O exílio luminoso ~
Victor Hugo, poeta nacional da França, dedicou boa parte de
sua vida literária e espiritual à Doutrina Espírita. O seu talento encontrou,
nos princípios desta, fontes de inspiração que lhe permitiram escrever páginas
brilhantes, as quais continuam guiando o pensamento humano sobre os grandes
problemas metafísicos e religiosos.
As Contemplações, Raios e Sombras, A Legenda dos Séculos revelam conceitos realmente comovedores. Nestes livros o poeta manifestou uma profunda sabedoria espiritual como que inspirada por grandes potências do mundo invisível. E que Hugo, sempre ao serviço da verdade, tudo escreveu interrogando o Mais Além.
As Contemplações, Raios e Sombras, A Legenda dos Séculos revelam conceitos realmente comovedores. Nestes livros o poeta manifestou uma profunda sabedoria espiritual como que inspirada por grandes potências do mundo invisível. E que Hugo, sempre ao serviço da verdade, tudo escreveu interrogando o Mais Além.
O seu génio romântico cresceu com a visão espírita do mundo;
por isso, o seu romantismo foi como uma consequência desses mistérios
espirituais que sempre o rodearam. Em Jersey, junto ao tripé mediúnico, o mesmo que foi
usado pelas sacerdotisas de Apolo para dar oráculos em Delfos, enquanto o mar
fustigava furiosamente a costa, foi que concebeu as suas grandes visões
poéticas e sobrenaturais. Polemizou em verso com entidades invisíveis, com o
que comprovou a existência do mundo dos espíritos.
O poeta sabia que o tripé era um instrumento mágico pelo
qual a luz do mundo invisível pode vencer as trevas da terra. Sentia-se na Ilha
de Jersey como João em Patmos, razão pela
qual pode ser considerado como o fundador da Patmologia Espírita. Falou com o
Espírito no meio do mar e escreveu um novo Apocalipse. Relacionou-se empregando
a linguagem de Ronsard com Moliére e A Sombra do
Sepulcro, duas elevadas personalidades mediúnicas.
O mar e a solidão acompanharam-no sempre e foram
até os seus confidentes. Não obstante, aquela Ilha de Jersey tinha
a virtude de povoar-se de entidades invisíveis que lhe falaram de
liberdade, amor e recordações. A sua filha Leopoldina, desaparecida
num naufrágio, se lhe fez presente por meio do tripé mediúnico e
falou com a sua alma de modo terno.
O poeta sabia que os mortos não são devorados pelo
abismo e que as distâncias metafísicas não podem alijá-los dos
homens. Por isso, dizia: ''Devemos pedir justiça à morte, mas não
devemos ser ingratos com ela. A morte não é, como se diz, uma queda nem
uma emboscada''.
Proclamou, assim, que os mortos voltam. Resistia
a aceitar um Além que impedia os espíritos desencarnados de comunicar-se com os
homens. Aceitava, em troca, um mundo invisível comunicando-se com o visível; o
invisível era para o poeta um templo repleto de presenças espirituais sempre
dispostas a relacionar-se com a mente e o coração dos povos. Foi por isso que
disse: "Os mortos são os invisíveis e não os ausentes".
A propósito, sustentava a tese de Allan Kardec, seu amigo
nos caminhos da verdade, referente às ciências das manifestações espirituais.
Participava destas importantes reflexões do destacado filósofo espírita:
"Devemos pedir que os incrédulos nos provem, não por uma simples negativa,
porque as suas opiniões pessoais não fazem lei, mas por razões lógicas, que
isto não pode ser. Nós nos colocaremos sobre o seu terreno e, já que desejam
apreciar os factos espíritas com a ajuda das leis da matéria, que tomem por
conseguinte neste arsenal alguma demonstração matemática, física, química e
fisiológica e provem por A mais B, partindo sempre do princípio da existência e
sobrevivência da alma:
1°) Que o ser que pensa em nós durante a vida não pode
pensar mais depois da morte.
2°) Que, se pensa, não deve pensar mais do que nos que amou.
3°) Que, se pensa naqueles que amou, não deve querer
comunicar-se já com eles.
4°) Que, se pode estar em toda a parte, não pode estar ao
nosso lado.
5°) Que, se está ao nosso lado, não pode comunicar-se
connosco.
6°) Que, por seu envoltório fluídico, não pode agir sobre a
matéria inerte.
7°) Que, se pode agir sobre a matéria inerte, não o pode
sobre um ser animado.
8°) Que, se pode agir sobre um ser animado, não pode dirigir
a sua mão para fazê-lo escrever.
9°) Que, podendo fazê-lo escrever, não pode responder às
suas perguntas e transmitir-lhe o seu pensamento.''
E Kardec concluiu
dizendo: "Quando os adversários do Espiritismo nos demonstrarem que isto não
pode ser, por razões tão patentes quanto aquelas pelas quais Galileu demonstrou
que não é o Sol que gira à volta da Terra, então poderemos dizer que as suas
dúvidas são fundadas".
Se precisássemos de uma definição para provar a qualidade de
espírita de Victor Hugo,
esta poderia ser: Ele foi o Isaías mediúnico maior da
literatura romântica. Recorde-se que o romantismo de
Hugo transcendeu as formas clássicas mediante uma transfiguração das coisas.
Viu sempre em tudo um mundo invisível, quer dizer, um sustentáculo imaterial do
mundo físico. Cantou a natureza com ritmos provenientes do mundo dos espíritos
e pincelou poemas dedicados à alma do abismo, que falou por sua boca comovendo
a literatura do seu tempo. "É necessário, mais do que nunca - dizia -
ensinar aos homens o ideal, este espelho que reflecte o semblante de Deus! Poetas,
filósofos, essa é a vossa obrigação''.
A sua presença era um convite ao transcendente. Tudo nele
sugeria novos horizontes espirituais. Como Pedro Leroux, Saint
Simón, José
Mazzini, acreditava na reencarnação; por isso, a sua obra poética e
filosófica está impregnada de um profundo lirismo palingenésico.
É curioso que a crítica não tenha reparado neste aspecto de
sua produção, especialmente quando completou cento e cinquenta anos do seu
nascimento. Com este motivo, Les Nouvelles Littéraires, reputado periódico
literário de Paris, dedicou ao grande poeta francês o seu número 1277, de 21 de
Fevereiro de 1952, no qual menciona com bastante discrição o Victor Hugo
espírita.
Mas, apesar dessa reserva, a crítica reconhecerá um dia que
o espírito de Victor Hugo, cósmico e profundo, se inspirou nas visões
espirituais que o Espiritismo lhe sugeria. Dos poetas românticos, nenhum como
ele compreendeu com tanta realidade o processo espiritual do homem e da
história, chegando até Deus através de abismos e distâncias. Victor Hugo
sustentava com fé poética e religiosa a palingenesia espiritual, de tudo o que
existe.
A psicografia ou mediunidade da escrita
secundava notavelmente o seu génio poético. Quando escrevia, dava-se conta de
que a sua mão não lhe pertencia e que estava sob a influência de uma entidade
lírica invisível. Porém, rebelava-se quando o seu génio era considerado pelos
seus amigos exclusivamente mediúnico. Por isso, dizia: "Quando a obra
parece sobrehumana, querem fazer intervir o extra-humano; antigamente era o
tripé, nos nossos dias a mesinha. A mesinha não é outra coisa que a reaparição
do tripé". Victor Hugo aceitava o mediúnico como uma "inspiração
directa" do poeta, ou seja, que prescindia do veículo transmissor.
Todavia, Amado Nervo pensava
diferente e para constatá-lo vejamos o que disse no seu poema Mediunidade:
Si mis rimas fuesen bel/as
enorgullecerme de ellas
no está bien,
pues nunca mías han sido
en realidad: ai oído
me las dieta ... ! no sei quién!
Y o no soy más que e/ acento
dei arpa que hiere el viento
veloz,
no soy más que el eco débil
de una voz ...
Quizás a través de mi
van despertando entre sí
dos almas llenas de amor,
en un misterioso estilo,
y yo no soy más que el hilo
conductor.
A esta declaração poética, Nervo ajuntou o seguinte:
''Grande número de poetas têm confessado o carácter mediúnico de
sua inspiração. Alfredo
de Musset diz: "On ne travaille pas: on écoute; c'est comme un
iconnu qui parle á l'oreille". E Lamartine: "Ce
n'est pas moi pense, ce son mes idées qui pensent pour moi".
E o nosso estranho Gutiérrez
Nájera expressou com delicado acerto:
Y o no escriba mis versos; no los creo:
Viven dentro de mi, vienen de fuera:
A ése, travieso, lo formó e! deseo;
A aquél, lleno de luz, la primavera.
Suzanne Misset-Hopes (i), em importante estudo
sobre o poeta, disse que multidões de diversas correntes e convicções sentem-se
atraídas para recordar "o que se poderia chamar a mensagem de Victor
Hugo, que se encontra numa obra magistral tecida de sombras e luzes,
de mistérios e revelações, de inquisições e defesas". E mais: "Victor
Hugo - todos sabemos - foi levado a sondar experimentalmente os grandes
problemas do destino humano e a decifrar os segredos do além-túmulo e da
harmonia cósmica por meio das "mesas falantes" de Jersey. Fez-se espírita e no
seio de reuniões sobrenaturais tomou consciência da sua missão de profeta dos
tempos que verão nascer uma nova ordem mundial, social e religiosa, baseado em
leis fundamentais que regem a vida, leis que constituem os cimentos da
verdadeira moral e cujo conhecimento solitário se comprova ser capaz de
transformar a conduta dos homens em benefício de suas relações mútuas".
De facto, Victor Hugo foi o profeta que anunciou o advento
de um novo espírito do mundo. Teve fé na justiça e na liberdade e afirmou os
seus ideais de fraternidade universal. Lembre-se que o poeta imaginava os Estados
Unidos da Europa sobre a base da união divina dos espíritos.
Vejamos como prossegue Suzanne Misset-Hopes: "Em toda a
sua obra, particularmente na que criou no exílio, bastante impregnada dos
contactos que nessa época teve com o Mais Além, deixa ver um ardente desejo de
desprendimento das luzes espiritualistas de que se nutria a sua alma".
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(i) Ver o artigo Victor Hugo, Precursor, em Survie,
setembro-outubro de 1952.
Humberto Mariotti, Victor Hugo Espírita, O exílio luminoso, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca,
pintura de Anne-Louis
GIRODET-TRIOSON)
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