sábado, 22 de novembro de 2014

O Espiritismo na Arte ~

Segunda lição de o Esteta

– Composição virtual de obras artísticas, A eclosão da inspiração

|22 de Novembro de 1921|

“Após ter-vos dado a descrição das cenas artísticas que registamos no espaço, para vós será interessante saber como agrupamos os elementos dessas cenas para compor virtualmente esses quadros.

Tentarei fazer-vos compreender como reunimos as moléculas necessárias para que a nossa vontade possa projectar os fluidos capazes de se transformarem nas obras que simbolizem a beleza sob todas as formas. Essas obras serão sentidas e percebidas por outros seres fluídicos que não são criadores.

Os seres imateriais que flutuam nas regiões fluídicas, infinitamente ricas e subtis, só as alcançaram por uma longa e progressiva evolução pela qual adquiriram conhecimentos e aptidões suficientes para eles mesmos poderem criar, no mundo onde vivem, entre as suas existências humanas.

Vejamos um exemplo. Um grande escultor, um grande pintor ou um grande artista parte da Terra. Ele ainda está sob a impressão dos trabalhos que executou durante a sua existência anterior; chegado ao espaço, não estando mais o seu espírito limitado pela matéria, ele revê o caminho percorrido desde o dia em que recebeu a essência criadora divina e adquire a certeza de que poderá, nas novas existências, desenvolver e completar o que podes chamar de parcela genial.

Ele vai ver, no espaço, desenrolarem-se todos os factos proeminentes que presidiram a eclosão da sua inspiração.

Se ele era arquitecto ou escultor, imediatamente, de acordo com a sua vontade, a sua memória voltará a traçar os monumentos ou as obras de arte que ele criou.

Admitimos que ele plane nesse meio do qual acabamos de falar; após um apelo a Deus, o seu pensamento encontrará, pelas suas radiações, fluidos suficientes para reconstituir todas as suas obras. Se elas têm um carácter verdadeiro de beleza, se a inspiração é pura, se o ideal é elevado, os outros seres que rodeiam o artista sentirão despertar em si mesmos um desejo de imitação e, pouco a pouco, o véu material sendo levantado, o seu pensamento pessoal será fecundado pelo do artista.

Assim, um grande mestre-escultor fará reviver esses belos monumentos nos quais a glória do Altíssimo foi cantada durante séculos. Então, imensas catedrais serão reedificadas; mas o artista não se limita sempre à obra que criou, a sua visão à distância também reencontra as obras dos seus discípulos, e algumas vezes a sua inspiração continua no espaço para formar de novo obras que tomam a diversos autores as partes mais bem-sucedidas de suas concepções. Se penetrasses no espaço, no plano elevado a que me refiro, poderias perceber que os monumentos, que não são semelhantes àqueles erigidos no vosso mundo, são reconstituídos pelo pensamento fluídico de seres inspirados por Deus.

O Criador supremo dá a cada um dos seus filhos uma parcela animadora que se exterioriza quando o culto do belo e do ideal desperta neles. Os vossos monumentos religiosos são as imagens vivas desse facto. Esses telhados arrojados, lançando-se em direcção ao céu, não são uma imagem fiel do pensamento do ser humano elevando-se numa prece derradeira a esse Deus que nos criou? Quer seja uma catedral ou um templo da Antiguidade, quer seja na Grécia, em Roma, em Florença ou no vosso país, procura e sempre encontras a confirmação de que o pensamento superior preside a eclosão das obras arquitectónicas.

Faço uma pequena comparação, talvez afastando-me do meu assunto: se considerardes a história da Arquitectura na Alemanha nestes tempos modernos, constatareis que a elevação em direcção ao céu é ausente, que formas maciças e quadradas substituem a cúpula ou a ogiva; o pensamento estende-se sobre a Terra e não se eleva mais em direcção ao divino.

Em pintura, estuda a escola florentina na época da Renascença; verificaras que quando as obras têm um cunho místico, os traços se divinizam e as cenas tomam características de real beleza e de verdadeira grandeza.

