quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Alfred Russel Wallace e o Sobrenatural ~


IX – Os ensinamentos morais do espiritualismo ~ 

Agora temos que considerar se esta vasta série de fenómenos que nos fazem entrar em comunicação com seres que passaram para uma outra fase da existência, nos ensina algo que possa tornar-nos pessoas mais sábias e melhores. Eu pessoalmente acredito que sim e, me esforçarei, tão brevemente quanto possível, em apresentar o que são as doutrinas do espiritualismo moderno. 

A hipótese do espiritualismo não apenas considera todos os factos (e é a única que o faz), mas vai ainda mais longe pela sua associação com uma teoria do futuro estado da existência, que é o único que alguém já deu ao mundo em condições de ser confiado ao pensamento filosófico moderno. Há uma concordância geral e um tom de harmonia na quantidade de factos e comunicações chamadas ‘espirituais’, que têm levado ao crescimento de uma nova literatura e ao estabelecimento de uma nova religião. As principais indicações desta doutrina são, que, após a morte, o espírito humano sobrevive num corpo etéreo, dotado de novas capacidades, mas sendo mental e moralmente o mesmo indivíduo que era quando vestido de carne; que ele inicia, a partir de certo momento, um curso de progressão aparentemente sem fim, cuja velocidade está na medida que as suas faculdades mentais e morais são exercitadas e cultivadas enquanto se encontra na Terra; que as suas alegrias ou as suas misérias relativas irão depender inteiramente dele mesmo. Apenas na medida em que as suas faculdades humanas superiores fizeram parte dos seus prazeres aqui, ele irá encontrar-se contente e feliz num estado de existência no qual estes terão o mais completo exercício. Aquele que dependeu mais do corpo que da mente para os seus prazeres irá, quando aquele corpo não existir mais, sentir um desejo angustiante e, necessitará desenvolver vagarosa e dolorosamente a sua natureza intelectual e moral até que este exercício se torne fácil e prazeroso. Nem punições nem recompensas são distribuídas por um poder externo, mas a condição de cada um é a sequência natural e inevitável da sua condição aqui. Ele começa novamente do nível do desenvolvimento moral e intelectual que atingiu quando estava na Terra. 

Temos aqui um suplemento notável para as doutrinas da ciência moderna. O mundo orgânico foi levado a um alto estado de desenvolvimento e sempre mantido em harmonia com as forças da natureza externa pela grande lei da "sobrevivência do mais adaptado" actuando sobre organizações em estado de variação contínua. No mundo espiritual, a lei da "progressão do mais adaptado" ocupa o seu lugar e traz consigo uma ininterrupta continuidade do desenvolvimento da mente humana aqui começado. 

A comunhão do espírito com o espírito se dá pela leitura de pensamentos, pela afinidade e, é perfeita entre aqueles cujos seres estão em harmonia uns com os outros. Aqueles que diferem amplamente possuem pouco ou nenhum poder de intercomunhão e desta forma são constituídas ‘esferas’, que são divisões, não meramente de espaço, mas de organizações sociais e morais afins. Os espíritos das esferas superiores podem se comunicar e, o fazem algumas vezes, com aqueles duma esfera inferior, mas estes últimos não podem comunicar-se com os que se encontram acima. Há para todos um progresso eterno, um progresso que depende apenas do desenvolvimento da natureza espiritual pelo poder da vontade. Não há espíritos do mal, mas espíritos de homens maus e, até os piores estão certamente em progresso, ainda que lentamente. A vida nas esferas superiores possui belezas e prazeres que não somos capazes de imaginar. As ideias de beleza e poder são percebidas por meio da vontade e, o cosmos infinito se torna um campo onde os maiores desenvolvimentos do intelecto se podem estender pela aquisição do conhecimento sem limites. 

Pode pensar-se, talvez, que estou apenas a dizer o meu ideal de um estado futuro, mas não é isso. Toda a afirmação que fiz é derivada daquelas fontes desprezadas, a mesa girante (rapping table), a mão que escreve ou o médium que fala em transe. E para mostrar que não estou apreciando as ideias em si ou a maneira pela qual elas nos são transmitidas, adiciono alguns pequenos extractos de comunicações de uma das mais bem dotadas "médium de transe", a senhorita Emma Hardinge, agora senhora Hardinge-Brinca. 

