Capítulo III
O mundo espiritual e os fluidos; As forças
Citemos de novo o nosso instrutor espiritual. (i)
“Se um desses seres desconhecidos que consomem a efémera
existência nas regiões tenebrosas do fundo do mar, se um desses poligástricos, dessas nereidas – miseráveis animálculos que da Natureza unicamente os peixes ictiófagos e as florestas submarinas – recebesse de súbito o dom da inteligência, a faculdade
de estudar o seu mundo e de levantar sobre as suas apreciações um raciocínio
conjectural, abrangendo a universalidade das coisas, que ideia faria da
Natureza viva que se desenvolve no meio em que ele vive e do mundo terrestre existente fora do campo de suas observações?
Se, depois, por um efeito maravilhoso do seu novo poder, esse mesmo ser
chegasse a elevar-se acima das suas trevas eternas, à superfície do mar, não
longe das margens opulentas de uma ilha de rica vegetação, ao banho fecundante
do Sol, dispensador de calor benfazejo, que juízo faria ele dos seus juízos
anteriores, acerca da Criação universal? Não substituiria logo a teoria que
houvesse construído por uma apreciação mais ampla, porém, ainda tão incompleta,
relativamente, quanto à primeira. Tal ó homens! A imagem da vossa ciência, toda
especulativa...
Há um fluido etéreo, que enche o espaço e penetra os corpos.
Esse fluido é a matéria cósmica primitiva, geratriz do
mundo e dos seres. São inerentes ao éter as forças que presidiram às
metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo.
Essas forças múltiplas, indefinidamente variadas segundo as combinações da
matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas, quanto ao modo de
acção, segundo as circunstâncias e o meio, são conhecidas na Terra sob o nome
de gravidade, coesão, afinidade, atracção, magnetismo, electricidade.
Os movimentos vibratórios do agente são os de: som, calor, luz,
etc.
Ora, assim como uma única é a substância simples, primitiva,
geratriz de todos os corpos, mas diversificada nas suas combinações, também
todas essas forças dependem de uma lei universal, diversificada nos seus
efeitos, lei que lhes está na origem e que, pelos decretos eternos, foi
soberanamente imposta à Criação, para lhe constituir a harmonia e a
estabilidade permanentes.
A Natureza jamais está em oposição a si mesma. Uma só é a
divisa no brasão do Universo: Unidade. Remontando-se à escala
dos mundos, encontra-se unidade de harmonia e de criação, ao
mesmo tempo em que uma variedade infinita nessa imensa plateia de estrelas;
percorrendo-se-lhes os degraus da vida, desde o último dos seres até Deus, a
grande lei de continuidade se patenteia; considerando-se as forças em si
mesmas, pode formar-se com elas uma série, cuja resultante, a confundir-se com
a geratriz, é a lei universal....
Todas essas forças são eternas e universais, como a
Criação. Sendo inerentes ao fluido cósmico, elas necessariamente actuam em tudo
e em toda a parte, modificando, sucessivamente, ou pela simultaneidade, ou pela
sucessividade, as acções que exercem. São predominantes aqui, ali
apagadas, poderosas e activas em certos pontos, latentes ou secretas noutros.
Mas, finalmente, estão sempre preparando, dirigindo, conservando e destruindo
os mundos nos seus diversos períodos de vida, governando os maravilhosos
trabalhos da Natureza, em qualquer parte onde eles se executem, assegurando
para sempre o eterno esplendor da Criação.”
Difícil dizer melhor e exprimir de maneira tão elevada
quanto concisa os resultados todos a que a ciência tem chegado e nos há feito
conhecer.
Escapa ao poder do homem criar qualquer parcela de energia,
ou destruir a que existe. Transformar um movimento noutro é tudo o que
lhe está ao alcance. O mundo da mecânica, diz Balfour Stewart, (ii) não
é uma manufactura criadora de energia, mas como um mercado ao qual podemos
levar certa espécie particular de energia e trocá-la por um equivalente de
energia de outro género, que mais nos convenha... Se lá chegarmos sem coisa
alguma nas mãos, podemos ter a certeza de voltar sem coisa alguma.
É absurdo, diz Angelo Secchi,
admitir-se que o movimento, na matéria bruta, possa ter outra origem que não o
próprio movimento.