Ocorre o mesmo em todas as artes. A música sacra, por exemplo, tem um carácter que toca de mais perto o divino, enquanto que a música profana, quando se aproxima da matéria, reveste a característica de um realismo baixo e grosseiro.”

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LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte I – Segunda lição de o Esteta, Composição virtual de obras artísticas, A eclosão da inspiração, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Nas garras do pensamento crítico ~

Nem um passo à frente ~

Quando Engels escreveu o seu artigo contra o método empírico-indutivo de Bacon, ou melhor, confundindo esse método com:

“O êxtase e a vidência, importados da América”, de que se fazia vítima o empirismo inglês, na pessoa do “eminentíssimo zoologista e botânico Alfred Russel Wallace”, o homem que, simultaneamente com Darwin, apresentou a teoria da evolução das espécies pela selecção natural, o materialismo dialéctico era uma conquista recente, um equívoco em forma de desenvolvimento, e não nos caberia censurá-lo por essa digna atitude de combate.

Engels não poderia entender de outra maneira o “desencaminhamento” de Wallace. Vê-se, não obstante, desse mesmo artigo, que Engels não ficaria no terreno da teoria. Embora mal, com a imperícia de quem jamais se interessara pelo assunto, procurou justificar as suas afirmações, através da observação e da experimentação.

O artigo de Engels foi publicado pela primeira vez em 1898. Devia ter sido escrito, segundo encontramos na edição brasileira da Dialéctica, em 1878. Engels criticava também os trabalhos de CrookesAksakof e Zöllner. É uma crítica violenta e irreverente, em que ele chega a considerar o Espiritismo “a mais estéril de todas as superstições”.

Como se vê, a afirmação não era dialéctica, mas empírica, inteiramente gratuita, e o longo roteiro das experiências espíritas e metapsíquicas aí está para desmenti-la.

Mas tinha a sua razão de ser. Podemos dizer, com Hegel, que o Zeitgeist, o espírito da época, a justificava.

O que espanta, entretanto, é que ainda hoje, quase um século depois, o artigo de Engels seja a única pauta dos que, como o professor Silva Mello, desejam eliminar do mundo em que vivemos, por incómoda, a realidade dos fenómenos espíritas, sem seguir sequer o exemplo de Engels no tocante à experimentação própria.

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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico, Nem um passo à frente, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades


O exílio luminoso ~

Victor Hugo, poeta nacional da França, dedicou boa parte de sua vida literária e espiritual à Doutrina Espírita. O seu talento encontrou, nos princípios desta, fontes de inspiração que lhe permitiram escrever páginas brilhantes, as quais continuam guiando o pensamento humano sobre os grandes problemas metafísicos e religiosos.

As Contemplações, Raios e Sombras, A Legenda dos Séculos revelam conceitos realmente comovedores. Nestes livros o poeta manifestou uma profunda sabedoria espiritual como que inspirada por grandes potências do mundo invisível. E que Hugo, sempre ao serviço da verdade, tudo escreveu interrogando o Mais Além.

O seu génio romântico cresceu com a visão espírita do mundo; por isso, o seu romantismo foi como uma consequência desses mistérios espirituais que sempre o rodearam. Em Jersey, junto ao tripé mediúnico, o mesmo que foi usado pelas sacerdotisas de Apolo para dar oráculos em Delfos, enquanto o mar fustigava furiosamente a costa, foi que concebeu as suas grandes visões poéticas e sobrenaturais. Polemizou em verso com entidades invisíveis, com o que comprovou a existência do mundo dos espíritos.

O poeta sabia que o tripé era um instrumento mágico pelo qual a luz do mundo invisível pode vencer as trevas da terra. Sentia-se na Ilha de Jersey como João em Patmos, razão pela qual pode ser considerado como o fundador da Patmologia Espírita. Falou com o Espírito no meio do mar e escreveu um novo Apocalipse. Relacionou-se empregando a linguagem de Ronsard com Moliére e A Sombra do Sepulcro, duas elevadas personalidades mediúnicas.

