domingo, 14 de agosto de 2016

Victor Hugo | uma chama de fogo a iluminar as idades


Algumas respostas mediúnicas

Júlio Bois, em seu importante livro Le Mirage Moderne, faz um detido estudo sobre Victor Hugo espírita. Diz que o poeta abraçou o espiritismo a seis de Setembro de 1855, em Jersey, tendo como iniciadora Madame Émile de Girardin. O médium das sessões assistidas por Hugo era o seu filho Carlos. Este não sabia inglês, não obstante um dia chegou um britânico que tinha desejos de relacionar-se com Lord Byron. Esta entidade espiritual não se fez esperar e disse assim:

Vex not the bard, his lyve broken,
His lasta son sung, his last word sponen.

Prosseguindo o poeta com os trabalhos tiptológicos, conseguiu que Ésquilo se expressasse em admiráveis versos do seguinte modo:

"Não, o homem não será jamais livre na terra. Ele é o triste prisioneiro do bem, do mal, do belo. Por uma lei misteriosa, não pode gozar de liberdade senão quando se converte em prisioneiro do túmulo. Fatalidade, leão pelo qual a alma é devorada, tenho eu pretendido dominar-te com braço ciclópico, tenho pretendido levar sobre minhas costas atigrada pele e gostava que de mim dissessem: "Esquilo nemeu". Não o consegui, a fera humana destrói também as nossas carnes com as suas garras eternas; o coração do homem está repleto de gritos de ódio e esta fossa de leões não tem Daniel. Depois de mim veio Shakespeare, viu as três bruxas, oh Neméia! chegarem do fundo da selva e derramarem nos nossos corações as suas caldeiras revoltas, os filtros monstruosos do imenso segredo. Depois de mim, o domador, chegou o caçador a esta grande selva do limite do mundo. E como olhasse em sua alma profunda, Macbeth gritou: "Fujamos", e Hamlet disse: "Tenho medo". Salvou-se. Moliére apareceu então no limítrofe e disse: "Vejamos se a minha alma morre. Comendador, vem cear''. Mas no banquete de pedra, Moliére tremeu enquanto empalidecia don Juan. Mas, qualquer que seja o especto, a bruxa ou a sombra, eras sempre tu, leão, com a tua garra de ferro. Tu enches de tal modo a grande selva sombria, que Dante te encontra ao entrar no Inferno. Tu não és dominado senão quando a morte devoradora te arranca com dentes a alma em pedaços, se apodera de ti na selva profunda, secular, e te mostra com o dedo a tua jaula: o túmulo.''

Um dia Victor Hugo se dirigiu ao espírito de Moliére em magníficos versos, para dizer-lhe: "Os reis e vós, lá em cima, trocam de roupagem? Luís XIV no céu não é teu criado? Francisco I é o louco de Triboulet? Creso é lacaio de Esopo?"

Moliére não respondeu; fê-lo uma entidade espiritual chamada A Sombra do Sepulcro, dizendo:

"O céu não castiga com semelhantes artifícios e não converte em louco a Francisco I. O inferno não é um baile de grotescos comparsas, no qual o negro castigo seria o alfaiate".

O poeta não ficou satisfeito com a resposta. Mas noutro dia as entidades invisíveis pediram-lhe que as interrogasse em versos. Victor Hugo declarou "que não sabia improvisar desse modo", razão porque pediu fosse marcada uma reunião mediúnica.

No dia seguinte, ao ditar Moliére tiptologicarnente o seu nome, o poeta respondeu recitando com forte acento os seguintes versos (i) :

Oh, tú, que la manopla de Shakespeare recogiste,
Que cerca de su Otelo tu Alcestes esculpiste,
Sombrío de pasión!
!Oh, sol, que resplandeces en doble espacio y vuelo;
Poeta desde el Louvre, y arcángel en e! cielo!
Tu espléndida visita honora mi mansión.
?Me tenderás arriba tu hospitalaria mano?
Que caven en el césped mi fosa: sin pesar,
Sin miedo la contemplo; la tumba no es arcano;
Yo sé que en ella encuentra prisión e! cuerpo vano,
Mas sé también que el alma suas alas ha de hallar.