Assim, não se pode criar a energia e firmado está que ela
não pode destruir-se. Onde um movimento cessa, imediatamente aparece o
calor, que é uma forma equivalente desse movimento. Esta a grande verdade
formulada sob o nome de conservação da energia, idêntica à lei de
conservação da matéria.
Assim como esta não pode ser aniquilada (iii) e
apenas passa por transformações, também a energia é indestrutível: experimenta
tão-só mudanças de forma. Até ao século XIX, a prática diuturna dava, na
aparência, motivos para se crer que a energia era parcialmente suprimida.
Pertence a J. R. Mayer, médico de
Heilbronn (reino do Wurtemberg), ao dinamarquês Colding e ao físico inglês Joule a glória
de terem demonstrado que nem uma só fracção de energia se perde e que é
invariável a quantidade total de energia de um sistema fechado. Essa
demonstração, conhecida sob a denominação de teoria mecânica do calor,
constitui uma das mais admiráveis e fecundas obras do século XIX.
Descobrindo a que quantidade exacta de calor corresponde um
certo trabalho, isto é, uma certa quantidade de movimento, a Ciência fez que a
indústria mecânica desse um passo gigantesco. Aplicando semelhante descoberta à
Química, fez que esta entrasse para o rol das ciências finitas, isto é, daquelas
cujos fenómenos se podem reduzir todos a fórmulas matemáticas. Finalmente, em
Fisiologia, as noções de que tratamos deram lugar a que se encontrasse a
medida precisa da intensidade da força vital.
Mas, não se limitou a isso o estudo experimental da energia.
Conseguiu demonstrar-se que todas as diferentes formas que ela assume: calor,
luz, electricidade, etc., podem transformar-se umas nas outras, de
maneira que uma daquelas manifestações é capaz de engendrar todas as demais.
Dessas descobertas experimentais decorre que as forças
naturais, conforme ainda hoje se chamam, não são mais do que manifestações
particulares da energia universal, ou, em última análise, dos modos de
movimento. O problema da unidade e da conservação da força foi, pois, resolvido
pela ciência moderna.
Tornou-se possível comprovar no universo inteiro a unidade
dos dois grandes princípios: força e matéria.
A luneta e o telescópio permitiram se visse que os planetas
solares são mundos quais o nosso, pela forma, pela constituição e pela função
que preenchem. Nem só, porém, o nosso sistema obedece a tais leis, todo o
espaço celeste está povoado de criações semelhantes, evidenciando a semelhança
de organização das massas totais do Universo, ao mesmo tempo em que a
uniformidade sideral das leis da gravitação.
Os sóis ou estrelas, as nebulosas e os cometas foram
estudados pela análise espectral, que demonstrou serem compostos esses mundos,
tão diversos, de materiais semelhantes aos que conhecemos na Terra. A mecânica
química e física dos átomos é a mesma lá, que neste mundo. É, pois, em tudo e
em toda a parte, a unidade fundamental incessantemente diversificada.
Que confirmação magnífica daquela voz do espaço que, há
cinquenta anos (iv), afirmava que eterna é a força e que as
séries dessemelhantes das suas acções têm uma resultante comum, que se confunde
com a geratriz, isto é, com a lei universal!
Assim, portanto: força única, matéria única, indefinidamente
variada nas suas manifestações, tais as duas causas do mundo visível. Existirá
outro, invisível e sem peso? Interroguemos de novo os nossos instrutores do
Além. Eles respondem afirmativamente e cremos que também quanto a isso a
Ciência não os desmentirá.
/...
(i) Allan Kardec, A
Génese, cap. VI, “Uranografia geral”, nºs 8, 10, 11. (Este capítulo
foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade
Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études
Uranographiques e assinado Galileu; médium M. C. F.,
Nota de A. Kardec)
(ii) Balfour Stewart, A Conservação da Energia.
(iii) Lembramos que os fenómenos da radioactividade parecem demonstrar que a
matéria se transforma em energia e que, portanto, não se aniquila
substancialmente; apenas muda de estado e perde as suas qualidades materiais.
(iv) 1899, A
Alma é Imortal
Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira
parte – O Espiritismo e a ciência; Capítulo III – O mundo
espiritual e os fluidos; As forças, 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor
d'A escola de Atenas de Rafael
Sanzio (1509)
Sem comentários:
Enviar um comentário