~ Experiências magnéticas ~ Regressão da memória e
previsão, Caso n.º 1 ~ Laurent (III)
21 de Outubro de 1893
Hoje, a repetição de todos os fenómenos já observados no
segundo e no terceiro estados. Continuo muito lento para passar do sonambulismo ao estado
de relação. Talvez porque eu seja desconfiado, ou porque uma auto-sugestão, que
consiste no firme desejo de não tomar o falso pelo verdadeiro, persista até no
sono e faça antagonismo às influências magnéticas.
O Sr. de
Rochas, a propósito de uma pergunta que me faz e à qual não respondo,
fazendo no entanto esforço para recordar-me do facto que me permitiria
responder, observa que, nesse terceiro estado, perdi a memória do
presente. Por exemplo, não sei onde estou. Sei que é o Sr. de R. quem se
encontra diante de mim; porém eu não poderia dizer o que ele é: Administrador
da Escola Politécnica ou exercendo qualquer outra profissão. Todavia, guardo
intacta a lembrança das experiências precedentes.
Para estabelecer com exactidão o período de minha vida que
foge à minha memória, o Sr. de R. emprega este engenhoso meio:
– Você teve aulas de filosofia? – pergunta-me ele.
Sorrio e respondo: “Oh, não!”, como poderia dizer um jovem
escolar que consideraria a aula de filosofia alguma coisa de muito bonita e
bastante distante.
– De retórica? Cursou o 1º ano do 2º grau? A 8ª série? A 7ª
série? (*)
A resposta é sempre negativa e pronta.
– A 6ª série? A 5ª?
Aqui eu me perturbo, reflicto, hesito. É lamentável que, no
momento em que escrevo, apesar da ordem recebida de lembrar-me das sensações
experimentadas durante o sono, eu não consiga refazer exactamente o trabalho
que se operou em mim nesse minuto. Apenas creio que vi passar a imagem
de meu professor da 5ª série, sem poder estabelecer se era realmente o
da 5ª série ou o da 4ª. Foi por isso, sem dúvida, que hesitei. De qualquer
forma, ainda respondi “não”.
Foi apenas no momento em que o Sr. de R. me perguntou: “Você
se recorda de seu professor da 3ª série?”, que espontaneamente
afirmei vê-lo.
– Mas você o vê como se ele estivesse aqui? – insiste o Sr.
de R.
– Sim, sim, é o meu professor.
– Enfim, você distingue bem se, sim ou não, você é um aluno
da 3ª série? Este homem é seu professor desta série ou simplesmente você se
recorda de tê-lo tido como professor?
Após um esforço bastante grande, arrisco uma resposta confusa:
– Creio que ele foi meu professor; mas
depois dele não tive outros, me parece.
Aqui, por felicidade, reencontro as fases pelas
quais passou o meu espírito. Enquanto eu fazia um esforço sincero para
responder com exactidão à pergunta feita, a verdadeira solução não se
apresentando e eu me fatigando ao procurá-la, disse-me a mim mesmo: “Ah! Vou
responder qualquer coisa.” Mas imediatamente em seguida: “Não! Não posso
enganar.”
Fenómeno singular! Em um segundo tive consciência de
que eu servia de sujet a um magnetizador, que eu era o que
na realidade sou e não um aluno da 3ª série e que era necessário
permitir a conclusão da experiência, apesar de tudo. Ignoro o que eu teria
inventado se este brusco chamamento à realidade não tivesse intervindo para
fazer empenhar-me com a sinceridade. “Não, não posso enganar.” Na realidade,
esta frase veio-me ao espírito durante o lampejo de consciência que me
representou aos olhos como que um jovem de vinte anos, prestando-se a
experiências de hipnotismo para
sua instrução, preocupado em não errar e, além do mais, interessado em não
enganar o experimentador, o que seria enganar-se a si próprio. (**)
Que teria acontecido se o despertar de minha personalidade
não tivesse acontecido? Eu teria, sem dúvida, cedido ao desejo de fazer cessar
o esforço fatigante; eu teria respondido ao acaso com qualquer coisa
aproximativa; depois, para não me contradizer (pois observei em outros sujets,
que certamente se crêem de boa fé, que é impossível fazê-los confessar que se
enganaram, por mais manifesto que seja o seu erro), eu teria chegado, por uma
série de respostas aproximativas, à pura mentira, à invenção, à simulação. E
como o Sr. de R. se teria apercebido?
Aliás, eu não consigo explicar essa súbita
consciência da realidade que durou apenas o tempo de eu me dizer: “Não
posso enganar.” Tenho o hábito de me repetir esta frase como uma sugestão
durante a vigília. Seria uma espécie de auto-sugestão quando me vem durante o
sono: Mas é admissível que alguém possa, no estado de rapport,
obedecer a uma ordem a si próprio dada quando acordado? (***) Isto
parece ainda mais inverosímil quando, tendo perdido a lembrança dos factos mais
recentes de minha vida, não havia razão para que eu me recordasse
preferencialmente de uma frase pensada antes de ser ordenada do que de qualquer
outra.
