terça-feira, 23 de maio de 2017

Da sombra do dogma à luz da razão ~

Natureza da Revelação Espírita (V)

Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas, o objectivo de todos os cultos, o carácter de todas as religiões está de acordo com a ideia que estas transmitem de Deus. As religiões que criam um Deus vingativo e cruel julgam honrá-lo com actos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que criam um Deus parcial e ciumento são intolerantes; são mais ou menos meticulosas na forma, consoante o julguem mais ou menos maculado com as fraquezas e mesquinhez humanas.

Toda a doutrina de Cristo se funda sobre o carácter que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e misericordioso, conseguiu fazer do amor de Deus e da caridade para com o próximo a condição expressa da redenção e dizer: «Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos.» Sobre esta única  crença, conseguiu estabelecer o princípio da igualdade dos homens perante Deus e da fraternidade universal. Mas era possível amar aquele Deus de Moisés? Não; só poderíamos temê-lo.

Esta revelação dos verdadeiros atributos da Divindade, juntamente com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia com que encarassem a vida actual sob uma nova luz; devia, por isso mesmo, actuar sobre os costumes e as relações sociais. Incontestavelmente, pelas suas consequências, este é o ponto capital da revelação de Cristo e de que não se compreendeu suficientemente a importância; é lamentável dizer que este é também o ponto de que mais nos afastamos, em que nos enganámos na interpretação dos seus ensinamentos.

No entanto, Cristo acrescenta: «Muitas das coisas que vos digo não as podeis ainda compreender e teria muitas mais para vos dizer que não entenderíeis; é por isso que vos falo por parábolas; mas, mais tarde, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito da Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas

Se Cristo não disse tudo o que poderia ter dito, foi por ter acreditado que devia deixar certas verdades na sombra até os homens estarem em estado de as entender. Conforme declarou, o seu ensinamento estava portanto incompleto, dado que anunciou a vinda do que o iria completar; previa então que as suas palavras seriam erradamente interpretadas, que se desviariam dos seus ensinamentos; resumindo, que desfariam o que tinha feito, já que todas as coisas deviam ser restabelecidas; ora, só se restabelece o que foi desfeito.

Por que chama ao novo Messias Consolador? Este nome, significativo e sem ambiguidades, constitui uma revelação completa. Ele previa portanto que os homens iriam precisar de consolações, o que implica a insuficiência das que iriam encontrar na crença que iriam adoptar. Talvez nunca Cristo tenha sido mais claro e mais explícito que nestas últimas palavras a que poucas pessoas prestaram atenção, talvez porque se tenha evitado dar-lhes relevo e aprofundar o seu sentido profético.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 24 a 27 (V), 7º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

domingo, 14 de maio de 2017

a terceira revelação ~

A Terceira Revelação "A Doutrina dos Espíritos" ditada a partir do plano espiritual e Coligida por Allan Kardec ~~~

A primeira revelação estava personificada em Moisés, a segunda em Cristo e a terceira não o está em nenhum indivíduo. As duas primeiras são individuais, a terceira é colectiva; reside nisso uma característica essencial de grande importância. É que ninguém, por consequência, se pode afirmar seu profeta exclusivo. Foi feita simultaneamente em toda a Terra, a milhões de pessoas, de todas as idades e de todas as condições, desde o mais baixo ao mais elevado da escala, consoante a profecia relatada pelo autor dos Actos dos Apóstolos: «E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos mancebos terão visões e os vossos velhos sonharão sonhos; / E também do meu Espírito derramarei sobre o meu servo e minhas servas, naqueles dias, e profetizarão.» (Actos dos Apóstolos, 2: 17, 18.)

Não saiu de nenhum culto especial para servir um dia de ponto de encontro a todos. (*)

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(*) O nosso papel pessoal no grande movimento das ideias que se prepara através do Espiritismo e que começa a acontecer, é o de observador atento que estuda os factos para daí retirar as consequências. Confrontámos todos os que nos foi possível reunir; comparámos e comentámos as instruções dadas pelos Espíritos em todos os pontos do globo; depois, coordenámos tudo metodicamente; numa palavra, estudámos e demos a saber ao público o fruto das nossas investigações sem atribuir ao nosso trabalho outro valor que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos termos dado ares de chefe de doutrina, nem ter querido impor as nossas ideias a ninguém. Ao publicá-las, usámos de um direito comum e os que as aceitaram fizeram-no livremente. Se estas ideias encontraram numerosas simpatias, é por terem tido a vantagem de corresponder às aspirações de um grande número, com o que não nos podemos envaidecer, pois a sua origem não nos pertence. O nosso maior mérito é o da perseverança e devoção à causa que abraçamos. Em tudo isto fizemos o que outros podiam ter feito; é por isso que nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profetas ou messias e ainda menos apresentarmo-nos por tal. (N. do A.)



