Natureza da Revelação Espírita (V)
Sendo Deus o eixo de todas as crenças
religiosas, o objectivo de todos os cultos, o carácter de todas as religiões
está de acordo com a ideia que estas transmitem de Deus. As religiões que criam
um Deus vingativo e cruel julgam honrá-lo com actos de crueldade, com fogueiras
e torturas; as que criam um Deus parcial e ciumento são intolerantes; são mais
ou menos meticulosas na forma, consoante o julguem mais ou menos maculado com
as fraquezas e mesquinhez humanas.
Toda a doutrina de Cristo se funda sobre o carácter
que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e
misericordioso, conseguiu fazer do amor de Deus e da caridade para com
o próximo a condição expressa da redenção e dizer: «Amai a
Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos.» Sobre esta única
crença, conseguiu estabelecer o princípio da igualdade dos homens
perante Deus e da fraternidade universal. Mas era possível amar aquele Deus
de Moisés? Não; só
poderíamos temê-lo.
Esta revelação dos verdadeiros atributos da
Divindade, juntamente com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava
profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações,
fazia com que encarassem a vida actual sob uma nova luz; devia, por isso mesmo,
actuar sobre os costumes e as relações sociais. Incontestavelmente, pelas
suas consequências, este é o ponto capital da revelação de Cristo e de que não
se compreendeu suficientemente a importância; é lamentável dizer que este é
também o ponto de que mais nos afastamos, em que nos enganámos na interpretação
dos seus ensinamentos.
No entanto, Cristo acrescenta: «Muitas das
coisas que vos digo não as podeis ainda compreender e teria muitas mais para
vos dizer que não entenderíeis; é por isso que vos falo por parábolas; mas,
mais tarde, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito da Verdade, que
restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas.»
Se Cristo não disse tudo o que poderia ter dito, foi
por ter acreditado que devia deixar certas verdades na sombra até os homens
estarem em estado de as entender. Conforme declarou, o seu ensinamento
estava portanto incompleto, dado que anunciou a vinda do que o iria completar;
previa então que as suas palavras seriam erradamente interpretadas, que se
desviariam dos seus ensinamentos; resumindo, que desfariam o que tinha feito,
já que todas as coisas deviam ser restabelecidas; ora, só se restabelece o
que foi desfeito.
Por que chama ao novo Messias Consolador?
Este nome, significativo e sem ambiguidades, constitui uma revelação completa.
Ele previa portanto que os homens iriam precisar de consolações, o que implica
a insuficiência das que iriam encontrar na crença que iriam adoptar.
Talvez nunca Cristo tenha sido mais claro e mais explícito que nestas últimas
palavras a que poucas pessoas prestaram atenção, talvez porque se tenha evitado
dar-lhes relevo e aprofundar o seu sentido profético.
/…
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o
Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 24
a 27 (V), 7º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel
Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
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