Nas suas comunicações sobre o Hades, (*) ela recapitula a sua descrição do nosso progresso através das esferas: 

Da natureza destas esferas e dos seus habitantes, temos falado do conhecimento dos espíritos que ainda estão no Hades. Você teria alguma definição imediata da sua própria condição e aprenderia como vivê-la, quais deveriam ser as suas roupas, qual seria a sua mansão, cenário, propriedade e ocupações? Volte os seus olhos para si mesmo e pergunte o que aprendeu e o que fez nesta escola para as esferas do mundo dos espíritos. Então, há uma aristocracia e até uma escala real e graus de variação, mas a aristocracia é a do mérito e a realeza, a da alma. São apenas os homens verdadeiramente sábios que governam e, como a alma mais sábia é a melhor e, como a maior sabedoria é a do maior amor, logo a realeza da alma é a da verdade e do amor. No mundo do espírito, todo o conhecimento da Terra, todas as formas da ciência, todas as revelações da arte, todos os mistérios do espaço devem ser entendidos. A alma enaltecida está, então, amplamente pronta para a sua partida para um estado superior ao Hades, precisa conhecer tudo o que a Terra pode ensinar e ter praticado tudo o que o Céu requer. O espírito nunca deixa as esferas da Terra antes de possuir completamente toda a vida e o conhecimento deste planeta e das suas esferas. E embora o progresso se possa ter iniciado aqui e, nenhuma anotação daquilo que aprendeu, ou pensou, ou do que se esforçou por fazer é perdido aqui: todas as realizações serão finalizadas aqui, e nenhuma alma pode fazer o voo para o qual é chamada pela sua perfeição, ao Céu, até que tenha passado pela Terra e pelo Hades e, permaneça pronta essa sua completa peregrinação para entrar nas novas e indescritíveis glórias das esferas celestiais do além. 

Poderia o filósofo ou o homem de ciência pintar para si um ideal de estado futuro mais perfeito que este? Isto não se lhe impõe, como o que ele poderia desejar, se ele pudesse, por meio deste desejo, formar o seu próprio futuro? Pois este é o ensinamento do que ele rejeita por impostura ou trata por ilusão - como truques de trapaceiro ou delírios de louco: o espiritualismo moderno. Cito outra passagem da mesma fonte e, pediria aos meus leitores para que comparem a modéstia do primeiro parágrafo com a pretensão de infalibilidade usualmente utilizada pelos professores de novos credos ou de novas filosofias

/... 
(*) Nota da editora: O Hades, segundo os antigos gregos, seria a região do mundo espiritual para onde iriam os homens ainda em processo de evolução, de onde retornariam à terra para novas experiências na carne. Esse processo se renovaria por alternados períodos na Terra e no Hades, até que o espírito atingisse a perfeição, quando finalmente habitaria os Campos Elísios. É impressionante a semelhança da crença dos antigos gregos com os ensinamentos do espiritismo. 


Alfred Russel WallaceO Aspecto Científico Sobrenatural, IX – Os ensinamentos morais do espiritualismo (1 de 3), 7º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt | 1898, tempera e folha de ouro sob painel, detalhe, de Edgard Maxence) 

domingo, 7 de novembro de 2021

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos ~ 

Era uma terra importante, austera e imponente, a do País de Gales, antes que a indústria moderna a tivesse coberto de chaminés das usinas, perfurado por inúmeras bocas de minas e obscurecido o seu céu com espessa fumaça. Hoje ainda podem ser notados os resíduos da acção das forças subterrâneas que esculpiram as suas colinas, alteraram as suas montanhas, como aquela de Snowdon esse monte sagrado que domina toda a região, ultrapassa mil metros de altura e cuja origem vulcânica é evidente. 

Em todos os lugares, magmas de lavas e de pórfiro se alternam com as rochas e terrenos eruptivos, formando camadas em desordem que a Geologia designa pelo nome de cambrianas, que foi o nome primitivo da região. 

No relevo das suas montanhas, Gales do Norte reúne a graça dos vales e a abundância das torrentes. 

A Escócia também conheceu e conservou restos de manifestações dessa potência que ergueu cumes abruptos. Foi ela que levantou essas muralhas de granito, de basalto, de pórfiro, marginais ao canal caledónio e se prolongam até à costa da Irlanda sob a forma de colunata imensa, conhecida sob o nome de Calçadados Gigantes

A Escócia tem, além disso, a poesia, a beleza triste e severa dos seus lagos, dos seus pantanais e dos seus planaltos solitários, semeados de urzes róseas e de musgos de todas as cores. 

A parte norte é encrespada de picos, sempre envolvidos de neblina, mas tão imponentes quando se tingem de púrpura, no crepúsculo, ou de raios esbranquiçados da Lua. 

Acrescentemos as penínsulas escarpadas que se prolongam ao longe no mar, os promontórios incessantemente batidos pelas ondas e, se terá uma ideia dessa natureza formidável onde se ramifica a cadeia mestra que serve de coluna vertebral à Grã-Bretanha. 

Uma longa guirlanda de ilhas contém as chamadas Terras Altas da Escócia, e uma delas, Staffa, possui a célebre grutade Fingall, semelhante a um templo e, onde cada dia a maré crescente executa a sua cantiga queixosa. A raça dócil e forte que se adaptou a esses países parece ter bebido neles, na sua natureza grandiosa, as qualidades viris que a distinguem e, principalmente, toda essa vontade firme que, através dos tempos de provas, conserva, apesar de tudo, a esperança de uma renascença e de uma vida eterna

A causa desse fenómeno nos é revelada pelo espírito Allan Kardec numa das mensagens que publicamos adiante. Ele provém da corrente céltica que, desde os tempos primitivos, se estendeu no nordeste da Europa, impregnando profundamente o seu solo, e de onde o seu magnetismo atingiu os habitantes e, pouco a pouco, as gerações que ali se sucederam. 

É preciso notar, com efeito, que os ingleses e os saxões que vieram do leste possuem um carácter bem diferente, mais positivo e prático, menos inclinado para o ideal. Se, por excepção, se encontram entre eles naturezas mais idealistas, é raro que elas não se liguem por laços anteriores a alguma origem céltica. Tais são, por exemplo, Conan DoyleBernard Shaw e tantos outros, que, por mais ingleses que sejam, pela cultura e pela língua, não provêm menos de um tronco irlandês. 

Apesar das longas, das eternas perseguições, os anglo-saxões nunca conseguiram domar o sentimento nacional, o carácter étnico dos galeses e dos escoceses. Bem longe de os assimilar, eles foram, isso sim, assimilados pelos anglo-saxões, cada vez que entraram em contacto permanente. É assim que os operários ingleses, atraídos ao País de Gales pela indústria mineira, adoptaram rapidamente os hábitos e mesmo a língua desse país. 

Graças à sua energia persistente, o Principado de Gales soube guardar a sua autonomia administrativa, assim como as grandes franquias para as suas escolas, colégios e universidades e, até mesmo para a sua igreja nacional. Ele conservou a sua língua e a sua literatura, de tal modo que a cidade de Cardiff e o condado de Glamorgan se tornaram os focos mais intensos da propaganda céltica, onde se imprimem e se publicam todas as obras dos bardos antigos e modernos. 

Dali partiu o primeiro sinal do movimento pancéltico que reúne, todos os anos, delegados vindos de todos os pontos do horizonte para confraternizar num mesmo espírito e num mesmo coração. 

Se a força vital de um povo é a sua alma, fé na justiça imanente e num Além compensador, pode dizer-se que os galeses estão de tal sorte impregnados por ela que a sua convicção recai sobre todo o seu estado moral e social. Com efeito, nota-se ali uma coisa bastante rara na França: é que os tribunais frequentemente não entram em função por não haver acusados nem culpados para julgar. 

O alcoolismo, esse flagelo dos países célticos, ali também está em decréscimo. Encontram-se esses mesmos factos na Escócia, em grau menor. 

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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos (1 de 3), 11º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, OssianDesaixKléberMarceauHocheChampionnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)