Fica então estabelecido, sem mais comentários, que um sujet adormecido
pode dar-se conta de que ele sirva de sujet;
isso deve ser bastante raro. Entretanto, essa consciência, de alguma forma
virtual, do estado em que se está, não deve deixar de influir surdamente sobre
as respostas do sujet às perguntas que lhe são feitas e de
representar um papel importante nessa simulação inconsciente que o Sr. Bergson assinalou
outrora. (Revue Philosophique, 1888.)
Porém, quando ela se determina, que perturbação profunda
deve causar no decorrer da experiência! Ela conduz o sujet a si
mesmo. O perigo é em parte afastado quando o sujet, voltando a si,
deseja ser sincero. Mas se, ao invés de se dizer “Não enganemos”, ele é
indiferente e pouco preocupado com a verdade, como habitualmente acontece? Se,
além do mais, ele sente esse desejo que observei de fazer a experiência
alcançar êxito? Se, naturalmente comediante, vem-lhe a ideia de representar um
papel tão logo volta a si?
Para retornar à experiência, o Sr. de R. volta às suas
perguntas.
– Como se diz rosa em latim?
Não há resposta. Com efeito, na 3ª série, ninguém me ensinou
ainda o latim.
– Quem matou o gigante Golias?
– Davi.
– Quem foi o sucessor de Henrique IV?
– Não sei.
Na 3ª série eu era sem dúvida mais instruído em história
sacra do que em história da França.
Depois seguem-se perguntas sobre as quatro operações.
Apreende-se nitidamente deste exame que tudo o que aprendi a partir da
idade de cerca de nove anos escapa-me completamente.
Aqui uma nova resposta a uma pergunta de outro género
tenderia ainda a fazer-me achar que, apesar de tudo, dou-me conta de que estou
adormecido.
–Você tem uma irmã? – pergunta o Sr. de R.
– Sim, mas só me lembro dela muito pequena.
– O que faz o seu pai?
– Já não o tenho.
Eis o que respondo. Ora, quando eu tinha nove anos meu pai
ainda vivia. É necessário então que eu tenha noção do presente para
que seja o meu eu actual quem fale neste caso.
A sessão termina. Muita fadiga.
Ao despertar-me, o Sr. de R. pergunta-me se vi um estranho
durante o sono. Afirmo ter apenas ouvido o Sr. de R. falar a outra pessoa além
de mim, mas sem ver ninguém. É entretanto real que um empregado veio pedir uma
informação ao Sr. de R. enquanto eu estava adormecido; porém, no
terceiro estado, o sujet vê
apenas, como eu já disse, o magnetizador e os objectos que ele toca. A
minha resposta confirma esta lei.
/...
(*) O original francês difere, pois os níveis escolares na
França tinham e têm outra nomenclatura. A tradutora optou por fazer uma
correlação com os níveis vigentes no Brasil. (N.E.)
(**) Fenómeno a relacionar com esta observação do Dr. Gibier: “Conheci um
médium, jovem bastante honesto, que não praticava a sua mediunidade e com a
qual se observavam diversos fenómenos de levitação e de movimentos de objectos
absolutamente reais. Confessou-me ele que diversas vezes se tinha
sentido como que impelido a acrescentar alguma coisa ao que produziria;
sentia um desejo violento de simular um fenómeno qualquer, enquanto que podia
com as suas faculdades naturais obtê-lo melhor. Analisando esta espécie de
impulsão, ele me dizia que ela nascia, por um lado, do desejo de causar
admiração aos assistentes; por outro lado, do desejo de enganar o seu
semelhante; em terceiro lugar, do receio de fadiga, já que, após sessões nas
quais fenómenos intensos são obtidos, os médiuns ficam às vezes extenuados.
Porém ele acrescentava que qualquer outra causa de que não se dava conta (sem
dúvida de natureza impulsiva) se juntava a todas as precedentes e fazia-se
sentir mais insistente. Assegurava-me, aliás, que tinha sempre resistido à
tentação.” (Analyse des choses). Esta propensão a enganar parece
ser inerente ao organismo dos sensitivos e dos médiuns. É preciso
levar isto em consideração na observação dos factos, mas não cometer a
imprudência de tudo atribuir à fraude, quando já se observou um caso desses.
(A.R.)
(***) Isto é não apenas admissível, mas verdadeiro. Tive
numerosos exemplos com outros sujets. (A.R.)
Albertde
Rochas, As Vidas Sucessivas, Segunda Parte
Experiências magnéticas, Capítulo
II – Regressão
da memória e previsão, Caso n. 1 – Laurent, 1893 3 de 4, 7º
fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em
acrílico de Costa Brites)
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