segunda-feira, 13 de abril de 2020

Saberes e o tempo ~


Capítulo III

O mundo espiritual e os fluidos; As forças

Citemos de novo o nosso instrutor espiritual. (i)

“Se um desses seres desconhecidos que consomem a efémera existência nas regiões tenebrosas do fundo do mar, se um desses poligástricos, dessas nereidas – miseráveis animálculos que da Natureza unicamente os peixes ictiófagos e as florestas submarinas – recebesse de súbito o dom da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de levantar sobre as suas apreciações um raciocínio conjectural, abrangendo a universalidade das coisas, que ideia faria da Natureza viva que se desenvolve no meio em que ele vive e do mundo terrestre existente fora do campo de suas observações?

Se, depois, por um efeito maravilhoso do seu novo poder, esse mesmo ser chegasse a elevar-se acima das suas trevas eternas, à superfície do mar, não longe das margens opulentas de uma ilha de rica vegetação, ao banho fecundante do Sol, dispensador de calor benfazejo, que juízo faria ele dos seus juízos anteriores, acerca da Criação universal? Não substituiria logo a teoria que houvesse construído por uma apreciação mais ampla, porém, ainda tão incompleta, relativamente, quanto à primeira. Tal ó homens! A imagem da vossa ciência, toda especulativa...

Há um fluido etéreo, que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido é a matéria cósmica primitiva, geratriz do mundo e dos seres. São inerentes ao éter as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas forças múltiplas, indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas, quanto ao modo de acção, segundo as circunstâncias e o meio, são conhecidas na Terra sob o nome de gravidade, coesão, afinidade, atracção, magnetismo, electricidade. Os movimentos vibratórios do agente são os de: som, calor, luz, etc.

Ora, assim como uma única é a substância simples, primitiva, geratriz de todos os corpos, mas diversificada nas suas combinações, também todas essas forças dependem de uma lei universal, diversificada nos seus efeitos, lei que lhes está na origem e que, pelos decretos eternos, foi soberanamente imposta à Criação, para lhe constituir a harmonia e a estabilidade permanentes.

A Natureza jamais está em oposição a si mesma. Uma só é a divisa no brasão do Universo: Unidade. Remontando-se à escala dos mundos, encontra-se unidade de harmonia e de criação, ao mesmo tempo em que uma variedade infinita nessa imensa plateia de estrelas; percorrendo-se-lhes os degraus da vida, desde o último dos seres até Deus, a grande lei de continuidade se patenteia; considerando-se as forças em si mesmas, pode formar-se com elas uma série, cuja resultante, a confundir-se com a geratriz, é a lei universal....

Todas essas forças são eternas e universais, como a Criação. Sendo inerentes ao fluido cósmico, elas necessariamente actuam em tudo e em toda a parte, modificando, sucessivamente, ou pela simultaneidade, ou pela sucessividade, as acções que exercem. São predominantes aqui, ali apagadas, poderosas e activas em certos pontos, latentes ou secretas noutros. Mas, finalmente, estão sempre preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos nos seus diversos períodos de vida, governando os maravilhosos trabalhos da Natureza, em qualquer parte onde eles se executem, assegurando para sempre o eterno esplendor da Criação.”

Difícil dizer melhor e exprimir de maneira tão elevada quanto concisa os resultados todos a que a ciência tem chegado e nos há feito conhecer.

Escapa ao poder do homem criar qualquer parcela de energia, ou destruir a que existe. Transformar um movimento noutro é tudo o que lhe está ao alcance. O mundo da mecânica, diz Balfour Stewart(ii) não é uma manufactura criadora de energia, mas como um mercado ao qual podemos levar certa espécie particular de energia e trocá-la por um equivalente de energia de outro género, que mais nos convenha... Se lá chegarmos sem coisa alguma nas mãos, podemos ter a certeza de voltar sem coisa alguma.

É absurdo, diz Angelo Secchi, admitir-se que o movimento, na matéria bruta, possa ter outra origem que não o próprio movimento.