O mar e a solidão acompanharam-no sempre e foram até os seus confidentes. Não obstante, aquela Ilha de Jersey tinha a virtude de povoar-se de entidades invisíveis que lhe falaram de liberdade, amor e recordações. A sua filha Leopoldina, desaparecida num naufrágio, se lhe fez presente por meio do tripé mediúnico e falou com a sua alma de modo terno.

O poeta sabia que os mortos não são devorados pelo abismo e que as distâncias metafísicas não podem alijá-los dos homens. Por isso, dizia: ''Devemos pedir justiça à morte, mas não devemos ser ingratos com ela. A morte não é, como se diz, uma queda nem uma emboscada''.

Proclamou, assim, que os mortos voltam. Resistia a aceitar um Além que impedia os espíritos desencarnados de comunicar-se com os homens. Aceitava, em troca, um mundo invisível comunicando-se com o visível; o invisível era para o poeta um templo repleto de presenças espirituais sempre dispostas a relacionar-se com a mente e o coração dos povos. Foi por isso que disse: "Os mortos são os invisíveis e não os ausentes".

A propósito, sustentava a tese de Allan Kardec, seu amigo nos caminhos da verdade, referente às ciências das manifestações espirituais. Participava destas importantes reflexões do destacado filósofo espírita: "Devemos pedir que os incrédulos nos provem, não por uma simples negativa, porque as suas opiniões pessoais não fazem lei, mas por razões lógicas, que isto não pode ser. Nós nos colocaremos sobre o seu terreno e, já que desejam apreciar os factos espíritas com a ajuda das leis da matéria, que tomem por conseguinte neste arsenal alguma demonstração matemática, física, química e fisiológica e provem por A mais B, partindo sempre do princípio da existência e sobrevivência da alma:

1°) Que o ser que pensa em nós durante a vida não pode pensar mais depois da morte.
2°) Que, se pensa, não deve pensar mais do que nos que amou.
3°) Que, se pensa naqueles que amou, não deve querer comunicar-se já com eles.
4°) Que, se pode estar em toda a parte, não pode estar ao nosso lado.
5°) Que, se está ao nosso lado, não pode comunicar-se connosco.
6°) Que, por seu envoltório fluídico, não pode agir sobre a matéria inerte.
7°) Que, se pode agir sobre a matéria inerte, não o pode sobre um ser animado.
8°) Que, se pode agir sobre um ser animado, não pode dirigir a sua mão para fazê-lo escrever.
9°) Que, podendo fazê-lo escrever, não pode responder às suas perguntas e transmitir-lhe o seu pensamento.''

Kardec concluiu dizendo: "Quando os adversários do Espiritismo nos demonstrarem que isto não pode ser, por razões tão patentes quanto aquelas pelas quais Galileu demonstrou que não é o Sol que gira à volta da Terra, então poderemos dizer que as suas dúvidas são fundadas".

Se precisássemos de uma definição para provar a qualidade de espírita de Victor Hugo, esta poderia ser: Ele foi o Isaías mediúnico maior da literatura romântica. Recorde-se que o romantismo de Hugo transcendeu as formas clássicas mediante uma transfiguração das coisas. Viu sempre em tudo um mundo invisível, quer dizer, um sustentáculo imaterial do mundo físico. Cantou a natureza com ritmos provenientes do mundo dos espíritos e pincelou poemas dedicados à alma do abismo, que falou por sua boca comovendo a literatura do seu tempo. "É necessário, mais do que nunca - dizia - ensinar aos homens o ideal, este espelho que reflecte o semblante de Deus! Poetas, filósofos, essa é a vossa obrigação''.

A sua presença era um convite ao transcendente. Tudo nele sugeria novos horizontes espirituais. Como Pedro LerouxSaint SimónJosé Mazzini, acreditava na reencarnação; por isso, a sua obra poética e filosófica está impregnada de um profundo lirismo palingenésico.

É curioso que a crítica não tenha reparado neste aspecto de sua produção, especialmente quando completou cento e cinquenta anos do seu nascimento. Com este motivo, Les Nouvelles Littéraires, reputado periódico literário de Paris, dedicou ao grande poeta francês o seu número 1277, de 21 de Fevereiro de 1952, no qual menciona com bastante discrição o Victor Hugo espírita.

