sábado, 23 de julho de 2016

Nas garras do pensamento crítico ~


A sobrevivência contra a evolução

Mas não fica nisso o desprezo dos autores pela dialéctica. Depois desse gigantesco retrocesso histórico, afirmam eles, como se dissessem uma novidade: “a morte do indivíduo é um dos métodos da vida” (que dúvida!). E continuam: “Cada indivíduo é uma experiência biológica. Cada espécie progride pela selecção, rejeição ou multiplicação dos indivíduos. Biologicamente, a vida deixaria de continuar para diante, se os indivíduos não tivessem um fim e não fossem substituídos por outros. A ideia da imortalidade individual é absolutamente contrária à ideia da evolução contínua”.

E logo mais, numa dessas passagens que se repetem de boca em boca e de livro em livro, enquanto alguém não pede, como Sócrates, a definição do seu verdadeiro sentido: “São os jovens e, não os velhos, os que desejam a imortalidade pessoal.”

É pena que não mencionem a fonte desse espantoso dado estatístico, pois gostaríamos de confrontá-lo com o número de mocidades espíritas, católicas, protestantes, teosofistas e, dos muitos outros jovens espiritualistas não filiados em nenhuma seita, por que estranho motivo não deixam o terreno exclusivamente aos velhos, monopolizadores modernos da velha aspiração humana da sobrevivência.

Dizer, além disso, que a imortalidade individual é contrária à evolução contínua, é “fazer de conta” que essa imortalidade seja biológica. Ora, absurdo dessa monta ninguém poderia aceitar. Como, pois, interpretar-se a atitude desses homens habituados a lidar com as coisas do pensamento, a acompanhar e divulgar os conhecimentos científicos, senão pelo desprezo à dialéctica?

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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico  A sobrevivência contra a evolução, 7º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

teremos que modificar o nosso conceito da morte?

A NEUROFISIOLOGIA DURANTE AS PARAGENS CARDÍACAS

Através de muitos estudos tanto em modelos animais como humanos, foi demonstrado que as funções cerebrais ficaram severamente comprometidas, com perda súbita de consciência, todos os reflexos corporais, a abolição de actividade do tronco cerebral com perda do reflexo faríngeo e do reflexo córneo-palpebral e pupilas fixas e dilatadas (Parnia e Fenwick, 2002).

Também falham as funções do centro respiratório, localizado junto do tronco cerebral, o que resulta em apneia. A cessação completa da circulação cerebral é observada nas paragens cardíacas induzidas devido a fibrilação ventricular, durante os testes de implantação de desfibriladores internos.

Este modelo completo de isquémia cerebral pode ser usado para estudar os resultados da anoxia do cérebro. O fluxo sanguíneo da artéria cerebral média, que é uma variante expressiva de monitorização do fluxo sanguíneo no cérebro, decresce para zero cm/seg. imediatamente a seguir à indução de fibrilação ventricular (Gopalan e outros, 1999). A actividade eléctrica tanto no córtex cerebral como nas estruturas mais profundas do cérebro foi demonstrado estar ausente um instante depois. A monitorização da actividade eléctrica do córtex (electro encefalograma – EEG) mostrou que as primeiras mudanças isquémicas são detectadas no EEG, em média, 6,5 seg após a eclosão da paragem circulatória e, com o prolongamento da isquémia cerebral ocorre sempre uma progressão para a isoecletricidade entre 10 e 20 seg. (média: 15 seg.) (De Vries e outros, 1998; Clute e Levy, 1990; Losasso e outros., 1992; Parnia and Fenwick, 2002).

Depois da desfibrilação o fluxo sanguíneo da artéria cerebral média, medido pelo Doppler transcraniano, regressa rapidamente (1 a 5 seg) depois da paragem cardíaca de curta duração (Gopalan e outros, 1999). Contudo, no caso de paragens cardíacas de mais de 37 seg. a actividade electroencefalográfica normal pode não se restabelecer durante longos minutos ou horas depois de as funções cardíacas se terem normalizado, dependendo da duração da paragem cardíaca, apesar da manutenção duma pressão arterial adequada na fase de recuperação (Smith e outros, 1990). Adicionalmente, a recuperação de electroencefalograma subestima a recuperação metabólica do cérebro, e a assimilação de oxigénio pode permanecer diminuta por tempo considerável depois da recuperação circulatória (De Vrieset e outros, 1998).