ALLAN KARDEC, A GÉNESE, Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I, Natureza e Revelação Espírita n.º 45, fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: O Baptismo de Jesus, detalhe, pintura de Leonardo da Vinci)

segunda-feira, 1 de maio de 2017

as vidas sucessivas | os elementos ~

Experiências magnéticas Regressão da memória e previsão, Caso nº 1 Laurent (II)

16 de outubro de 1893


“Progrido” lentamente. Várias outras sessões ocorreram desde a última que relatei. São sempre os mesmos invariáveis fenómenos, que apenas se produzem mais rapidamente na sua invariável sucessão.

Há dois dias, no entanto, o Sr. de R. conseguiu levar-me ao que ele chama de terceiro estado da hipnose(i) A segunda letargia, pela qual se tem de passar para chegar a esse estado, é de mais longa duração do que a primeira. Então a insensibilidade é tal que posso tocar um tição sem retirar a minha mão. Desta constatação feita ontem, tenho uma prova visível na ponta de meu indicador um pouco ferido.

O que sobretudo distingue o terceiro estado do segundo é que não se vêem nitidamente os objectos como no sonambulismo. Tudo é confuso. O Sr. de R. pergunta-me se ouço o tique-taque do relógio de parede. Respondo: “Fracamente.” Em suma, apenas vejo nitidamente o Sr. de R.

A sugestibilidade subsiste: “Olhe à sua direita sobre a chaminé – diz-me o Sr. de R. –; há um buquê.” Efectivamente vejo um buquê que é substituído por um castiçal, se retiro de mim a sugestão, friccionando-me a fronte. (ii) É preciso observar que o buquê sugerido aparece-me nitidamente, enquanto o castiçal, como todos os outros objectos reais, são como que encobertos por uma bruma.

Eis uma outra sugestão.

“Imagine que sou o Sr. X.” (o Sr. de R. diz-me o nome de um funcionário que nós dois conhecemos). Com esta frase, dita com o tom natural da voz, a sugestão é ineficaz. “Vamos, vamos! – insiste o Sr. de R. –, eu sou o Sr. X; eu sou ele.” A imagem do Sr. X passa diante dos meus olhos, mas sem se fixarNo momento em que o Sr. de R. me toca bruscamente o ombro, vejo imediatamente o Sr. X no seu lugar, sentado diante de mim.

A conversa começa. Nada impede a ilusão, já que o Sr. de R., conhecendo a situação da pessoa que acredito que ele seja, dá respostas verosímeis às perguntas que indiferentemente faço.

Na realidade, todavia, eu me apercebo vagamente de que se trata de uma ilusão e que não é ao Sr. X que falo. Apenas me é impossível não falar como eu falaria se realmente fosse o Sr. X quem estivesse ali presente.

Ao despertar estou mais atordoado do que em geral e mal consigo afugentar uma inquietude bastante particular (inquietude de quê? Não sei dizer) do meu espírito. (iii)

19 de outubro de 1893

Novamente, e com mais facilidade, o Sr. de R. conduz-me ao terceiro estado, que ele chama de estado de relação, porque todos os objectos que ficam enevoados pelos meus sentidos se tornam de novo nítidos a partir do momento em que o magnetizador (que continua sempre perfeitamente visível e que até toma, aos olhos do sujet levado a este terceiro estado, uma espécie de realidade luminosa) coloca-me em rapport com eles, tocando-os.

Para fazer-me ouvir distintamente o tique-taque do relógio de parede, o Sr. de R. precisa apenas interpor a sua mão entre o relógio e minha orelha.

O Sr. de R., por exemplo, oferece-me um livro. Tenho dificuldade em lê-lo; os caracteres parecem-me mal-impressos. No entanto, se o Sr. de R. põe a sua mão no meio da página, dela irradia-se como que uma luz que, à sua volta, dá aos caracteres pretos toda a sua nitidez.

Sessão bastante curta. Pareço fatigado. O Sr. de R. desperta-me.

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(i) Ver a descrição desses detalhes no início do capítulo I. (A.R.)
(ii) Eu havia utilizado com Laurent esse procedimento para que ele se desembaraçasse, no estado de vigília, das sugestões. Adormecido ele lembrou-se disso e empregou-o com sucesso, talvez simplesmente por auto-sugestão. (A.R.)
(iii) Toda sugestão deixa no espírito um vestígio mais ou menos profundo. O sujet estava aqui perturbado no sentimento da personalidade. (A.R.)


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas, Capítulo II - Regressão da memória e previsão, Caso nº 1 - Laurent, 1893 2 de 4, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites)