segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Comunicação de Galileu ~

aumento ou diminuição | do volume da Terra

O volume da Terra aumenta, diminui ou está estacionado?

A favor do aumento de volume da Terra, algumas pessoas se baseiam no facto das plantas darem ao solo mais do que dele retiram, o que é verdade num sentido e não noutro. As plantas alimentam-se tanto e até mais das substâncias gasosas que vão buscar à atmosfera e das que aspiram pelas raízes; ora, a atmosfera faz parte integrante do globo; os gases que a constituem provêm da decomposição dos corpos sólidos e estes, ao recomporem-se, retomam-lhes o que lhe tinham dado. É uma troca ou, melhor, uma troca perpétua, de tal modo que o crescimento dos vegetais e dos animais, operando-se com a ajuda dos elementos constituintes do globo, os seus detritos, por consideráveis que sejam, não acrescentam um átomo à massa. Se a parte sólida do globo aumentasse por esse motivo de forma permanente, seria à custa da atmosfera que diminuiria outro tanto, acabando por se tornar imprópria para a vida se não recuperasse, pela decomposição dos corpos sólidos, o que perde na sua composição.

Na origem da Terra, as primeira camadas geológicas formaram-se com matérias sólidas momentaneamente volatilizadas por efeito da elevada temperatura e que mais tarde, condensadas pelo arrefecimento, se precipitaram. Elevaram incontestavelmente um pouco à superfície do globo, mas sem nada acrescentar à massa total, dado não ser mais do que uma deslocação da matéria. Quando a atmosfera, purificada dos elementos estranhos que detinha em suspensão, se encontrou no seu estado normal, as coisas seguiram o curso regular que passaram depois a ter. Hoje, a mais pequena modificação na constituição da atmosfera traria forçosamente a destruição dos habitantes actuais; mas provavelmente também se formariam novas raças noutras condições.

Considerada sob este ponto de vista, a massa do globo, quer dizer, a soma das moléculas que compõem o conjunto das suas partes sólidas, líquidas e gasosas, é incontestavelmente a mesma desde a sua origem; se sofresse uma dilatação ou uma condensação, o seu volume aumentaria ou diminuiria, sem que a massa sofresse qualquer alteração. Se portanto a Terra aumentasse de massa, seria por efeito de uma causa estranha, dado que não poderia ir buscar a si mesma os elementos necessários ao seu aumento.

Há uma opinião segundo a qual o globo aumentaria de massa e de volume através do afluxo de matéria cósmica interplanetária. Esta ideia não tem nada de irracional, mas é demasiado hipotética para ser admitida como princípio. Não passa de uma teoria combatida por teorias contrárias sobre as quais a ciência não está de modo nenhum fixada. Aqui está, a este respeito, a opinião do Espírito eminente que ditou os sábios estudos uranográficos relatados acima, no Capítulo VI:


«Os mundos esgotam-se, envelhecendo, e tendem a dissolver-se para servirem de elementos de formação a outros universos. Entregam a pouco e pouco ao fluído cósmico universal do espaço o que lhe retiraram para se formarem. Além disso, todos os corpos se gastam pela fricção; o movimento rápido e constante do globo através do fluído cósmico tem como efeito diminuir constantemente a massa, apesar de em quantidade desprezível, num tempo determinado. (*)

»A existência dos mundos pode, na minha opinião, dividir-se em três períodos: primeiro período – condensação da matéria durante a qual o volume do globo diminui consideravelmente, permanecendo a massa igual; é o período da infância. Segundo período – contracção, solidificação da crosta; eclosão de germes, desenvolvimento da vida até ao aparecimento do tipo mais perfectível. Neste momento, o globo está em toda a sua plenitude, é a idade da virilidade; perde, mas muito pouco, os seus elementos constituintes. À medida que os seus habitantes progridem espiritualmente, passa ao período de decrescimento material; perde não só devido à fricção mas também pela desagregação das moléculas, como uma pedra dura que, roída pelo tempo, acaba por se transformar em poeira. No seu duplo movimento de rotação e de translação, deixa no espaço parcelas fluídicas da sua substância até ao momento em que a sua dissolução seja completa.

»Mas então, como a força de atracção está na razão da massa, não digo volume, diminuindo a massa do globo, as suas condições de equilíbrio no espaço modificam-se; dominado por globos mais poderosos que não pode enfrentar, sofre por isso desvios nos seus movimentos e, como consequência, também profundas alterações nas condições de vida à superfície. Assim: nascimento, vida e morte; ou infância, virilidade e decrepitude, são estas as três fases por que passa toda a aglomeração de matéria orgânica ou inorgânica; só o Espírito, que não é de modo nenhum matéria, é indestrutível

                                                                                                 
                                                                GALILEU, Sociedade Espírita de Paris /1868

/...

(*) No seu movimento de translação à volta do Sol, a velocidade da Terra é de 400 léguas por minuto. Sendo a sua circunferência de 9000 léguas, no seu movimento de rotação sobre o eixo, cada ponto do equador percorre 9000 léguas em 24 horas ou 6,3 léguas por minuto. (N. do A.)





ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo – Capítulo IX, REVOLUÇÕES DO GLOBO – Aumento ou diminuição do volume da Terra, tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Zaratustra e Ptolomeu, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio /1509)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

As vidas sucessivas | os elementos ~

Experiências magnéticas
(Regressão da memória e previsão)
Caso nº 1  Laurent (I)

Quando iniciei este trabalho, ignorava o facto de que outros magnetizadores haviam feito constatações análogas, as quais exponho no capítulo 4 da terceira parte. Procurei sempre, nas minhas sessões experimentais, ter presente, para tomar notas à medida que esses fenómenos se produziam, uma terceira pessoa que não corria o risco de ser influenciada, como eu teria podido ser, pela expectativa do que eu supunha dever produzir-se.

Os resumos reproduziam variações e erros já esperados, os quais têm a sua importância porque mostram bem a influência, no momento da experiência, do estado de espírito do sujet sobre os fenómenos ainda inexplicados de regressão da memória e de previsões. (*)

(*) O autor chama de previsões o que, actualmente, se tem preferido denominar de progressão da memória, em contraposição à regressão de memória. Entre as obras que tratam mais profundamente do assunto, indicamos "A memória e o tempo", Publicações Lachâtre, de Hermínio C. Miranda. (N.E.)

Os numerosos e precisos detalhes relativos aos graus de sono e aos fenómenos físicos que os caracterizam não me parecem inúteis, porque vêm em apoio de classificações que os médicos hipnotizadores não admitem, sem dúvida porque não tiveram oportunidade de os observar.

Caso nº 1 – Laurent, 1893

As minhas primeiras experiências relativas à regressão da memória datam de 1893. Foi totalmente ao acaso que fui levado a constatar esse fenómeno num jovem de vinte anos que fazia a sua licenciatura em letras, sujet dos mais preciosos, porque não somente era sensível ao agente magnético, como também e sobretudo porque, dotado de uma viva curiosidade científica e de um grande espírito de análise, empenhava-se bastante em aperceber-se por si próprio dos fenómenos físicos e psíquicos produzidos por este agente.

Empreendi, então, com ele experiências seguidas, mas graduadas, com precaução, de maneira a não fatigar o seu sistema nervoso nem prejudicar os seus outros estudos, tendo o cuidado, em cada sessão, primeiramente de chamar a sua atenção para o que ele sentia antes e durante o sono magnético e depois dar-lhe a sugestão de, ao despertar, recordar-se das suas impressões.

Aconselhei, além do mais, o meu jovem amigo Laurent a redigir ele próprio, depois de cada sessão, as impressões que poderiam ser mais tarde, tanto para ele quanto para mim, uma fonte de informações muito ricas, visto ser a primeira vez que foram estudados desta maneira os fenómenos da hipnose.

Eis o diário (I) no qual eu não quis mudar uma palavra sequer, limitando-me a dar em notas, algumas explicações ou modificações. Este começou alguns dias depois da primeira tentativa que fiz com Laurent, no salão de sua mãe, e terminou quando, pelo aprofundamento progressivo da hipnose, me deparei com espécies de fenómenos particulares relativos à formação dos fantasmas dos vivos.

As impressões de um magnetizado relatadas por ele próprio

21 de Julho de 1893.

O Sr. de R. renovou em mim, esta manhã, porém mais minuciosamente, as experiências que havia feito outro dia no salão.

– Que aroma você deseja sentir? O aroma da violeta? Tente lembrar-se dele.

Fiz esforço, mas sem resultado preciso. Então o Sr. de R. apresentou bruscamente dois dedos de uma mesma mão, separados, sob cada uma de minhas narinas, e o aroma da violeta fez-se sentir a tal ponto que eu acreditaria, se não tivesse os olhos abertos, que um buquê me era passado sob o nariz.

– Como você se chama?

– Laurent.

O Sr. de R., pressionando fortemente com o seu polegar o meio de minha fronte, onde se inicia o nariz, faz-me de novo a mesma pergunta. Hesito, penso. Tenho a representação visual do meu nome escrito, mas é-me absolutamente impossível pronunciá-lo; balbucio.

– Vou adormecê-lo – diz-me o Sr. de R.

Um vago temor me invade. A ideia de um sono onde a minha vontade será aniquilada me faz quase recusar a prestar-me a esta experiência se o medo de ser considerado medroso não se opusesse. Sentimento bastante complexo: o pavor do desconhecido, um respeito humano no fundo bastante banal e – o que de repente predomina – uma confiança encorajadora no experimentador. No entanto, é com emoção bastante viva que me entrego às mãos do Sr. de R. e, também com a esperança de que eu não seja susceptível de ser adormecido.

O Sr. de R. senta-se diante de mim, segura os meus polegares e fixa os seus olhos nos meus. O seu olhar incomoda-me; primeiro, eu me enrijeço; depois, experimentando uma sensação dolorosa, como uma crispação dos músculos da pálpebra, tento desviar os olhos; mas não consigo! Então deixo-me levar; sinto que o Sr. de R. fecha os meus olhos com os dedos; e não percebo mais nada.

De repente, ouço o Sr. de R. me ordenar que abra os olhos. Faço-o facilmente e parece-me que me encontro em estado normal. Fico bastante admirado quando o Sr. de R. me diz: “Você está adormecido.”

E, efectivamente, não consigo, se ele me proíbe, levantar nem um braço, nem uma perna, nem fazer qualquer movimento. No entanto, à minha volta distingo todas as coisas como neste momento. Lembro-me até mesmo de ter ouvido baterem à porta e o Sr. de R. responder: “Daqui a pouco!”

Nada me escapa e tudo é preciso.

– Vou despertá-lo para que não se fatigue demais esta primeira vez – diz-me o Sr. de R.

– Você se apercebeu de tudo o que experimentou? Você se lembrará quando estiver acordado... Ah! dê-me o seu lenço. (Eu lhe dou.) Bem! Observe que você me deu o seu lenço. Você não se lembrará mais deste acto quando estiver acordado, mas se lembrará de todos os outros.

O Sr. de R. sopra sobre os meus olhos. Sinto que me enrijeço. Perco a consciência do que se passa. Em seguida reabro os olhos, um pouco aturdido, como ao despertar de manhã. Já posso levantar-me e andar à vontade.

– Você lembra-se do que fizemos e dissemos enquanto estava adormecido? –  pergunta-me o Sr. de R.

Alguns segundos de esforço, seguidos de uma resposta afirmativa.

– Eu lhe disse para me dar seu lenço?

– Sim.

– Você mo deu?

– Não.

– Então, dê-mo.

Revisto os meus bolsos; não o encontro. Como vou objectar que provavelmente não o encontro porque não o coloquei no bolso, o Sr. de R. me diz:

– Você me deu o seu lenço; mas eu lhe tinha ordenado que esquecesse o facto. Ei-lo, e vá passear ao ar puro.

Sinto realmente necessidade de respirar; os meus nervos têm sobressaltos violentos. Revejo, caminhando, como que alucinado, todos os detalhes dos móveis do gabinete do Sr. de R. Eu já havia lá entrado outrora, mas é certo que jamais tinha guardado lembranças tão nítidas do gabinete. Será que a ordem, recebida durante a hipnose, de lembrar-se do que se faz, do que se diz, do que se vê, tem influência sobre a intensidade da lembrança? Por outras palavras, a imagem dos objectos que impressionaram a minha retina durante o sono magnético não reaparece mais vivamente sob a influência de uma sugestão do que depois da contemplação desses objectos durante a vigília? Na verdade, a ordem dada pelo Sr. de R. não indicava que eu devia rever tudo alucinadamente, mas que, simplesmente, eu devia lembrar-me de uma maneira geral do que havia visto. Ora, sob esse aspecto, nenhuma dúvida: o escritório, a portinhola, os quadros se objectivavam e me apareciam como reais.

Mas por que a alucinação não se estendia a todas as outras lembranças? Eu revia o cómodo; por que não ouvia a voz do Sr. de R.? Por que as sensações auditivas que tive, adormecido, não se objectivavam como as sensações visuais?

A sugestão apurou o poder da lembrança, exagerou as minhas faculdades habituais, mas provavelmente sem nada alterar a sua relação entre si.

Sou bom vidente, medíocre audiente. A sugestão desenvolveu igualmente as minhas faculdades auditivas e visuais, se assim posso exprimir-me, de forma que, sob a sua influência, permaneci bom vidente, medíocre audiente. O mesmo desenvolvimento era suficiente para levar-me à alucinação da faculdade visual, já grande, o que não acontecia com a faculdade auditiva, mais fraca. Entre as duas a relação continua constante. É uma hipótese que será preciso verificar nas experiências seguintes.

Depois de duas horas a lembrança enfraqueceu.

23 de Julho de 1893

Estou acordado.

O Sr. de R. aplica-me passes ao longo do meu braço e da minha mão esquerda; sinto pouco a pouco o meu braço enrijecer-se. Vejo o Sr. de R. me beliscar a pele da mão tão fortemente que a marca das suas unhas aí fica; no entanto, não sinto nenhuma dor. Então o Sr. de R. afasta a sua mão da minha, progressivamente, pressionando várias vezes a unha do seu polegar contra a do seu indicador como que para beliscar. A uma certa distância, sinto de repente do outro lado da mão um beliscão bastante forte. A mão do Sr. de R. continua a afastar-se. É-lhe necessário percorrer uma nova distância, maior do que a primeira, para que eu sinta um segundo beliscão, aliás consideravelmente mais fraco do que o primeiro. O Sr. de R. afasta-se ainda mais. A uma distância maior do que a primeira, maior do que esta o foi de minha mão, o beliscão no vazio repercute novamente sobre a minha mão, mas com a sensação atenuada. Em seguida, muito mais longe, eu não sinto mais do que um vago toque; e, a partir daí, absolutamente nada.

Várias vezes repetida, esta experiência permite-me concluir que camadas sensíveis se formam à volta das partes magnetizadas do meu corpo e que a distância da primeira camada para a pele é de cerca da metade da distância que separa as outras camadas.

Que experimento a sensação acima mencionada quando a mão do Sr. de R. age sobre as camadas abc, etc., isto é inegável; mas que papel assume aqui a sugestão? Um papel muito grande, creio.

Com efeito, se fecho os olhos, enquanto o Sr. de R. percorre, beliscando o vazio, a distância entre a minha pele e a camada sensível c, que é a mais distante, confesso francamente que antes imagino a sensação do que realmente a experimento; ela é suposta, e não experimentada. Apenas, desde que reabro os olhos, ela se torna perfeitamente consciente, mais fraca em c do que em b, e em b do que em a, como já mencionei anteriormente.

Um espectador poderia supor que engano. “O sujet – diria ele – deve sentir da mesma forma, quer veja ou não a mão do magnetizador beliscar o vazio, quando esta passa em ab e c. Ora, isto não acontece. É preciso que ele se aperceba do ponto do espaço onde se encontra a mão do magnetizador para reagir a uma dada excitação a um pretendido fluido que eu gostaria de ver para crer. Na realidade ele não sente nada, de olhos fechados ou abertos; ele simula a sensação.”

O espectador, a meu ver, tem razão quando afirma que eu deveria sentir da mesma forma, de olhos fechados como abertos; é à sugestão seguramente que é preciso perguntar a causa dessa irregularidade.

Mas no que se refere a sentir realmente, o espectador comete um erro quando o nega. Sou plenamente sincero, e mesmo que seja necessário procurar a causa desses fenómenos na pura sugestão, ou ainda efectivamente no fluido exteriorizado, ou provavelmente nos dois ao mesmo tempo, a sensação é realmente experimentada; eu reajo sem simulação. (II)

O Sr. de R. me adormece. Abandono-me ao sono com confiança, sem o medo do primeiro dia. As mesmas experiências renovadas dão o mesmo resultado. As minhas observações de hoje confirmam o que eu supunha, outro dia, relativamente à relação constante entre as minhas faculdades auditivas e as visuais sob a influência da sugestão, como também no estado normal.

Tem lugar uma nova experiência.

Pense em alguém – diz o Sr. de R. – Você vai ver a pessoa em quem pensa sentada numa poltrona à sua direita.

Penso na minha irmã, sem nada dizer. Volto-me e emito um “oh!” de surpresa, vendo, com efeito, a minha irmã no local indicado. Continuo com os olhos fixos algum tempo sobre ela, que não se mexe. Mas desvio-os, em seguida, por um segundo, e torno a dirigi-los, agora em vão, para a poltrona onde ela me apareceu; a visão desvaneceu-se e seria preciso uma nova ordem do Sr. de R. para que ela me reaparecesse.

Durante a passagem do sono para o estado de vigília, não experimento nenhuma sensação particular; ou então ela é tão vaga que não posso defini-la.

25 de Julho de 1893

O Sr. de R. adormece-me e diz-me:

– Há um buquê de rosas num vaso com água sobre a mesa atrás de você. Vá tocá-lo.

Sem hesitação caminho na direcção da mesa. Há aí, efectivamente, um buquê que retiro do vaso com água. Tento sentir o aroma das rosas, mas elas não exalam nenhum perfume.

– Friccione a sua fronte vigorosamente – diz-me o Sr. de R.

Faço-o e, imediatamente em seguida, o buquê desaparece.

Desta forma a alucinação limitou-se à exacta sugestão dadaveja e toque, mas não me foi dito para sentir o aroma.

Continuo adormecido.

O Sr. de R. começa por renovar as experiências de anteontem sobre a exteriorização do fluido sensível. Toco um objecto; não o sinto. A sensação do contacto existe somente se o objecto é colocado à distância e de acordo com as leis de distanciamento observadas anteontem sobre a minha mão, enquanto que apenas o meu braço estava magnetizado. Mas não é somente a sensação do contacto que posso agora experimentar, de acordo com as mesmas leis.

O Sr. de R. pega um frasco tapado e passa-o sob o meu nariz, bem contra as narinas. Não sinto absolutamente nada. Ele então distancia o frasco. Tão logo este se encontra a uma certa distância, na primeira camada sensível, a, reconheço o aroma da erva-ursa. Quando o frasco se distancia entre a primeira camada sensível a e uma segunda camada sensível b, não sinto mais nada. Volto a sentir em b; depois mais nada entre b e c; depois de novo, porém mais fracamente, em c; mais distante não posso distinguir mais nada; as distâncias entre a e b e entre b e c são mais ou menos iguais entre si e o dobro da distância entre a minha pele e a primeira camada sensível a.

Vejo o Sr. de R. pegar uma bonequinha de cera vermelha; ele a mantém imóvel por um momento na camada a; sinto muito bem o objecto. Retira-a em seguida para além da camada c e a espeta com um alfinete. Não sinto nada.

– Ah! Ah! Não se pode enfeitiçá-lo (III) – diz o Sr. de R. –, provavelmente porque o seu fluido não se dissolve na cera; mas talvez consigamos com água.

Demoradamente o Sr. de R. mantém um copo de água na camada a. Tenho ainda a sensação do contacto de um objecto; porém, se eu não olhasse, ser-me-ia impossível especificar a natureza e a forma desse objecto. Em seguida o Sr. de R. afasta o copo, mergulha o dedo na água e a agita. Ainda nada.

Vejamos com o ferro.

Na camada a o Sr. de R. mantém um molho de chaves sobre sua mão aberta. Nova sensação de contacto, e desta vez um inexplicável sentimento de incómodo: absorção de fluido por um corpinho estranho? Feitiço? O certo é que me lamento de contactos dolorosos quando o Sr. de R., afastando-se, esfrega as chaves dentro de sua mão fechada; precipito-me com uma raiva ciumenta e obstino-me em tê-las vários minutos em minha posse como se eu tivesse medo de ver arrancado um membro, retirada uma parcela de minha vida.

Para fazer cessar esse estado de exaltação, o Sr. de R. me desperta.

– Você poderá tornar-se, depois de muitas sessões, um sujet precioso – diz-me ele rindo –, mas devolva-me minhas chaves. Tenho que levá-las comigo!

/…
(I) Esse diário foi publicado em Junho de 1895 nos "Analles des Sciences Psychiques". (A.R.)
(II) Para mim a verdadeira explicação é que, da mesma forma que sobre a pele normal, o grau de sensibilidade varia com o grau de atenção. Olhando o local onde se é beliscado, o "sujet" acumula sobre esse ponto uma quantidade maior de fluido, que, assim, aumenta consideravelmente a sensação. Todo a gente sabe que, quando um médico quer dar uma injecção num doente e diminuir-lhe a dor, ele aconselha-o a não olhar para o local da aplicação. (A.R.)
(III) O verbo enfeitiçar neste texto (no original em francês, "envoûter" assume o sentido de fazer um feitiço, um boneco de cera à semelhança da pessoa a quem se queira mal, infligindo a este boneco certos martírios que, segundo se acredita, vem a padecer a pessoa que ele representa. (N.T.)


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte – Experiências magnéticas, Capítulo II Regressão da memória e previsão, Caso nº 1 – Laurent, 1893 1 de 4, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

~~~Párias em Redenção~~~

ALUCINAÇÃO E CRIME (IV)

Horas avançadas, Girólamo caminhava pela alcova, agitado, em trajes de dormir.

O punhal afiado brilhava aos reflexos do luar que por vezes penetrava no quarto, colocado sobre delicada arca de cânfora trabalhada.

Pensava, em tumulto íntimo, na agressão que deveria perpetrar e que culminaria no homicídio múltiplo.

Repentinamente, percebeu-se recordando o pai adoptivo, recém-falecido e surda revolta lhe assomou à mente. Como se se sentisse realizado em poder vingar-se da antipatia natural que ambos nutriam reciprocamente, monologava: “Esta é a hora do meu desforço. Estás morto, miserável! Tudo me pertencerá, logo mais. E agora, Senhor di Bicci di M.?”

O pensamento em desalinho martelava, repetia, disparava dardos de ódio que buscavam o alvo…

Conquanto a enfermidade o vitimasse com rapidez, o duque sabia que se acercava da porta da Imortalidade. No íntimo, acalentava, quase desejoso, poder dar o grande passo, que o colocaria ao lado da esposa idolatrada. Homem lutador, não cultivara, todavia, os sentimentos da fé, deixando o problema da religião ao sacerdote que mantinha no palácio para cuidar das responsabilidades da alma, como se outrem pudesse responder pelos deveres espirituais que a cada um nós cabe, no cômputo da existência planetária. Ignorando totalmente as realidades espirituais, sentia a desvitalização orgânica e a paralisia cerebral, compreendendo ser a aproximação da morte, vencido de angústia pelo destino dos filhos e de Lúcia, que ficariam a sós, num mundo de ódios e vinganças qual aquele, apesar dos cuidados que tivera na distribuição dos bens.

Mesmo após estarem paradas as carnes pela morte e ser o seu espírito sacudido por diversos delíquios, experimentava sensações estranhas. A morte não lhe dominou o raciocínio. Seria aquilo morrer?! – pensou. Somente, então, recordou-se de que nunca dera atenção a tão importante questão da vida. Acompanhou, sem compreender, o velório, as exéquias, os prantos e a cerimónia final, com os sentidos atordoados, desconexos, observando o que se passava, sem inteirar-se totalmente da realidade. Sim – pensava –, deveria ter morrido, pois que não conseguia comunicar-se com as pessoas presentes, e todos aqueles apetrechos lutuosos traduziam o desaparecimento do senhor da herdade, como era tradição. Ele, porém, continuava a viver, experimentando as dominadoras sensações de sempre. Que era, porém, a morte? Não podia examinar o palpitante assunto naquele instante. A dor visitava-o, a fraqueza que o imobilizara no corpo continuava a sua acção nos departamentos diversos do seu ser, tonturas constantes e frio cortante venciam-no lentamente. Desejou andar, traduzir as aflições do momento, agasalhar-se, e não pôde. Estava ligado aos despojos orgânicos que, sem saber precisar como, conduziram-no ao esquife e ao mausoléu...

Encontrava-se em agonias longas, com dificuldade respiratória, quando pareceu escutar soturna voz que o chamava com veemência, exercendo, sobre a sua mente, desconhecido poder. Padecimentos mais fortes assaltaram-no, qual se uma chibata habilmente manipulada o açoitasse. Incapaz de compreender quanto se passava, foi subitamente arrastado da capela mortuária, em que jazia o corpo, por estranho sortilégio, aos aposentos de Girólamo e pôde, então, identificar o sobrinho, cujos dentes rilhados pronunciavam-lhe o nome, blasfemando, irado, venal…

A pobre entidade, ainda esmagada pelas sensações e emoções do túmulo, em recomeço difícil, recordou a surda antipatia que sempre lhe inspirara o moço e, sentindo-se alvo do ódio do ingrato, começou a revidar, desavisado, esquecido da situação nova, quando observou que o jovem se acercou da arca, sacou do punhal reluzente e avançou pelo longo corredor em trevas, na direcção da ampla alcova das crianças e de Lúcia.

Sentindo-se aniquilar pelo horror que dele se apossava, o Espírito perturbado em si mesmo seguiu-o e, em superlativa amência, acompanhou o trágico desfecho da insanidade.

Girólamo, tomando um travesseiro de plumas leves, acercou-se do leito de Grazziella e asfixiou-a impiedoso, enquanto a menina, adormecida e impossibilitada de respirar, debatia-se sem forças até à parada total dos movimentos, qual ave fraca e inocente nas garras odientas do abatedor. Concluía a primeira etapa, o homicida repetiu a experiência com as demais crianças, após o que se acercou de Lúcia, dominado por infeliz e desconcertante vindita, apunhalando-a repetidas vezes, enquanto gritava, totalmente louco…

A jovem nem sequer despertou do torpor que a venceu. Emitiu surdos ruídos e desfaleceu, moribunda, e logo morta, atirada ao solo pelo implacável tirano.

 Aos gritos do moço, os servos acorreram, trazendo archotes, e depararam com a cena funesta, indescritível. O moço, banhado pelo sangue da vítima, apontava-a morta, enquanto bradava:

– Fui obrigado a matá-la. Surpreendi a infame asfixiando as crianças, meus primos, com o travesseiro, naturalmente para ficar herdeira única. Não resisti, e apunhalei-a quanto pude!

“Nada há mais que fazer. Está morta; estão todos mortos! A assassina, serpe venenosa que se nutriu do leite que a vitalizou, terminou por picar o seio no qual se alimentava. Vingança, vingança!”

Ante os brados dos servidores, desesperados, estupidificados, o palácio se transformou imediatamente num pandemónio terrível.

Girólamo despachou servos na direcção de Siena, para que as autoridades fossem notificadas da tragédia inominável e viessem tomar conta dos acontecimentos chocastes.

A manhã surgiu na densa neblina, enquanto o palácio do Senhor di Bicci di M. enlutava-se outra vez, no curso da mesma semana, agora sob o estigma de inconcebível catástrofe.

O Espírito do duque, face ao infortúnio, desfaleceu ali mesmo, no recinto da desgraça, vencido por inexplicável dor.

Simultaneamente, a sombra augusta da duquesa, em prece, acompanhava, comovida, o desenrolar do drama, buscando receber nos braços os espíritos colhidos ao império da Lei de Causa e Efeito. Acolitada por Emissários do amor, oferecia assistência a Lúcia e aos filhos, que chegavam à vida nova em circunstâncias trágicas, porém libertados dos cruéis liames com a retaguarda. Infelizmente, e porque se vinculasse pelo revide mórbido a Girólamo, não pôde ser amparado com a mesma segurança o duque, dolorosamente esmagado pelas agonias que o desequilibravam.

/…


VICTOR HUGO, Espírito "PÁRIAS EM REDENÇÃO" – LIVRO PRIMEIRO, 2. ALUCINAÇÃO E CRIME (4 de 4), 7º fragmento da obra. Texto mediúnico ditado a DIVALDO PEREIRA FRANCO.
(imagem de contextualização: L’Âme de la Florêt_1898, tempera e folha de ouro sobre painel de Edgard Maxence)