Moliére, porém, não respondeu. "Le Journal", de 20 de Julho de 1899, disse que houve expectativa e que respondeu novamente A Sombra do Sepulcro, resposta esta que não se pode ler sem sentir urna certa admiração por sua irónica grandeza. Eis, aqui, os versos ditados tiptologicarnente:

!Espíritu que quieres saber nuestro secreto,
Que en tus tinieblas alzas la antorcha terrena!,
Que a tientas y furtivo, pretendes indiscreto,
Forzar la inmensa tumba, là puerta funeral!
!Retorna a tu silencio y apaga tus candeias;
Retorna hacia la noche profunda en donde velas,
Dejando algunas veces tu densa oscuridad;
Los ojos terrenales, aun vivos, aun abiertos,
No leen por encima de! hombro de los muertos
La augusta eternidad!

(i) A tradução é do reconhecido poeta espanhol SalvadorSellés. N. do Autor.

Victor Hugo, ao ver-se tão duramente tratado, objectou a entidade comunicante dizendo-lhe que empregava expressões simbólicas. A Sombra do Sepulcro respondeu-lhe assim:

"Imprudente! Exclamas: A Sombra do Sepulcro fala em linguagem mundana, emprega imagens bíblicas, serve-se de palavras, metáforas, fábulas, para dizer a verdade... A Sombra do Sepulcro não é uma ficção, mas uma realidade. Se desço a falar vossa gíria em que o sublime consiste em armar algum estrondo, é porque sois insignificantes. A palavra é um aguilhão do espírito; a imagem, a golilha do pensamento; vosso ideal, o grilhete da alma; vossa sublimidade um fundo da masmorra; vosso céu, a abóbada de uma gruta; vossa língua, um ruído enfeixado num dicionário. Minha linguagem é a Imensidade, o Oceano, o Furacão. Minha biblioteca contém milhares de estrelas, milhares de planetas e constelações. Se quereis que fale a minha linguagem, sobe ao Sinai e me ouvirás nos raios; sobe ao Calvário e me verás nos relâmpagos; desce ao sepulcro e me sentirás na clemência".

Na carta que em 1855 dirigiu a Emilia de Girardin, o poeta escrevia: "As mesas nos dizem coisas surpreendentes. Todo um sistema quase cosmogónico por mim pensado e escrito em vinte anos foi confirmado com grandeza magnífica. Vivemos aqui num 'horizonte' misterioso que muda a perspectiva do desterro e pensamos a quem devemos esta 'janela aberta'. As mesas nos impõem o silêncio e o segredo".

Ausente de Jersey Madame de Girardin, o poeta continuou com a sua família as relações espirituais com o mundo invisível. Deixou esta tarefa registada em vários cadernos que mais tarde o seu amigo, o grande astrónomo Camille Flammarion, pôde revisar e dos quais publicou alguns fragmentos em "Les Annales Politiques et Literaire", de 7 de Maio de 1899, onde o autor de Urânia dizia o seguinte: "Mme. Victor Hugo e o seu filho Francisco estavam quase sempre à mesa. Vacquerie e alguns outros só se acercavam alternadamente. Hugo, jamais. Desempenhava o papel de secretário escrevendo à parte, em folhas soltas, os ditados da mesa. Esta, consultada, anunciava geralmente a presença de poetas, de autores dramáticos e de outros personagens célebres, tais como Moliére, Shakespeare, Galileu, etc. Mas a maior parte das vezes, sempre que interrogada, em lugar do nome esperado a mesa dava o de um ser imaginário; por exemplo, este, que se repete com frequência: A Sombra do Sepulcro".

O conhecimento dos casos de literatura do além-túmulo tem se multiplicado na obra realizada por autores sérios e responsáveis. Na Itália, o extraordinário investigador Ernesto Bozzano se dedicou a análises deste género literário, o que se pode ver nas sua notável monografia intitulada ''Literatura do Além-Túmulo". Pois bem, não serão acaso estes assombrosos fenómenos mediúnicos-literários um novo caminho de Damasco para reencontrar Deus e o Espírito?

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Humberto Mariotti (i)Victor Hugo Espírita, Algumas respostas mediúnicas, 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)