Agora temos que considerar se esta vasta
série de fenómenos que nos fazem entrar em comunicação com seres que passaram
para uma outra fase da existência, nos
ensina algo que possa tornar-nos pessoas mais sábias e melhores. Eu
pessoalmente acredito que sim e, me esforçarei, tão brevemente quanto possível,
em apresentar o que são as doutrinas do espiritualismo moderno.
A hipótese do espiritualismo não apenas considera todos os
factos (e é a única que o faz), mas vai ainda mais longe pela sua associação
com uma teoria do futuro estado da existência, que é o único que alguém já deu
ao mundo em condições de ser confiado ao pensamento filosófico moderno. Há uma
concordância geral e um tom de harmonia na quantidade de factos e comunicações
chamadas ‘espirituais’, que têm levado ao crescimento de uma nova literatura e
ao estabelecimento de uma nova religião. As principais indicações desta
doutrina são, que, após a morte, o espírito humano sobrevive num corpo etéreo,
dotado de novas capacidades, mas sendo mental e moralmente o mesmo indivíduo
que era quando vestido de carne; que ele inicia, a partir de certo momento, um
curso de progressão aparentemente sem fim, cuja velocidade está na
medida que as suas faculdades mentais e morais são exercitadas e cultivadas
enquanto se encontra na Terra; que as suas alegrias ou as suas
misérias relativas irão depender inteiramente dele mesmo. Apenas na medida em
que as suas faculdades humanas superiores fizeram parte dos seus prazeres aqui,
ele irá encontrar-se contente e feliz num estado de existência no qual estes
terão o mais completo exercício. Aquele que dependeu mais do corpo que da
mente para os seus prazeres irá, quando aquele corpo não existir mais,
sentir um desejo angustiante e, necessitará desenvolver vagarosa e
dolorosamente a sua natureza intelectual e moral até que
este exercício se torne fácil e prazeroso. Nem punições nem recompensas
são distribuídas por um poder externo, mas a condição de cada um é a
sequência natural e inevitável da sua condição aqui. Ele começa novamente
do nível do desenvolvimento moral e intelectual que atingiu quando estava na
Terra.
Temos aqui um suplemento notável para as doutrinas da
ciência moderna. O mundo orgânico foi levado a um alto estado de
desenvolvimento e sempre mantido em harmonia com as forças da natureza externa
pela grande lei da "sobrevivência do mais adaptado" actuando sobre
organizações em estado de variação contínua. No
mundo espiritual, a lei da "progressão do mais adaptado" ocupa o seu
lugar e traz consigo uma ininterrupta continuidade do
desenvolvimento da mente humana aqui começado.
A comunhão do espírito com o espírito se dá pela leitura de
pensamentos, pela afinidade e, é perfeita entre aqueles cujos seres estão em
harmonia uns com os outros. Aqueles que diferem amplamente possuem pouco ou
nenhum poder de intercomunhão e desta forma são constituídas ‘esferas’,
que são divisões, não meramente de espaço, mas de organizações sociais e morais
afins. Os espíritos das esferas superiores podem se comunicar e, o fazem
algumas vezes, com aqueles duma esfera inferior, mas estes últimos não podem
comunicar-se com os que se encontram acima. Há para todos um progresso
eterno, um progresso que depende apenas do desenvolvimento da natureza
espiritual pelo poder da vontade. Não há espíritos do mal, mas espíritos
de homens maus e, até os piores estão certamente em progresso, ainda que
lentamente. A vida nas esferas superiores possui belezas e prazeres que não
somos capazes de imaginar. As ideias de beleza e poder são
percebidas por meio da vontade e, o cosmos infinito se torna um
campo onde os maiores desenvolvimentos do intelecto se podem estender pela
aquisição do conhecimento sem limites.
Pode pensar-se, talvez, que estou apenas a dizer o meu ideal
de um estado futuro, mas não é isso. Toda a afirmação que fiz é derivada
daquelas fontes desprezadas, a mesa girante (rapping table), a
mão que escreve ou o médium que fala em transe. E para
mostrar que não estou apreciando as ideias em si ou a maneira pela qual elas
nos são transmitidas, adiciono alguns pequenos extractos de comunicações de uma
das mais bem dotadas "médium de transe", a
senhorita Emma Hardinge, agora senhora Hardinge-Brinca.
Nas suas comunicações sobre o Hades, (*) ela
recapitula a sua descrição do nosso progresso através das esferas:
Da natureza destas esferas e dos seus habitantes, temos
falado do conhecimento dos espíritos que ainda estão no Hades. Você teria
alguma definição imediata da sua própria condição e aprenderia como vivê-la,
quais deveriam ser as suas roupas, qual seria a sua mansão, cenário,
propriedade e ocupações? Volte os seus olhos para si mesmo e pergunte o que
aprendeu e o que fez nesta escola para as esferas do mundo dos espíritos.
Então, há uma aristocracia e até uma escala real e graus de variação, mas
a aristocracia é a do mérito e a realeza, a da alma. São apenas os homens
verdadeiramente sábios que governam e, como a alma mais sábia é a melhor
e, como a maior sabedoria é a do maior amor, logo a realeza da
alma é a da verdade e do amor. No mundo do espírito, todo o
conhecimento da Terra, todas as formas da ciência, todas as revelações da arte,
todos os mistérios do espaço devem ser entendidos. A alma
enaltecida está, então, amplamente pronta para a sua partida para um estado
superior ao Hades, precisa conhecer tudo o que a Terra pode ensinar e
ter praticado tudo o que o Céu requer. O espírito nunca deixa as
esferas da Terra antes de possuir completamente toda a vida e o
conhecimento deste planeta e das suas esferas. E embora o progresso se
possa ter iniciado aqui e, nenhuma anotação daquilo que aprendeu, ou pensou, ou
do que se esforçou por fazer é perdido aqui: todas as realizações serão
finalizadas aqui, e nenhuma alma pode fazer o voo para o qual é chamada
pela sua perfeição, ao Céu, até que tenha passado pela Terra e pelo
Hades e, permaneça pronta essa sua completa peregrinação para entrar
nas novas e indescritíveis glórias das esferas celestiais do além.
Poderia o filósofo ou o homem de ciência pintar para si um
ideal de estado futuro mais perfeito que este? Isto não se lhe impõe, como o
que ele poderia desejar, se ele pudesse, por meio deste desejo, formar o seu
próprio futuro? Pois este é o ensinamento do que ele rejeita por
impostura ou trata por ilusão - como truques de trapaceiro ou delírios de
louco: o espiritualismo moderno. Cito outra
passagem da mesma fonte e, pediria aos meus leitores para que comparem a
modéstia do primeiro parágrafo com a pretensão de infalibilidade usualmente
utilizada pelos professores de novos credos ou de novas
filosofias.
/...
(*) Nota da editora: O Hades, segundo os
antigos gregos, seria a região do mundo espiritual para onde iriam os homens
ainda em processo de evolução, de onde retornariam à terra para novas
experiências na carne. Esse processo se renovaria por alternados períodos na
Terra e no Hades, até que o espírito atingisse a perfeição, quando finalmente
habitaria os Campos Elísios. É impressionante a semelhança da crença dos
antigos gregos com os ensinamentos do espiritismo.
Alfred Russel Wallace, O Aspecto Científico
Sobrenatural, IX – Os ensinamentos morais do espiritualismo (1 de 3), 7º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: L’âme de la forêt
| 1898, tempera e folha de ouro sob painel, detalhe, de Edgard
Maxence)
Sem comentários:
Enviar um comentário