Assim, não se pode criar a energia e firmado está que ela não pode destruir-se. Onde um movimento cessa, imediatamente aparece o calor, que é uma forma equivalente desse movimento. Esta a grande verdade formulada sob o nome de conservação da energia, idêntica à lei de conservação da matéria.

Assim como esta não pode ser aniquilada (iii) e apenas passa por transformações, também a energia é indestrutível: experimenta tão-só mudanças de forma. Até ao século XIX, a prática diuturna dava, na aparência, motivos para se crer que a energia era parcialmente suprimida.

Pertence a J. R. Mayer, médico de Heilbronn (reino do Wurtemberg), ao dinamarquês Colding e ao físico inglês Joule a glória de terem demonstrado que nem uma só fracção de energia se perde e que é invariável a quantidade total de energia de um sistema fechado. Essa demonstração, conhecida sob a denominação de teoria mecânica do calor, constitui uma das mais admiráveis e fecundas obras do século XIX.

Descobrindo a que quantidade exacta de calor corresponde um certo trabalho, isto é, uma certa quantidade de movimento, a Ciência fez que a indústria mecânica desse um passo gigantesco. Aplicando semelhante descoberta à Química, fez que esta entrasse para o rol das ciências finitas, isto é, daquelas cujos fenómenos se podem reduzir todos a fórmulas matemáticas. Finalmente, em Fisiologia, as noções de que tratamos deram lugar a que se encontrasse a medida precisa da intensidade da força vital.

Mas, não se limitou a isso o estudo experimental da energia. Conseguiu demonstrar-se que todas as diferentes formas que ela assume: calor, luz, electricidade, etc., podem transformar-se umas nas outras, de maneira que uma daquelas manifestações é capaz de engendrar todas as demais.

Dessas descobertas experimentais decorre que as forças naturais, conforme ainda hoje se chamam, não são mais do que manifestações particulares da energia universal, ou, em última análise, dos modos de movimento. O problema da unidade e da conservação da força foi, pois, resolvido pela ciência moderna.

Tornou-se possível comprovar no universo inteiro a unidade dos dois grandes princípios: força e matéria.

A luneta e o telescópio permitiram se visse que os planetas solares são mundos quais o nosso, pela forma, pela constituição e pela função que preenchem. Nem só, porém, o nosso sistema obedece a tais leis, todo o espaço celeste está povoado de criações semelhantes, evidenciando a semelhança de organização das massas totais do Universo, ao mesmo tempo em que a uniformidade sideral das leis da gravitação.

Os sóis ou estrelas, as nebulosas e os cometas foram estudados pela análise espectral, que demonstrou serem compostos esses mundos, tão diversos, de materiais semelhantes aos que conhecemos na Terra. A mecânica química e física dos átomos é a mesma lá, que neste mundo. É, pois, em tudo e em toda a parte, a unidade fundamental incessantemente diversificada.

Que confirmação magnífica daquela voz do espaço que, há cinquenta anos (iv), afirmava que eterna é a força e que as séries dessemelhantes das suas acções têm uma resultante comum, que se confunde com a geratriz, isto é, com a lei universal!

Assim, portanto: força única, matéria única, indefinidamente variada nas suas manifestações, tais as duas causas do mundo visível. Existirá outro, invisível e sem peso? Interroguemos de novo os nossos instrutores do Além. Eles respondem afirmativamente e cremos que também quanto a isso a Ciência não os desmentirá.

/...
(i) Allan Kardec, A Génese, cap. VI, “Uranografia geral”, nºs 8, 10, 11. (Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado Galileu; médium M. C. F., Nota de A. Kardec)
(ii) Balfour Stewart, A Conservação da Energia.
(iii) Lembramos que os fenómenos da radioactividade parecem demonstrar que a matéria se transforma em energia e que, portanto, não se aniquila substancialmente; apenas muda de estado e perde as suas qualidades materiais.
(iv) 1899, A Alma é Imortal


Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira parte – O Espiritismo e a ciência; Capítulo III – O mundo espiritual e os fluidos; As forças, 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)