terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

pensamento espírita argentino ~

CAPÍTULO I

Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história ~

Que somos? (VI)

Os casos de dupla personalidade ou alotrópicos, dos quais temos feito menção, oferecem ao psicólogo livre de preconceitos elementos de reflexão e conduzem logicamente a buscar no perispírito a explicação científica dos ditos fenómenos, encontrando-se estes na função de mediadores plásticos e estruturais das formas específicas e da personalidade característica de cada ser, o receptáculo ou arquivo da memória subconsciente, onde o espírito regista e conserva indelevelmente a memória integral do seu passado e dos conhecimentos adquiridos por meio das mudanças de personalidade durante as suas múltiplas existências.

Tem-se pretendido explicar os fenómenos de dupla personalidade, como já dissemos, pela hipótese da dualidade cerebral, hipótese pouco feliz e que não prosperou, porque os factos, muitos deles, pelo menos, se encarregaram de destruí-la, como veremos mais adiante.

Quis explicar-se também esses fenómenos considerando-os como simples casos de amnésia, quando, a rigor, se trata de fenómenos de criptomnésia – de uma categoria superior aos classificados por este nome pelo professor Charles Richet – de uma criptomnésia ou memória oculta em que as lembranças arquivadas na subconsciência (conceito espírita) afloram à consciência e se alternam periodicamente na memória ordinária.

Na linguagem empírico-psicológica: um sujeito que se desdobra é um “psicopata”, um doente, amiúde, um histérico. A histeria o elucida, ainda que para isso tivesse que começar dando a estes uma explicação verdadeiramente científica, de que carecem; pois não é possível explicar um fenómeno desconhecido por outro de origem também desconhecida.

Esta última explicação é também aquela que alguns psiquiatras dão aos fenómenos metapsíquicos ou espíritas em geral, os quais, diga-se, escapam ao domínio da sua especialidade por mais que a ignorância dos profanos pretenda erigi-los em autoridades nesta matéria, sem que a tenham estudado e aprofundado, como disciplina científica, ainda que até certo ponto tenham relação com a ciência de sua especialidade.

Todas as pessoas ilustradas nesta matéria sabem que quando os médicos psiquiatras quiseram explicar os fenómenos metapsíquicos ou espíritas pela psicopatologia, fracassaram irremediavelmente.

Se os estados patológicos fossem capazes de produzir fenómenos tão maravilhosos como os enunciados, declarar-se-ia que a enfermidade, em tais casos, é superior à saúde e que o anormal (psíquica e mentalmente considerado) é mais normal, tem mais ciência e mais consciência que o supranormal e em tal caso ter-se-ia que eliminar a acção terapêutica da medicina psiquiátrica, por considerá-la contrária às manifestações de ordem psíquico-superior e às investigações da ciência metapsíquica e espírita.

Não há que se estranhar a atitude avessa com que certos cientistas tratam os fenómenos do Espiritismo, fazendo-os passar por produto da psicose ou morbidez dos médiuns.

Acaso não há aqueles que afirmam temporariamente que a tuberculose e a tísica aguçam a inteligência e desenvolvem a sensibilidade artística, que o talento e o génio são derivados do artritismo, ou afirmam, seguindo as elucubrações pseudo-científicas do doutor Chabaniex, que a “auto-intoxicação” e a enfermidade são um “fermento de criação” inteligente, quando não são em si mesmas uma verdadeira criação e chegam ao cúmulo da temeridade científica afirmando com o doutor Pascal Perp e os seus seguidores que a causa produtora do génio é a “sífilis hereditária”?

Certo é que o eminente psiquiatra Lombroso não mais sustentasse nos seus últimos anos, depois das suas célebres experiências no fenomenismo espírita, a teoria anti-científica que confunde o génio com a loucura, nem houvesse escrito as páginas (das quais teve que se envergonhar mais tarde) nas quais colocava os médiuns e os espíritas na categoria de loucos e anormais; e é certo também que o nosso sábio Ingenieros, tendo vivido alguns anos mais (já engajado na corrente metapsíquica), se arrependeu de ter estabelecido uma triste semelhança entre a loucura genial de Nietzsche e a loucura genial de Jesus, nem tivesse sustentado a afirmação positivo-materialista de que já “não há alma”, considerada como uma entidade “real ou espiritual”, que a alma é uma função-adjunta no curso da evolução biológica.

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Manuel S. Porteiro (i)Espiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (VI), 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

a terceira revelação | os média ~

Sendo as duas primeiras revelações produto de um ensinamento pessoal, foram forçosamente localizadas. Isso quer dizer que tiveram lugar num só ponto, à volta do qual a ideia se foi expandindo de uns para os outros; mas foram precisos muitos séculos para que atingissem os extremos do mundo, mesmo sem o invadirem por completo.

A terceira tem isso de particular; não sendo personificada num indivíduo, produziu-se simultaneamente em milhares de pontos diferentes e todos se tornaram centros ou focos de irradiação. Ao multiplicarem-se estes centros, a sua radiação une-se a pouco e pouco, como os círculos formados por uma quantidade de pedras atiradas à água; de tal maneira que, em determinada altura, acabarão por cobrir a superfície total do globo.

É esta uma das causas da rápida propagação da doutrina. Se tivesse surgido num só ponto, se tivesse sido obra exclusiva de um homem, teria formado uma seita à sua volta; mas meio século teria talvez decorrido antes de ter atingido os limites do país onde tivesse nascido, enquanto que assim, dez anos depois, tem rebentos implantados de um pólo ao outro. Esta circunstância, espantosa na história das doutrinas, confere a esta uma força excepcional e uma força de acção irresistível; com efeito, se a comprimirmos num ponto, num país, é materialmente impossível comprimi-la em todos os pontos, em todos os países. Por cada sítio onde seja reprimida, haverá mil ao lado onde florescerá.

Ainda mais, se a extinguirmos num indivíduo, não podemos extingui-la nos Espíritos, que são dela a fonte. Ora, como os Espíritos estão em todo o lado e porque sempre existirão, se, por impossível, se conseguisse abafá-la em todo o globo, ela reapareceria algum tempo depois, porque assenta sobre um facto, facto esse que está na natureza, e não podemos suprimir as leis da natureza. É disto que se devem então convencer os que sonharam com a aniquilação do Espiritismo. (Revista Espírita, Fevereiro de 1865, p. 38: Perpetuidade do Espiritismo.)

No entanto, estes centros disseminados deveriam permanecer ainda algum tempo isolados uns dos outros, confinados como alguns estão a países longínquos. Era necessário entre eles um traço de união que os colocasse em comunhão de pensamento com os seus irmãos de doutrina, ensinando-lhes o que se fazia noutros lugares.

Este traço de união, que terá faltado ao Espiritismo na antiguidade, encontra-se nas publicações que chegam a todo o lado, que condensam numa forma única, concisa e metódica, os ensinamentos dados em todos os sítios sob múltiplas formas e em línguas diversas.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE, Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo – Capítulo I, Natureza e Revelação Espírita, números 46 a 48, fragmento. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Deux Anges_1895,  óleo e têmpera sobre cartão pintado, de Edgard Maxence)