No caso dos enfartes agudos do miocárdio a duração da paragem cardíaca na Unidade de Cuidados Coronários é habitualmente de 60–120 seg.; numa enfermaria hospitalar ou numa paragem em meio não hospitalar a paragem pode demorar muito mais. A anoxia causa perda de funções dos sistemas celulares. A cessação de actividade eléctrica e da transmissão sináptica em neurónios pode ser considerada como uma defesa instalada ou resposta de poupança de energia (“penumbra isquémica”) (Coimbra, 1999). Com tais funções inactivas, os recursos podem ser usados para manter a sobrevivência celular. A anoxia de apenas alguns minutos de duração causa uma perda provisória de funções do sistema celular; na anoxia prolongada ocorre a morte de células com perda permanente de funções.

Durante a ocorrência de embolias um pequeno coágulo obstrui a corrente sanguínea num pequeno vaso do córtex, resultando anoxia numa parte do cérebro causando perda funcional do córtex, tal como hemiplegia, cegueira parcial ou afasia. Quando o coágulo se dissolver ou fragmentar dentro de alguns minutos a função cortical restabelece-se, e passa a designar-se como ataque isquémico transitório (AIT). Contudo, quando o coágulo obstrui o vaso cerebral durante largos minutos ou horas causa a morte de células neuronais com perda permanente de funções nesta parte do cérebro, e tem lugar o diagnóstico de acidente vascular cerebral (AVC). Desta forma a anoxia transitória resulta em perda transitória de funções e na paragem cardíaca ocorre em segundos uma anoxia total do cérebro, e a atempada e adequada aplicação da Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) pode inverter essa perda provisória de funções cerebrais, por ter evitado a perda definitiva de neurónios.

Uma adequada massagem torácica externa produz um fluxo sanguíneo mínimo, causando o aumento das possibilidades de recuperar as funções cerebrais (Herlitz e outros, 2002). Uma anoxia de longa duração, causada pela cessação da corrente sanguínea no cérebro por mais de 5 a 10 minutos, resulta em prejuízos irreversíveis pela morte de células cerebrais. As mais vulneráveis áreas do cérebro à anoxia são os neurónios do córtex, e os neurónios do tálamo e do hipocampo. (Fujioka e outros, 2000; Kinney e outros, 1994), por serem ambos uma ligação importante entre o tronco cerebral e o córtex no apoio à possibilidade de uso da consciência.

Do estudo de paragens cardíacas induzidas sabemos que no nosso estudo prospectivo de doentes holandeses que sobreviveram a paragens cardíacas (Van Lommel e outros, 2001) bem como no estudo americano (Greyson, 2003) e no estudo inglês (Parnia e outros, 2001), não somente uma falta total de actividade eléctrica do córtex deve ter sido a única possibilidade, mas também a abolição da actividade do tronco cerebral. Contudo, doentes que passam por uma EQM declaram ter tido uma consciência clara. E por motivo das ocasionais e verificáveis experiências fora do corpo, como aquela que diz respeito o caso da dentadura que fez parte do nosso estudo, sabemos que os EQM podem suceder durante o período de inconsciência e não nos primeiros ou últimos segundos da paragem cardíaca.

Desse modo teremos que chegar à conclusão surpreendente que, durante a paragem cardíaca uma EQM é vivida durante uma perda funcional transitória de todas as funções do córtex e do tronco cerebral.

Como é possível alguém dispor de consciência clara estando fora do corpo, no momento em que o cérebro já não funciona, em estado de morte clínica, com electroencefalograma plano? (Sabom, 1998).

Um cérebro nessas condições seria aproximadamente como um computador com a ficha desligada da corrente, com os circuitos retirados do lugar. Não poderia ter alucinações, não poderia fazer completamente nada.

Como declarado acima, a disponibilidade paradoxal de percepção elevadamente lúcida e processos de pensamento lógico durante o período de circulação cerebral danificada em decurso de paragem cardíaca, coloca ao nosso presente entendimento da consciência e das suas relações com as funções cerebrais questões de especial perplexidade.

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Dr. Pim van LommelAs Experiências de Quase-Morte, A Consciência e o Cérebro – A NEUROFISIOLOGIA DURANTE AS PARAGENS CARDÍACAS (4º fragmento) tradução para a língua portuguesa de palavra luz, depois de autorizada pelo autor.
(imagem de contextualização: O Hospital Rijnstate, em Arnhem – Holanda)