Mas, apesar dessa reserva, a crítica reconhecerá um dia que o espírito de Victor Hugo, cósmico e profundo, se inspirou nas visões espirituais que o Espiritismo lhe sugeria. Dos poetas românticos, nenhum como ele compreendeu com tanta realidade o processo espiritual do homem e da história, chegando até Deus através de abismos e distâncias. Victor Hugo sustentava com fé poética e religiosa a palingenesia espiritual, de tudo o que existe.

A psicografia ou mediunidade da escrita secundava notavelmente o seu génio poético. Quando escrevia, dava-se conta de que a sua mão não lhe pertencia e que estava sob a influência de uma entidade lírica invisível. Porém, rebelava-se quando o seu génio era considerado pelos seus amigos exclusivamente mediúnico. Por isso, dizia: "Quando a obra parece sobrehumana, querem fazer intervir o extra-humano; antigamente era o tripé, nos nossos dias a mesinha. A mesinha não é outra coisa que a reaparição do tripé". Victor Hugo aceitava o mediúnico como uma "inspiração directa" do poeta, ou seja, que prescindia do veículo transmissor.

Todavia, Amado Nervo pensava diferente e para constatá-lo vejamos o que disse no seu poema Mediunidade:

Si mis rimas fuesen bel/as
enorgullecerme de ellas
no está bien,
pues nunca mías han sido
en realidad: ai oído
me las dieta ... ! no sei quién!
Y o no soy más que e/ acento
dei arpa que hiere el viento
veloz,
no soy más que el eco débil
de una voz ...
Quizás a través de mi
van despertando entre sí
dos almas llenas de amor,
en un misterioso estilo,
y yo no soy más que el hilo
conductor.

A esta declaração poética, Nervo ajuntou o seguinte: ''Grande número de poetas têm confessado o carácter mediúnico de sua inspiração. Alfredo de Musset diz: "On ne travaille pas: on écoute; c'est comme un iconnu qui parle á l'oreille". E Lamartine: "Ce n'est pas moi pense, ce son mes idées qui pensent pour moi".

E o nosso estranho Gutiérrez Nájera expressou com delicado acerto:

Y o no escriba mis versos; no los creo:
Viven dentro de mi, vienen de fuera:
A ése, travieso, lo formó e! deseo;
A aquél, lleno de luz, la primavera.

Suzanne Misset-Hopes (i), em importante estudo sobre o poeta, disse que multidões de diversas correntes e convicções sentem-se atraídas para recordar "o que se poderia chamar a mensagem de Victor Hugo, que se encontra numa obra magistral tecida de sombras e luzes, de mistérios e revelações, de inquisições e defesas". E mais: "Victor Hugo - todos sabemos - foi levado a sondar experimentalmente os grandes problemas do destino humano e a decifrar os segredos do além-túmulo e da harmonia cósmica por meio das "mesas falantes" de Jersey. Fez-se espírita e no seio de reuniões sobrenaturais tomou consciência da sua missão de profeta dos tempos que verão nascer uma nova ordem mundial, social e religiosa, baseado em leis fundamentais que regem a vida, leis que constituem os cimentos da verdadeira moral e cujo conhecimento solitário se comprova ser capaz de transformar a conduta dos homens em benefício de suas relações mútuas".

De facto, Victor Hugo foi o profeta que anunciou o advento de um novo espírito do mundo. Teve fé na justiça e na liberdade e afirmou os seus ideais de fraternidade universal. Lembre-se que o poeta imaginava os Estados Unidos da Europa sobre a base da união divina dos espíritos.

Vejamos como prossegue Suzanne Misset-Hopes: "Em toda a sua obra, particularmente na que criou no exílio, bastante impregnada dos contactos que nessa época teve com o Mais Além, deixa ver um ardente desejo de desprendimento das luzes espiritualistas de que se nutria a sua alma".

/…
(i) Ver o artigo Victor Hugo, Precursor, em Survie, setembro-outubro de 1952.


Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, O exílio luminoso, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)