítulo II

Passo a analisar um segundo caso do mesmo género, o qual ocorreu em Itália, há vários anos. É um caso que não pode ser chamado de transição como o anterior, especialmente porque nele não se encontra a incerteza teórica proveniente do facto de não ter a personalidade comunicante se desvendado. Neste outro episódio, ao contrário, as personalidades mediúnicas declaram, explicitamente, quem são. Infelizmente, do ponto de vista demonstrativo, as modalidades nas quais se produzem aqui os ditados mediúnicos escasseiam em tal medida que este facto suscita perplexidades muito mais fortes que as do caso precedente. – O prof. Francesco Scaramuzza era director da Academia de Belas Artes de Parma, onde ensinava pintura, arte na qual atingira notável excelência.

Faltava-lhe, todavia, cultura literária, dado o facto de ter deixado de frequentar a escola desde a idade dos 14 anos a fim de garantir a sua subsistência. Durante a mocidade, ocupou-se, por muito tempo, de experiências de magnetismo animal, que praticara com sucesso. Tornou-se espírita quando já atingira uma idade bastante avançada e, aos 64 anos, as faculdades de médium escrevente nele se manifestaram, mas durante apenas 3 anos (1867-1869). Durante esse curto espaço de tempo, escreveu, com vertiginosa rapidez, enorme quantidade de obras poéticas de todas as espécies.

Entre elas, relevante se faz assinalar, um volumoso poema em oitavas (29 cantos, 3.000 oitavas) intitulado Poema Sacro, assim como duas comédias em verso, das quais o espírito de Carlo Goldoni seria o autor. Essas comédias são vivas, brilhantes, muito bem concebidas e finamente urdidas, com todo o sabor da arte goldoniana.

Outro tanto, porém, não se poderia dizer do Poema Sacroque foi ditado pelo espírito do grande poeta Ludovico Ariosto. Trata-se, nesse poema, de assuntos muito elevados, tais como a natureza de Deus, a génese do universo, a criação dos sóis e dos mundos, a origem da vida cósmica, os fins da vida, os destinos do espírito individualizado graças à passagem pela vida na carne. Encontram-se, aqui e acolá, imagens magníficas, compreensíveis, grandiosas, mas quase sempre expressas em linguagem pobre e em versos fracos e vulgares. Os conceitos cosmogónicos que aí se encontram parecem racionais e aceitáveis; eles se elevam, por vezes, a uma real altura filosófica, por exemplo, quando tratam da imanência de Deus no universo, revelando-se aos mortais sob a forma de movimento e quando se analisam o tempo e o espaço, “atributos de Deus”, pois que eles são infinitos como Deus o é, o que, passando de uma dedução à outra, leva a personalidade mediúnica comunicante a tender para uma concepção idêntica à hipótese do “Éter-Deus”. Experimenta-se quase um sentimento de tristeza, vendo-se que pensamentos filosoficamente sublimes são expressos em versos tão banais e sob uma forma tão vulgar. Entretanto os versos são justos e fáceis, as rimas quase sempre espontâneas, o que revela uma familiaridade indiscutível com a técnica do verso por parte da entidade que se comunicava. Esta se lastima, muitas vezes, de que o seu médium revista as ideias que lhe transmite sob uma forma poética descuidada, observando, porém, que não o pode impedir. É preciso reconhecer que existe um fundo de verdade nestas afirmativas da personalidade em questão, pois que elas concordam com os conhecimentos que se possuem, actualmente, sobre o assunto, graças a experiências de transmissão telepática do pensamento tendentes a demonstrar que o pensamento só pertence à mentalidade do agente, ao passo que a forma com a qual ele é revestido pertence à elaboração subconsciente do percipiente. É então necessário deduzir daí que, se, como acontece neste caso, o médium é um homem desprovido de cultura literária, ele só poderia expressar de forma empobrecida as ideias que lhe seriam transmitidas, telepaticamente, pela personalidade mediúnica de quem provém a comunicação.

É o que se pode invocar, em favor da origem estranha ao médium, desse Poema SacroSe ele nos surpreende, isto se deve à elevação filosófica de algumas de suas partes; porém, com relação à identificação pessoal do suposto espírito que se comunicava, é preciso reconhecer que aí nada se encontra que seja de molde a reforçar, directamente, a presunção de que possa, efectivamente, tratar-se de Ariosto, salvo a beleza de algumas imagens, ainda que estejam constantemente molestadas pela vulgaridade da forma. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer, não menos francamente, que, se se quer tudo atribuir às faculdades de elucubração artística inerentes à subconsciência do médium, fica o problema bastante obscuro e embaraçoso.

De facto, o médium não só não tinha cultura literária, como nada conhecia de ciência e filosofia. Donde brotaria, então, a inspiração grandiosa de certas partes de seu sistema cosmogónico? Forçoso se faz não esquecer o facto surpreendente de o médium ter, em três anos apenas, além do Poema Sacro, em 29 cantos e 3.000 oitavas – um volume de 915 páginas –, escrito duas comédias em verso atribuídas a Carlo Goldoni, treze longos contos, igualmente em versos, dois cantos em estâncias de três versos, um melodrama, uma tragédia, cinco poesias cómicas assinadas pelo seu falecido tio, que escrevera, efectivamente, versos dessa espécie durante a sua vida, e, enfim, um grosso volume de poesias líricas. Trata-se de uma produção literária colossal, sempre fraca do ponto de vista da forma, porém muitas vezes boa, algumas vezes mesmo excelente, do ponto de vista da substância, imagens e profundeza de pensamento filosófico.

De qualquer forma, concordo plenamente que não é de se parar, ulteriormente, na análise da produção mediúnica de Scaramuzza, embora não apresente dados suficientes para dela tirar deduções mais ou menos legítimas em favor de uma ou de outra das hipóteses explicativas antagónicas, que dividem o campo da metapsíquica.

Provavelmente, nem uma nem a outra das hipóteses em questão poderia bastar para explicar essa produção literária, se a considerarmos isoladamente. Seríamos, então, levados a concluir que, nesses casos, as interferências subconscientes poderiam alternar-se, de maneira inexplicável, como irrupções fugazes de inspiração supranormal, cuja natureza ainda não está definida.

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Ernesto Bozzano, Literatura do Além-túmulo  Capítulo II, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac | 1900, tempera no painel de Edgard Maxence)